Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
22174/15.6T8PRT.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL DE ADVOGADO
PERDA DE CHANCE
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP2022011322174/15.6T8PRT.P2
Data do Acordão: 01/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Nos casos de “perda de chance” processual importa fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, no sentido de apurar qual a solução jurídica que mais provavelmente seria proferida no tribunal da acção em que a parte que a invoca alega ter ficado prejudicada.
II - O ónus de prova de tal probabilidade impende sobre o lesado, como facto constitutivo que é da obrigação de indemnizar (art.º 342.º, n.º 1, do CC).
III - No caso dos autos e para efeitos de indemnização por “perda de chance” processual, recai sobre o Autor o ónus de provar a probabilidade de sucesso da acção de impugnação do despedimento instaurada em seu nome pelo Réu, na qualidade de advogado, mas que acabou por ser julgada improcedente em virtude da procedência da excepção da prescrição e que ao réu dos autos é imputável.
IV - Apesar disso, não se pode também ignorar que na mesma acção de natureza laboral, era sobre a entidade patronal que recaía o ónus de provar os factos integrativos da justa causa do despedimento, cabendo ao trabalhador produzir a contraprova desses factos, nos termos do artigo 346.º do CC.
V - Deste modo, cabia ao Autor da presente acção demonstrar a alta probabilidade da sua entidade patronal não conseguir produzir a referida prova.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 22174/15.6T8PRT.P2
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Central Cível …
Relator: Carlos Portela
Adjuntos: António Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço

Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.Relatório:
AA… e BB…, habilitadas em representação do autor falecido CC… são Autoras na presente acção declarativa de condenação com processo comum instaurada contra o réu DD….
Na mesma acção o que se pede é o seguinte:
A condenação do Réu a:
A) Por força do direito à reintegração de CC… na empresa entidade patronal, no pagamento da quantia de €344.937,60 (€64.800,00 + €3.905,60 + €119.232,00 + €132.000,00 + €25.000,00), a título de danos patrimoniais, presentes e futuros, e não patrimoniais, acrescida de juros, contados da data de entrada da acção em juízo, à taxa legal de 4%, calculados sobre a importância de €89.800,00 (€64.800,00 + €25.000,00), até efectivo pagamento;
Se assim não for entendido,
B) Por força do direito de CC… à indemnização por antiguidade, no pagamento da quantia de €151.383,92 (€54.432,00 + €3.280,70 + €60.264,00 + €8.407,22 + €25.000,00), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros, contados da data de entrada da ação em juízo, à taxa legal de 4%, calculados sobre a importância de €139.696,00 (€54.432,00 + €60.264,00 + €25.000,00), até efectivo pagamento, e
C) Em qualquer dos casos das precedentes alíneas, no pagamento às Autoras das despesas totais a haver com mandatário judicial, decorrentes do presente processo, a liquidar em execução de sentença.
Se ainda assim não for entendido, à condenação do Réu:
D) Pelo dano da perda de chance, no pagamento de 75% do valor de cada um dos pedidos formulados nas alíneas A) e B) (subsidiariamente) e C), com fundamento em responsabilidade cível contratual do Réu, a quem foi outorgada procuração para que representasse o falecido autor, enquanto advogado, em processo de impugnação de despedimento, no âmbito de um contrato de prestação de serviços, na modalidade de mandato.
Para tanto e em síntese alegam o seguinte:
O Autor foi admitido como funcionário dos EE… em ......1981.
O Autor contratou os serviços do Réu, então advogado do Sindicato … para responder à nota de culpa elaborada no processo disciplinar iniciado pelos EE… e tendente ao seu despedimento pela alegada prática de infracção disciplinar grave.
O Autor por intermédio do Réu respondeu à nota de culpa, mas os EE… despediram-no com alegada justa causa por decisão datada de ......2012 e que lhe foi notificada em ......2012.
Passados que foram sessenta dias sobre as notificações antes aludidas e no exercício do mandato antes conferido, o Réu instaurou em ......2012, acção de impugnação judicial de despedimento contra os EE….
Em 8.10.2012 foi proferida sentença que julgou procedente a excepção de caducidade invocada pelos EE… com a sua absolvição do pedido.
A excepção procedeu por se ter entendido que a acção foi proposta depois de passado o prazo legal de 60 dias.
Mais se considerou que o Réu não utilizou o procedimento legalmente previsto para a oposição ao despedimento.
Foi interposto recurso para a Relação do Porto onde por acórdão de 6.01.2014 foi confirmada a sentença antes proferida.
Interpôs-se recurso para o STJ, recurso esse que por decisão sumária de 12.05.2014, não foi admitido.
De tal despacho foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional que por decisão sumária de 19.11.2014 não conheceu o recurso.
Deduziu-se reclamação para a Conferência contra essa mesma decisão tendo sido proferido acórdão que em 24.01.2015 a indeferiu.
Durante os três anos que decorreram entre a entrada da acção em juízo e a prolação deste último acórdão o Réu nunca informou o Autor dos factos antes relatados, violando assim o princípio da confiança em que deve fundar-se a relação entre advogado e cliente.
Mais alegou que o Réu não teve um comportamento profissional adequado às responsabilidades da função de advogado, não agiu por forma a defender os seus legítimos interesses, nem tratou com zelo e diligência a questão que lhe foi confiada, violando assim o disposto nos artigos 387º-2CT e 83º, 1, 92º, 2, 95º, 1-b) e 103º, 1 do EOA.
Referiu ainda que por força da actuação do Réu, sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais, perdendo de forma irreversível, a oportunidade de ver apreciada a ilicitude do seu despedimento.
A procedência da sua pretensão iria conferir-lhe o direito a uma indemnização pelos danos causados, patrimoniais e não patrimoniais e à reintegração na empresa, caso não optasse por uma indemnização por antiguidade, tudo sem prejuízo do direito ao recebimento das retribuições que deixou de auferir desde o despedimento e até ao trânsito em julgado da sentença que decretasse o despedimento (cf. os artigos 389º, 1, 390º, 1 e 391º, 1 do CT).
Fundou os seus pedidos nas regras conjugadas dos artigos 483º, 496º, 1 e 4, 798ºe 799º, 1 e 1157º e 1161º, a) e c) todos do Código Civil.
Contestou o Réu começando por referir não ter sido contratado pelo Autor mas que prestou serviços próprios da advocacia ao Sindicato … de que o Autor é associado e regime de avença.
O identificado Sindicato distribuiu o processo ao Réu para resposta à nota de culpa, o que ocorreu com o seu acompanhamento de todo o processo disciplinar e com a presença na audição das testemunhas oferecidas.
Mesmo conhecendo o Réu a caducidade da acção e prevendo os constrangimentos que tal facto acarretaria, decidiu em 17.05.2012, propor acção comum para impugnação do despedimento.
E foi nessa linha que esgotou todas as instâncias de recurso, ainda que sem sucesso.
Mais referiu ser habitual os Advogados do Sindicato não terem contacto directo com os associados, sendo este assegurado pelos seus serviços, só havendo contacto directo quando os associados o requerem a fim de esclarecer dúvidas sobre a propositura da acção.
No caso, quem não agiu com diligência foi o Autor que não subscreveu o formulário previsto nos artigos 98º-C e 98º-D do D.L.295/2009 de 13.10.
É falso que o autor não tenha sido informado das diversas fases do processo.
O Autor era possuidor do número de telemóvel do Réu e do seu contacto fixo e não se coibiu de lhe ligar com frequência a perguntar pelo andamento do processo.
Mesmo não sendo estas as regras do Sindicato o Réu atendeu-o sempre, prestando-lhe as informações pedidas e que entendia serem necessárias.
Só agora o Autor descobriu a falta de zelo e de diligência do Réu, pois em 2013 mandatou-o para intentar nova acção contra os EE… e que correu termos no Tribunal de Trabalho de …, na qual obteve merecimento de causa e recebeu a quantia de €4.426,19.
Mais alegou que o Autor bem sabia que os factos de que veio a ser acusado na nota de culpa representavam uma violação gravíssima dos seus deveres como trabalhador a qual impossibilitava, de forma irreversível, a manutenção do vínculo laboral.
Impugnou ainda os factos e o direito nos quais o Autor fundou o seu pedido de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.
Questionou a demonstração do seu incumprimento de qualquer dos deveres elencados no nº1 do art.º95º do EOA.
Em relação à “perda de chance”, referiu que o dano que dai decorre não tem acolhimento na lei portuguesa, conclusão que é subscrita pela jurisprudência do STJ.
Mais pediu a condenação do Autor como litigante de má-fé.
Terminou requerendo a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.
Os autos prosseguiram os seus termos, acabando após vários recursos por ser proferida a sentença na qual se julgou a acção improcedente por não provada e, em consequência, se absolveu o Réu do pedido.
As Autoras vieram interpor recurso desta decisão, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos, as suas alegações.
O Réu contra alegou.
Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
No mesmo despacho foi apreciada (e julgada parcialmente procedente), a nulidade suscitada pelas Autoras nas suas alegações de recurso.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre pois decidir.
*
II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelas autoras/apelantes nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor dessas mesmas conclusões:
………………………………
………………………………
………………………………
*
Por outro lado é o seguinte o teor das contra alegações do réu/apelado:
……………………………….
……………………………….
……………………………….
Nestes termos e nos demais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão deverá ser julgada improcedente a apelação interposta e, consequentemente, confirmada a sentença recorrida.
*
Perante o antes exposto, resulta claro que são as seguintes as questões suscitadas no presente recurso:
1ª) A nulidade da decisão recorrida;
2ª) A procedência da acção e a condenação do Réu no pagamento das quantias peticionadas a título principal nas alíneas A), B) e C) e a título subsidiário na alínea D) da petição inicial.
*
Iniciando a nossa análise pela primeira das questões suscitadas, o que a tal propósito cabe dizer é o seguinte:
As pretensas nulidades da decisão recorrida foram já devidamente apreciadas e decididas no despacho proferido pelo Tribunal “a quo” com a Ref.ª 430169776 (cf. fls.1062 e seguintes), cujo teor integral aqui passamos a reproduzir para um melhor entendimento.
Assim:
“(…)
Invocam as Apelantes a nulidade da sentença alegando, para o efeito, que:
«Determinou o douto acórdão do STJ, de 10.09.2020, a págs. 27 dele, a ampliação da matéria respeitante ao ponto 1.16, ordenando a repetição do julgamento sobre aquela matéria, em conjugação com os factos dos pontos 1.17 e 1.18, decidindo-se depois sobre a procedência da acção relativamente às infracções disciplinares imputadas ao falecido autor, ocorridas entre Março de 2010 e Novembro de 2011.
Era a seguinte a redacção dos pontos mencionados (págs. 13 do acórdão):
- "1.16. Entre 2008 e 2011, o autor utilizava uma casa situada em …, emprestada por um amigo, o que fazia sempre que necessário, e principalmente no inverno, na qual passava muitas semanas.
1.17. O domicílio fiscal do autor continuou a ser em ..., onde o mesmo mantém casa.
1.18. A mulher do autor trabalhava, e a filha estudava, em …."
2. A douta sentença considerou:
i) Quanto ao ponto 1.16, que "CC… tinha casa em …, …";
ii) Quanto ao ponto 1.17 (mas levando em conta, de facto, o ponto 1.18), que "a autora, esposa do referido CC…, trabalhava, e a filha estudava, em …"; e
iii) Quanto ao ponto 1.18 (mas levando em conta, de facto, o ponto 1.19, que agora não estava em causa), que "até 4.03.2010, CC… esteve colocado em … e deslocado em … e …."
Vê-se, pois, que, seguramente por lapso, a douta sentença acabou por não apreciar o facto do ponto 1.17, o que configura nulidade da sentença, que se deixa expressamente invocada - art. 615º.-1 d) CPC.
III. Por outro lado, não determinou o STJ se apagassem os factos provados dos pontos 1.16, 1.17 e 1.18, designadamente o fulcral facto do ponto 1.16 e, assim, que 'entre 2008 e 2011, o autor utilizava uma casa situada em …, emprestada por um amigo, o que fazia sempre que necessário, principalmente no inverno, na qual passava muitas semanas'.
O que o douto acórdão do STJ decretou é que se explique em que factos sustentou a sentença aquilo que era a utilização da casa e a necessidade dela para o autor e agregado familiar.
Quer dizer: não pode a sentença, que já deu por assente o facto do ponto 1.16, simplesmente eliminá-lo, propendendo agora no sentido de dar como não demonstrada a aludida matéria de facto.
Propendeu, ainda por cima, com a invocação do disposto no art. 414º. CPC quando, como é sabido, no processo laboral (que deveria ter sido instaurado, mas não o foi a tempo), não recai sobre o autor o ónus probatório...
O facto do ponto 1.16 está provado.
O que a sentença está obrigada a fazer é a ampliar "a matéria a este [ponto 1.16] respeitante, ao abrigo do artigo 682º.-3 CPC (...)", como se lê no douto acórdão do STJ, concretizando as determinações deste e conjugando, depois, tais factos "com os factos constantes dos pontos 1.17 e 1.18" - cfr. págs. 27 do acórdão.
Não tendo a sentença apreciado a questão - dando, aliás, o dito por não dito, é dizer, o provado por não provado - a omissão acarreta a nulidade dela que se deixa, também, expressamente invocada – art.º 615º.-1 d) CPC.»
Apreciando:
Dispõe o art.º 615.º, n.º 1, do Cód. Processo Civil, que “É nula a sentença quando: (…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”
In casu, alegam as Apelantes que a sentença acabou por não apreciar o facto do ponto 1.17, o que configura nulidade da sentença.
Afigura-se, porém, que não existe a invocada nulidade, na medida em que na sentença se tomou posição no sentido de a prova produzida nos autos ser insuficiente para se poder concluir que o falecido autor fazia a sua vida habitual em …, o que consubstancia uma apreciação implícita do facto do ponto 1.17.
Alegam ainda as Apelantes que o STJ não determinou que se apagassem os factos provados dos pontos 1.16, 1.17 e 1.18, designadamente o facto do ponto 1.16 e, assim, que “entre 2008 e 2011, o autor utilizava uma casa situada em …, emprestada por um amigo, o que fazia sempre que necessário, principalmente no inverno, na qual passava muitas semanas”. O que o douto acórdão do STJ decretou é que se explique em que factos sustentou a sentença aquilo que era a utilização da casa e a necessidade dela para o autor e agregado familiar. Quer dizer: não pode a sentença, que já deu por assente o facto do ponto 1.16, simplesmente eliminá-lo, propendendo agora no sentido de dar como não demonstrada a aludida matéria de facto.
Afigura-se, de igual modo, que não existe a invocada nulidade.
Conforme se refere no douto aresto do Supremo Tribunal de Justiça «ou bem que da prova produzida ou a produzir se recolhem elementos convincentes que permitam dar por provado o modo de utilização que o A. e o seu agregado familiar faziam da casa de … que lhe foi emprestada por um amigo, bem como das circunstâncias concretas que tornavam necessária tal utilização, no contexto da sua actividade profissional e vida familiar, agora com referência ao período entre março de 2010 e novembro de 2011; ou então não se colhem tais elementos e isso deverá ser claramente assumido com expurgação de expressões genéricas, conclusivas ou vagas como as que constam do ponto 1.16.»
Ora, não tendo sido recolhidos da prova produzida elementos convincentes que permitissem dar por provado o modo de utilização que o A. e o seu agregado familiar faziam da casa de … que lhe foi emprestada por um amigo, bem como das circunstâncias concretas que tornavam necessária tal utilização, no contexto da sua actividade profissional e vida familiar, com referência ao período entre março de 2010 e novembro de 2011, nada mais restava ao tribunal, s.m.o., senão proceder à expurgação, da factualidade provada, das expressões genéricas, conclusivas ou vagas como as que constavam do ponto 1.16.
Já no que concerne à 1.ª parte do ponto 1.17 inicial, constata-se efectivamente que não foi determinada a sua eliminação, tendo apenas sido determinado que se procedesse à repetição do julgamento sobre a matéria constante do ponto 1.16, a fim de conjugar a eventual ampliação da matéria a este respeitante com os factos constantes dos pontos 1.17 e 1.18.
Porque assim, cumpre suprir a nulidade resultante da eliminação da 1.ª parte do ponto 1.17 inicial, mediante a sua reinserção na factualidade provada, por forma a que o facto 16 passe a constar com a seguinte redacção:
«O domicílio fiscal de CC… continuou a ser em …, onde mantinha casa.»
(…) ”
Em nosso entender tal despacho responde de forma perfeita às questões aqui suscitadas pelas autoras/apelantes, razão pela qual consideramos que nada mais há que caiba dizer ou decidir a tal propósito.
*
Transpondo a nossa atenção para a procedência/improcedência dos pedidos formulados pelas Autoras, cabe recordar, antes de mais, qual o conteúdo da decisão da matéria de facto que foi proferida e que é o seguinte:
“Factos provados, com relevância para a decisão a proferir:
1 – CC… nasceu em ../../1957 e foi admitido ao serviço de EE…, S.A., em ../../1981, tendo sido admitido nos quadros permanentes da referida sociedade em ../../1982, conforme documentos juntos a fls. 21, 22 e 403.
2 -Na sequência do processo disciplinar instaurado por EE…, S.A., foi elaborada nota de culpa contra o referido CC…, a qual lhe foi remetida, em comunicação de ../../2011, e na qual se dava conta da intenção de se proceder ao seu despedimento com justa causa, por alegada prática de infracção disciplinar grave, conforme documento junto a fls. 23 a 29.
3 -O Réu prestou serviços próprios de advocacia, em regime de avença, juntamente com outro advogado, ao Sindicato …, no Porto, do qual o referido CC… era associado.
4 -O Sindicato … oferece gratuitamente serviços de advocacia aos seus associados.
5 -Após os associados se dirigirem ao Sindicato, e quando necessitam da intervenção de um advogado, os serviços de pré-contencioso do Sindicato distribuem os processos pelos dois advogados.
6 -O identificado Sindicato distribuiu ao Réu o processo do referido CC…, para resposta à nota de culpa, o que o Réu fez.
7 –EE…, S.A. despediu o referido CC… com alegada justa causa, por decisão de 05/03/2012, por este recebida a 07/03/2012, conforme documentos juntos a fls. 31 a 37.
8 -O referido CC… foi despedido pelas razões constantes da nota de culpa, traduzidas, no essencial, na consideração de terem sido provados, no decurso do processo disciplinar, os factos que seguem: i) O referido CC…, residindo embora em …, … - onde nunca deixou de residir - comunicou a EE…, S.A., em 25/08/2004, que residia em …, em cuja Loja … estava colocado;
ii) O referido CC…, entre ../11/2008 e ../03/2010, prestou serviço, em dias intercalados, nas Estações de Correio de … e …;
iii) Os trabalhadores deslocados tinham direito ao abono dos quilómetros percorridos entre o local habitual de trabalho, ou a residência, se mais perto, e o local de deslocação;
iv) …, …, dista 13 km de … e 19 km de …; … dista 26 km de … e 39 km de …;
v) Residindo o referido CC…, de facto, em …, … e não em …, recebeu ajudas de custo indevidas, de €2.475,66, no período considerado;
vi) Em 04/03/2010, o referido CC… foi definitivamente transferido para …;
vii) Pela transferência definitiva do local de trabalho, teria CC… direito ao pagamento da diferença do passe de transporte coletivo, por haver transporte;
viii) E CC… recebeu, de facto, entre março de 2010 e novembro de 2011, indevidamente - por não morar em …, mas em …, … -, €77,00/mês, num total de €1.540,00;
ix) CC… recebeu, pois, sem a eles ter direito, um total de €4.015,66, por força da intencional, livre, consciente e deliberada comunicação de mudança de morada que, na prática, não ocorreu, conforme documento junto a fls. 102 a 144 e 148 a 171.
9 -A notificação da decisão de despedimento foi efectuada por EE…, S.A. também directamente ao Réu, por correio postal de 05/03/2012, recebido a 07/03/2015, conforme documento junto a fls.35 a 37.
10 – CC… outorgou procuração a favor do Réu, conforme documento junto a fls. 30.
11 -Em 10/05/2012, o Réu recebeu do Sindicato cópia do Documento Único de Cobrança relativo à taxa de justiça paga por CC…, nessa data, conforme documento junto a fls. 223 a 225 e, em 16/05/2012, uma declaração de associado do referido CC…, conforme documento junto a fls. 226.
12 -Em 17/05/2012, o Réu instaurou acção de impugnação judicial de despedimento contra EE…, S.A., processo que correu termos na secção única do Tribunal de Trabalho de …, sob o n.º 427/12…, conforme documento junto a fls.38 a 52.
13 -Realizada audiência de partes no identificado processo, em 04/06/2012, em cuja ata se consignou que «a persistência do litígio reside na discordância relativamente ao montante dos créditos reclamados pelo autor na petição inicial», foi proferida sentença, em 08/10/2012, que julgou procedente a exceção de caducidade invocada por EE…, S.A., com absolvição desta empresa do pedido, conforme documentos juntos a fls. 54 a 58.
14 –CC…, representado pelo Réu:
i) Interpôs recurso da decisão de 1ª. instância para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 06/01/2014, julgou “improcedente a apelação interposta pelo Autor, mantendo-se a decisão recorrida”, conforme documentos juntos a fls. 59 a 79.
ii) Interpôs recurso do acórdão do Tribunal da Relação do Porto para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso que, por despacho de 12/05/2014, não foi admitido pela Senhora Desembargadora Relatora, conforme documentos juntos a fls. 81 a 88.
iii) Interpôs recurso da decisão da Senhora Desembargadora Relatora para o Tribunal Constitucional que, por decisão sumária de 19/11/2014, não conheceu do recurso, conforme documentos juntos a fls. 89 a 93.
iv) Deduziu reclamação contra a decisão sumária para a conferência do Tribunal Constitucional que, por acórdão de 24/01/2015, transitado em Fevereiro de 2015, a indeferiu, conforme documentos juntos a fls. 94 a 98.
15 -Durante cerca de três anos, período que mediou entre a entrada da ação em juízo e a prolação do acórdão do Tribunal Constitucional, o Réu nunca informou o referido CC… dos factos relatados nos precedentes pontos 13 e 14, tal como nunca o fez depois.
16 - O domicílio fiscal de CC… continua a ser em ….
17- A Autora, esposa do referido CC…, Trabalhava, e a filha estudava, em ….
18 -Até 04/03/2010, CC… esteve colocado em … e deslocado em … e ….
19 -Entre … e … há transportes públicos. 20- Entre … e …, sede do conselho, não há transportes públicos.
21 -Não havendo transporte público da freguesia de …s para a sede do concelho, o referido CC… tinha de utilizar automóvel próprio.
22 –CC… trabalhou para EE…, S.A. durante mais de 30 anos, período durante o qual sempre foi diligente, assíduo e zeloso no cumprimento das tarefas que lhe foram cometidas, e chefiou, durante 25 anos, a Estação de Correios de ….
23 -Durante os mais de 30 anos em que trabalhou para EE…, S.A., o referido CC… nunca foi repreendido, cometeu qualquer ilícito, ou foi objecto de qualquer processo, tendo sido louvado pelo desempenho na chefia da Loja de …, conforme documento junto a fls.174.
24 -Durante os mais de 30 anos em que trabalhou para EE…, S.A., o referido CC… foi frequentemente premiado, conforme documentos juntos a fls. 175 a 178.
25 -No último recibo de vencimento do referido CC…, EE…, S.A. retirou a quantia de €2.386,12, relativa ao vencimento do mês de março de 2012, conforme documento junto a fls. 179.
26 -Ao tempo do despedimento, CC… auferia um salário de €1.293,20, acrescido de 7 diuturnidades, no montante de €213,99, 1 diuturnidade especial, no valor de €13,11 e subsídio de alimentação de €9,01/dia, pelo que recebia, líquido, abatidos os legais descontos, €1.296,74, conforme documento junto a fls. 181.
27 -O referido CC… era possuidor do número do telemóvel do Réu e do seu contacto telefónico fixo.
28 -O referido CC… teve conhecimento da sentença que decidiu a excepção de caducidade, que lhe foi notificada.
29 -O referido CC… sentiu-se enganado pelo Réu, que nunca lhe comunicou quaisquer vicissitudes processuais, designadamente que a petição havia entrado em juízo para além do prazo legal e que, por força disso, havia sido considerado caduco o direito que aquele pretendia fazer valer.
30 -O referido CC… tomou conhecimento das decisões intermédias e final do processo judicial por terceiros.
31 -O Réu não mais contactou o referido CC… fosse para o que fosse.
32 -Por ter passando de um rendimento mensal de €1.296,74, para zero, sem direito a qualquer compensação ou indemnização, sem direito a assistência médica ou medicamentosa, de que beneficiava, enquanto trabalhador de EE…, S.A., com uma vaga possibilidade de aposentação, sem meios de angariar o seu sustento, em face da idade e da situação do mercado laboral, tendo de viver uma vida austera e a expensas da mulher, o referido CC… sentiu-se deprimido, angustiado e constrangido.
33 -O referido CC… vinha sofrendo perturbações na sua vida diária e social, evitando o relacionamento com amigos e conhecidos, envergonhado com os juízos que possam fazer a seu respeito.
34 -Os contactos com todos os associados são assegurados pelos serviços próprios do Sindicato, só tendo acesso ao advogado quando estes o solicitam.
35 -O referido CC… tinha acesso ao serviço de informações da associação sindical de que era associado, que as prestava sempre que solicitado, e sempre que necessário, com consulta prévia ao Advogado titular do processo.
36 -Nem o Sindicato … (…), nem o referido CC…, subscreveram o acordo de empresa (AE) de 2008.
*
Não resultaram provados quaisquer outros factos, com relevância para a decisão a proferir, nomeadamente, que:
1 –CC… ocupava a casa que tinha em … aos fins de semana;
2 –CC… mudou, de facto, a sua morada para …, para casa de um amigo, que lha emprestou;
3 –CC… telefonava frequentemente ao Réu a perguntar pelo andamento do processo;
4 -Quando recebeu a notícia de que a sua pretensão não tinha chegado a ser apreciada, jamais podendo sê-lo, o referido CC… ficou em estado de choque, sentiu vertigens, náuseas e vómitos, com acentuada quebra da tensão arterial, e assim permaneceu doente, por alguns dias;
5 -O referido CC… fechava-se em casa e tomava antidepressivos;
6 -Os advogados do Sindicato só têm contacto com o processo físico que lhes é entregue, e todas as acções de pré-contencioso são asseguradas por serviços próprios da associação sindical;
7 -Todas as informações relativas aos processos são transmitidas aos associados pelos serviços próprios do Sindicato;
8 -O Réu atendia o referido CC…, prestando-lhe as informações que lhe eram solicitadas e que entendia necessárias.”
*
É pois com esta decisão que não foi impugnada neste recurso e que por isso se mantém, que deve ser apreciada a procedência ou improcedência da acção.
Assim não colhe, por não ter qualquer base de sustentação, a pretensão formulada na conclusão C. das alegações de recurso, de que para além dos factos dados por provados, se deveria ter dado como assente que “a pensão de reforma do autor seria, caso não tivesse sido despedido, de 1.296,74€ líquidos.”
Restam pois para análise os restantes argumentos trazidos ao processo pelas autoras/apelantes nas restantes conclusões antes melhor reproduzidas.
E podemos desde já dizer que tais argumentos não merecem o nosso acolhimento, impondo-se sim a subscrição do que a tal propósito foi feito constar na decisão recorrida.
Vejamos, pois.
Como bem se afirma na decisão recorrida, na presente acção as Autoras fundamentam os seus pedidos e desde logo “na circunstância de ter havido violação do dever profissional de zelo e diligência por parte do Réu, advogado, na execução de um contrato de prestação de serviços, na modalidade de mandato, o que o faz incorrer em responsabilidade civil contratual.”
Sem necessidade de as voltar aqui a reproduzir, temos como válidas e pertinentes todas as considerações que na sentença recorrida tratam do enquadramento no nosso direito substantivo e estatutário dos referidos pedidos, a saber os artigos 798º e seguintes, 342º, 265º, 1157º, 487º, nº2 e 563º, todos do Código Civil e 92º, nº1 e 95º, nº1, alíneas a) e b) do Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei nº15/2005 de 26/01).
Aplicando tais regras ao caso concreto e aos factos que resultaram provados o que importa salientar é o seguinte:
Comprovou-se que no exercício do mandato que lhe foi atribuído, o Réu instaurou, em 17/5/2012, uma acção de impugnação judicial de despedimento contra os EE…, S.A., processo que correu termos na secção única do Tribunal de Trabalho de …, sob o n.º 427/12….
Tal decisão de intentar o identificado processo de impugnação, como aliás refere o Tribunal “a quo”, não se revelava em concreto, juridicamente insustentável.
E isto não obstante a hipótese de nestes casos ser possível ao trabalhador, opor-se ao despedimento através da apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, nos termos do art.º 387.º, n.º 2 do Código do Trabalho, (aprovado pelo DL. n.º7/2009, de 12/02).
No entanto, ficou igualmente provado que a referida acção de impugnação judicial de despedimento deu entrada em juízo já depois de transcorrido o prazo de 60 dias estabelecido no art.º 387.º, n.º 2, do Código do Trabalho, para impugnar o despedimento (cf. o decidido na sentença de 8/10/2012, na qual foi julgada procedente a excepção de caducidade invocada por EE…, S.A., e absolvido esta mesma empresa do pedido, sentença que veio a ser confirmada pelo Tribunal desta Relação do Porto, por Acórdão de 6/1/2014, já transitado em julgado).
Tem razão a Sr.ª Juiz “a quo” quando salienta que a apresentação da petição inicial dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito constituía uma diligência a que o Réu estava obrigado, por força da relação que estabeleceu com a celebração do contrato de mandato forense, resultando claro que a apresentação tardia daquele articulado, a omissão da diligência que lhe era exigível.
Tudo porque terminando o referido prazo de 60 dias no dia 6/5/2012, e verificando-se que o falecido pai das Autoras tinha outorgado procuração a favor do Réu no dia 29/3/2012, tinha este último ao seu dispor de tempo mais do que suficiente para instaurar a identificada.
Por outro lado não colhe a alegação do Réu (cf. o art.º 14.º da contestação), de que três dias após a caducidade da acção, em 10/5/2012, recebeu do Sindicato cópia da taxa de justiça paga pelo falecido autor, nessa data.
Assim e estando tal facto documentado nos autos, deve no entanto entender-se que tal circunstância se afigura irrelevante, já que cabia ao Réu, na sequência da celebração do contrato de mandato, com a outorga de procuração a seu favor, preparar o processo para o mesmo dar entrada em tribunal com todos os elementos necessários ao seu prosseguimento, aqui cabendo a emissão atempada do respectivo DUC.
Também não colhe a alegação (cf. art.º 22º da contestação) segundo a qual o falecido autor não agiu com diligência, porquanto não subscreveu o formulário previsto nos artigos 98.º-C e 98.º-D do DL. 295/2009, de 13 de Outubro.
Ou seja, merece acolhimento a ideia de que celebrado o contrato de mandato com a outorga de procuração forense a favor do Réu, não competia ao Autor subscrever aquele formulário e proceder à sua entrega junto do tribunal competente, a não ser que tivesse sido instruído pelo Réu para o efeito (circunstância que o Réu não provou).
Na sentença recorrida defende-se a tese de que não cabia ao Tribunal “a quo” sindicar a decisão proferida no supra identificado processo laboral e salienta-se que nada foi alegado pelo Réu no sentido de demonstrar que foi ajustada e sustentada a opção pela instauração de uma acção tendente a considerar ilícito o despedimento, para além do prazo de 60 dias previsto no art.º 387.º, n.º 2, do Código do Trabalho, “explorando os prazos diferentes do Código do Trabalho e o regime Disciplinar dos EE…, de vertente administrativa”.
Mais ainda que ficou por provar pelo Réu que tal procedimento tinha assenta na jurisprudência e na doutrina e que por isso não se traduzia em qualquer violação de qualquer dos seus deveres contratuais, nomeadamente os deveres de zelo e diligência.
Ora nenhum reparo nos merece tal entendimento de quem decidiu em 1ª instância.
Acresce que foi o próprio Réu que na sua contestação (cf. art.º 16º) alegou estar ciente da possibilidade de vir a ser declarada a caducidade da acção de impugnação do despedimento, mas que ainda assim decidiu avançar com a propositura da mesma.
Sabe-se ainda que durante os cerca de três anos que decorreram entre a entrada da referida acção em juízo e a prolação do acórdão do Tribunal Constitucional, o Réu nunca informou o falecido autor dos factos relatados nos pontos 13 e 14 da matéria de facto provada, o que também não fez posteriormente.
Deve aceitar-se que cabia ao Réu demonstrar que a sua conduta omissiva não decorreu de culpa sua, ilidindo a presunção que sobre si impendia (cf. o art.º 799º, nº1 do CPC), o que não soube fazer.
Tem pois razão a Sr.ª Juiz “a quo” ao concluir, no caso concreto, pela violação do disposto nos artigos 92º, nº2 e 95.º, n.º1, alíneas a) e b) do Estatuto da Ordem dos Advogados, na redacção então em vigor.
Em suma, perante o comportamento omissivo do Réu acabado de identificar, o falecido Autor viu ser-lhe definitivamente coarctado o seu direito de ver apreciado pelo Tribunal de Trabalho, a ilicitude do despedimento contra si promovido pela sua entidade patronal, os EE…, S.A.
Como todos sabemos, é com base nesta realidade que as Autoras querem ser ressarcidas dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo seu falecido pai.
Tudo isto tendo por base a alegação de que sendo declarado ilícito o seu despedimento lhe seria conferido o direito a uma indemnização pelos danos causados, patrimoniais e não patrimoniais, e à reintegração na empresa, salvo se optasse por uma indemnização por antiguidade, sem prejuízo do direito ao recebimento das retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença que decretasse o despedimento (cf. o disposto nos artigos 389.º, nº1, 390º, nº1 e 391º, nº1, todos do Código do Trabalho).
Está visto que as Autoras, com base no direito à reintegração na empresa entidade patronal, pedem a condenação do Réu no pagamento da quantia de €344.937,60 (€64.800,00 + €3.905,60 + €119.232,00 + €132.000,00 + €25.000,00), a título de danos patrimoniais, presentes e futuros, e não patrimoniais, acrescida de juros, contados desde a data de entrada da presente acção em juízo, à taxa legal de 4%, calculados sobre a importância de €89.800,00 (€64.800,00 + €25.000,00), até efectivo pagamento.
Caso tal pretensão não seja atendida, pedem as mesmas Autoras e agora com base no direito à indemnização por antiguidade, o pagamento da quantia de €151.383,92 (€54.432,00 + €3.280,70 + €60.264,00 + €8.407,22 + €25.000,00), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros, contados da data de entrada da presente acção em juízo, à taxa legal de 4%, calculados sobre a importância de €139.696,00 (€54.432,00 + €60.264,00 + €25.000,00), até efectivo pagamento.
Pedem em qualquer dos casos, o pagamento das despesas totais com mandatário judicial, decorrentes do presente processo, a liquidar em execução de sentença (alínea C) da petição inicial).
Impõe desde já dizer que bem decidiu o Tribunal “a quo”, quando considerou que este último pedido teria que improceder, já que existe um meio próprio para o ressarcimento das despesas com mandatário judicial, decorrentes do processo, previsto no Regulamento das Custas Processuais, ao qual as Autoras poderão recorrer, em sede de custas de parte.
E decidiu igualmente de forma acertada quando julgou improcedentes os pedidos formulados nas alíneas A) e B) da petição inicial, considerando que os mesmos assentam numa demonstração não possível, qual seja a da procedência da pretensão do falecido autor, na hipótese da respectiva acção laboral para impugnação do despedimento, ter dado entrada em juízo no prazo legalmente estabelecido para o efeito.
Transcrevendo o que na sentença e a tal propósito fixou consignado, “há que ter em consideração que o processo judicial é sempre um processo de natureza incerta e de resultado aleatório, sendo impossível provar qual o resultado do processo em que se verificou o incumprimento, ou cumprimento defeituoso do contrato de mandato.”
Resta pois o pedido formulado na alínea D) da petição inicial.
A propósito desta questão e com todo o respeito que se impõe, iremos transcrever aqui e antes do mais o que ficou exarado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido nos autos em 30 de Maio de 2019 (cf. fls. 723 e seguintes):
“No que respeita agora à pretensão indemnizatória fundada em perda de chance processual, tal como foi considerado pelas instâncias, trata-se duma pretensão destinada a obter o ressarcimento de um dano aferível em função da probabilidade consistente e séria de quem, não obtendo ganho de causa por motivo imputável ao respectivo mandatário forense, o pudesse obter, não fora a ocorrência de tal motivo.
A possibilidade desse tipo de pretensão encontra suporte doutrinário e jurisprudencial, mormente no quadro actual da jurisprudência deste Supremo Tribunal.
Não obstante as divergências quanto à caracterização ou não da perda de chance como dano autónomo, não vemos que exista obstáculo a que essa perda de chance ou de oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, impossibilitada definitivamente por um ato ilícito, não possa ser qualificada como um dano em si, posto que sustentado num juízo de probabilidade tido por suficiente em função dos indícios factualmente provados [...]
Assim, desde que se prove, desse modo indiciário, a consistência de tal vantagem ou prejuízo, ainda que de feição hipotética mas não puramente abstrata, terá de se reconhecer que ela constitui uma posição favorável na esfera jurídica do lesado, cuja perda definitiva se traduz num dano certo contemporâneo do próprio evento lesivo.
É certo que se poderá colocar a questão de saber se, em tais casos, estamos ainda em sede de identificação do dano ou já no plano do estabelecimento do seu nexo de causalidade, sabido como é que a definição da chance perdida terá de ser feita sempre na perspectiva do resultado final para que tende.
De todo o modo, uma coisa será, em primeira linha, identificar a própria perda de chance com consistência suficiente, em função do resultado final hipotético definitivamente perdido, para ser qualificada como dano emergente e certo, outra algo diferente será depois imputar essa perda à conduta lesiva, segundo as regras da causalidade adequada. Embora se reconheça que essa dicotomia seja discutível, se concentrarmos o juízo de probabilidade na aferição da consistência necessária à identificação do dano, já o estabelecimento do seu nexo de causalidade com a conduta ilícita se revela facilitado.
Nesse conspecto, o juízo de probabilidade sobre a consistência da perda de chance deve “ser encarado com grandes cautelas e apenas nas situações em que a privação da probabilidade de obtenção de uma vantagem se possa caracterizar, com mais evidência, como um dano autónomo”[…].
Problemático será saber quais os índices de probabilidade para o reconhecimento da perda de chance como dano autónomo, ou seja, se a própria probabilidade de vantagem perdida pode ser reconhecida como juridicamente relevante, não obstante a impossibilidade de demonstração do respectivo resultado final.
Assim, no campo da responsabilidade civil contratual por perda de chances processuais, em vez de se partir do princípio de que o sucesso de cada acção é, à partida, indemonstrável, parece mais curial ponderar, perante cada hipótese concreta, qual o grau de probabilidade segura desse sucesso, pois pode muito bem acontecer que o sucesso de determinada acção, à luz de um desenvolvimento normal e típico, possa ser perspectivado como uma ocorrência altamente demonstrável, à face da doutrina e jurisprudência então existentes.
Nessa base, será de aceitar que uma vantagem perdida por decorrência de um evento lesivo, desde que consistente e séria, ou seja com elevado índice de probabilidade, possa ser qualificada como um dano autónomo, não obstante a impossibilidade absoluta do resultado tido em vista.
De resto, a jurisprudência do STJ tem vindo a admitir a relevância de situações pontuais, desde que a prova permita, com elevado grau de probabilidade, ou verosimilhança, concluir que o lesado obteria certo benefício não fora a chance perdida. Isto mais não é do que admitir afinal o dano por perda de chance na base de um juízo de probabilidade elevado e que só poderá ser aferido em cada caso concreto. O que parece discutível é se deve ser feito de forma categorial ou se em função da espécie do caso, como propendemos a admitir.
Em suma, afigura-se razoável aceitar que a perda de chance se pode traduzir num dano autónomo existente à data da lesão e portanto qualificável como dano emergente, desde que ofereça consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade suficiente, independente do resultado final frustrado.
Demonstrada assim essa espécie de dano, questão diferente será já a avaliação do quantum indemnizatório devido, segundo o critério da teoria da diferença nos termos prescritos no artigo 566.º, n.º 2, do CC. Será também neste plano de avaliação que se poderá lançar mão, em última instância, do critério da equidade ao abrigo do n.º 3 do mesmo normativo, o qual não pode, pois ser utilizado em sede de determinação da própria consistência da perda de chance.
No caso de perda de chances processuais, como é a tratada nos presentes autos, a primeira questão está em saber se o hipotético sucesso do desfecho processual, decorrente do recurso que o R. deixou de interpor, assume um padrão de consistência e de seriedade que, face ao estado da doutrina e jurisprudência se revela suficientemente provável para o reconhecimento do dano.
Para tanto, importa fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento” no sentido da solução jurídica altamente provável que o tribunal da ação em que a parte ficou prejudicada viesse a adoptar.
A determinação da perda de chance processual por via do julgamento dentro do julgamento encontra-se bem espelhada, por exemplo, nos acórdãos do STJ, de 05/02/2013, proferido no processo n.º 488/09.4TBESP.P1.S1, de 14/03/2013, proferido no processo n.º 78/09.5TVLSB.L1.S1 e de 30/09/2014, proferido no processo n.º 739/09.5TVLSB.L2-A.DS1 […].
Muito embora tal apreciação se inscreva, enquanto tal, em princípio, em sede de questão de facto, extravasando, nessa medida, os fundamentos do recurso de revista […], deve admitir-se que possa, ainda assim, envolver erros de direito sobre a apreciação da prova ou do quadro normativo aplicável, estes sim passíveis de serem sindicáveis em sede de revista.
O ónus de prova de tal probabilidade impende sobre o lesado, como facto constitutivo que é da obrigação de indemnizar (art.º 342.º, n.º 1, do CC).”
Voltando ao caso concreto e ao que ficou dito na sentença recorrida, o que desde logo foi salientado é o seguinte:
Que a circunstância de ter sido julgada procedente a excepção peremptória da caducidade do direito de impugnar a sanção disciplinar de despedimento aplicada ao falecido autor, invocada pela entidade patronal, com a sua consequente absolvição do pedido, impediu o falecido Autor de ver apreciada a sua pretensão fazendo que o mesmo perdesse toda e qualquer expectativa de obter ganho de causa na acção, o que na tese das Autoras, se traduz no concreto numa “perda de chance” que deve ser tutelada.
Concretizando:
O que cabe ponderar é se a “perda de chance” ou de oportunidade de obter uma vantagem, ou de evitar um prejuízo, como é o caso, decorrente da instauração da acção de impugnação de despedimento já fora do prazo legalmente previsto para o efeito, se traduziu, para o falecido autor, num dano emergente.
Tudo isto porque existia uma probabilidade consistente e séria de obter ganho de causa, uma vez que fosse apreciada a sua pretensão.
Já vimos que entre os fundamentos que invocou no art.º 48.º e seguintes da petição inicial apresentada no Tribunal de Trabalho, o Autor alegou a prescrição dos factos de que vinha acusado pela sua entidade patronal, com base nas regras do art.º 329.º do Código do Trabalho.
Ora como bem se refere na sentença recorrida, a questão da prescrição do procedimento disciplinar instaurado contra o falecido autor, relativamente às infracções disciplinares alegadamente cometidas por aquele entre Novembro de 2008 e Março de 2010 foi já apreciada e decidida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido nos autos (cf. fls. 723 e seguintes), no sentido da prescrição do respectivo procedimento disciplinar em virtude do decurso do prazo de um ano estabelecido no art.º 329.º, n.º 1, do Código do Trabalho.
A ser assim dúvidas não existem de que os respectivos factos não podiam nem podem ser considerados para efeitos de despedimento do falecido pai das Autoras.
Prosseguindo:
Para além do antes referido, resulta dos autos que no período a que alude a al. b) do artigo único da nota de culpa, relativo à situação em que o falecido autor foi colocado definitivamente em …, período esse que decorreu entre Março de 2010 e Novembro de 2011, estava em causa o direito ao pagamento do passe de transporte colectivo, que os EE… pagaram, no montante de €77/mês, no montante total de €1.540,00.
Na tese do falecido autor CC…, deve aplicar-se ao caso o disposto no art.º 53.º, n.º 3, al. b) do Acordo de Empresa de 2010, segundo o qual, ”Não havendo lugar a mudança de domicílio e verificando-se um acréscimo de encargos com transporte entre o novo local de trabalho e o domicílio, a Empresa garante ao trabalhador, consoante o caso, uma das compensações seguintes: (…) b) Pagamento ao correspondente acréscimo de despesas de transporte”.
A ser assim e continuando a fazer a sua vida habitual em …, considera que teria direito ao pagamento do correspondente acréscimo de despesas de transporte, razão pela qual o que recebeu foram as quantias a que teria direito e não mais.
Segundo o Tribunal “a quo”, a prova produzida nos presentes autos mostra-se insuficiente para se poder concluir que o falecido Autor fazia a sua vida habitual em ….
Nenhum reparo nos merece tal entendimento, tendo também nós em conta que o que a tal propósito se provou foi apenas e só o que consta dos pontos 16), 17) e 18) da matéria provada, ficando nomeadamente por provar o que consta dos pontos 1) e 2) dos factos não provados.
Salienta-se ainda o facto de ter sido invocado na petição inicial apresentada no Tribunal de Trabalho, o disposto nas regras da Portaria n.º 348/87, de 28/04, aplicável aos trabalhadores admitidos até 18 de Maio de 1992 como era o seu caso, diploma esse aplicável ao caso por força da cláusula 20.ª do Acordo de Empresa de 2010, em cujo art.º 46.º se dispõe do seguinte modo: “Precedendo a decisão do conselho de administração, o Conselho Disciplinar emitirá o seu parecer nos seguintes casos: a) Se a pena proposta for expulsiva; (…)”, requisito que não tinha sido cumprido, no processo disciplinar em causa, o que no entender do Autor feria tal processo de nulidade, por falta de uma formalidade essencial.
Perante tal argumentação refere a Sr.ª Juiz “a quo” que a lei laboral não comina a falta de tal formalidade com a nulidade o processo disciplinar, salientando que a falta da mesma não constitui causa de invalidade do procedimento, à luz do disposto no art.º 382.º, n.º 2, do Código do Trabalho.
Faz-se ainda saber que o artigo 357.º, n.º 4, do mesmo diploma, determina que na decisão de despedimento por facto imputável ao trabalhador sejam ponderados os pareceres dos representantes dos trabalhadores, o que em seu entender não releva para o caso, por ter sido emitido Parecer da Comissão de Trabalhadores, o qual foi anexado à notificação da nota de culpa.
Na decisão recorrida é feita também referência ao facto de na nota de culpa ter sido referido que o falecido CC… actuou de forma livre, consciente e deliberada, bem sabendo que tal comportamento lhe estava vedado, e que ao actuar nos moldes descritos violou culposa e gravemente o dever de lealdade, a que está obrigado por força do contrato de trabalho, consignado na al. f), 1.ª parte do n.º 1 do art.º 128.º do Código do Trabalho, consubstanciando o comportamento doloso do mesmo infracção disciplinar que, pela sua gravidade e consequências, comprometiam de forma irreversível a subsistência da relação laboral, o que constitui causa de despedimento nos termos do n.º 1 do art.º 351.º do Código do Trabalho, aprovado pelo Decreto Lei nº 7/2009, de 12/02.
Verifica-se que segundo tal artigo, “Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.”
Importa recordar que na acção de impugnação de despedimento, o falecido Autor não deixou de alegar que não existiu qualquer impossibilidade de subsistência da relação de trabalho, uma vez que as eventuais diferenças nos abonos pagos poderiam ser objecto de correcção (cf. o art.º 96.º da petição inicial ali apresentada) e que acrescentou que a culpa e gravidade do seu comportamento teriam de ser apreciadas segundo o entendimento de “um bom pai de família” ou de “um empregado normal”, em face do caso concreto, segundo critérios de objectividade e razoabilidade, defendendo que tais critérios foram claramente afastados da decisão da entidade patronal impugnada.
Sabemos todos que a nota de culpa faz aplicação do Regulamento Disciplinar aprovado pela Portaria n.º 348/87, de 28 de Abril, a qual estabelece, no seu art.º 20.º, um conjunto de circunstâncias atenuantes.
Assim e segundo o seu nº1, “São atenuantes todos os factos ou circunstâncias atinentes ao agente ou à infracção de que resulte diminuição da responsabilidade do arguido”, prescrevendo o seu n.º 2, al. a), como circunstância atenuante especial, desde logo, o zelo e bom comportamento anteriormente evidenciados nos últimos dez anos de serviço.
Constata-se que no art.º 85.º da petição inicial apresentada no Tribunal de Trabalho, o ali Autor invoca a desproporcionalidade da sanção disciplinar de despedimento, invocando a sua colaboração dedicada e leal durante mais de 20 anos de serviço, sem qualquer sanção.
É consabido que as questões acabadas de enumerar acabaram por não ser apreciadas no Tribunal de Trabalho, por virtude da procedência da excepção peremptória da caducidade invocada por EE…, S.A., dando lugar à consequente absolvição desta empresa do pedido.
Segundo o Tribunal “a quo”, apesar disso, não se pode concluir que, a ter sido apreciada a pretensão manifestada pelo falecido autor junto do Tribunal de Trabalho, existia uma probabilidade real, consistente e séria de o seu despedimento poder vir a ser considerado ilícito e assim inválido o seu despedimento.
Impõe-se dizer que comungamos tal entendimento.
E isto por ser claro que cabia ao falecido autor CC…, alegar e provar, na presente acção, que, não fora a actuação omissiva do Réu dos autos, obteria ganho de causa.
Apesar disso, é essencial salientar aqui o que foi referido no sumário do já citado Acórdão do STJ de 30.05.2019 (cf. fls.723):
“I. No caso de perda de chances processuais, importa fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento” no sentido da solução jurídica altamente provável que o tribunal da acção em que a parte ficou prejudicada viesse a adoptar.
II. (…)
III. O ónus de prova de tal probabilidade impende sobre o lesado, como facto constitutivo que é da obrigação de indemnizar (art.º 342.º, n.º 1, do CC).
IV. (…)
V. Para efeitos de indemnização por perda de chance processual, embora recaia sobre o autor o ónus de provar a probabilidade de sucesso da acção de impugnação do despedimento instaurada em seu nome pelo réu, na qualidade de advogado, mas que acabou por ser julgada improcedente em virtude da caducidade imputável a este réu, não se pode ignorar que, no âmbito daquela acção de impugnação, era sobre a entidade patronal que recaía o ónus de provar os factos integrativos da justa causa do despedimento, cabendo ao trabalhador produzir a contraprova desses factos, nos termos do artigo 346.º do CC.”

Concretizando:
O que aqui cabia ao falecido Autor fazer era demonstrar, desde logo, que tinha de facto residência em …, ainda que alternada com a sua residência em …, ….
Já todos vimos que a matéria dada como provada para este efeito foi apenas a que consta dos pontos 16) e 17).
Mas para além disso e de acordo com o antes exposto, é importante referir o seguinte:
Se na referida acção viessem a resultar provados os factos constantes da nota de culpa, imputáveis ao falecido autor a título de dolo, e violadores dos deveres de conduta a que estava sujeito por força do seu vínculo laboral com os EE…, a verdade é que tais factos assumiriam gravidade considerável, sendo suficientes para comprometer de forma irreversível a subsistência da relação laboral, constituindo assim justa causa de despedimento, nos termos do n.º 1 do art.º 351.º do Código do Trabalho.
Segundo tal norma, “Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.”
Perante tais regras tem razão a Sr.ª Juiz “a quo”, quando refere que a enumeração legal do nº2 do mesmo artigo é exemplificativa.
Deste modo, é correcto o entendimento de que pode constituir causa de despedimento qualquer infracção culposa dos deveres do trabalhador que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral, para além das elencadas nas diversas alíneas do referido nº 2 do art.º 351.º.
Pensa-se igualmente de forma acertada, quando se chama à colação o dever de lealdade do trabalhador para com a sua entidade patronal, enquanto manifestação do princípio da boa fé, aludindo aos exemplos identificados no art.º 128.º, n.º 1, al. f), do Código do Trabalho, os quais poderão para além de outros constituir situações de violação do mesmo dever.
Assim e como ali se refere, a relação laboral pressupõe a lealdade e absoluta confiança na pessoa do trabalhador, a qual poderá ser afectada, e mesmo irremediavelmente destruída, quando violado o mencionado dever, sendo a sua observância fundamental para o correcto implemento dos fins económicos concretos a que o contrato se subordina.
Valem a tal propósito todas a referências jurisprudências e doutrinais que constam da sentença recorrida e que aqui nos dispensamos de voltar a reproduzir por manifestamente desnecessárias.
Fazemos apenas notar que de acordo com Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, págs. 826 a 828, e Lobo Xavier, Da Justa Causa de Despedimento no Contrato de Trabalho, pág.19, que “a diminuição de confiança resultante da violação deste dever não está dependente da verificação de prejuízos materiais, nem da existência de culpa grave do trabalhador: por isso, a simples materialidade desse comportamento lesivo do dever em apreço, aliado a um moderado grau de culpa do trabalhador pode, em determinado contexto, levar a um efeito redutor das expectativas de confiança (neste sentido também o acórdão do STJ de 11/10/95, CJ, tomo III, pág. 277).
Pode pois concluir-se que a violação do dever de lealdade e a consequente violação da relação de confiança que é fundamento nuclear da subsistência do vínculo de trabalho subordinado constitui justa causa de despedimento, por comprometer de forma prática e irremediável a subsistência da relação de trabalho, quando não for possível reconstituir no empregador a confiança perdida.
Aplicando tal entendimento ao caso concreto, o que cabe fazer notar é o seguinte:
Temos também nós como claro, que a circunstância do falecido Autor ter trabalhado na empresa durante mais de 30 anos, período durante o qual foi sempre diligente, assíduo e zeloso no cumprimento das tarefas que lhe foram cometidas, nunca ter sido repreendido, nunca ter cometido qualquer ilícito, ou ter sido objecto de qualquer processo, e de ter sido frequentemente premiado, e louvado pela sua entidade patronal pelo desempenho na chefia da Loja de …, invocadas como atenuantes a ter em consideração, nos termos do disposto no art.º 20.º, n.º 1, do Regulamento Disciplinar aprovado pela Portaria n.º 348/87, de 28/04, deve funcionar sim como um conjunto de circunstâncias agravantes e não atenuantes.
Ou seja, contrariamente ao que defendeu o referido autor CC…, o dever de lealdade assume uma maior força, nos casos em que o trabalhador tem um cargo de maior confiança, como um cargo de chefia e presta serviço à entidade patronal durante um longo período de tempo (neste sentido o citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/04/2007, no Recurso n.º 2842/06 - 4.ª Secção).
Em suma, por este conjunto de razões bem decidiu o Tribunal “a quo”, quando considerou que nos autos “não ficou demonstrada uma consistente e séria probabilidade de vencimento da acção de impugnação judicial de despedimento instaurada pelo falecido autor, representado pelo Réu, contra EE…, S.A., concluindo não assistir às Autoras o direito a uma indemnização pelo dano emergente da “perda de chance”, bem como a qualquer outra, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos.
Por último, é também correcta a ideia de que não existe fundamento para pode ser aqui apreciada a pretensão deduzida nas alíneas g) e h) do art.º 18º da petição inicial e que assenta na alegação de que “a entender-se que residia em …, …, e não havendo transporte público da freguesia de … para a sede do concelho, teria o falecido Autor direito a receber, não os €77,00/mês que lhe foram pagos, mas cerca de €0,331 por cada um dos 26 quilómetros que teria de percorrer diariamente (€8,60/dia), já que tinha de utilizar automóvel próprio – cf. cláusula 147ª do Acordo de Empresa, revisão de 2006 e, assim, depois de definitivamente transferido para …, não recebeu mais do que lhe era devido, quer a residência dele fosse em …, quer fosse em …, ….”
E as razões para este entendimento são as que ficaram a constar da decisão recorrida e que aqui passamos a reproduzir sem mais:
“Afigura-se, porém, que não poderá tal questão ser aqui apreciada, por não ter sido colocada na acção intentada no Tribunal de Trabalho, – não obstante a referência, na nota de culpa, à maior proximidade da residência localizada em …, … relativamente ao local para onde foi transferido, em …, do que o seu anterior local de trabalho, em …, e de que em 5 de Maio de 2010, o falecido autor continuava a fazer crer à Empresa que residia em …, e requereu, com o objectivo de obter os benefícios previstos na al. b) do n.º 3, da cláusula 53.ª do Acordo de Empresa de Janeiro de 2010, que a mesma custeasse o alegado acréscimo de custos, que segundo o falecido autor era de mais 50 quilómetros diários – sendo que o que está em causa é apurar se existia uma probabilidade consistente e séria de o falecido autor obter ganho de causa, uma vez apreciada a sua pretensão por aquele tribunal.”
Por todo este conjunto de razões não merecem provimento os argumentos recursivos das autoras/apelantes, razão peça qual e sem mais, se impõe confirmar a decisão recorrida.
*
Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC):
…………………………………
…………………………………
…………………………………
*
III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso de apelação e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
*
Custas a cargo das autoras/apelantes (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC), sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
*
Notifique.

Porto, 13 de Janeiro de 2022
Carlos Portela
António Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço