Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2059/21.8T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO VENADE
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
NULIDADE
SINAL
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP202304202059/21.8T8PNF.P1
Data do Acordão: 04/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A nulidade do pacto comissório, como previsto no artigo 694.º, do C. C., pode ser extensível a um pacto comissório obrigacional, por exemplo, vertido em contrato promessa de compra e venda de imóvel.
II - Não constando do contrato promessa a relação entre a necessidade de celebração do contrato prometido e o incumprimento do devedor/mutuário, nem resultando a mesma dos factos, não se pode concluir pela nulidade da promessa, por esse fundamento.
II.I - A nulidade também não resultará demonstrada por não ter sido pedida a execução específica do contrato.
II.II - Sendo pedida, pelo promitente comprador/mutuante a indemnização prevista no artigo 442.º, n.º 2, do C. C. (restituição de sinal em dobro), o Réu/mutuário pode opor a esse pedido a exploração do seu estado de necessidade com a celebração da promessa, nos termos do artigo 282.º, n.º 1, do C. C..
III - O direito do promitente comprador encontra-se prescrito se decorreram mais de 20 anos desde a data em que podia acionar o promitente vendedor pela mora ou em que poda converter a mora em incumprimento definitivo (artigos 306.º, n.º 1 e 309.º, do C. C.).
III.I - Esse início coincide com o atingir da data prevista para celebração do contrato prometido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 2059/21.8PNF.P1

Sumário.
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1). Relatório.
AA, residente na Rua ..., ..., ...,
propôs contra
BB e CC, residentes na Rua ..., ..., ...
Ação declarativa de condenação, pedindo a sua condenação em:
A- Declarar-se que o contrato promessa de compra e venda foi definitivamente incumprido, por culpa dos Réus, que não cumpriram com as obrigações que voluntariamente se propuseram, apesar de interpelados por notificação judicial avulsa para tal.
B- Restituição do sinal pago por si pago em dobro, que corresponde ao montante de 199.519,16 EUR.
C- Pagar juros de mora vencidos, a contar da data em que entraram em incumprimento, em 14/08/2020.
O sustento consiste no incumprimento, pelos Réus, enquanto promitentes vendedores, de contrato promessa de compra e venda celebrado com os mesmos em 10/03/1997, relativo a fração de um imóvel.
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Os Réus contestaram, arguindo a prescrição do direito em causa e negando que tenha sido efetivamente celebrado a mencionada promessa que foi exigido como garantia de um contrato de mútuo em que o Réu marido era mutuário e o Autor mutuante.
O Autor apresentou articulado onde negou que tivesse ocorrido a prescrição.
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Foi elaborado despacho saneador onde se fixou como objeto de litígio «apurar da outorga pela Ré mulher da promessa geradora da obrigação exercida pelo Autor e da consciência pelo Réu marido da outorga de uma promessa e/ou da outorga desta como garantia de restituição de um mútuo, entretanto já satisfeito/devolvido.
Concluindo-se pela outorga vinculante, da prescrição dos direitos emergentes, a depender agora do apuramento do reconhecimento pelos RR das suas obrigações.
Na improcedência da prescrição, do incumprimento definitivo da promessa e respetivas consequências.»
Fixou-se matéria de facto assente e elencaram-se factos como temas de prova.
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Foi proferida sentença a julgar improcedente a ação e condenar o Réu como litigante de má-fé, em multa fixada pelo mínimo legal.
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Inconformado, recorre o Autor, formulando as seguintes conclusões:
«I Há elementos probatórios nos Autos, quer documentais, quer testemunhais, que impõem uma Douta decisão diversa, e dos quais se pretende a reapreciação pelo Venerando Tribunal.
II Há erro na apreciação da prova produzida em sede de Audiência de Julgamento.
III Pretende-se a reapreciação pelo Venerando Tribunal, do depoimento do senhor AA, que constam da Gravação no dia 11-10-2022 com início às 10:20:19 e fim às 12:04:55, e em concreto das passagens que se transcreveram, sublinhadas e a negrito.
IV Com tal reapreciação, impõe-se que seja dado como provado nos pontos A, B, L, e O, o seguinte:
A) A 10-03-1997, o Autor e os Réus assinaram o contrato de promessa de compra e venda, junto como doc. nº 1 com a petição, o qual se dá por integralmente reproduzido.
B) O Réu foi ter com o Autor na data mencionada em A, levando consigo já selado e assinado por ambos os Réus, o aludido contrato de promessa de compra e venda.
L) Em data não exactamente apurada, mas não subsequente a março de 1997, o Autor emprestou ao Réu marido a quantia de 20 Milhões de Escudos, em numerário.
O) O Autor e os Réus, quiseram prometer comprar e vender, respectivamente, o imóvel descrito no contrato de promessa de compra e venda, pois o Réu redigiu o contrato da forma que consta nos Autos, e o Autor, ao assinar, aceitou tal contrato.
V Em face desta reapreciação da prova produzida em Audiência de Julgamento, impõe-se que seja revogada a Douta Sentença, e seja proferido Douto Acórdão que julgue procedente e provados os pedidos formulados pelo ora recorrente, com as legais consequências.
VI Além disto, há Erro na Interpretação e Aplicação do Direito, devendo as questões de direito serem apreciadas pelo Venerando Tribunal, que implicam necessariamente a procedência total da acção.
VII O contrato de promessa de compra e venda foi proposto ao Autor pelos Réus, que o elaboraram, assinaram, tendo o Réu marido levado ao Autor para assinar, que assim o fez, passando assim a valer entre as partes esse contrato assinado, e não qualquer outro negócio ou contrato que possam ter celebrado antes.
VIII Não existe qualquer nulidade do contrato de promessa de compra e venda celebrado entre as partes, e junto aos Autos.
IX Há incumprimento definitivo por parte dos Réus, em face da notificação judicial avulsa, pois não marcaram a escritura, nem devolveram o dinheiro recebido por eles, e declarado por eles no contrato, a título de sinal.
X Há culpa total dos Réus no incumprimento definitivo do contrato, nos termos do disposto no artigo 799º, nº 2 do Código Civil.
XI Não existe qualquer prescrição do direito do Autor, em face da forma como o contrato de promessa foi redigido, e em face dos efeitos da notificação judicial avulsa.
XII O Autor considera que tem direito à devolução do sinal pago em dobro, nos termos do disposto no artigo 442º nº 2, do Código Civil, ou seja, a quantia de 199.519,16 Euros em moeda de Euros, em vigor à presente data, que resulta da conversão dos vinte milhões de escudos em euros a multiplicar por dois.
XIII Indicam-se como violadas, entre outras, as normas constantes dos artigos 46º nº 1, al. c), 819º do C.P.C. na redacção aplicável, artigos 285º e seguintes, 473º e seguintes, 1142º e 1143º do Código Civil.
XIV Assim, nos Doutamente supridos, deverão Vossas Excelências dar provimento ao presente recurso, e em consequência, ser proferido Douto Acórdão que revogue a Douta decisão em crise, reapreciando a prova nos termos supra requeridos, apreciando-se as questões de direito suscitadas, e a final proferindo-se Douto Acórdão que julgue procedente e provados os pedidos formulados na petição inicial, com as legais consequências da condenação dos Réus em conformidade, assim fazendo Vossas Excelências a costumada Justiça!».
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O Réu contra-alegou, pugnando pela rejeição do recurso e, caso tal não suceda, pela manutenção do decidido.
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As questões a decidir são:
- admissibilidade da impugnação da matéria de facto;
- análise dos factos impugnados referentes à assinatura do contrato promessa também pela Ré mulher, valor emprestado pelo Autor, intuito da celebração do mesmo contrato;
- prescrição do direito do Autor;
- validade do contrato promessa.
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2). Fundamentação.
2.1). De facto.
Resultaram provados os seguintes factos:
«A) A 10-03-1997, o Autor e ao menos o Réu marido, assinaram o contrato promessa de compra e venda, junto como Doc. n.º 1 com a petição, o qual se dá por integralmente reproduzido.
B) Dele consta uma assinatura do nome da Ré mulher.
C) Naquele os Réus declaram prometer vender e o Autor prometer comprar a fracção autónoma designada pela letra “N”, relativo ao prédio urbano, sito no lugar ..., freguesia ..., concelho ..., então omisso na matriz e participado na Repartição de Finanças de Lousada a 02-01-1995, descrito na competente Conservatória sob o n.º ...26 ..., de que os Réus à data eram donos e legítimos proprietários.
D) O preço ali referido foi o de 22.000.000$00 (actualmente 109.735,54 Euros).
E) No referido contrato promessa de compra e venda, está declarado que o Autor pagou a quantia de 20.000.000$00 (actualmente 99.759,58 Euros), a título de sinal, tendo ficado acordado que o remanescente em dívida seria pago com a realização da escritura de compra e venda.
F) Ficou igualmente declarado que a escritura seria realizada logo que os Réus regularizassem a situação do prédio nas Finanças, não podendo contudo ultrapassar 12 meses desde a data de celebração do contrato-promessa de compra e venda, celebrado a 10-03-1997.
G) Ficou salvaguardado o direito à execução específica.
H) O Autor intentou uma notificação judicial avulsa, no dia 01-07-2020, para que os Réus, no prazo de 30 dias, realizassem a referida escritura de compra e venda, conforme petição inicial junta como Doc. n.º 2 com a petição inicial, que se dá por integralmente reproduzida, constando da parte final da mesma: “sob pena de não o fazendo se considerar o incumprimento como definitivo e poder ser exigida a restituição do sinal em dobro”.
I) Tendo sido os mesmos citados no dia 14-07-2020, conforme citações juntas sob os Docs. n.º 3 e 4 com a petição.
J) A escritura não foi realizada.
K) O Autor nunca pagou aos RR a quantia de 20.000.000$00 (actualmente 99.759,58 Euros), a título de sinal.
L) Em data não exactamente apurada, mas não subsequente a Março de 1997, o Autor emprestou ao Réu marido a quantia de 20.000 EUR, em numerário.
M) O Réu BB obrigou-se a restituir ao Autor a quantia mutuada ao menos no prazo máximo de um ano após a assinatura da intitulada promessa.
N) Foi ao menos por volta da ocasião da entrega da quantia mutuada que o A. solicitou ao Réu BB que assinasse a promessa, para garantir o cumprimento do então acordado quanto à restituição da quantia mutuada.
O) Foi com esse intuito que o Réu assinou a declaração referida em A).»
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E resultou não provado:
«1. A assinatura do nome da Ré constante do documento referido em A) foi feita pelo punho daquela/por ela aposta.
2. O Réu marido assinou o documento sob A) sem tomar consciência do seu teor.
3. Apesar da aposição das respectivas assinaturas e do declarado no escrito, o Réu não quis prometer vender, como o Autor não quis prometer comprar o imóvel ali descrito.
4. O A. nunca entregou aos RR a quantia de 20.000.000$00 (actualmente 99.759,58 Euros), a título de empréstimo/mútuo.
5. Em Março de 1997 o Autor emprestou ao Réu marido a quantia de 5.000.000$00 (actualmente €24.939,90), em numerário.
6. BB obrigou-se a restituir ao Autor a quantia mutuada até aos inícios do mês de Março de 1998, acrescida dos respectivos juros acordados, à taxa anual de 5%, no montante de 250.000$00.
7. Foi na precisa/exacta ocasião da entrega da quantia mutuada que o A. solicitou ao Réu BB que assinasse um documento realizado por aquele e que, no dizer do Autor, apenas seria um mero “pro forma”, sendo-o a declaração referida em A), que o Réu marido assinou sem a ler atentamente e sem ter ficado com qualquer cópia.
8. Em cumprimento desta obrigação, o Réu BB, ao longo do ano de 1997 e até inícios de Março de 1998, foi realizando várias entregas, parciais, igualmente em numerário, ao Autor, ocorrendo as mesmas quase sempre na empresa do Autor sita no concelho de Cantanhede,
9. Tendo o Réu BB pago ao Autor toda a quantia que este lhe havia emprestado e acrescida dos respectivos juros de mora.
10. Quando, em finais de Fevereiro de 1998, inícios de Março de 1998, o Réu BB entregou ao Autor a última quantia para liquidação total da sua dívida, foi dito pelo Autor que iria rasgar o documento que este Réu havia assinado, nada mais lhe tendo a exigir, no que o Réu confiou.
11. Durante todos estes anos, perante o Autor, ambos os RR, solicitados, em várias ocasiões, a pagarem o valor em dívida ou celebrarem a escritura de compra e venda do imóvel prometido vender e comprar, prometeram fazê-lo.
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2.2). Do recurso.
A). Impugnação da matéria de facto.
Pensamos que o recorrente cumpre, em termos mínimos, os requisitos da impugnação da matéria de facto.
Na realidade, indica quais os pontos concretos que devem ser alterados, qual o sentido da alteração e indica, nas conclusões, qual o excerto da prova gravada que pretende que seja ouvido, mencionando o início e o fim do depoimento de parte do Autor.
Podendo ser mais preciso, o certo é que todo o depoimento versa sobre o contrato promessa, quem o pode ter assinado, porque foi celebrado, pelo que seria um formalismo desnecessário exigir que fosse mais concreto nas passagens da gravação em questão.
O recorrido, na nossa visão, tinha toda a possibilidade de exercer o contraditório, como fez, com base nos elementos indicados pelo recorrente.
Assim, mostram-se cumpridos os requisitos do artigo 640.º, do C. P. C..
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Alínea A), dos factos provados.
Em 10/03/1997, o Autor, e ao menos o Réu marido, assinaram o contrato promessa de compra e venda, junto como Doc. n.º 1 com a petição, o qual se dá por integralmente reproduzido.
O recorrente pretende que se dê como provado que o contrato foi assinado por si (Autor) e pelos Réus.
Sobre esta matéria, o tribunal mencionou que:
«No que interessa à assinatura pela Ré mulher, prova absolutamente ausente desta. Na verdade, inconclusivo o exame pericial à assinatura do seu nome constante do documento, ninguém atestou, quer a assinatura por ela, quer qualquer conversa ou intervenção nas negociações précontratuais do mútuo presenciada, nem também qualquer comportamento subsequente que denotasse o conhecimento e vinculação à promessa. De facto, apenas e só atestada a intervenção do Réu marido, sendo que o casamento e/ou o conhecimento da aquisição das quotas a cujo pagamento do preço se destinaria o empréstimo assim garantido não são factos com relevo indiciário suficiente a ter por provada a assinatura pela Ré mulher, não estando excluída a possibilidade de um comportamento abusivo, (até pelo marido mesmo).».
Foi efetivamente realizada prova pericial à assinatura constante do contrato para aferir se seria da autoria da Ré mulher, tendo sido obtido o resultado de que não era possível obter qualquer conclusão (junto em 14/04/2022, página 11).
Tendo sido tentada a obtenção de documentos que pudessem alterar essa conclusão (documentos datados da época da assinatura do contrato), os mesmos não foram juntos por alegada (pela Ré) impossibilidade de os obter atento o tempo já decorrido desde a celebração do contrato, conforme requerimentos da mesma de 03/12/2021 e 29/06/2022.
Sobre essa matéria, o tribunal recorrido mencionou, em despacho de 30/06/2022 que a questão da relevância probatória da falta de junção seria de apreciar em sede própria, pelo que nada havia a decidir naquele momento, sendo que não há mais qualquer pronúncia sobre tal matéria (supõe-se que estaria em causa uma eventual inversão do ónus da prova, nos termos do artigo 344.º, n.º 2, do C. C., ex vi artigo 417.º, n.º 2, do C. P. C.).
Assim, cabia ao Autor a prova de que o contrato por si junto e que sustenta os pedidos que formulou também tinha sido assinado pela Ré mulher – artigo 374.º, n.º 2, do C. C. -.
Não havendo conclusão científica sobre a autoria da assinatura da Ré mulher, não alegando o recorrente qualquer meio de prova que ateste com segurança (por exemplo, por alguém ter visto a Ré a assinar o contrato, confissão da mesma Ré) que foi a mesma quem assinou o contrato, não é suficiente procurar alterar o facto com a sustentação de que os Réus não auxiliaram a descoberta da verdade.
Se eventualmente os Réus tivessem tornado impossível a referida prova com a falta de junção de documentos, então teria que ter sido declarado que havia a inversão do ónus da prova (sob pena de violação do princípio do contraditório – Ac. S. T. J. de 24/05/2018, rel. Tomé Gomes, www.dgsi.pt) e que passava então a ser a Ré a ter de demonstrar que a assinatura não lhe pertencia; no entanto, esse mecanismo não foi usado nos autos pelo que a regra do ónus da prova acima referida não foi alterada nem pode ser apreciada em sede de recurso por não ser uma questão que tenha sido apreciada no local competente, a saber, a 1.ª instância.
Também não é suficiente mencionar que o Réu já trazia o contrato consigo pois tal não significa que a assinatura tenha sido efetivamente realizada pela sua mulher.
Deste modo, não havendo nem alegação de prova, no recurso, sobre se a Ré mulher assinou o contrato e não havendo, assumidamente, prova segura de que tal sucedeu, mantém-se a prova limitada de que o contrato foi assinado pelo Autor e Réu marido e a não prova de que a Ré mulher também o tenha assinado.
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Alínea L), dos factos provados.
Em data não exatamente apurada, mas não subsequente a março de 1997, o Autor emprestou ao Réu marido a quantia de 20.000 EUR, em numerário.
O recorrente menciona que o empréstimo que está em causa não é de 20.000 EUR mas de cerca de 100.000 EUR.
Ficou exarado na ata de julgamento realizado em 11/10/2022 que o Autor, em sede de depoimento de parte, confessou o seguinte: «Atento o princípio da indivisibilidade, consigna-se que durante o depoimento, o declarante, entre outras declarações devidamente gravadas, declarou que o contrato promessa junto aos autos se destinava a garantir um empréstimo da quantia de vinte mil contos ao Réu marido, alegadamente para que adquirisse as quotas de uma sociedade, sendo que o mesmo contrato lhe foi apresentado já assinado, sendo os dizeres da lavra daquele Réu marido. Não chegou a ver o apartamento e não foi estipulado prazo algum para a devolução do montante mutuado, nem estabelecidos juros remuneratórios do empréstimo. O valor de vinte e dois mil contos feito constar do contrato foi-o por terem, ele e o Réu marido, calculado o valor comercial do imóvel em vinte e dois mil contos. Cerca de um ano depois da assinatura do contrato, instou o R marido a realizar a escritura do apartamento, tendo este manifestado a intenção de devolver a quantia mutuada.».
Na contestação, o Réu alega que pediu um empréstimo ao autor no valor de 24.939,90 EUR (à data, Esc. 5.000.000$00).
O tribunal recorrido, sobre esta matéria, pensamos que dá como provado o valor do que é mencionado no contrato promessa como sendo o sinal como o valor que foi emprestado pelo Autor, como referido por este (cerca de 100.000 EUR) pois menciona que: «No caso, os termos mesmos do contrato invocado como causa de pedir é suficiente ou concludente a servir de facto-base à aquisição probatória do valor do empréstimo. Assim é que o valor ali declarado como atinente ao do sinal, cuja quitação total ou integral vai dada no mesmo contrato, vem a ser o correspondente ao valor que o Autor declara ter entregue (…). Os factos de sentido inverso ou com efeito contra-indiciário ao da declaração pelo co-Réu de recebimento da quantia constante da promessa como sinal (já emergindo supra que o foi a título de mútuo) não são de molde a “destruir” a lógica da promessa e por isso que a conclusão pelo mútuo no valor alegado pelo A – nosso sublinhado -.
Se bem percebemos o que se menciona, uma vez que se declarou no contrato que o Réu recebeu a quantia de cerca de 100.000 EUR e como o que está em causa é um contrato de mútuo, então o valor deste corresponde ao que ali se indica como sinal.
Então, o que tribunal quereria escrever no facto em causa seria outro valor, estando em causa um manifesto lapso de escrita pois o valor que se queria escrever seria 99.759,58 EUR (Esc. 20.000.000$00) e não 20.000 EUR (trocou-se os 20.000 contos por 20.000 EUR, troca que também como sucedeu na inquirição da testemunha DD, minuto 11.03 ou com o próprio Autor, ao minuto 10.12).
Para nós, no entanto, não deve ser dado como provado qualquer valor.
O Autor não confessa que emprestou esse valor ao Réu; o Autor menciona que o contrato promessa de compra e venda serviu para garantir um contrato de mútuo que celebrou com o Réu.
Ora, se temos dúvidas que o Autor confesse um facto ao referir que celebrou validamente o contrato promessa, acrescentando que o mesmo serviu para garantir uma dívida (no fundo, está a confirmar o que alegou, concretizando o motivo da celebração), quando alega que houve uma transferência de dinheiro do Autor para o Réu, se aquele indica um valor, está a mencionar um facto que lhe é favorável e, por isso, não o pode (para nós, claramente) confessar.
Note-se que o valor que indica é o mesmo, em termos iguais ou muito aproximados, que menciona como sendo o do sinal que está referido no contrato promessa pelo que ao dar-se como provada essa realidade, está a dar-se como provado o que o Autor pretende. Por isso é que o mesmo, no recurso, pede que se altere o valor para o que alegou e disse em julgamento.
No entanto, o facto não se reporta unicamente ao valor transferido do Autor para o Réu marido mas à própria classificação do ato pois menciona-se que emprestou dinheiro ao Réu marido; a alegação do empréstimo foi efetuada por este (Réu), referindo que o empréstimo teve o valor de 24.939,90 EUR.
Ora, assim sendo, o recurso do Autor só pode ser apreciado na base de um lapso de escrita pois, a ser correto que o valor que deveria ter sido escrito era de tendo sido dado como provado era de 99.759,58 EUR, esse facto era-lhe totalmente favorável, sendo, no reverso, desfavorável para o Réu pois fixava-se um valor superior ao por si alegado.
Na nossa visão, eventualmente, a prova não era suficiente para se provar qualquer valor do mútuo entregue em numerário mas, resultando para nós que o valor que foi escrito é um efetivo lapso de escrita quando se queria mencionar cerca de 20.000 contos e não 20.000 EUR, atento o princípio do pedido, altera-se a redação do facto L) para
Em data não exatamente apurada, mas não subsequente a março de 1997, o Autor emprestou ao Réu marido a quantia de Esc. 20.000.000$00 (99 759,58 EUR) em numerário.
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Alínea O), dos factos provados.
M) O Réu BB obrigou-se a restituir ao Autor a quantia mutuada ao menos no prazo máximo de um ano após a assinatura da intitulada promessa.
N) Foi ao menos por volta da ocasião da entrega da quantia mutuada que o A. solicitou ao Réu BB que assinasse a promessa, para garantir o cumprimento do então acordado quanto à restituição da quantia mutuada.
O) Foi com esse intuito que o Réu assinou a declaração referida em A).
O recorrente pretende que se prove que Autor e Réus quiseram prometer comprar e vender, respetivamente, o imóvel descrito no contrato de promessa de compra e venda, pois o Réu redigiu o contrato da forma que consta nos Autos, e este, ao assinar, aceitou tal contrato.
Ou seja, pretende-se que se dê como provado que o Autor queria declarar prometer comprar e o Réu queria declarar prometer vender o imóvel; mas, se atentarmos nos factos, isso é o que consta da factualidade provada pois:
L). Em data não apurada, mas não subsequente a março de 1997, o Autor emprestou ao Réu marido 99 759,58 EUR.
M). O Réu obrigou-se a restituir ao Autor a quantia mutuada ao menos no prazo máximo de um ano após a assinatura da intitulada promessa.
N) Foi ao menos por volta da ocasião da entrega da quantia mutuada que o A. solicitou ao Réu que assinasse a promessa, para garantir o cumprimento do então acordado quanto à restituição da quantia mutuada.
O) Foi com esse intuito que o Réu assinou esse contrato.
Ou seja, o Autor emprestou dinheiro ao Réu e celebrou-se um contrato promessa em que ambas as partes declararam as respetivas obrigações de futura venda e compra; nunca se refere que a vontade não era a que constava no contrato, mas sim que se celebrou o contrato promessa para garantir o pagamento da dívida do Réu para com o Autor. Por isso é que resulta não provada essa suposta falta de vontade em prometer comprar e vender (facto n.º 3).
Temos então que foi celebrado um contrato promessa, para garantir o pagamento de uma dívida, nada constando dos factos que afaste aquela real vontade de celebrar o contrato prometido. O que pode suceder é que, a nível jurídico, se possa concluir que, pelo contexto negocial, se afaste a aplicação do regime do contrato promessa como pedido pelo Autor.
Daí que não há quer alterar a factualidade em questão pois o que o recorrente pretende é o que resulta da mesma.
Improcede assim a impugnação da matéria de facto.
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B). Da análise jurídica.
Como acabamos de referir e foi aceite pelas partes e concluído pelo tribunal recorrido, Autor e Réu marido celebraram entre si um contrato promessa de compra e venda de um imóvel.
Na verdade, foi essa a matéria alegada pelo Autor (artigos 1.º a 3.º, da petição inicial), aceite pelo Réu marido (não contesta que assinou o contrato assim denominado de contrato promessa de compra e venda, «apenas» negando que soubesse o que estava a assinar – artigo 56.º -, e que seja um contrato válido – artigo 78.º -, ambos da contestação) e o tribunal concluiu igualmente que se tratava daquela espécie contratual («As partes emitiram declarações de vontade que integram o conteúdo típico do contrato-promessa de compra e venda», considerando-o depois nulo).
Também concordamos que, atendendo ao que resultou provado, as partes celebraram um contrato promessa de compra e venda de um imóvel, definido no artigo 410.º, n.º 1, do C. C. como sendo a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato.
O Réu alegou que o contrato não era válido por as partes não quererem celebrar um contrato em que assumissem as obrigações recíprocas de comprar e vender, matéria que não resultou provada (facto não provado 3).
Igualmente resultou não provada a alegação dos Réus no sentido de que o Réu marido não sabia o que estava a assinar (facto não provado 2).
Assim, duas possíveis causas de invalidade do contrato promessa (eventual simulação do contrato, nos termos do artigo 240.º, n.º 1, do C. C.[1] ou erro na formação da vontade (artigos 246.º, 247.º, do C. C.) não resultaram demonstradas.
Temos assim que o Autor, por contrato celebrado em 10/03/1997, declarou prometer comprar aos Réus um imóvel, pelo preço de 109 735,54 EUR (Esc. 22.000.000$00), sendo o contrato prometido efetuado «logo que os 1ºs. outorgantes tenham regularizado a situação do prédio, não podendo contudo ultrapassar os 12 meses» -.
Deste modo, estipulou-se um prazo para se celebrar o contrato de compra e venda, fixado num ano; importa então determinar que tipo de prazo é este para depois se aferir se o seu incumprimento (até hoje, não foi celebrado o contrato de compra e venda – alínea J), dos factos provados -) resulta desde logo da ultrapassagem do prazo ou se seria necessária a conversão de uma eventual mora no cumprimento da promessa em incumprimento definitivo.
Nos termos em que foi redigida aquela cláusula, à partida poder-se-ia concluir que o prazo que se fixou era absoluto/essencial, no sentido de que, ultrapassado o prazo de um ano, o Autor já não queria celebrar o contrato prometido.
Essa essencialidade do prazo resulta quando do contrato ou das circunstâncias que envolvem o mesmo, se possa aferir que, ultrapassado o prazo, já não tem (no caso) o Autor interesse em celebrar o contrato; tal pode suceder se contratualmente se tivesse determinado essa essencialidade, clausulando-se que ultrapassado tal período temporal, se considerava resolvido o contrato ou se percebesse pelos factos que após tal data, era percetível que aquele interesse se desvanecia.
O Ac. da R. E. de 06/12/2007, rel. Bernardo Domingos, www.dgsi.pt., concretiza o que pode estar em causa, ao referir que:
«Saber se o estabelecimento do prazo de cumprimento duma obrigação é ou não essencial e se o seu decurso se traduz num incumprimento definitivo é tarefa que deve resultar não só da interpretação das cláusulas do contrato, como do comportamento anterior e posterior dos contraentes.
BRANDÃO PROENÇA, em O Incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral A Dualidade Execução Específica-Resolução”, 1987, p. 110., preconiza que «o significado do prazo certo fixado para serem emitidas as declarações de vontade (…) terá que ser “deduzido” do material interpretativo fornecido pelas partes, da natureza da promessa, do comportamento posterior dos promitentes (existência ou não de prorrogações) ou de outras circunstâncias coadjuvantes.
Ainda assim - segundo este Autor [ob. Citada, página 112] -, «parece poder ser transposto para esta sede, e por maioria de razão, o princípio de que, em regra, o prazo essencial não é “absolutamente fixo” (não há por parte dos promitentes um interesse temporalmente delimitado), mas apenas “relativamente fixo”». Dito isto, «pode, no entanto, concluir-se pela essencialidade absoluta (em regra, subjetiva ou pactícia) ou, até, por uma “finalidade essencial”, sempre que aos promitentes só interesse celebrar o contrato dentro do prazo fixado (normalmente o maior interessado será o promitente-comprador ou o promitente-arrendatário), por razões jurídicas (necessidade de serem observados outros prazos), materiais (carência absoluta do bem em causa ou do preço em dívida) ou quando certas circunstâncias coenvolventes o imponham (p. ex., caducidade do empréstimo bancário deferido, se a escritura de compra e venda não for realizada dentro de certa data)».
«A maior ou menor “força” das expressões empregues pelas partes constituirá – segundo BRANDÃO PROENÇA – um elemento hermenêutico a ter em conta (p. ex., cláusulas do tipo “…até final de certa data, sob pena de ser rescindido, sem direito à devolução do sinal” ou “…dentro de certo prazo prorrogável por mais algum tempo improrrogável”).
Na jurisprudência nacional, também prevalece o entendimento segundo o qual, «no contrato-promessa, quando se fixa um prazo final para o cumprimento de uma promessa sinalagmática, há que ver, em cada hipótese, se se quer estabelecer um prazo findo o qual o contrato caduca automaticamente, ou findo o qual assistirá a qualquer das partes ou a uma delas o direito de o revogar [rectius, de o resolver], se entretanto ele não tiver sido cumprido».
De todo o modo, «nada tendo sido alegado, nesse sentido [isto é, no sentido de que, decorrido o prazo previsto no contrato-promessa para a celebração da escritura definitiva de compra e venda, o contrato deixaria de interessar aos intervenientes], pelas partes, deve considerar-se que, decorrido o prazo consignado, o contrato não caducou».
Por outro lado, o comportamento das partes posterior à ultrapassagem do prazo inicialmente fixado no contrato-promessa para a celebração do contrato definitivo é suscetível, por si só, de revelar o carácter não essencial daquele prazo. É que, «decorrido o prazo, estipulado no contrato-promessa, para a celebração da escritura do contrato definitivo de compra e venda, sem que esta se tenha efetivado, o contrato não se resolve automaticamente; a resolução depende de ato concreto das partes, e estas podem prorrogar o prazo por acordo». Na verdade, «os promitentes podem prorrogar tacitamente o termo final para a celebração do contrato prometido, mantendo entretanto o contrato-promessa total eficácia e irrelevando a eventual mora anterior de algum dos contraentes». Assim, por exemplo, «se, num contrato-promessa de compra e venda de imóvel, posteriormente ao termo do prazo para celebração do contrato prometido, ambos os promitentes marcam data e local para lavrarem a escritura, embora fossem diferentes os cartórios notariais, há acordo tácito na sua prorrogação».
Fixando-se no contrato que a celebração da compra e venda, contudo, não podia ultrapassar o prazo de um ano, tal expressão é equivalente fixar-se um prazo improrrogável ou que a escritura se tinha de celebrar, impreterivelmente, até ao prazo de um ano. Por um lado, houve o cuidado de se mencionar que se aguardava por uma suposta legalização do imóvel e, por outro, que a celebração do contrato definitivo não podia ultrapassar aquele prazo.
Mas, na nossa perceção, não conseguimos obter a certeza segura que assim seja.
Em termos de contexto contratual, desde logo, por um lado, temos que só em 01/07/2020 é que o Autor/promitente comprador diligenciou pela alegação à parte contrária de que o contrato não estava cumprido e que pedia que o fosse.
Ou seja, mais de vinte e três anos depois da celebração do contrato promessa, o que pode demonstrar que o contrato, para o Autor, o contrato já não tinha validade e que tardiamente, por motivo que se desconhece, resolve reavivar o contrato.
Na verdade, não faz qualquer sentido que uma pessoa que pretende adquirir um imóvel, fixe o prazo de um ano para se concretizar a aquisição e depois aguarde vinte e dois anos para agir na defesa do seu interesse por o contrato não ter sido celebrado.
Mas, por outro lado, temos uma errada alegação do Autor quanto à realidade dos factos e ao interesse na aquisição do imóvel, como afinal se descortinou em julgamento.
Como mencionou em julgamento, o principal interesse do Autor radicava no pagamento de uma quantia que tinha emprestado ao Réu marido.
Por isso, podemos concluir pelo que resultou provado e não foi questionado, fixou-se o prazo de um ano que correspondia ao prazo de pagamento da dívida do Réu marido (alínea M), dos factos provados), aguardando-se assim pelo fim do mesmo.
Findo esse prazo, ou a quantia estava paga e então o contrato deixava de servir como garantia para o pagamento que já estava efetuado ou, não estando (total ou parcialmente) paga a quantia mutuada, o Autor teria interesse em ver restituído o dinheiro que ainda não tivesse recebido.
Mas é nesta última situação que se nos suscitam dúvidas sobre se aquele prazo era absoluto ou não pois, havendo alguma parte da dívida por pagar, poderia o Autor pretender adquirir o imóvel, pagando o que porventura ainda estivesse em dívida pelo Réu marido.
Nada consta dos factos que nos permita concluir que, ultrapassado o prazo de um ano, sem a dívida estar paga, o Autor já não quisesse celebrar o contrato prometido (para depois porventura vender o imóvel ou ficar na sua propriedade por poder ser um negócio a um preço que considerava bom, …).
Deste modo, o que pensamos é que, a partir de um ano após a celebração do contrato, o Autor tem à sua disposição a possibilidade de demandar o Réu por existir mora na celebração do contrato prometido ou então procurar converter a mora em incumprimento definitivo, pedindo a resolução do contrato.
Não se está assim perante um prazo absoluto (onde, ultrapassado o prazo, in casu, de um ano, já se pode pedir automaticamente a resolução do contrato e assim o pagamento do sinal em dobro, nos termos do artigo 442.º, n.º 2, do C. C.) mas antes perante um prazo/termo relativamente fixo: «quer isto dizer que, na ausência da demonstração de que o prazo é absolutamente fixo, ele terá de ser considerado apenas como relativamente fixo, implicando assim para o credor que o vê ultrapassado, não imediatamente a extinção da obrigação do devedor, mas antes uma opção: ou escolhe a resolução por incumprimento através do funcionamento do mecanismo admonitório do art.º 808 do CC ou escolhe a exigência da prestação em mora, com ou sem a indemnização dos danos a esta atinentes» - Ac. S. T. J. de 14/07/2022, rel. Freitas Neto, www.dgsi.pt -.
Deste modo, por um lado, o Autor podia ainda pedir o cumprimento do contrato após o fim do prazo de um ano mas, por outro lado, a partir de se ter completado o prazo de um ano, podia exigir ou o seu cumprimento, a sua resolução ou, como fez, pedir o cumprimento em determinado prazo sob pena de se considerar definitivamente incumprido o contrato, nos termos do artigo 808.º, n.º 1, do C. C. – conforme notificação judicial avulsa de 01/07/2020, provada na alínea H) -.
Ambos os direitos podiam ser exercidos a partir de um ano após a celebração do contrato, ou seja, 10/03/1998; ora o Autor exerceu esses direitos em 14/07/2020, obtendo a notificação judicial avulsa do Réu marido em 14/07/2020.
Nessa data, o direito do Autor em obter o cumprimento do contrato promessa ou pedir o pagamento em dobro de sinal eventualmente prestado estava prescrito por já terem decorrido vinte anos desde 10/03/1998 (um ano após a celebração do contrato), conforme artigos 306.º, n.º 1 e 309.º, do C. C..
O primeiro dispõe que «o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição» e o segundo que «o prazo ordinário de prescrição é de vinte anos.».
Como dissemos, a partir de 10/03/1998, o Autor já podia interpelar o Réu para o indemnizar pelos danos causados com a mora, para cumprir tout court ou para cumprir em determinado prazo, sob pena de se considerar definitivamente incumprida a obrigação do mesmo Réu; tal significa que o podia fazer até 10/03/2018, pelo que, excedido tal prazo, o direito do Autor está prescrito.
Tal prescrição foi alegada pelo Réu (artigos 5.º a 25.º, em termos muito semelhantes aos que aqui mencionamos) e foi apreciada pelo tribunal recorrido, que considerou que existia, apesar de a não ter declarado e de a ter ponderado em relação a um contrato de mútuo nulo que resultaria, ele próprio, da convolação do contrato promessa igualmente nulo, ainda que tenha entendido que não podia alterar-se a causa de pedir.
Deste modo, tendo o Autor visto improceder na totalidade a ação, ao recorrer, na dúvida, entende-se que também questiona a apontada prescrição conforme artigo 635.º, n.º 3, do C. P. C. (a decisão de improcedência também radica na prescrição do seu direito, ainda que não expressamente declarada).
Prescrito o direito do Autor em pedir a quantia em questão, com base no incumprimento do contrato promessa válido, se eventualmente o contrato fosse inválido (nulo, como considerou o tribunal recorrido), também o prazo de prescrição desse direito tinha decorrido pois o mesmo corria desde a data da celebração do contrato. Na verdade, se o contrato fosse nulo, sê-lo-ia ab initio pelo que o Autor podia pedir a nulidade do contrato desde o momento em que o celebrou, conforme corretamente menciona o tribunal recorrido (veja-se sobre a prescrição no âmbito da nulidade de contrato também o Ac. do S. T. J. de 16/12/2015, rel. Fernando Samões, no mesmo sítio).
Mas, na nossa visão, o contrato promessa não é nulo, pelo menos na vertente pedida pelo Autor; não o é pelo que já referimos – não se prova a sua simulação nem qualquer vício da vontade dos contraentes alegada que pudesse gerar essa nulidade -.
E, sendo um contrato promessa, desde logo o Autor não pede a aquisição do bem para si (através da execução específica, nos termos do artigo 830.º, n.º 1, do C. C.) pelo que não está o Autor/credor a querer fazer sua a coisa onerada tal como proíbe o artigo 694.º, do C. C.[2] (pacto comissório) e que poderia ser aplicável a estes casos.
Se o Autor pedisse a execução específica, teria então de aferir-se se essa sua pretensão não brigaria com a proibição daquele pacto comissório, proibição que se poderia entender que se aplicava a um pacto comissório obrigacional.
Mas o contrato não contém uma cláusula onde se mencione que o imóvel será vendido ao Autor se o Réu não pagar o empréstimo nem sequer isso resulta dos factos provados.
É certo que se pede o pagamento de uma indemnização que tem por base o alegado incumprimento da obrigação de venda do imóvel ao credor do mútuo, mas tal não torna o contrato promessa nulo pois, repete-se, o mesmo não contém uma convenção no sentido de que o credor faz sua a coisa se o devedor não cumprir nem os factos o permitem concluir.
O que poderia suceder era que, pedindo-se a indemnização por incumprimento contratual do promitente vendedor/devedor, este poderia impedir o seu pagamento alegando que estava a ser aproveitado o seu estado de necessidade, nos termos do artigo 282.º, do C. C.[3] tornando anulável o contrato promessa (não sendo necessário aprofundar esta questão por o direito do Autor estar prescrito, pensamos que os Acs. do S. T. J. de 14/01/2021, rel. Tomé Gomes e 09/07/2020, rel. Ana Boularot, ambos em www.dgsi.pt apontam no sentido da admissibilidade dos contratos em que esteja em causa um eventual pacto comissório obrigacional, algo que, no caso, não está refletido no contrato nem nos factos).
Por último, não está em causa um contrato de mútuo encapotado no contrato promessa desde logo porque o mesmo não é simulado pelo que não encobre um outro contrato real e ainda porque o contrato de mútuo terá sido o outro contrato que terá dado origem ou sustenta a celebração do contrato promessa e não o mesmo e um só contrato.
Deste modo, o recurso do Autor improcede por o seu direito estar prescrito, confirmando-se a decisão de improcedência da ação proferida pelo tribunal recorrido.
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3). Decisão.
Pelo exposto, julgando-se prescrito o direito do Autor/recorrente, julga-se igualmente improcedente o presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas do recurso pelo recorrente.

Registe e notifique.


Porto, 2023/04/20.
João Venade.
Paulo Duarte Teixeira.
Ana Vieira.
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[1] A procedência da qual, na nossa opinião, sempre esbarraria na falta de prova de se querer enganar terceiros com a celebração do contrato.
[2] É nula, mesmo que seja anterior ou posterior à constituição da hipoteca, a convenção pela qual o credor fará sua a coisa onerada no caso de o devedor não cumprir.
[3] O que não resulta dos factos provados nem se deteta que tenha sido alegado.