Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
13688/16.1T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ MANUEL DE ARAÚJO BARROS
Descritores: REGULAMENTO (EU) N.º 1215/2012
FIXAÇÃO CONVENCIONAL DA JURISDIÇÃO
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO PASSIVO
Nº do Documento: RP2018092713688/16.1T8PRT.P1
Data do Acordão: 09/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL (2013)
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º144, FLS.260-266)
Área Temática: .
Legislação Comunitária: REGULAMENTO (EU) N.º1215/2012
Sumário: I - Na ordem jurídica portuguesa, vigoram em simultâneo dois regimes de competência internacional, o regime comunitário e o regime interno, sendo que, quando a acção estiver compreendida no âmbito de aplicação do regime comunitário, este prevalece sobre o regime interno, por ser de fonte hierarquicamente superior, face ao princípio do primado do direito europeu.
II - O regime comunitário consta do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, que substituiu o Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22 de Dezembro de 2000, aplicável às acções judiciais intentadas até 10 de Janeiro de 2015.
III - Em matéria civil e comercial, o regime regra para fixação da competência internacional e critério fundamental de conexão é o do domicílio do requerido (localizado num Estado-Membro), independentemente da nacionalidade deste.
IV - No entanto, são enumerados nas secções 2 a 7 (artigos 7º a 26º) desse regulamento um conjunto de critérios especiais, nomeadamente o relativo à fixação convencional da jurisdição, prevista no artigo 25º, nº 1.
V - Dispôs ex novo este preceito, já que tal não constava do correspondente artigo 23º, nº 1, do Regulamento 44/2001, que a validade substancial do pacto de jurisdição será conhecida nos termos da lei do Estado-Membro do tribunal nele designado como competente para a resolução do litígio.
VI - No caso em apreço, sendo francês o tribunal cuja competência foi convencionalmente designada, não colhe a invocação da nulidade da cláusula pactuada, por violação do disposto no artigo 94º, nº 3, alínea c), do Código de Processo Civil, ou dos artigos 5º, 6º e 8º do DL 446/85, de 25 de Outubro, posto que não existe na lei processual civil francesa preceito idêntico àquele, nem as normas do Code de la Consommation correspondentes a estes últimos são in casu aplicáveis, dado que os autores não intervieram no contrato na qualidade de consumidores.
VII - Não constando do contrato celebrado pelos autores com uma das rés, também com domicílio em Portugal, nenhum pacto de jurisdição, nada impede que essa ré seja demandada perante tribunal português, excepto no que concerne ao pedido absolutamente dependente de pedido formulado contra outra ré, com a qual os autores convencionaram a competência exclusiva de tribunal francês.
VIII - Não havendo litisconsórcio necessário passivo, nada obsta ao conhecimento de um pedido subsidiário para o qual os tribunais portugueses sejam internacionalmente competentes, mesmo que subsequente ao afastamento da competência destes quanto ao pedido principal, do qual aquele não seja dependente, não cabendo em tal caso recurso à regra do nº 3 do artigo 82º do Código de Processo Civil, apenas válida no âmbito da competência em razão do território.
IX - A possibilidade conferida pelo artigo 8º, nº 1, do Regulamento n.º 1215/2012, de que «uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode também ser demandada, se houver vários requeridos, perante o tribunal do domicílio de qualquer um deles, desde que os pedidos estejam ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídos e julgados simultaneamente para evitar decisões que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente», não será de admitir se contender com regras que envolvam atribuição de competência exclusiva, como a que pode resultar de pacto atributivo de jurisdição, nos termos previstos no artigo 25º, nº 1, daquele regulamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 3ª SECÇÃO – Processo nº 13688/16.1T8PRT.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Central Cível do Porto
SUMÁRIO
(artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
RELATÓRIO
B…, Lda, C…, D…, E…, Lda, F…, G…, H…, I…, J…, Lda, e K…, Lda, intentaram acção com processo comum contra L…, SA, M…, SA, e N…, SA, pedindo a condenação destas:
a. a Ré N…, a ver contrato de sublicenciamento pactuado com os autores anulado;
b. as Rés M… e L…, a verem anulados contratos com elas celebrados, dependentes do celebrado com a Ré N….
Subsidiariamente, para a hipotética improcedência dos pedidos antecedentes,
c. verem declaradas nulas e/ou excluídas cláusulas que especificam do contrato dos Autores, com a Ré N…; e
d. verem declarados resolvidos os contratos das Rés M… e L…, por incumprimento que lhes é imputável.
Em qualquer caso,
e. a Ré L… e, solidariamente com esta, as restantes Rés, a pagarem aos Autores que produziram e entregaram produtos indemnização a liquidar em execução de sentença, pela diferença em falta, do preço devido, pelas campanhas de 2014 e 2015, acrescida de juros à taxa legal, os vencidos e os vincendos desde a citação.
Estribaram o seu pedido, em súmula, em contratos celebrados entre autoras e rés incumpridos por estas.
Citadas, apresentaram-se as rés a contestar e a ré N… a reconvir, além do mais excepcionando a incompetência internacional do tribunal.
As autoras replicaram, respondendo à excepção deduzida e pugnando pela improcedência da reconvenção.
Dispensada audiência prévia e realizada tentativa de conciliação, improfícua, foi proferida decisão que, julgando procedente a excepção de incompetência internacional do tribunal, absolveu as rés da instância quanto aos pedidos formulados na acção e absolveu o autor D… quantos aos pedidos contra si formulados em sede de reconvenção pela ré N….
Inconformados, vieram os autores interpor recurso, o qual foi admitido como de apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo.
As rés contra alegaram.
Foram dispensados os vistos
II
FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS
Transcrevem-se os factos alegados pelas autoras que foram considerados na decisão recorrida.
- Os Autores celebraram com a Ré N… contrato denominado de contrato de concessão de sublicença de certificados de obtenção vegetal para o aprovisionamento exclusivo dos licenciados de marca.
- Celebraram-no, uns Autores em 10-05-2013 e outros nos primeiros meses do ano de 2015.
- Tudo conforme melhor resulta de exemplar desses contratos que juntam como documento nº 1 da petição inicial.
- Esses contratos foram celebrados nos respectivos domicílios profissionais ou pessoais dos diferentes Autores, não obstante de alguns deles constar a menção da sua celebração em …, França, correspondente à sede comum das Rés N… e M….
- A Ré N…, naquele contrato e como pressuposto da contratação, declarou-se perante os Autores detentora da licença de exploração exclusiva das plantas, objecto dos certificados de obtenções vegetais das variedades de …, no território europeu, para a reprodução, distribuição e venda dos direitos de exploração da marca O…, na Europa, tendo, portanto, o direito de a sub-licenciar aos produtores agrícolas.
- Mais declarou ser detentora da licença, não exclusiva, para marketing e venda dos frutos, sob aquela marca O…, provenientes daquelas plantas.
- Ao abrigo daquele contrato com a Ré N…, os Autores, na qualidade de produtores de Kiwis, detentores de explorações agrícolas sitas nos respectivos domicílios profissionais ou pessoais, adquiriram os direitos de criação, cultivo e colheita de variedades de Kiwi ….
- Ficando os Autores, no entanto, obrigados e condicionados a vender os frutos objecto daquela exploração exclusivamente a operadores comerciais, sub-licenciados pela Ré N….
- Na data de 11-04-2014 e posteriormente em Maio de 2015, nos seus domicílios profissionais, os Autores B…, Lda., C…, D… e E…, Lda., celebraram, com a Ré M… (na qualidade de operadora comercial, sub-licenciada e indicada pela Ré N…), o contrato de venda dos frutos explorados, nas suas explorações agrícolas, ao abrigo do contrato de concessão outorgado com a Ré N…, tudo conforme melhor resulta de exemplar desses contratos que juntam sob o documento nº 2 da petição inicial.
- Em meados de Junho/Julho do ano de 2015, na cidade do Porto, o senhor P…, legal representante das três Rés, comunicou aos Autores com fruta para venderem nesse ano, que os direitos de comercialização da fruta dos agricultores portugueses, pela Ré M…, iriam passar a ser exercidos por uma nova entidade, a Ré L…, à qual foram cedidos pela Ré M…, autorizada pela N….
- Tal aconteceu em vésperas da colheita de 2015, quando os produtores já não dispunham de tempo para eventual alternativa/solução de escoamento da fruta.
- Assim, em Agosto de 2015, por contrato verbal, aqueles Autores venderam à Ré L… toda a fruta produzida, referente à campanha de 2015.
- A qual foi entregue pelos mesmos e foi pela Ré L… recebida, nas instalações que disponibilizou na freguesia de …, do concelho de Guimarães, mais concretamente nas instalações da empresa “Q…, tal como havia já sucedido no ano de 2014.
- Tal venda e entrega foi feita no âmbito da execução continuada do contrato supra referido de fornecimento exclusivo da fruta produzida por aqueles Autores, celebrado com a Ré M…, por imposição do contrato, com a Ré N…, a que esses Autores aderiram.
- A cessão da posição contratual da Ré M… para a Ré L… foi confirmada, formalmente, pela Ré N…, por mensagem de correio electrónico de 04-12-2015.
- Do contrato junto pelos autores sob o documento nº 1, consta uma cláusula (artigo 2-20 – Atribuição de Jurisdição), nos termos da qual, todos os diferendos contratuais, nomeadamente quanto à sua validade, interpretação, execução ou cessão, serão submetidos ao Tribunal de Grande Instância de Bordéus, França (fls. 24 e 51, verso).
- Do contrato junto pelos autores sob o documento nº 2, consta uma cláusula (artigo 17: Atribuição de Jurisdição), nos termos da qual, todos os diferendos contratuais serão submetidos ao Tribunal de Comércio de DAX, França (fls. 29, verso).
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Conclusões das alegações de recurso
1. O Tribunal da primeira instância declarou-se incompetente com sustento num pacto atributivo de jurisdição, nos termos do qual, para apreciar a presente acção, seria competente o Tribunal de Grande Instância de Bordéus, França.
2. Indagou aquele Tribunal que existe um pacto atributivo de jurisdição que é válido e que não contendem com os artigos 59º, 62º, 63º e 94º do CPC, nem com os Regulamentos Europeus.
3. Existe, no caso dos autos, uma notória e evidente grave inconveniência à atribuição da competência àquele Tribunal Francês.
4. O que se constata a diversos níveis, nomeadamente:
- necessidade de contratação de advogados franceses e portugueses na intermediação;
- deslocações de partes, advogados e testemunhas;
- custos extremamente mais acrescidos ao nível de honorários e emolumentos de acesso à justiça;
- os Autores, parte mais fraca da relação jurídica, estariam sujeitos a uma legislação que lhes é alheia;
- os Autores não dispõem de representação em França, ao passo que as Rés N… e M… possuem, na veste da Ré L….
5. Afiguram-se, portanto, notórios os graves inconvenientes que, além do mais, são dissuasores do recurso à justiça.
6. A que acresce que os Autores limitaram-se a aderir ao contrato pré elaborado pelas Rés, por ser contrato de adesão e não negociado.
7. Temos, assim, verificada a falta de interesse de ambas as partes, por um lado, e que a fixação do foro, por outro, no caso concreto, envolve um grave inconveniente para os Autores, parte mais fraca do contrato.
8. Foi, assim, atribuída errada interpretação e aplicação do artigo 94 n.º 3 al. c) do Código de Processo Civil e, portanto, a eleição do foro resultante daqueles pactos não poderia ser julgada válida.
9. Os Autores, aqui Recorrentes, não procederam à livre negociação dos contratos em que estão ínsitos nos pactos atributivos já mencionados, nem lhes foi possível propor qualquer alteração ao texto que lhes foi apresentado.
10. Estamos perante contratos de mera adesão.
11. Ao longo da PI, foi expendida vária argumentação no sentido da invalidade e/ou exclusão de todas as cláusulas contratuais inseridas nos contratos, precisamente por se tratarem de contratos de adesão a que os Autores aderiram sem explicação das cláusulas.
12. Nas quais se incluem os pactos atributivos de jurisdição aqui em discussão.
13. Portanto, aqueles pactos são inválidos.
14. E, de modo algum se pode analisar a validade ou não de um pacto atributivo de jurisdição à luz precisamente à luz da lei indicada por essa nulidade, devendo, sim, ser apreciado à luz da lei do tribunal julgador da questão que lhe é apresentada nos autos.
15. A validade dos pactos teria de ser avaliada pelo Tribunal recorrido, para o que carecia (salvo melhor entendimento), a este título, da produção e prova.
16. A igual entendimento resulta do disposto no artigo 25º, n.º 5 do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro dispõe, que dispõe que “os pactos atributivos de jurisdição que façam parte de um contrato são tratados como acordo independente dos outros termos do contrato”.
17. Pelo exposto, sempre deveria o Tribunal a quo aferir da validade dos pactos e não limitar-se a reconhecer a sua existência e conformidade com as regras processuais civis, devendo, ao invés, aferir da sua validade material, coisa que não fez.
18. Violou, assim, o artigo 59º do CPC e aquele artigo 25º, n.º 5 do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro.
19. E violou ainda os artigos 227º, n.º 1, 405º, n.º 1, 280º todos do Código Civil e artigos 5º, 6º e 8º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro.
20. São três as Rés nos autos, a N…, a M… e a L….
21. O Tribunal da primeira instância argumenta, com vimos, com a validade dos Pactos atributivos de jurisdição.
22. Inexiste porém, qualquer pacto atributivo de jurisdição com esta Ré L….
23. Aqueles pactos não se aplicam a esta Ré, que não os celebrou, nem os Autores celebraram qualquer pacto atributivo de jurisdição com esta Ré.
24. Não se verifica a coligação ilegal do artigo 37º, n.º 1 do CPC, porque artigo 8º, n.º 1, do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro dispõe que “uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode também ser demandada: 1) se houver vários requeridos, perante o tribunal do domicílio de qualquer um deles, desde que os pedidos estejam ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídos e julgados simultaneamente para evitar decisões que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente”.
25. O que também tem acolhimento no artigo 62º, alínea b) do CPC.
26. Mesmo na eventualidade da procedência da incompetência internacional contra as Rés N… e M…, sempre o Tribunal se teria de julgar competente para julgar os pedidos formulados contra a Ré L…, expurgando os pedidos a ela alheios.
27. Em face daquele artigo 8º, n.º 1, do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro, não obstante a existência dos pactos atributivos (mesmo que fossem considerados válidos), o Tribunal seria sempre competente para apreciar os pedidos formulados contras as Rés N… e M…, pela conexão latente que resulta da PI em relação à Ré L… e demais pedidos.
28. Houve, assim, erro de julgamento do Tribunal que desconsiderou a existência de uma terceira Ré cuja competência internacional dos pedidos formulados contra ela não pode ser posta em causa, e violou ainda o artigo 59º do CPC e artigo 8º, n.º 1 do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro.
Nestes termos e nos que V. Ex.as doutamente suprirão, deve o Tribunal da Comarca do Porto ser declarado competente para apreciar todos os pedidos formulados à ordem deste.
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DISCUSSÃO
1. O senhor juiz a quo julgou o tribunal internacionalmente incompetente para conhecer do presente pleito. Estribou-se, para tanto, no Regulamento (CE) nº 44/2001, de 16 de Janeiro, e no Regulamento (UE) nº 1215/2012, de 12 de Dezembro, que versam a competência judiciária em matéria civil e comercial.
Sustentam os recorrentes serem os tribunais portugueses competentes para conhecerem o litígio.
A acção foi instaurada por sociedades comerciais cuja sede social é em Portugal contra três sociedades, duas delas com domicílio em França, tendo como causa de pedir relação contratual entre autores e rés, nos termos da qual os autores foram autorizados por estas a cultivar determinados frutos, de cuja produção detinham exclusivo, fornecendo-os às rés ou a quem por ela designado, contra pagamento acordado.
Nos termos da legislação portuguesa, os critérios definidores da competência internacional dos tribunais portugueses, à data da propositura da acção (artigo 38.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto), constam dos artigos 62º e 63º do Código de Processo Civil. No entanto, atentas as conexões objectivas e subjectivas subjacentes ao litígio, importa ter em conta que Portugal e França fazem ambos parte da União Europeia, pelo que serão de chamar à colação as normas jurídicas europeias sobre esta matéria. E isto por força do princípio do primado do direito europeu, com expressão no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático». Assim, em caso de divergência entre as disposições relativas à competência internacional, se a acção estiver compreendida no âmbito de aplicação do regime comunitário, será esse o regime que prevalece, por ser de fonte hierarquicamente superior. Aliás, o artigo 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, que atribui carácter geral ao Regulamento estatui que este «é obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados-Membros». Daí a correspectiva reserva aposta no artigo 59º do Código de Processo Civil, relativo à competência internacional dos tribunais portugueses, cujas regras vigoram «sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais». Uma mais pormenorizada análise deste tema, no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 9 de Junho de 2016 (Maria Purificação Carvalho), in www.dgsi.pt.
2. O regime comunitário aplicável é o constante do Regulamento (UE) nº 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012. Por força do preceito do artigo 66º, nº 1, nos termos do qual este «regulamento aplica-se apenas às acções judiciais intentadas (…) em 10 de Janeiro de 2015 ou em data posterior». O que se frisa especialmente, dado que na sentença recorrida se considerou, quanto a nós indevidamente, o Regulamento (CE) nº 44/2001, de 22/12/2000, que antecedeu aquele.
O que não é despiciendo, dado que a disciplina relativa à fixação convencional da jurisdição não é idêntica nos dois diplomas. Assim, no artigo 25º, nº 1, do Regulamento nº 1215/2012, postula-se que «se as partes, independentemente do seu domicílio, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência, a menos que o pacto seja, nos termos da lei desse Estado-Membro, substantivamente nulo». Sendo certo que o correspondente preceito do Regulamento nº 44/2001, o artigo 23º, nº 1, não remetia para a lei do Estado-Membro eleito convencionalmente a apreciação da validade substantiva do pacto. Tudo levando a crer que tal questão devesse ser apreciada pela lei do estado onde a acção fosse proposta. Essa inovação é, aliás, enfatizada no considerando preambular (20) daquele diploma, onde expressamente se refere que “a questão de saber se o pacto atributivo de jurisdição a favor de um tribunal ou dos tribunais de um Estado-Membro é nulo quanto à sua validade substantiva deverá ser decidida segundo a lei do Estado-Membro do tribunal ou tribunais designados no pacto, incluindo as regras de conflitos de leis desse Estado-Membro”.
Analisada a questão com esse pressuposto, cairá pela base a pretensão dos recorrentes relativa à nulidade das cláusulas convencionadas entre autores e rés atribuindo competência aos tribunais de Bordeaux ou Dax, por violação do disposto no artigo 94º, nº 3, alínea c), do Código de Processo Civil, ou à sua exclusão do contrato, por falta de cumprimento dos deveres de comunicação e de informação por parte dos predisponentes da cláusula, como previsto nos artigos 5º, 6º e 8º do DL 446/85, de 25 de Outubro, relativo às cláusulas contratuais gerais. Não colhendo o apelo dos recorrentes à jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de Abril de 2014 (Adelaide Domingos), in www.dgsi.pt, onde a questão foi encarada no âmbito do Regulamento 44/2001, que em caso idêntico aplicou a legislação portuguesa. Nem tampouco e pela mesma razão à do acórdão do STJ de 11 de Fevereiro de 2015 (Gregório de Jesus), ibidem, cujos prolixos considerandos nos parecem aliás conduzir a uma solução algo duvidosa, no que concerne à não aplicabilidade da disciplina das cláusulas contratuais gerais na vigência do Regulamento nº 44/2001, que nada prescrevia quanto à competência para apreciar a validade substancial das cláusulas atributivas de jurisdição.
No que ora interessa, importará tão só frisar que na lei processual civil francesa (Code de Procédure Civile) não existe preceito idêntico ao da alínea c) do artigo 93º, nº 4, do Código de Processo Civil. E que a legislação equivalente à do DL 446/85, que consta do Code de la Consommation, é apenas aplicável às relações de consumo, que não também às entabuladas entre comerciantes, como naqueloutro diploma. Ora, o artigo L. 010-1 estatui que «pour l’application du présent Code, il faut entendre par: 1) «Consommateur»: toute personne physique qui agit à des fins qui n’entrent pas dans le cadre de son activité commerciale, industrielle, artisanale ou libérale». Não se aplicando, portanto, às cláusulas do contrato pactuado entre autores e rés, dado que aqueles nele intervieram no exercício da sua actividade comercial e industrial.
Face ao exposto, não colherá nesse particular a argumentação dos recorrentes.
3. Referem estes, todavia, que do contrato por eles celebrado com a ré L… não consta nenhuma cláusula com pacto atributivo de jurisdição. Pelo que nada impedirá que a mesma seja demandada perante tribunal português. Até porque tem domicílio em Portugal.
E, na verdade, na ausência dessa convenção, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes, atentos os elementos de conexão in casu relevantes – domicílio da ré e local de cumprimento -, por força do disposto nos artigos 59º, 62º, alínea a), e 71º, nº 1, do Código de Processo Civil. Sendo certo que, como preceitua o nº 1 do artigo 5º do Regulamento 1215/2012, «as pessoas domiciliadas num Estado-Membro só podem ser demandadas nos tribunais de outro Estado-Membro nos termos das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo». Não sendo aplicável o artigo 25º, como visto, dada a ausência de estipulação convencional que imponha a competência exclusiva desse outro Estado-Membro. Nem tampouco o artigo 7º, que admite a mera possibilidade de, em matéria contratual, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro poderem ser demandadas noutro Estado-Membro, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão. Nada o impondo, portanto, como sucede quando há convenção sobre a jurisdição.
Contrapõem as recorridas a absoluta dependência do pedido contra esta ré formulado do pedido deduzido contra a ré N…. Assistindo-lhe razão quanto ao enunciado sob b., de anulação do contrato. Mas já não quanto ao pedido subsidiário referido em d., de resolução do contrato com a ré L…, por incumprimento. Nem no que concerne ao aludido em e., relativo à consequente indemnização. Tampouco lhes valendo a por si invocada regra consagrada no nº 3 do artigo 82º do CPC, de que se houver uma relação de subsidiariedade entre os pedidos a acção deverá ser proposta no tribunal competente para a apreciação do pedido principal. A qual só se aplica especificamente no âmbito da competência em razão do território. Nada impedindo, portanto, o conhecimento de um pedido subsidiário para o qual os tribunais portugueses sejam internacionalmente competentes mesmo que subsequente ao afastamento da competência destes quanto ao pedido principal.
Anote-se que os réus não são demandados em litisconsórcio necessário, pelo que, nos termos do artigo 35º do CPC, estamos perante uma simples acumulação de acções, perfeitamente autonomizáveis, como expressamente se admite no nº 1, in fine, do artigo 32º desse código.
Pelo exposto, entendemos ser o tribunal internacionalmente competente para conhecer dos pedidos deduzidos contra a ré L… sob d. e e..
4. Pretendem os recorrentes que, por força do preceito do artigo 8º, nº 1, do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, as restantes rés pudessem ser demandadas conjuntamente com a ré L….
Dispõe aquela norma que «uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode também ser demandada, se houver vários requeridos, perante o tribunal do domicílio de qualquer um deles, desde que os pedidos estejam ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídos e julgados simultaneamente para evitar decisões que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente». Nos termos da qual, não obstante a existência de pactos de jurisdição, o tribunal seria sempre competente para apreciar os pedidos formulados contras as rés N… e M…, pela sua conexão com os deduzidos contra a ré L….
Sem razão, parece-nos. Na verdade, tal norma não será aplicável se contender com regras que envolvam atribuição de competência exclusiva. Ou melhor, apenas poderá valer relativamente à pretensão de que esse julgamento simultâneo ocorra no tribunal com competência exclusiva. Reserva que não poderá ser sacrificada à álea da conexão com outro pedido relativamente ao qual não se verifique essa exclusividade. Ora, no presente caso, há um pacto atributivo de jurisdição, que implica competência exclusiva se, como sucede, tal não for afastado por acordo das partes – cfr. o referido artigo 25º, nº 1 (com disciplina nesse particular idêntica à consagrada no artigo 94º, nº 2, do Código de Processo Civil).
De qualquer modo, como já supra anotámos, in casu, tal nexo apenas se verifica relativamente ao pedido deduzido contra a ré L… sob b.. Para conhecimento do qual, face a essa estreita dependência, será competente o tribunal francês com competência exclusiva para conhecer do pedido sob a. formulado contra a ré N….
III
DISPOSITIVO
Na procedência parcial do recurso, altera-se a sentença recorrida, julgando-se o tribunal internacionalmente competente para o conhecimento dos pedidos que os autores deduzem contra a ré L…, SA, sob d. e e..
Custas por recorrentes e recorridas, em partes iguais - artigo 527º do Código de Processo Civil.
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Notifique.
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Porto, 27 de Setembro de 2018
José Manuel de Araújo Barros
Filipe Caroço
Judite Pires