Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
293/12.0TTVLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: SUBSTITUIÇÃO DE TRABALHADOR
PROVA
Nº do Documento: RP20141020293/12.0TTVLG.P1
Data do Acordão: 10/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: Não se provando uma substituição directa de trabalhador ausente, não basta, para prova da veracidade desse motivo justificativo aposto no contrato de trabalho, a defesa genérica de que a substituição indirecta é permitida, cumprindo ao empregador alegar e provar os factos concretos integrantes dessa substituição indirecta.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 293/12.0TTVLG.P1
Apelação

Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 406)
Adjunto: Desembargadora Paula Maria Roberto
Adjunto: Desembargadora Fernanda Soares

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
B…, residente em …, Valongo, veio instaurar a presente acção declarativa de condenação com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “C…, S.A”, com sede em Lisboa, peticionando:
“1º Ser declarado por sentença e a R. condenada a reconhecer que o contrato a termo que celebrou com a A. deverá ser considerado como contrato sem termo.
Consequentemente:
2º Ser declarado ilícito o despedimento da A., ocorrido em 30 de Novembro de 2011 e, por via disso, ser a R. condenada a reintegrá-la no posto de trabalho que ocupava à data do despedimento, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.
3º Ser a R. condenada a pagar à A. as retribuições que esta deixou de auferir desde o trigésimo dia anterior ao da propositura da presente ação, até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida, levando-se em conta que à data do despedimento a A. auferia o salário base de € 623,60, que, no entanto, deverá a R. atualizar e pagar, quer em função da atualização salarial decorrente do AE de 2008 (2,8%), quer em função do acréscimo remuneratório devido pela ascenção da A. ao nível correspondente à letra “H”.
Deve ainda a R. ser condenada:
4º A fazer progredir a A. na carreira desde o nível correspondente ao da letra “E” ao nível correspondente ao da letra “H” e a pagar-lhe as diferenças salariais respetivas, cujo valor se relega para liquidação em incidente próprio, por não dispor a A. neste momento de elementos que lho permitam calcular.
E, ainda, a pagar à A.:
5º A título de diuturnidades, a quantia de €3.318,72, tal como se conclui em 56º.
6º A quantia de € 1.447,70, a título de diuturnidades especiais, tal como se conclui em 60º.
7º As quantias que lhe cabe receber nos seus lucros anuais, que tenham sido distribuídos durante o período de vigência do contrato, em montante a liquidar posteriormente, por se ignorar quais os montantes respetivos.
8º O prémio de € 400,00, pela adesão ao AE de 2008, tal como se conclui em 63º e 64º.
9º As quantias retributivas que resultarem da atualização salarial de 2,8% constante do AE de 2008, em vigor desde 1 de Abril de 2008, a liquidar posteriormente, por se ignorar quais os montantes respetivos.
10º A quantia de € 137,15, a título de subsídio de estudos, tal como se conclui em 68º e 69º.
11º A quantia de € 7.001,88, a título de subsídio de infantário, tal como se conclui em € 74º.
12º A quantia de € 2.255,66, a título de subsídio de divisão de correio.
13º A quantia de € 299,30, a título de subsídio de calçado, tal como se conclui em € 85º.
14º Os juros de mora legais, sobre cada uma das quantias peticionadas, a contar das datas em que eram devidos à A. os pagamentos respetivos, ou, caso assim não se entenda, a contar da citação, mas, em qualquer caso, até integral pagamento”.

Alegou a Autora, em síntese, que foi admitida ao serviço da R., por contrato de trabalho escrito a termo incerto, outorgado em 1 de Abril de 2002, para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de “carteira”, no Centro de Tratamento de Correspondências do Norte, ao tempo sito em Vila Nova de Gaia, no horário das 20,00 horas às 04,00 horas.
A contratação a termo foi justificada pela Ré, no contrato, pela necessidade de substituir o trabalhador D…, temporariamente impedido por se encontrar afecto a actividades sindicais.
Em 30 de Dezembro de 2003, Autora e Ré outorgaram uma adenda ao contrato de trabalho, através da qual se operou a alteração do horário de trabalho previsto no contrato.
Em 28 de Novembro de 2011, a Ré comunicou à Autora que o contrato de trabalho cessaria no dia 30 de Novembro de 2011, com o argumento de que havia cessado o motivo da sua celebração.
À data da cessação do contrato de trabalho, o seu local de trabalho já havia sido transferido de Vila Nova de Gaia para a Zona Industrial ….
O trabalhador alegadamente substituído não regressou ao trabalho, antes o seu contrato cessou por via de aposentação.
A substituição referida no contrato celebrado com a Autora nunca ocorreu, pois a Autora nunca exerceu as funções que o trabalhador nele referido como substituído exercia, nem cumpriu os mesmos horários, pese a categoria fosse igual.
É falso o motivo justificativo da sua contratação a termo, tanto mais que, à data em que foi contratada, já o trabalhador D… há muito estava ausente do trabalho e afecto às actividades sindicais.
Ao invés, a Autora foi contratada para suprir necessidades permanentes, que sempre subsistiram e subsistem, no Centro de Tratamento de Correspondências do Norte da Ré, seja porque sempre existiram trabalhadores efectivos em gozo de férias, seja porque alguns se encontravam impedidos por motivos de doença e outros pelas mais diversas razões, seja porque o volume de serviço era enorme, seja ainda porque não se colmatam as vagas deixadas por trabalhadores que se vão aposentando.
Apesar da cessação do contrato de trabalho do D… se ter verificado por virtude da sua aposentação, o seu posto de trabalho nunca foi preenchido por qualquer trabalhador contratado a título definitivo, colmatando a Ré esse posto com trabalho precário.
Já depois da cessação do contrato da Autora, a Ré admitiu vários trabalhadores a termo, para o exercício das mesmas funções, tendo em vista, também, colmatar a ausência daquela.
Relativamente às quantias reclamadas, alegou que ao longo da relação contratual laboral que manteve com a R., foi sócia do E…, e por aplicação do Acordo de Empresa, devia ter tido um enquadramento profissional diverso, nunca a Ré a tendo feito progredir devidamente na carreira, nem lhe tendo pago participação em lucros, prémio de adesão nem diversos subsídios a que tinha direito.

A Ré apresentou contestação concluindo pela sua absolvição, e alegando, em síntese, que as funções exercidas por D… e pela Autora eram exactamente as mesmas, pertenciam à mesma categoria/função profissional, de CRT. O contrato de trabalho da Autora cessou por caducidade, em virtude do D… se ter aposentado, e a essa data tanto ele como a Autora haviam sido transferidos para o centro operacional de correio do Norte, sito na Zona Industrial ….
No que respeita à progressão na carreira e seus reflexos na retribuição da Autora, defende que as mesmas apenas são aplicáveis aos trabalhadores admitidos sem termo, o que não o caso da Autora, e impugna que a Autora estivesse nas condições de beneficiar dos títulos pelos quais reclama créditos salariais.

Foi proferido despacho saneador tabelar, com dispensa da selecção de factos, e fixado o valor da acção em €25.000,00.

Realizou-se audiência de julgamento, tendo o tribunal proferido despacho de fixação da matéria provada e não provada e respectiva motivação e seguidamente proferido sentença, de cuja parte dispositiva consta: “Pelo exposto e considerando como um contrato de trabalho por tempo indeterminado, o celebrado entre a Autora e a Ré no dia 1 de Abril de 2001 e face ao despedimento ilícito de que foi alvo no dia 30 de Novembro de 2011, decido:
I – Reintegrar a Autora no mesmo estabelecimento da Ré, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.
II – Condenar a Ré a pagar à Autora a totalidade das retribuições que deixou de auferir desde o trigésimo dia anterior ao da propositura da presente ação, até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento, tendo em consideração a atualização salarial de 2,8 % decorrente do AE de 2008 e o nível remuneratório correspondente à letra “H”.
III – Condenar a Ré fazê-la progredir na carreira para o nível salarial correspondente à Letra “F” a partir do dia 1 de Abril de 2004, à letra “G” a partir do dia 1 de Abril de 2007 e para a letra “H” a partir do dia 1 de Abril de 2011, pagando-lhe as diferenças salariais respetivas, cujo valor se relega, como peticionado para oportuna liquidação.
IV – Condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de € 3.318,72 (três mil, trezentos e dezoito euros e setenta e dois cêntimos) a título de diuturnidades não pagas até Novembro de 2011.
V – Condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de € 1.293,20 (mil, duzentos e noventa e três euros e vinte cêntimos) a título de “diuturnidades especiais” não pagas até Novembro de 2011.
VI - Condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de € 400,00 (quatrocentos euros) a título de prémio por adesão ao Acordo de Empresa/C… de 2008.
VII – Condenar a Ré a pagar à Autora os juros moratórios a incidir sobre essas quantias, desde a data dos respetivos vencimentos e até integral pagamento.
No mais vai a Ré absolvida.
Custas pela Autora e Ré na proporção do respetivo decaimento, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza a Autora”.

Inconformada, interpôs a Ré o presente recurso, apresentando a final as seguintes conclusões:
1 – Um trabalhador contratado a termo para substituir um trabalhador ausente (ou vários trabalhadores, no caso de férias) não tem necessariamente que o substituir nas concretas tarefas que executava, bastando que se verifique realmente a ausência desse trabalhador, podendo as funções concretas ou o horário que o contratado vai desempenhar não corresponder à do trabalhador substituído, Ac. STJ de 17 de Maio de 2007, P. 537/07.
2 – O trabalhador substituído esteve ausente durante o período em que a autora esteve contratada – matéria provada “A” e “T”.
3 – Dúvidas não há que é verdadeiro o motivo justificativo da celebração do contrato de trabalho a termo, bem como o nexo de motivação entre o mesmo e a realidade verificada – matéria provada “B” e “T”.
4 – Embora as tarefas não fossem exactamente as mesmas, as funções efectivamente desempenhadas pela autora são as mesmas do trabalhador substituído, leia-se, Carteiro (CRT) pelo que o contrato é formal e materialmente válido – matéria provada “D”.
5 – Assim, e na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça: (...) o facto de ter trabalhado em “giros” diversos dos da trabalhadora substituída não obsta a que se conclua pela verificação de uma substituição, uma vez que a fixação dos giros que, em concreto, o trabalhador deve assegurar, faz parte do poder de direcção que, como vimos, pertence à entidade empregadora, mutatis mutandis para tarefas internas realizadas por carteiros na central de tratamento de correios.
6 – Ao decidir como decidiu a Douta sentença violou a alínea a) do nº 1 do artº 41º, 48º, 49º e 50º todos da LCCT e deve ser revogada.
Deve, por isso, ser revogada a sentença e em conformidade ser a Ré, ora recorrente absolvida.

Contra-alegou a recorrida, pugnando pela improcedência do recurso.
O Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, a única questão a decidir é a de saber se a contratação da Autora a termo foi lícita.

III. Matéria de facto
A matéria de facto dada como provada na 1ª instância – e que este tribunal mantém, porque a matéria de facto não foi impugnada e porque os elementos do processo não impõem decisão diversa, nem foi admitido documento superveniente com virtualidade para infirmar aquela decisão – é a seguinte:
A) A autora foi admitida ao serviço da ré, por contrato de trabalho escrito a termo incerto, outorgado em 1 de Abril de 2002, para, mediante a retribuição mensal de base de € 530,22, desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de “carteira”, no Centro de Tratamento de Correspondências do Norte, ao tempo sito em Vila Nova de Gaia, no horário das 20,00 horas às 04,00 horas, tendo-lhe sido atribuído o número de mecanográfico ……..
B) O contrato de trabalho do D… cessou por caducidade, em virtude da sua passagem à aposentação ocorrida em 21 de novembro de 2011 com efeitos a partir de 1 de dezembro de 2011.
C) À data da cessação do contrato do contrato de trabalho da autora, o seu local de trabalho era na Zona Industrial …, bem como do B… que também foi transferido de Vila Nova de Gaia para a Zona Industrial ….
D) A categoria profissional quer da autora quer do D… era de “carteiro”.
E) Ao longo da relação contratual laboral que manteve com a ré, a autora foi sócia do “E…, tendo o número …...
F) Quando a autora foi contratada pela ré, com a categoria de carteira ingressou no nível remuneratório correspondente à letra "E".
G) A ré nunca fez progredir a autora na carreira, mantendo-a sempre no nível correspondente ao da letra "E".
H) O montante de diuturnidades previsto era de € 26,85, que foi aumentado para € 29,91 a partir de 20 de Abril de 2008, nunca tendo sido pago à autora, qualquer valor a título de diuturnidade.
I) O valor de “diuturnidade especial” previsto no A.E. era até maio de 2004 no valor de € 10,30 x 14 meses, tendo passado para o montante de € 13,11 x 14 meses a partir de Junho de 2004, nunca tendo sido paga à Autora qualquer quantia a título de “diuturnidade especial”.
J) Ascendia a € 400,00 o valor do prémio pecuniário devido a cada trabalhador que aderisse individualmente ao A.E. de 2008 ou que fosse associado do sindicato outorgante desse A.E., não tendo a ré pago à autora qualquer quantia relativa a esse prémio.
K) A autora tem uma filha, F…, nascida em 5 de julho de 2001.
L) Nos termos do disposto no Regulamento das Obras Sociais dos C… cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 51 a 69, cujo teor se dá por reproduzido, está previsto um subsidio de estudos no montante anual de € 27,43 que nunca foi pago à autora, bem como a existência de um subsidio de infantário no valor de € 58,59 até abril de 2009 que passou a ser de € 65,01 a partir dessa data e que também não foi pago à autora.
M) Só a partir do mês de Fevereiro de 2008 é que a ré passou a pagar à autora o subsídio de divisão de correio, por cada dia de trabalho.
N) A autora não registou qualquer ausência ao trabalho durante o período de Abril de 2002 e Janeiro de 2008.
O) Até maio de 2004, o valor do “subsídio por divisão do correio” tinha o montante de € 1,05 por cada dia de trabalho.
P) De junho de 2004 até maio de 2005 foi aumentado para € 1,07
Q) De junho de 2005 a abril de 2006 foi aumentado para € 1,09
R) A partir de maio de 2006 passou a ascender a € 1,10.
S) A ré comunicou à autora a caducidade do contrato em 28 de novembro de 2011 com efeitos ao dia 30 desse mês "em virtude da cessação do motivo que lhe deu origem", tendo a autora tido conhecimento de tal comunicação nesse mesmo dia 28 de novembro.
T) O trabalhador da Ré, D…, esteve na situação de dirigente sindical “a tempo inteiro” pelo menos entre 1/04/2002 e 30/11/2011.
U) No dia em que a Autora iniciou o seu contrato de trabalho com a Ré, já o D… estava nessa situação de dirigente sindical.
W) A Autora por determinação da Ré nunca ao longo de todo o seu contrato cumpriu o horário das 15,00 às 23,00 horas, mas apenas os horários das 16,00 às 24,00 horas e das 23,00 às 7,00 horas.
V) Dou por integralmente reproduzido o teor do “Contrato de Trabalho a Termo Incerto” cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 22, do qual consta que o motivo que fundamentou a celebração do mesmo, era a B… ir prestar as funções de carteiro, no Centro de Tratamento de Correspondências do Norte, em Vila Nova de Gaia, “pelo tempo necessário à substituição do trabalhador D…, que se encontra temporariamente impedido de prestar trabalho, por se encontrar requisitado para actividades sindicais, no E…”.
X) No dia 30 de dezembro de 2003 a Autora e a Ré outorgaram uma adenda ao contrato de trabalho, através da qual se operou a alteração do horário de trabalho previsto no contrato, passando a partir do dia 2 de Janeiro de 2004, a Autora a cumprir alternadamente, de duas em duas semanas, os seguintes horários de trabalho, de acordo com as escalas em vigor: das 15,00 às 23,00 horas, das 16,00 às 24,00 horas e das 23,00 às 07,00 horas.
Y) O D… encontrava-se ausente da empresa Ré, em funções de dirigente sindical a tempo inteiro do “E…” desde o dia 22 de novembro de 1998.
Z) O D… quando foi exercer as funções de dirigente sindical a tempo inteiro, exercia funções no setor de divisão geral de “correio de finos” e de indexação (digitalização de códigos postais).
AA) A Autora exercia a sua atividade no setor da “preparação de correio”, que antecedia o setor de divisão do correio.
AB) Para quem trabalhava no setor da “divisão dos correios finos” não existia o turno das 20 horas às 4 horas.
AC) A Ré desde há vários anos que sempre teve e continua a ter ao seu serviço, carteiros contratados a termo (“assalariados”), nomeadamente para substituição de carteiros que se encontram de férias, ou que se encontram doentes ou por efeitos de absentismo.
AD) Dou por integralmente reproduzido o teor da deliberação do Conselho de Administração dos C…, de 16 de janeiro de 1997, relativo à aprovação de um subsídio anual para aquisição de sapatos e botas, cuja cópia está junta a fls. 71.

Apreciando:
Atenta a data de celebração do contrato, anterior à entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003 – artigo 3º da Lei 99/2003 – a disciplina legal a convocar é que a sentença recorrida indica, e que de resto a recorrente não põe em causa, e citamos:
“Como se sabe a celebração de um contrato de trabalho a termo certo ou incerto, para além de excepcional é também formal, pois que em conformidade com o estipulado no artigo 42°, n. 1 do D.L. 64-A/89 de 27/2, (LCCT) 7 em vigor à data do contrato, está sujeita à forma escrita, devendo tal documento ser assinado por ambas as partes e conter entre outras indicações; os factos e circunstâncias concretas que integram o motivo justificativo, sendo que a falta de indicação implica que o contrato seja considerado como contrato sem termo.
A contratação a termo está sujeita aos requisitos formais e materiais previstos no artigo 42.º do mesmo diploma, sendo que esta norma deve ser conjugada com o artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 38/96, de 31.08, o qual estabelece que “A indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo, […], só é atendível se mencionar concretamente os factos e circunstâncias que objectivamente integram esse motivo, devendo a sua redacção permitir estabelecer com clareza a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado”, sendo que nos termos do nº2 do artigo 41º da LCCT “A celebração de contratos a termo fora dos casos previstos no número anterior importa a nulidade da estipulação do termo, adquirindo o trabalhador o direito à qualidade de trabalhador permanente da empresa.
Uma das situações já a essa data previstas para a celebração do contrato de trabalho a termo incerto era assim a da substituição temporária de trabalhador que, por qualquer razão, se encontre impedido de prestar serviço”, como resulta do disposto no artigo 41º nº1 al. a) e 48º
do D.L. 64-A/89 de 27/2”.
Não estão em causa as considerações vertidas na sentença recorrida sobre o carácter excepcional da contratação a termo e da justificação constitucional deste carácter excepcional.
Está também fora de causa que o ónus de prova sobre a veracidade dos motivos indicados para o termo pertence ao empregador, e tal como se afirma na sentença, não está também em causa a validade formal do contrato, que a autora não questionou.
Portanto, o que está apenas em causa é a conclusão do tribunal recorrido de que “Assim e tudo ponderado considero que a Ré não logrou provar (como lhe competia) que tenha contratado a Autora para substituir o seu trabalhador D…”.
Ora, o Mmº Juiz a quo chegou a esta conclusão ponderando que, e citamos, sem transcrição das notas de rodapé: “O motivo que fundamentou a celebração do mesmo, foi a Autora ir prestar as funções de carteiro, no Centro de Tratamento de Correspondências do Norte, em Vila Nova de Gaia, “pelo tempo necessário à substituição do trabalhador D…, que se encontra temporariamente impedido de prestar trabalho, por se encontrar requisitado para actividades sindicais, no E…”.
Resultou efetivamente provado que à data da celebração do contrato o D…, já estava na situação de dirigente sindical “a tempo inteiro”, situação que manteve até à sua reforma, sendo certo que se o impedimento do trabalhador substituído se tornar definitivo o contrato de trabalho a termo incerto não se converte em contrato sem termo.
Ficou também provado que tanto a Autora como o D… tinham a mesma categoria profissional e que o local de trabalho inicial era no Centro de Tratamento de Correspondências do Norte, ao tempo sito em Vila Nova de Gaia, passando depois para o Centro de Tratamento de Correspondências do Norte, na Zona Industrial …
À primeira vista pareceria ser assim perfeitamente válida, também no plano substantivo, essa contratação a termo incerto.
O trabalhador estava a exercer funções sindicais fora da empresa por tempo indeterminado, ambos eram carteiros e o seu local de trabalho era no Centro de Tratamento de Correspondências do Norte.
Porém e salvo o devido respeito por opinião contrária, só aparentemente é que se deve considerar que a Autora foi contratada para substituir o D….
Por um lado, as tarefas que o D… desempenhava, embora também contidas nas funções de carteiro, eram tarefas mais especializadas, pois que quando foi exercer as funções de dirigente sindical a tempo inteiro, estava afeto ao setor de divisão geral de “correio de finos” e de indexação (digitalização de códigos postais), enquanto que a Autora foi para o setor da “preparação de correio”, que antecedia o setor de divisão do correio.
Aliás não foi certamente por acaso que como refere a própria Ré só passou a pagar a à Autora a partir do mês de Fevereiro de 2008 o subsídio de divisão de correio, por cada dia de trabalho, pois que naturalmente durante esses mais de sete anos, a Autora não desempenhava tais tarefas.
Também do horário de trabalho praticado por aqueles trabalhadores, resulta claro que a Autora não foi substituir o D….
É que para quem como ele, trabalhava no setor da “divisão dos correios finos” não existia o turno das 20 horas às 4 horas e a Autora foi contratada precisamente para trabalhar nesse horário, como resulta da cláusula 3ª do referido “Contrato de Trabalho a Termo Incerto”, celebrado com a Ré no dia 1 de Abril de 2002.
Por último, também não é crível que ela tenha sido contratada para o substituir quando este já se encontrava ausente da empresa Ré, em funções de dirigente sindical a tempo inteiro desde o dia 22 de novembro de 1998 (quase dois anos e meio após a ausência daquele!), não tendo a Ré alegado que entretanto, nesse espaço de tempo, outros trabalhadores o tivessem substituído.
É verdade que como ensina Júlio Gomes é permitida a substituição em cadeia, na qual o trabalhador contratado a termo não vai ocupar o posto de trabalho do trabalhador substituído, mas sim de um outro trabalhador que, no âmbito, por exemplo, de uma alteração funcional ou do ius variandi foi substituir diretamente o trabalhador substituído.
Sucede que os “C…” não alegaram que fosse essa a situação acontecida com a Autora”.

A recorrente defende nas conclusões do recurso – (…) “na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça: (...) o facto de ter trabalhado em “giros” diversos dos da trabalhadora substituída não obsta a que se conclua pela verificação de uma substituição, uma vez que a fixação dos giros que, em concreto, o trabalhador deve assegurar, faz parte do poder de direcção (…)” – que um trabalhador contratado a termo para substituir um trabalhador ausente não tem necessariamente que o substituir nas concretas tarefas que este executava nem no horário deste, bastando que se verifique a ausência do substituído.
Embora as tarefas não fossem exactamente as mesmas, as funções efectivamente desempenhadas pela autora eram as mesmas do trabalhador substituído, “leia-se, Carteiro (CRT)”.
Nem nas conclusões do recurso nem no corpo da alegação a recorrente rebate os argumentos do Mmº Juiz a quo, muito em especial o argumento de que a Ré não tinha alegado a substituição indirecta, na sua contestação, mas apenas a substituição directa do trabalhador dirigente sindical pela autora. De facto, a Ré alegou a substituição directa, a possibilidade das funções exercidas não serem exactamente as mesmas em função do poder de direcção – artigo 6º da contestação, retomado numa referência genérica à jurisprudência do STJ no artigo 25º da contestação – que o motivo da contratação foi a substituição dum determinado e identificado trabalhador, que tinha a mesma categoria da autora, e a caducidade do contrato daquele e por inerência, a licitude da comunicação à autora da caducidade do seu contrato.
Ora, além de concordamos inteiramente com o Mmº Juiz a quo quando defende que não é crível que a autora tenha sido contratada em 2002 para substituir um trabalhador ausente desde 1998 – e repare-se, a Ré não alegou nem provou que a necessidade de substituição do mesmo só tivesse sobrevindo em 2002 –, menos crível ainda porque a contratação é para um horário e para uma tarefa que o trabalhador a substituir nunca exerceu – independentemente da licitude que a jurisprudência citada pela recorrente vem defendendo sobre esta possibilidade – os dois aspectos conjugam-se, na prova de que o fundamento constante do contrato é verdadeiro, com o facto do trabalhador a substituir já não estar ao serviço há anos, e esta conjugação gera portanto a séria desconfiança de que a autora não foi contratada para o substituir.
Acresce que é nossa convicção que, sendo admitida a substituição indirecta, por via de não tornar rígido o poder de direcção do empregador, ela exige, enquanto fundamento da validade substancial do termo, que tal substituição indirecta seja alegada e provada. E nos autos fenece, a este propósito, a alegação – não basta dizer que a substituição indirecta é legal, impõe-se que se diga que a autora foi contratada para substituir indirectamente o tal dirigente sindical – e a prova dum facto que o afirme, isto é, não há nenhum facto que nos diga que a autora foi contratada para substituir indirectamente o dirigente sindical. E é por isso que ficamos com uma substituição de um trabalhador há anos ausente do serviço, que antes dessa ausência exercia tarefas no correio fino num determinado horário, por uma trabalhador que vai exercer tarefas de preparação de correio, prévias ao tratamento de correio fino, num horário diferente.
A questão não é se pode, em abstracto, isto acontecer. A questão é que ao empregador compete provar que o motivo constante do texto formal do contrato corresponde à realidade.
Como se escreveu no Ac. desta Relação de 21.5.2012, prolatado pelo ora relator no processo 2241/10.3TTPNF.P1 (inédito): “A necessidade de menção concreta no contrato, dos motivos justificativos do termo, em termos que se consiga estabelecer a relação entre eles, em recondução à base autorizante legal que é a do suprimento de necessidades temporárias, é estabelecida em benefício do trabalhador – que assim se convence da justeza da sua contratação, e em teoria pode abdicar da procura duma solução mais estável – e para permitir à única instância sindicante, o tribunal, aferir da validade do termo, ou seja, poder responder se no caso concreto, de facto, o que consta do contrato, foi verdadeiro. Pela mesma razão pela qual não são permitidas reproduções de excertos legais na indicação dos motivos, a admissibilidade da substituição indirecta sem estar mencionado no contrato parece-nos muito duvidosa. Diríamos que em regra, o empregador, na previsão da normalidade das alterações de serviço, pode, e logo deve, consagrar no contrato a eventualidade da substituição indirecta. Mas mesmo que assim não se entenda, mesmo que as alterações sejam inesperadas ou imprevisíveis, então o empregador tem de provar, materialmente, que a dita substituição indirecta ocorreu, ou seja, terá de provar na acção que o trabalhador contratado a termo foi substituir quem substituiu aquele que vinha mencionado no contrato. Trata-se apenas duma questão de prova, que não representa qualquer ingerência no poder organizativo do empregador. Organize como melhor lhe aprouver o serviço, substituindo quem quiser, mas terá de demonstrar os passos concretos das substituições ou organizações de serviço a que procedeu – para que no final, o tribunal possa dizer que sim, o trabalhador autor realmente substituiu indirectamente os trabalhadores mencionados no contrato”.
Em conclusão: apesar de se provar que durante o tempo de contratação da autora o trabalhador indicado no contrato como substituído esteve ausente do serviço, e que ambos tinham a mesma categoria, tal não é suficiente para provar que a autora, durante a sua contratação o substituiu, directamente – visto que se provou não exercer as mesmas tarefas nem cumprir o mesmo horário – ou indirectamente – visto que a Ré não alegou nem provou quais os trabalhadores que, segundo a evolução das necessidades a que o poder directivo proviria, substituíram directamente o trabalhador mencionado no contrato e foram, por sua vez, substituídos pela autora.
Improcede pois o recurso e deve confirmar-se inteiramente a sentença recorrida.
Tendo decaído no recurso, é a recorrente responsável pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC.

IV. Decisão
Nos termos supra expostos acordam negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

Porto, 20.10.2014
Eduardo Petersen Silva
Paula Maria Roberto
Fernanda Soares
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Sumário a que se refere o artigo 663º, nº 7 do actual CPC:
Não se provando uma substituição directa de trabalhador ausente, não basta à prova da veracidade desse motivo justificativo aposto no contrato de trabalho, a defesa genérica de que a substituição indirecta é permitida, cumprindo ao empregador alegar e provar os factos concretos integrantes dessa substituição indirecta.

Eduardo Petersen Silva
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artigo 138º nº 5 do Código de Processo Civil).