Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1345/18.9T8VNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO LUÍS CARVALHÃO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
ACIDENTE FORA DO HORÁRIO DE TRABALHO
Nº do Documento: RP202206081345/18.9T8VNF.P1
Data do Acordão: 06/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O conceito de acidente de trabalho é delimitado por três elementos cumulativos: espacial (ocorrido no local de trabalho), temporal (no tempo de trabalho) e causal (havendo nexo de causalidade entre o evento e a lesão), mas, ainda assim, pode-se dizer que acidente de trabalho não é apenas o que rigorosamente ocorre “no local e tempo de trabalho”, pois a própria LAT prevê situações que equipara a “tempo e lugar de trabalho”, desde logo as “interrupções normais ou forçosas de trabalho” e as “deslocações de ida e regresso do trabalho”.
II - Estando subjacente ao regime específico de reparação de acidentes de trabalho (LAT) a denominada teoria do risco económico ou risco da autoridade, ocorrendo o acidente fora do horário de trabalho, importa ainda assim ver se o trabalhador tinha ou não recuperado a sua independência em relação à missão profissional.
III - Tendo o trabalhador, motorista de veículo pesado, esgotado o tempo de condução diária prevista na legislação aplicável, e, por estar afastado da sua residência, ter pernoitado no camião que conduzia para no dia seguinte prosseguir a tarefa que lhe estava adstrita pela empregadora (o transporte da mercadoria/levar o camião ao destino), pode dizer estar em “descanso forçado naquele local”, podendo dizer que o Autor estava naquele momento sujeito, ainda que indiretamente, ao controlo/direção da empregadora; e por isso é de qualificar a queda que sofreu, da qual resultou incapacidade para o trabalho, quando a dado momento da noite, durante a pernoita no camião, se levantou para urinar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de apelação n.º 1345/18.9T8VNF.P1
Origem: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho da Maia – J2



Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:


RELATÓRIO
Depois de frustrada a tentativa de conciliação, AA (Autor/Sinistrado) apresentou petição inicial[1] para impulso da fase contenciosa deste processo para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho (conforme art.º 117º, nº 1, al. a) do Código de Processo do Trabalho), contra “X... - Companhia de Seguros, S.A.” (1ª Ré/Seguradora) e “T..., Lda.” (2ª Ré/Empregadora), pedindo a condenação das Rés, na proporção das respetivas responsabilidades, a pagar-lhe:
a) o montante que se vier a apurar a título de indeminização pela Incapacidade Temporária Absoluta, e pela Incapacidade Temporária Parcial, acrescida de juros;
b) o montante que se vier a apurar a título de pensão por IPP, a qual deve ser previamente fixada com recurso a junta médica, acrescida de juros;
c) a quantia de €50,00 (cinquenta euros) a título de despesas de transporte para se deslocar ao INML e ao Tribunal.
Fundou o seu pedido alegando, em síntese, ser trabalhador da 2ª Ré, e em 28/12/2017 sofreu acidente de trabalho, do qual resultaram incapacidades para o trabalho (ITA, ITP e IPP), tendo a 2ª Ré transferido para a 1ª Ré a responsabilidade por acidentes de trabalho que o Autor sofresse, mas sem estar transferida a totalidade da retribuição auferida.

Citadas as Rés, cada uma apresentou contestação, alegando, em resumo:
− a 2ª Ré/Empregadora, por um lado que transferiu a responsabilidade por acidentes de trabalho que o Autor sofresse para a 1ª Ré pela totalidade da retribuição, correspondendo a quantia que o Autor refere a ajudas de custo que não têm natureza retributiva, e por outro lado que o acidente relatado na PI não coincide como o relatado na participação do acidente; conclui dever a ação ser julgada improcedente;
− a 1ª Ré/Seguradora, que o Autor sofreu queda no período de descanso diário obrigatório, não se tratando de acidente de trabalho, pelo que está fora da cobertura do seguro contratado com a empregadora do Autor; concluiu dever a ação ser julgada improcedente, com a consequente absolvição do pedido.

Citado o Instituto da Segurança Social, I.P., nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 1º, nº 2 do Decreto-lei nº 59/89, de 22 de fevereiro, apresentou “pedido de reembolso de subsídio de doença atribuído ao Autor”, pedindo a condenação das Rés a pagar-lhe, na proporção das respetivas responsabilidades, a quantia de €683,51 relativa a “subsídio de doença” pago, acrescida de juros de mora à taxa legal.

A 1ª Ré apresentou resposta ao pedido de reembolso, alegando não existir algum direito de reembolso ao requerente, pelo que deve o pedido ser julgado improcedente, com absolvição da Ré do mesmo.

Foi proferido despacho a convidar o Autor a aperfeiçoar a petição inicial no que se refere à retribuição por si auferida.

O Autor apresentou nova petição inicial, à qual responderem as Rés.

Foi proferido despacho saneador, no qual foi afirmada a regularidade e validade da instância, consignando-se os factos assentes, identificando-se o objeto do processo e enunciando-se os temas de prova.

Foi determinado o desdobramento do processo, com abertura de apenso para fixação de incapacidade, o qual foi decidido (fixando em 13,23% o coeficiente de desvalorização que afeta o sinistrado a título de incapacidade permanente parcial para o trabalho).

Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença decidindo o seguinte:
A) Considerar a ação procedente, caracterizando o acidente sofrido pelo sinistrado AA em 28/12/2017 como acidente de trabalho e, em consequência:
I- considerar o sinistrado curado, com uma IPP de 13,23%, considerando já o facto de bonificação de 1,5 (idade), com efeitos a partir da data da alta (01/03/2018);
II- com efeitos a partir de 02/03/2018 (dia seguinte ao da alta), condenar:
a) a Ré “X... - Companhia de Seguros, S.A.” a pagar:
- o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia, no montante de €1.041,29, acrescido de juros de mora à taxa legal anual de 4%, contados desde o dia seguinte ao da alta;
- a quantia de €431,28, a título de diferença de indemnização por incapacidades temporárias acrescida de juros de mora à taxa legal anual de 4%, contados desde o dia do acidente;
- a quantia de €50,00, a título de indemnização por despesas de deslocação, acrescida de juros de mora à taxa legal anual de 4%, contados desde o dia da tentativa de conciliação, realizada na fase conciliatória.
b) a Ré “T..., Lda.”, a pagar:
- o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia, no montante de €374,89, acrescido de juros de mora à taxa legal anual de 4%, contados desde o dia seguinte ao da alta;
- a quantia de €326,05, a título de indemnização por incapacidades temporárias (ITA e ITP) acrescida de juros de mora à taxa legal anual de 4%, contados desde o dia do acidente;
B) Julgar improcedente o pedido formulado pelo Instituto da Segurança Social, I.P..

Não se conformando com a sentença proferida, dela veio a 1ª Ré/Seguradora interpor recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem[2]:
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Termina dizendo dever ter o recurso provimento, e em consequência:
A) ser alterada a decisão quanto á matéria de facto impugnada nos termos expostos;
B) ser revogada a sentença proferida e substituída por outra que, declare que o acidente dos autos não se qualifica como acidente de trabalho e consequentemente, julgando a ação improcedente, absolvendo a Recorrente dos pedidos.

O Autor apresentou resposta, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que igualmente se transcrevem:
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Termina dizendo dever o recurso interposto pela 1ª Ré ser julgado totalmente improcedente, e consequentemente mantida a sentença recorrida.

Foi proferido despacho a indeferir a retificação de erro material (no ponto 5 dos factos provados) solicitada na resposta ao recurso apresentada pelo Autor (escrevendo-se: o art.º 5º da sentença não contém qualquer lapso material de escrita, e corresponde ao alegado pelo Autor no art.º 4º da sua petição inicial), e foi proferido despacho a mandar subir o recurso de apelação, imediatamente, nos próprios autos, sendo fixado efeito suspensivo (depois de julgada validamente prestada caução).

O Sr. Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal da Relação, emitiu parecer (art.º 87º, nº 3 do Código de Processo do Trabalho), pronunciando-se no sentido de o recurso não obter provimento.

Foi determinado que o processo regressasse à 1ª instância a fim de ser fixado o valor da ação, sendo ali fixado esse valor em €17.543,25.

Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
Conforme vem sendo entendimento uniforme, e como se extrai do nº 3 do art.º 635º do Código de Processo Civil (cfr. também os art.ºs 637º, nº 2, 1ª parte, 639º, nºs 1 a 3, e 635º, nº 4 do Código de Processo Civil – todos aplicáveis por força do art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho), o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada[3], sem prejuízo, naturalmente, das questões de conhecimento oficioso.
Assim, aquilo que importa apreciar e decidir neste caso[4] é saber se:
● Houve erro de julgamento sobre a matéria de facto?
● A situação ocorrida em 28-12-2017 não configura acidente reparável como “acidente de trabalho”?
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Porque tem interesse para a decisão do recurso, desde já se consignam os factos dados como provados e como não provados na sentença de 1ª instância, objeto de recurso.
Quanto a factos PROVADOS, foram considerados os seguintes, que se reproduzem:
1. O Autor AA nasceu no dia .../.../1958, conforme assento de nascimento de fls. 9 dos autos.
2. À data de 28/12/2017, o Autor era trabalhador da Ré “T..., Lda.”, exercendo funções de motorista de pesados, sob as ordens, direção e instruções daquela sociedade.
3. À data de 28-12-2017, o Autor auferia da Ré “T..., Lda.” uma retribuição anual de pelo menos €11.243,84 [(€725,00 x 14 meses) + (€99,44 x 11) − salário base e subsídio de alimentação, respetivamente].
4. Auferia ainda mensalmente a quantia de €368,00 (trezentos e sessenta e oito euros), sendo que o referido valor lhe era pago 11 meses por ano.
5. Este valor correspondia ao valor médio mensal do pagamento da quantia diária de €46,00 (quarenta e seis euros) por cada dia de trabalho em que o trabalhador realizasse uma carga adicional e consequentemente ao final do seu horário de trabalho não regressasse a casa e pernoitasse, por isso, no camião nos diferentes sítios onde se encontrasse a cada momento.
6. Sendo que dessa forma a entidade patronal procedia à rentabilização dos trajetos de transporte de carga e consequente aumento de produtividade, evitando-se viagens de regresso ao final do dia e de ida no início do dia seguinte.
7. O pagamento do referido valor de €368,00 não se encontrava refletido no recibo de vencimento processado mensalmente pela entidade patronal.
8. À data de 28/12/2017, a Ré “T..., Lda.”, tinha celebrado e em vigor com a Ré seguradora “X..., S.A.” um contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho de trabalhadores por conta de outrem, na modalidade de prémio variável, titulado pela apólice n.º ... cujas condições particulares se mostram juntas a fls. 34 e 35 dos autos e que aqui se dão como reproduzidas, mediante o qual e na indicada data tinha transferido para a seguradora a responsabilidade infortunística relativa a acidentes em que fosse interveniente o autor relativamente à retribuição anual de €11.243,84 [(€725,00 x 14 meses) + (€99,44 x 11) – salário base e subsídio de alimentação, respetivamente].
9. No dia 04/02/2019, pelas 9:30 horas, realizou-se a tentativa de conciliação da fase conciliatória, que se frustrou, sendo que:
- o Autor invocou que o seu salário anual total era de €15.798,08 [(€725,00 x 14 meses) + (€99,44 x 11 meses) + (€379,52 x 12 meses) – salário base, subsídio de refeição e outras remunerações, respetivamente] e que o salário transferido para a Seguradora era de €11.243,84 [(€725,00 x 14 meses) + (€99,44 x 11 meses)], declarando ainda não aceitar a data da alta nem o grau de desvalorização fixado no exame médico do INML;
- a Ré Seguradora declarou: não aceitar a responsabilidade pela reparação do evento, por considerar não existir nexo de causalidade entre a lesão e o acidente, nomeadamente que a lesão resultasse do acidente de trabalho e declinando qualquer responsabilidade pelo acidente;
- a Ré Entidade Empregadora declarou aceitar a existência e caraterização do acidente como de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente, o grau de incapacidade fixado no exame médico do INML, referindo que tem dúvidas quanto à sua responsabilidade uma vez que não conferiu com a sua contabilidade o salário transferido para a seguradora.
10. A Ré Seguradora pagou ao Autor a quantia de €474,39 a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária sofridos pelo mesmo no período de 29/12/2017 a 30/01/2018 (ITA – fls. 21 dos autos).
11. No dia 28/12/2017, cerca das 00:30 horas, o Autor encontrava-se a exercer as funções de motorista de pesado de transporte rodoviário de mercadorias, sob as ordens, direção e fiscalização da segunda Ré.
12. Nesse dia e hora o Autor encontrava-se na ..., no concelho de Cantanhede, no interior do veículo de pesados pertencente à sua entidade patronal, onde pernoitaria, até que no dia seguinte fizesse um outro transporte a partir desse local.
13. Encontrava-se naquele local porque lhe tinha sido ordenado pela sua entidade patronal que naquela semana faria o transporte de estilha desde o Porto de Leixões, em Matosinhos, para a Figueira da Foz e que, ao final do dia, não regressaria a casa mas antes pernoitaria num local que se situasse no percurso do trajeto que lhe havia sido incumbido, de forma a rentabilizar o transporte de carga e consequente aumento de produtividade/rendimento da entidade patronal.
14. O Autor pratica um horário de trabalho das 09 horas às 12h30m, e das 14 horas às 18 horas, horário este que, no caso dos motoristas pode sofrer ajustamento ou prolongamento.
15. No dia 27/12/2017 o Autor tinha terminado a sua jornada de trabalho pelas 19h30m num parque de estacionamento do “Restaurante W...” onde parou para jantar e pernoitar.
16. Depois de jantar, recolheu-se a dormir no camião, pois iria retomar o trabalho e a viagem pelas 6 horas da manhã do dia seguinte.
17. Pelas 00h30m do dia 28/12/2017, acordou e abriu a porta do camião para urinar colocando uma perna de fora da cabine no degrau, acabando por se desequilibrar dando uma queda de cerca de 2 m, sofrendo lesões corporais.
18. Se pernoitasse em casa, e pretendendo deslocar-se à casa de banho, o Autor não teria de descer de um camião (nem subir ou descer escadas).
19. Em consequência desta queda, o Autor, entre outros, sofreu fenómenos álgicos, múltiplos traumatismos, múltiplas e dispersas escoriações faciais, ferida na região frontal com cerca de 4 cm de maior extensão, de bordos irregulares com necessidade de sutura, escoriações em ambos os pés com arrancamento de algumas unhas, tumefação/ hematoma dos tecidos moles epicranianos em localização frontal esquerda (associado a ligeiro enfisema) e perinasais de predomínio direito, traço de fratura dos ossos próprios do nariz à direita, sem significativo desalinhamento de topos ósseos, discreta sinusopatia inflamatória etmoido-maxilar bilateral e ferida incisa no maxilar com necessidade de sutura (cfr. Relatório de perícia de avaliação do dano corporal do GML e relatório resumo de episódio de urgência do Centro Hospitalar ... - EPE, ambos junto aos autos).
20. Para tratamento das lesões sofridas, o Autor foi assistido no Serviço de Urgência do Centro Hospitalar... - EPE, onde lhe foram prescritos e realizados TAC cerebral, RX ombro, RX pé, RX joelho, RX coluna lombar e RX coluna cervical.
21. Tendo em seguida, no dia 28/12/2017, pelas 10h39, alta hospitalar com a indicação de que não deveria realizar esforços nasais e expor-se ao calor, bem como que deveria fazer gelo no local da fratura dos ossos próprios do nariz e elevação da cabeceira (cfr. Relatório resumo de episódio de urgência do Centro Hospitalar ... - EPE, junto aos autos).
22. Em consequência do mencionado acidente de trabalho, o Autor atualmente apresenta cervicalgia, queixando-se de dor, sem irradiação; escoliose nasal ligeira; desvio ligeiro da pirâmide nasal, sem queixas compatíveis com obstrução nasal.
23. O que lhe determina uma IPP de 13,23%, considerando já o fator 1,5 (idade).
24. O Autor esteve em situação de incapacidade temporária absoluta pelo período de 33 dias e em situação de incapacidade temporária parcial de 30% pelo período de 30 dias.
25. A data da consolidação médico-legal ocorreu em 01 de março de 2018.
26. No decurso do presente processo o Autor gastou em despesas de deslocações a este tribunal e ao gabinete médico-legal do INML a quantia de €50,00.

E foram considerados como NÃO PROVADOS os seguintes factos, que igualmente se reproduzem:
1. Pela entidade patronal do Autor foi-lhe dada ordem expressa que deveria permanecer e pernoitar dentro do camião.
2. Em consequência das lesões sofridas no evento em referência, o Interveniente Instituto da Segurança Social, I.P. pagou ao autor a quantia de €683,51, a título de subsídio de doença, nos seguintes períodos e respetivos valores diários:
- €62,80, no período decorrido entre 13/04/2018 e 13/04/2018;
- €266,91, no período decorrido entre 16/05/2018 a 08/06/2018;
- €25,80, no período decorrido entre 13/06/2018 e 17/06/2018;
- €328,00, no período decorrido entre 10/09/2018 e 19/10/2018.
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Do erro de julgamento sobre matéria de facto:
Sabido que os poderes de cognição deste Tribunal da Relação abrangem tanto matéria de facto como matéria de direito (cfr. art.º 662º do Código de Processo Civil), comecemos por ver se os factos provados são aqueles que o tribunal a quo fixou como tal, e nos termos em que os fixou, ou se há que alterar o decidido sobre matéria de facto como defende a Recorrente, começando por fazer uma breve referência aos termos em que tem lugar a impugnação e apreciação da decisão sobre matéria de facto.
Para impugnação da decisão sobre matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, é necessário que se indiquem elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal a quo quando deveriam tê-lo sido; ou assinalar que não deveriam ter sido considerados certos meios de prova por haver alguma proibição a esse respeito; ou ainda que se ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal a quo, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou assinalando a insuficiência dos elementos considerados para as conclusões tiradas.
É que, a reapreciação pelo Tribunal da Relação da decisão da matéria de facto proferida em 1ª instância não corresponde a um segundo (novo) julgamento da matéria de facto, apenas reapreciando o Tribunal da Relação os pontos de facto enunciados pelo interessado (que circunscrevem o objeto do recurso)[5].
Assim, o recorrente não pode simplesmente invocar um generalizado erro de julgamento tendente a uma reapreciação global dos meios de prova, não podendo a censura do recorrente quanto ao modo de formação da convicção do tribunal a quo assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, simplesmente em defender que a sua valoração da prova deve substituir a valoração feita pelo julgador[6]; antes tal censura tem que assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente por não existirem os dados objetivos que se apontam na motivação ou por se terem violado os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou ainda por não ter existido liberdade de formação da convicção[7].
Em conformidade, o legislador impõe à parte recorrente, que pretenda impugnar a decisão de facto, um ónus de impugnação, devendo o recorrente expor os argumentos que, extraídos de uma apreciação crítica dos meios de prova, determinem, em seu entender, um resultado diverso do decidido pelo tribunal a quo, como consta do art.º 640º, nº 1 do Código de Processo Civil.
Há ainda que ter presente que a generalidade das provas produzidas em audiência de julgamento estão sujeitas à livre apreciação do tribunal, sendo esse o caso da prova testemunhal (art.º 396º do Código Civil), do depoimento de parte (na medida em que não seja confessório - art.º 361º do Código Civil) e das declarações de parte (art.º 466º, nº 3 do Código de Processo Civil).
Com efeito, dispõe o nº 5 do art.º 607º do Código de Processo Civil que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, ou seja, a apreciação da prova pelo juiz é pautada por regras da ciência e do raciocínio e em máximas de experiência, sendo a estas conforme, o que não se confunde com uma apreciação arbitrária[8].
Assim, não basta uma testemunha proferir palavras em determinado sentido para ficar provado o por ela dito, importando que as testemunhas sejam credíveis, que o depoimento tenha consistência de modo que o julgador, na sua livre apreciação, forme convicção de que o dito corresponde ao sucedido (o que fundamenta).
De referir, ainda, que a modificação da decisão da matéria de facto se deva limitar aos pontos de facto especificamente indicados, cumprindo os requisitos que se expuseram, o Tribunal da Relação não está limitado à reapreciação dos meios de prova indicados por quem recorre, devendo atender a todos os que constem do processo[9].

Feitas estas considerações, vejamos a impugnação apresentada, analisando os pontos em relação aos quais a Recorrente alega ter havido erro de julgamento, agrupando-se para análise alguns, tal como fez a Recorrente, por estarem conexionados ou as considerações a fazer para uns valerem em relação aos demais, embora não se siga a ordem da Recorrente porque, como melhor se verá infra, será melhor compreendida a análise dos pontos 5 e 6 depois de analisado o ponto 11.

dos pontos 4 e 7 dos factos provados:
Pretende a Recorrente que o ponto 4 seja considerado como não provado, e o ponto 7 passe a ter nova redação.
Refere o Recorrido/Sinistrado que a prova destes pontos 4 e 7 resultou do acordo das partes, no início da audiência de discussão e julgamento, em o considerar assente, acrescentando que se trata de factos que não dizem respeitam à Recorrente, não lhe sendo por isso desfavoráveis, pois a responsabilidade da mesma cinge-se ao valor transferido pelo contrato de seguro (que não inclui o valor aqui em causa).
Estes pontos referem-se a uma quantia auferida mensalmente pelo sinistrado (em 11 meses do ano) que não se encontra discriminada no recibo de vencimento, sendo a seguinte a sua redação, recordemos:
4. Auferia ainda mensalmente a quantia de €368,00 (trezentos e sessenta e oito euros), sendo que o referido valor lhe era pago 11 meses por ano.
7. O pagamento do referido valor de €368,00 não se encontrava refletido no recibo de vencimento processado mensalmente pela entidade patronal.
Ora, é verdade que o valor que está em causa nestes pontos dos factos provados (€368,00 pagos em 11 meses do ano) não estava “transferido” para a seguradora (cfr. ponto 8 dos factos provados), tendo a sentença recorrida ponderado tal circunstância, e nessa medida foi condenada a entidade empregadora em função (na proporção) desse valor, ponderando o disposto no art.º 79º, nº 4 da LAT[10].
Sendo assim, carece a Recorrente, a entidade seguradora, de legitimidade para impugnar esta matéria de facto provada, na medida em que ela apenas contribuiu para a condenação da co Ré, a entidade empregadora “T..., Lda.”, a qual não apresentou recurso da sentença proferida (e a qual no início da audiência de julgamento aceitou que tal matéria ficasse assente), não havendo, de resto, interesse em recorrer nesta parte porquanto nenhuma utilidade resultaria para a Recorrente de eventual procedência daquilo que alegou a este propósito.
É que, não tendo a Empregadora (2ª Ré) apresentado recurso implica que aquilo que na sentença lhe é apenas a si desfavorável se mostra decidido em termos definitivos, formando-se caso julgado material em relação a essas questões.
Deste modo, faltando legitimidade à Recorrente para questionar esta matéria, impõe-se que este Tribunal da Relação se abstenha de conhecer o recurso nesta parte, não se apreciando por consequência a impugnação do decidido sobre os pontos 4 e 7 dos factos provados, que em consequência se mantêm como provados.

do ponto 11 dos factos provados:
É o seguinte o teor deste ponto, recordemos:
11. No dia 28.12.2017, cerca das 00:30 horas, o Autor encontrava-se a exercer as funções de motorista de pesado de transporte rodoviário de mercadorias, sob as ordens, direção e fiscalização da segunda Ré.
Alega a Recorrente que o tribunal a quo na motivação refere que está em causa matéria não controvertida, mas a Recorrente nunca aceitou que o Sinistrado “às 00h30m estivesse exercer as funções de motorista de pesado de transporte rodoviário de mercadorias, sob as ordens, direção e fiscalização da segunda Ré”, e nada na prova produzida o permite afirmar, pelo que deve ser considerado não provado (cita excertos das declarações do Autor/Sinistrado, e excertos dos depoimentos das testemunhas BB e CC).
Em resposta, o Recorrido/Sinistrado sustenta que este facto foi alegado no artigo 14 da petição inicial (aperfeiçoada) e na contestação a Ré/Seguradora não o impugnou, pelo que bem andou o tribunal a quo em o considerar provado, mas mesmo que assim não se considerasse, o mesmo resultou das declarações/depoimento do Autor e da legal representante da empregadora (DD) e dos depoimentos das testemunhas BB, EE e FF.
Na motivação da decisão da matéria de facto escreveu tribunal a quo que “o facto provado em 11 não é controvertido”.
Compulsado o processo verificamos que em 12/11/2019 foi proferido despacho a convidar o Autor a concretizar factos da petição inicial da seguinte forma (transcrevendo-se a parte mais relevante):
(…)
No caso dos autos, está desde logo controvertida a questão atinente à retribuição auferida.
(…)
Da conjugação do citado artigo [art.º 71º da LAT] com as regras de repartição do ónus de alegação e prova (artigo 342º do Código Civil), resulta claro que para que o tribunal possa concluir sobre qual era a retribuição ilíquida normalmente devida ao sinistrado, terá o Autor que proceder a uma caracterização factual adicional nessa matéria. Na verdade, terão que ser alegados os necessários factos concretos que permitam chegar à conclusão sobre qual era de facto a retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado e com relevância para os cálculos da reparação do acidente. Dizer-se que o Autor auferia o salário anual total de €15.798,08 é uma conclusão, importando partilhar com o tribunal os necessários factos concretos que permitam ao tribunal chegar à conclusão de que essa era, de facto, a retribuição normalmente devida ao sinistrado à data do acidente de acordo com as premissas vertidas no citado artigo 71º (que prestações aí se encontram incluídas e respetiva natureza, qual a regularidade do respetivo recebimento com indicação das verbas recebidas e a que título, e, eventualmente, se for o caso, com indicação da factualidade atinente à situação prevista no nº 4 daquele normativo).
Face ao exposto, convido o Autor a, nos termos do artigo 27º, alínea b), do Código de Processo de Trabalho, no prazo de 10 dias, aperfeiçoar o respetivo articulado, concretizando e articulando os necessários factos nos termos supra indicados.
A(s) contraparte(s), no prazo de 10 dias após a notificação do aperfeiçoamento, pronunciar-se-á(ão), querendo, quanto aos factos novos, nos termos do artigo 27º, alínea b), in fine do Código de Processo de Trabalho.
Como se vê, o convite do tribunal a quo visava o aperfeiçoamento tão-só de factos relativos à retribuição por si auferida.
Em 27/11/2019 o Autor apresentou nova petição, e em 12/12/2019 a Ré Seguradora apresentou articulado pronunciando-se sobre o alegado a propósito da retribuição.
Ora, o despacho proferido concedia às Rés prazo para se pronunciarem, após a apresentação do articulado do Autor (de aperfeiçoamento da petição inicial), sobre os factos novos, e o facto aqui em questão, apesar de voltar a ser alegado no articulado de aperfeiçoamento (porque foi apresentada nova petição inicial), não é novo, não tendo a ver com a retribuição, donde não ter a 1ª Ré possibilidade de se pronunciar sobre ele (como não pronunciou).
Sendo assim, não se podem retirar consequências do facto de a 1ª Ré não se ter pronunciado sobre facto não relativo à retribuição, não novo, alegado na petição aperfeiçoada.
Ou seja, para saber se foi ou não impugnado o facto em questão temos que analisar a petição inicial (apresentada em 25/02/2019) e a contestação apresentada na sequência da mesma (após a citação).
Vejamos.
O facto aqui em questão tem por base o alegado no artigo 8º da petição inicial, que foi impugnado no artigo 2º da contestação da 1ª Ré, ali afirmando ignorar … sem obrigação de conhecer se são ou não verdadeiros … por não serem do conhecimento da Ré, se impugnam nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 574º nº 3 do CPCiv.
Isto é, tal facto foi impugnado, e em consonância aquando da prolação do despacho saneador, de acordo com a al. c) do nº 1 do art.º 131º do Código de Processo do Trabalho, não foi considerado assente.
Com efeito, foi ali consignado, na alínea B): [à] data de 28/12/2017, o Autor era já trabalhador da Ré “T..., Lda.”, exercendo funções de motorista de pesados, sob as ordens, direção e instruções daquela sociedade, que corresponde ao ponto 3 dos factos provados (com exclusão do advérbio “já”).
A julgadora possivelmente consignou não ser o facto do ponto 11 controvertido dado aquilo que constava da referida alínea B), mas se fosse o mesmo facto não havia que o repetir, e na verdade, neste ponto 11 está referido algo mais que no ponto 2 (que teve origem na alínea B como se disse), estando referenciada a hora a que se deu a queda (cfr. ponto 17 dos factos provados).
Sendo facto controvertido, importa, então, ver se mesmo deve permanecer como assente.
Ora, nos pontos 12 e 14 a 17 dos factos provados[11] encontramos a descrição daquilo que estava o Sinistrado a fazer no dia 28/12/2017 pelas 00h30m (estava a pernoitar no camião parqueado em parque de estacionamento de restaurante), e será deles que se concluirá se o sucedido àquela hora é de caracterizar ou não como acidente de trabalho.
Na verdade, não estando aceite que o acidente ocorrido é de trabalho, não se pode inserir nos factos provados, conclusivamente, que àquela hora o Autor estava a exercer as funções de motorista … sob as ordens, direção e instruções da empregadora [12], até porque daqueles outros pontos consta que àquela hora o trabalhador não estava (de facto) a “exercer a atividade de motorista”, estando a dormir no camião.
Deste modo, este ponto 11 tem que ser eliminado como defende a Recorrente.
No entanto, porque a parte inicial do ponto 12 remete para ele, impõe-se ajustar a redação do ponto 12 de modo a manter-se percetível com a ausência do ponto 11.
Pelo exposto, elimina-se o ponto 11 dos factos provados e o ponto 12 dos factos provados passa a ter a seguinte redação (alterando-se, como se disse, o início):
12. No dia 28/12/2017, pelas 00h30m, o Autor encontrava-se na ..., no concelho de Cantanhede, no interior do veículo de pesados pertencente à sua entidade patronal, onde pernoitaria, até que no dia seguinte fizesse um outro transporte a partir desse local.

dos pontos 5 e 6 dos factos provados:
Pretende a Recorrente que estes pontos passem a ter nova redação, referindo o Recorrido/Sinistrado que também aqui se trata de factos que não dizem respeitam à Recorrente, não lhe sendo por isso desfavoráveis, pois a responsabilidade da mesma cinge-se ao valor transferido pelo contrato de seguro (que não inclui o valor aqui em causa).
Recordemos a redação destes pontos (reproduzindo-se de novo o ponto 4 – que já se decidiu supra ser de manter – porque o ponto 5 está encadeado com ele):
4. Auferia ainda mensalmente a quantia de €368,00 (trezentos e sessenta e oito euros), sendo que o referido valor lhe era pago 11 meses por ano.
5. Este valor correspondia ao valor médio mensal do pagamento da quantia diária de €46,00 (quarenta e seis euros) por cada dia de trabalho em que o trabalhador realizasse uma carga adicional e consequentemente ao final do seu horário de trabalho não regressasse a casa e pernoitasse, por isso, no camião nos diferentes sítios onde se encontrasse a cada momento.
6. Sendo que dessa forma a entidade patronal procedia à rentabilização dos trajetos de transporte de carga e consequente aumento de produtividade, evitando-se viagens de regresso ao final do dia e de ida no início do dia seguinte.
Na motivação da decisão da matéria de facto, escreveu tribunal a quo, a propósito destes pontos, o seguinte:
Os factos provados em 5 e 6 resultam do depoimento de parte da legal representante da Ré que os confirmou, explicando que por vezes os motoristas faziam uma carga adicional, o que não lhes permitia regressar à sede da empresa, caso em que pernoitam no local onde se encontrarem, sendo-lhe paga uma quantia diária adicional nessas situações. Confirmou ainda que, desta forma, a entidade patronal rentabiliza os trajetos de transporte de carga, evitando viagens de regresso ao final do dia e de ida no início do dia seguinte. Também o Autor, ouvido em declarações, confirmou esta factualidade. A testemunha EE, reformado, motorista da Ré T... até novembro de 2016, também referiu que quando termina o seu horário, ficam a pernoitar no local onde se encontrarem, o que sucede normalmente quando realizam uma carga adicional.
A primeira parte do ponto 5 refere-se à quantia auferida mensalmente pelo sinistrado referida no ponto 4, estando no restante do ponto 5 e no ponto 6 espelhada a razão do pagamento da quantia em causa, razão essa que entronca já com o motivo de estar o Autor às 00h30m do dia 28-12-2017 no parque de estacionamento do “Restaurante W...”, quando sofreu queda, o mesmo é dizer contende com a factualidade necessária para apreciar da ocorrência de acidente que seja de trabalho.
Deste modo, ao contrário do referido a propósito dos pontos 4 e 7 dos factos provados, não podemos dizer que aqui esta em causa matéria que apenas contribuiu para a condenação da 2ª Ré, ou seja, ainda que esta matéria não se reporte diretamente ao sucedido no dia 28-12-2017 (sendo genérico), não se pode argumentar não ter a Recorrente interesse em impugnar esta matéria.
Vejamos então.
Quanto ao ponto 5, defende a Recorrente dever ser alterada a sua redação, passando a ter uma redação mais genérica, a seguinte redação:
5. Por cada carga extra diária realizada pelo trabalhador era o mesmo bonificado com uma compensação monetária.
Para justificar essa alteração cita excertos do depoimento das testemunhas FF (trabalhadora da 2ª Ré) e EE (antigo motorista da 2ª Ré), e excertos dos depoimentos/declarações do Autor e da legal representante da 2ª Ré (DD).
Por sua vez, o Recorrido/Sinistrado defende que este ponto se deve manter como provado, dizendo que os excertos citados pela Recorrente dos depoimentos/declarações do Autor e legal representante da 2ª Ré e da testemunha FF (escriturária da 2ª Ré) não refletem o dito por eles, citando excertos desses depoimentos e também das testemunhas BB e EE (que foram motoristas da 2ª Ré).
Ouvidos esses depoimentos/declarações na íntegra (no Citius Media Studio), retira-se com clareza que na altura era paga aos motoristas uma quantia nos dias em que era feita mais do que uma carga (era feita uma carga adicional), pois nesse caso em face dos horários de condução permitidos pelo legislador[13] (não do horário de trabalho) teria que haver pernoita fora de casa.
No entanto, não se forma convicção de que a pernoita tivesse que ser no camião, pois apesar de a testemunha FF o ter dito, isso foi contrariado pelas testemunhas BB e EE, que foram motoristas por conta da 2ª Ré, dizendo que nunca aconteceu terem dormido em alojamento porque teriam que o pagar eles próprios (não convencendo o argumento de que ali tinham que pernoitar porque tinham que guardar o camião de noite, tanto que tal não resulta do depoimento da própria legal representante da Ré – DD –, que até disse que se fosse furtado gasóleo do camião enquanto o motorista dormia possivelmente nem se aperceberia).
Por outro lado, ninguém referiu o valor de €46,00, tendo sido referido o valor de €36,00 pela legal representante da Ré – DD – e o valor €20,00 pelo Autor (falou em subsídios de €8,00 para almoço e €8,00 para jantar, que a acrescer àquele daria os tais €36,00, mas sem ficar claro que estes subsídios fossem decorrente da “carga extra”, tanto que no ponto 3 dos factos provados já consta o pagamento de subsídio de alimentação no valor transferido para a seguradora), sendo o valor de €36,00 também referido pela testemunha FF, mas dizendo “salvo erro 36 euros se não estou em erro”, dizendo depois (do excerto transcrito pelo Autor) que “teria que confirmar o valor” (veja-se por exemplo por volta do minuto 30).
O depoimento da legal representante da Ré não se mostrou muito espontâneo e esclarecedor, tendo abundantes respostas de “é capaz”, e em face da falta de certeza dos demais depoimentos, não é seguro qual seja o valor ao certo (é seguro que era pago um valor, mas não é seguro qual fosse).
Poderia dizer-se estar ultrapassada a questão do valor, porque foi indeferido pelo tribunal a quo a invocação pelo Autor da existência de lapso neste ponto 5 dos factos provados, de ser o valor de €36,00 e não de €46,00 como consta (fosse lapso direto do tribunal, fosse lapso indireto, no sentido de que motivado por lapso anterior do Autor na alegação).
Todavia, interessa a verdade material, interessa saber o que foi provado.
De referir que é irrelevante o valor ser um ou outro, pois o valor que servirá para os cálculos do devido (a concluir-se estarmos perante acidente de trabalho) será (como foi na sentença recorrida) o que consta do ponto 4 dos factos provados (que foi aceite pela 2ª Ré, uma vez que no início da audiência de julgamento Autor e 2ª Ré aceitaram estar provado o que consta do artigo 1º da petição inicial aperfeiçoada, apresentada em 27/11/2019).
Em suma, importará que fique esclarecido que o valor referido em 4 é um valor médio (tal ficou muito claro por exemplo no depoimento/declarações do Autor), sendo de eliminar a referência ao valor concreto (porque não é seguro qual seja, e mostra-se irrelevante para a apreciação jurídica), e sendo também de eliminar a referência à pernoita no camião (porque não se pode afirmar que a mesma tivesse que ser no camião).
Deste modo, altera-se a redação do ponto 5 de modo que passa a ser a seguinte:
5. O valor referido no ponto anterior corresponde a um valor médio mensal dum valor que é pago por cada dia de trabalho em que o motorista realizasse uma carga adicional, carga essa cuja realização implicava esgotar o tempo de condução legalmente permitido ao motorista, e consequentemente não regressar a casa e pernoitar onde se encontrasse.

Quanto ao ponto 6, alega a Recorrente conter juízos conclusivos, mas que de qualquer modo não decorre da prova produzida, não devendo ser valorizados os depoimentos de parte/declarações da legal representante da Ré e do Autor.
Por sua vez, o Recorrido/Sinistrado defende que este ponto se deve manter como provado, dizendo que não há aqui nada de especulativo, mas antes um facto que se consegue inclusive depreender empiricamente, porque conforme à normalidade vivencial, citando excertos do depoimento/declarações do Autor e da legal representante da 2ª Ré (DD), e excertos dos depoimentos das testemunhas FF, BB e EE.
Ora, de nenhum depoimento resulta a afirmação daquilo que consta do ponto 6 dos factos provados, retirando o Autor essa conclusão dos depoimentos referidos, mas é a sua leitura dos depoimentos.
Está ali em causa um ato de gestão da empresa que a legal representante da 2ª Ré não o referiu de modo explícito, e, ainda que em tese se possa ponderar a aceitação como ato de gestão a seguir, não se nos afigura que se possa dos depoimentos retirar essa conclusão para ficar entre os factos provados (se nos factos provados existirem factos objetivos que constituam premissas dessa conclusão, poderá tirar-se a mesma no enquadramento jurídico a fazer infra, se se revelar relevante, claro).
Sendo assim, é eliminado o ponto 6 dos factos provados.

do ponto 13 dos factos provados:
Comecemos por recordar o teor deste ponto, que é o seguinte:
13. Encontrava-se naquele local porque lhe tinha sido ordenado pela sua entidade patronal que naquela semana faria o transporte de estilha desde o Porto de Leixões, em Matosinhos, para a Figueira da Foz e que, ao final do dia, não regressaria a casa mas antes pernoitaria num local que se situasse no percurso do trajeto que lhe havia sido incumbido, de forma a rentabilizar o transporte de carga e consequente aumento de produtividade/rendimento da entidade patronal.
A Recorrente divide a análise deste ponto em 3 segmentos, concluindo dever ser considerado não provado na totalidade por não haver prova que o sustente.
Em resposta, o Recorrido/Sinistrado sustenta dever manter-se como provado, referindo que nas suas declarações em audiência de discussão e julgamento esclareceu essa matéria, o que foi confirmado pelas testemunhas BB e EE, tendo também a legal representante da empregadora (DD) e a escriturária da empregadora (FF) esclarecido a matéria.
Na motivação da decisão da matéria de facto escreveu tribunal a quo, a propósito deste ponto, o seguinte:
O facto provado em 13 é coerente com os factos provados em 5 e 6 e foi confirmado pelo Autor. As testemunhas EE e BB, que foram ambos motoristas da Ré T..., referiram que quando acabava o horário pernoitavam no camião, no local onde se encontrassem, sendo o mesmo dotado de cama para o efeito, embora pudessem ir pernoitar a um hotel, mas a expensas suas, mas sendo sempre responsáveis pelo camião e pela sua carga. Referiram ainda que o camião não tem cozinha ou Wc.
Na verdade, este ponto tem ligação com os pontos 5 e 6, tendo-se supra, depois de se proceder à audição na íntegra dos depoimentos em causa, procedido à alteração da redação do ponto 5 e à eliminação do ponto 6.
Assim, importa ajustar a redação deste ponto em conformidade com o dito a propósito dos pontos 5 e 6 dos factos provados e o alterado nestes, sendo de frisar que da prova resultou que a “carga adicional” tinha lugar porque assim o queria e determinou a empregadora (independentemente de traduzir ou não um aumento de produtividade/rendimento).
Deste modo, a redação do ponto 13 dos factos provados passa a ser a seguinte:
13. Encontrava-se naquele local porque lhe tinha sido ordenado pela sua entidade patronal que naquela semana faria o transporte de estilha desde o Porto de Leixões, em Matosinhos, para a Figueira da Foz, fazendo cargas enquanto não esgotasse o tempo de condução permitido pela legislação aplicável, tendo ali completado esse tempo diário de condução.

do ponto 18 dos factos provados:
Recordemos o teor deste ponto, que é o seguinte:
18. Se pernoitasse em casa, e pretendendo deslocar-se à casa de banho, o Autor não teria de descer de um camião (nem subir ou descer escadas).
Alega a Recorrente que este ponto encerra um juízo especulativo e hipotético, devendo como tal ser eliminado, ao que acresce não ter qualquer apoio em meios de prova, pelo que deve ser eliminado.
Em resposta, o Recorrido/Sinistrado refere que, tal como está referido na motivação, a testemunha GG (esposa do Autor) esclareceu que em casa o mesmo não tem que descer ou subir escadas para ir ao WC durante a noite, pelo que deve manter-se este ponto como provado, citando excerto do depoimento da testemunha GG e do depoimento/declarações do Autor.
Na motivação da decisão da matéria de facto escreveu tribunal a quo, a propósito deste ponto, o seguinte:
O facto provado em 18 resulta do depoimento da testemunha GG, mulher do Autor, que referiu que em casa o mesmo não tem que descer ou subir escadas para ir ao Wc durante a noite.
Como se vê a motivação refere-se tão-só àquilo que ficou a constar entre parêntesis.
Ora, o que consta neste ponto fora dos parêntesis, é uma afirmação tão óbvia quanto sem interesse para ficar nos factos provados (podemos dizer tratar-se de uma verdade de La Palice, pois no fundo é isto: se pernoitasse em casa não pernoitava num camião).
Quanto ao que consta entre parêntesis, resulta do depoimento da testemunha que, em casa, o Autor dispõe de casa-de-banho no mesmo piso do quarto para dormir.
Todavia, tal circunstância não tem qualquer relevo para a apreciação a fazer sobre se ocorreu ou não acidente que seja de trabalho (a questão não está em o camião ter escadas[14], a questão está em saber se o acidente ocorrido quando o motorista/trabalhador está a pernoitar no camião é ou não acidente de trabalho), e nessa medida há que a eliminar.
Pelo exposto, elimina-se o ponto 18 dos factos provados.

Da verificação de acidente reparável como acidente de trabalho:
Há agora que fazer o enquadramento jurídico dos factos assentes (não fazer apelo ao que foi dito em julgamento, mas partir dos factos assentes – os considerados como tal em 1ª instância, com as alterações supra decididas – e verificar se em face deles podemos dizer ter ocorrido acidente reparável de acordo com a legislação específica relativa a acidentes de trabalho).
A sentença recorrida considerou ter-se verificado acidente de trabalho tal como definido na LAT (art.º 8º), escrevendo o seguinte (que se reproduz, sem transcrição de notas de rodapé):
Esta teoria do risco económico ou de autoridade parte da ideia que o risco a acautelar na legislação reparatória dos acidentes de trabalho não é o risco específico de natureza profissional, traduzido pela relação direta acidente – trabalho, mas sim um risco genérico ligado à noção ampla de autoridade patronal, o que levou a que se considerassem reparáveis acidentes, mesmo não ligados à prestação de trabalho, ou ocorridos durante os atos preparatórios do trabalho ou após o mesmo, como resulta da extensão do conceito prevista nas diversas alíneas do nº 1 do art.º 9º, supra citado.
Assim, quanto a estes elementos integradores do acidente de trabalho, em termos espácio-temporais, será de considerar tempo e local de trabalho todo o momento e todo o local onde o trabalhador se encontrar direta ou indiretamente sujeito ao controlo do empregador, ou seja, na sua dependência jurídica. Esta “ampliação” do conceito funda-se na já aludida teoria do risco de autoridade, que resulta do facto de o trabalhador se colocar na disponibilidade do empregador, mesmo que nas ocasiões em que não executa tarefas inerentes à atividade laboral.
Quanto ao elemento causal, o mesmo não se refere a um nexo de causalidade entre o trabalho e o acidente, mas sim a um nexo de causa e efeito entre o evento e a lesão, partindo mais uma vez da já aludida teoria do risco económico ou risco da autoridade, pois, pese embora tenha sido, historicamente, discutida, quer na Doutrina, quer na Jurisprudência, a necessidade da causa da lesão ser ou não um risco inerente ao trabalho, ou seja, da necessidade da existência de um nexo de causalidade entre o trabalho e o evento lesivo, como refere Carlos Alegre, a necessidade daquele nexo apenas “foi defendida com êxito enquanto se raciocinou em termos de teoria do risco profissional, em que se exigia um risco específico de natureza profissional, uma relação de causa e efeito entre o acidente (evento lesivo) e o trabalho em execução.” No entanto, desde o momento em que o princípio norteador da disciplina da reparação dos acidentes de trabalho passou a ser a teoria do risco económico ou risco da autoridade, já não faz sentido a exigência daquele nexo causal entre o evento lesivo e o trabalho, porque o risco assumido já não tem a natureza do risco específico, mas a de um risco genérico, ligado ao conceito amplo de autoridade patronal.
(…)
No caso concreto, será à luz desta teoria do risco económico ou de autoridade que teremos que equacionar se o acidente ocorrido nos autos, de que foi vítima o Autor, pode ser caracterizado como acidente de trabalho, sendo o elemento essencial a definir o de saber se no tempo e local específico onde ocorreu o acidente o Autor se mantinha ou não direta ou indiretamente sujeito ao controlo da sua entidade patronal.
No caso dos autos, resulta provado que o Autor sofreu o acidente aqui em causa (queda) no momento em que, pernoitando no camião da entidade empregadora, que lhe estava adstrito, teve necessidades fisiológicas e, abrindo a porta do camião para satisfazer essas necessidades, desequilibrou-se e sofreu uma queda de 2 m, embatendo com a face no chão, sofrendo as lesões dadas por provadas.
Alega a Ré X... - Companhia de Seguros, S.A., que o acidente ocorreu durante o período diário de descanso do Autor, pelo que o mesmo não só não estava no tempo de trabalho, mas encontrava-se no de período de descanso diário obrigatório. Conclui que o evento que determinou a sua queda e lesões nenhuma relação tem com a prestação de trabalho, mas exclusivamente, com uma necessidade da vida pessoal, no caso, a satisfação de necessidades fisiológicas, pelo que não se enquadra no conceito legal de acidente de trabalho, nem mesmo nas extensões legais que este comporta.
Dos factos provados resulta que, no dia e hora em causa, o Autor encontrava-se na ..., no concelho de Cantanhede, no interior do veículo de pesados pertencente à sua entidade patronal, onde pernoitaria, até que no dia seguinte fizesse um outro transporte a partir desse local, e encontrava-se naquele local porque lhe tinha sido ordenado pela sua entidade patronal que naquela semana faria o transporte de estilha desde o Porto de Leixões, em Matosinhos, para a Figueira da Foz e que, ao final do dia, não regressaria a casa, mas antes pernoitaria num local que se situasse no percurso do trajeto que lhe havia sido incumbido, de forma a rentabilizar o transporte de carga e consequente aumento de produtividade/rendimento da entidade patronal.
Em face desta factualidade, e considerando a teoria do risco económico ou de autoridade, supra aludida, consideramos que, nas circunstâncias de tempo e lugar em que ocorreu o acidente, o Autor estava ainda sujeito ao controlo da sua entidade empregadora, ou, nas palavras de Carlos Alegre, supra citado, exercia uma missão ou função profissional, verificando-se uma posição subordinada do trabalhador durante o cumprimento da missão.
Aquando do acidente, o Autor encontrava-se num camião pertencente à sua entidade empregadora. Enquanto instrumento de trabalho pertencente à entidade empregadora, é esta que tem o poder de disposição, fiscalização, afetação do referido veículo, decidindo de que forma é que tal instrumento pode e deve ser utilizado pelo trabalhador, pelo que, enquanto o trabalhador nele permaneça está sujeito à sua autoridade. Por outro lado, o Autor encontrava-se naquele local por determinação da sua entidade empregadora, na execução de um serviço por ela determinado.
Concluímos, pois, que o Autor se encontrava numa situação de subordinação, de sujeição à autoridade do empregador, pois que via-se compelido a pernoitar no camião da sua entidade patronal num local situado no trajeto que lhe fora incumbido, de forma a rentabilizar o transporte de carga e consequente aumento de produtividade/rendimento da entidade patronal, a tal não obstando o facto de não estar impedido de pernoitar num hotel, uma vez que sempre seria responsável pelo camião e pela eventual carga do mesmo – cfr. art.º 128º, nº 1, al. g) do Código do Trabalho – competindo-lhe o dever de velar pela conservação e boa utilização dos mesmos.
Alega a Recorrente que a ocorrência do evento no “tempo de trabalho” é um requisito essencial para estarmos perante um acidente de trabalho, e no tempo de trabalho não se inclui o período de descanso diário do trabalhador, que decorre após terminar a jornada diária de trabalho, não tendo o Autor logrado ter o acidente ocorrido no tempo e no local de trabalho, citando o acórdão do TRE de 20/12/2011, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 280/06.8TTPTM.E1 (e também, quanto à presunção estabelecida no art.º 10º, nº 1 da LAT, os acórdãos do TRG de 05/03/2020[15], do TRL de 24/01/2018[16], do TRP de 30/05/2018[17] e do STJ de 12/07/2018, este processo nº 167/11.2TTTVD.L1.S1).
O Recorrido sustenta tratar-se de acidente de trabalho, alegando que no caso dos motoristas profissionais o local de trabalho é também o interior do veículo e espaço envolvente onde o veículo se encontre, e o facto do trabalhador se encontrar no seu período de repouso diário não obsta à caracterização do sinistro como de acidente de trabalho pois que atento os factos provados não resulta que o trabalhador tivesse inteira disponibilidade do seu período de descanso, continuando ainda com o dever de velar pelo veículo e carga (bens relacionados com o seu trabalho), citando o acórdão do TRG de 04/04/2019, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 629/17.8T8BCL.G1.
Vejamos.
O art.º 8º, nº 1 da LAT contém a definição genérica de acidente de trabalho, dizendo ser acidente de trabalho aquele que se verifique no local e tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
Deste modo, pode definir-se (de modo sucinto, simples e genérico) o acidente de trabalho como o evento súbito e exterior, sofrido por trabalhador subordinado, ocorrido no local e tempo de trabalho (ou em situação equiparável por lei) que cause direta ou indiretamente uma lesão, perturbação ou doença que conduzam adequadamente à diminuição da capacidade de trabalho ou de ganho ou à morte.
A verificação de acidente de trabalho pressupõe, pois, a concorrência necessária de três elementos: (i) o local de trabalho; (ii) o tempo de trabalho; (iii) o nexo causal entre o evento e a lesão.
Entende-se por local de trabalho todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, direta ou indiretamente, sujeito ao controlo do empregador [al. a) do nº 2 do art.º 8º da LAT], e entende-se por tempo de trabalho, além do período normal de trabalho, o que preceder o seu início, em atos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe seguir, em atos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho [al. b) do nº 2 do art.º 8º da LAT].
Atualmente, subjacente ao regime legal de reparação dos acidentes de trabalho, já não está a chamada teoria do risco profissional (assente num risco específico de natureza profissional), antes estando a denominada teoria do risco económico ou risco da autoridade [18], que assenta na ideia mestra dum risco genérico ligado à noção ampla de autoridade patronal e às diferenças de poder económico entre as partes [19].
Como refere Carlos Alegre [20], «é na diferenciação entre atos da vida corrente, impostos pelas necessidades pessoais quotidianas (higiene, repouso, refeições, lazer, etc.) e os atos decorrentes da execução da missão ou função profissional que, com frequência, se colocam as dificuldades práticas. O critério de distinção só pode ser exatamente este: os atos da vida profissional distinguem-se dos atos da vida corrente, desde que decorram diretamente da execução da missão. Por isso mesmo, afigura-se-nos pouco rigoroso e suscetível de, em geral, inultrapassáveis confusões falar-se de nexo de causalidade entre o acidente e o trabalho do sinistrado, devendo, antes, averiguar-se da existência ou não do vínculo de autoridade da entidade patronal, a qual, obviamente, só se exerce sobre os atos da vida profissional e não sobre os da vida corrente».
Ou seja, para que se considere a existência de acidente de trabalho é necessário, entre o mais, que o trabalhador/sinistrado se encontre no âmbito dos atos decorrentes da sua atividade profissional, e não em meros atos (particulares) de lazer, repouso, o mesmo é dizer, que não se encontre subtraído à autoridade do empregador.
Antes de passarmos à análise do caso, vejamos alguma jurisprudência que, podendo não ter total similitude com o caso dos autos, pode abrir portas à solução a dar ao caso destes autos.
• No acórdão do TRE de 20/12/2011, acima referido porque citado pela Recorrente, foi considerado não ser qualificável como acidente de trabalho a queda de um trabalhador ao entrar numa embarcação atracada em porto de pesca (entre jornadas de trabalho), embarcação essa na qual desempenhava o seu trabalho, e na qual, tal como outros trabalhadores, além de trabalhar, pernoitava, descansava e tomava refeições, por estar deslocado da sua habitação, e queda essa que ocorreu quando ainda não se havia iniciado a jornada de trabalho. Foi considerado que embora o trabalhador pernoitasse e descansasse na embarcação, não resulta que tal fosse obrigatório, decorrente de qualquer imposição do empregador ou até da atividade exercida, pelo que tendo o sinistro ocorrido no período de descanso, não pode afirmar-se que se verificou no tempo de trabalho, dizendo-se que o sinistro ocorreu quando o trabalhador podia dispor do tempo como melhor entendesse, sem qualquer sujeição à entidade empregadora.
• No acórdão do TRG de 04/04/2019, acima referido porque citado pelo Recorrido, está em causa a seguinte situação de facto: um motorista profissional (internacional) encontrava-se no período de descanso semanal de 45 horas [art, estando o camião que conduzia por conta da empregadora aparcado numa estação de serviço no estrangeiro, e quando estava junto ao camião foi agredido por terceiros. Foi considerado tratar-se de acidente de trabalho, porque, de acordo com a legislação relativa aos tempos de condução máximas, o período de repouso semanal deve ser passado em local que possua condições adequadas, não sendo a cabine de um camião esse local, pelo que ao não facultar a empregadora esse espaço não se pode dizer que o trabalhador (motorista) dispõe livremente do seu tempo (estando retido no estrangeiro o período de descanso semanal, deve ser considerado de prestação de trabalho, sendo descanso imposto por legislação, nomeadamente por razões de segurança, não tendo o trabalhador a inteira disponibilidade desse período, além de que em viagens no estrangeiro o motorista tem que velar pelos bens relacionados com o seu trabalho).
É oportuno referir ainda os seguintes arestos:
• O acórdão do TRL de 24/10/2007[21], no qual foi decidido ser acidente de trabalho a queda sofrida por trabalhadora na casa de banho do quarto de hotel, momentos após ter tomado banho, quando a mesma se preparava para a reunião de trabalho dessa manhã que iria secretariar, estando deslocada do local onde normalmente prestava trabalho para participar na referida reunião, guardando no quarto de hotel material necessário para secretariar a reunião. Foi considerado que a queda sofrida pela Autora ocorreu em espaço que também era local de trabalho, ainda que sob forma transitória, e quando a mesma procedia a atos de preparação para reunião que iria ter lugar nessa manhã. / A referida queda ocorreu assim quando a sinistrada estava sob o poder conformativo da prestação do seu trabalho que lhe havia sido determinado pela sua entidade empregadora, ou seja, as circunstâncias de tempo e lugar em que aquela queda ocorreu não podem considerar-se independentes da sua missão profissional em Amarante naqueles dias.
• No entanto, este acórdão foi revogado pelo acórdão do STJ de 02/04/2008[22], sendo o seguinte o seu sumário:
1. Em princípio, o acidente ocorrido durante a execução de um serviço determinado pelo empregador, mas emergente de ato da vida corrente do trabalhador, em que este tenha recuperado a sua independência em relação à missão profissional, não é qualificável como acidente de trabalho.
2. Tendo o acidente ocorrido no interior da casa de banho do quarto da estalagem onde o trabalhador se encontrava hospedado, momentos após ter tomado banho, não estão reunidos os pressupostos para que se possa qualificar o sinistro como um acidente de trabalho, uma vez que o mesmo não ocorreu no local do trabalho, nem no tempo de trabalho, revelando-se antes como um acontecimento pertinente à vida pessoal do trabalhador, estranho ao cumprimento da missão profissional.
3. Não releva a circunstância de ter sido guardado material de apoio logístico do secretariado da direção, no quarto atribuído ao trabalhador, porquanto o acidente não resultou da execução da missão profissional determinada pelo empregador, nem ocorreu em tempo em que se manifestasse a autoridade patronal.
4. Acresce que não se provou que as concretas condições de alojamento atribuídas ao sinistrado tenham agravado o risco genérico que impende sobre a generalidade das pessoas quando procedem à sua higiene pessoal.
• No acórdão desta Secção Social do TRP de 25/06/2018[23] foi decidido que o acidente ocorrido no interior da casa de banho do quarto de hotel onde o trabalhador se encontrava hospedado (na qual, pelas 7h30, após ter tomado banho, caiu) não ocorreu no local de trabalho, nem no tempo de trabalho, não consubstanciando acidente de trabalho, mas, antes, acidente inserido na sua vida pessoal, estranho à sua atividade laboral. / A isso não obsta a circunstância de o trabalhador ter pernoitado em tal hotel por, no dia anterior, ter tido uma reunião profissional fora da área da sua residência e, no dia do acidente, ter que, no âmbito da sua atividade profissional, visitar clientes, pois que o referido acidente não ocorreu no local, nem no tempo de trabalho, nem de qualquer ato ou tarefa de que tivesse sido incumbido pela empregadora, nem em tempo que pudesse ser considerado como estando sob a autoridade desta, nem tendo sido feita prova da existência de qualquer risco acrescido decorrente do local onde se encontrava, nem, muito menos e consequentemente, de que tivesse o acidente decorrido de um qualquer risco acrescido resultante de ter tido que pernoitar no hotel. Foi considerado que mesmo que se possa considerar que o quarto de hotel onde pernoitou o Autor de 28 para 29 de novembro é uma extensão do seu local de trabalho, não cremos ser possível considerar que tomar banho e cuidar da sua higiene pessoal seja um ato preparatório da sua profissão de promotor de vendas. De facto, na casa de banho, onde o Autor recolhe à sua intimidade e onde se deu a queda, o Autor não está controlado nem sob ordens e direção da sua entidade empregadora. Da matéria de facto apurada, não se nos afigura ser possível concluir que a queda do sinistrado tenha ocorrido quando o mesmo estava sob o poder conformativo da prestação do seu trabalho, determinado pela sua entidade empregadora, revelando antes tratar-se de um acontecimento referente à sua vida privada, estranho à execução da sua missão profissional e ocorrido quando atuava com total independência relativamente à 2ª Ré, sua entidade empregadora. Com efeito, nesse espaço de natureza privada onde o Autor se encontrava e em que pode dispor livremente da sua autonomia, considera-se que deixa de existir o chamado “risco de autoridade”, subjacente à responsabilidade por acidentes de trabalho. Ficou ressalvado que não foi alegado nem demonstrado nenhum facto que nos permita concluir que, das suas concretas condições de alojamento naquele quarto de hotel, tenha resultado algum risco acrescido que pudesse relevar nesta sede, e foram citados os acórdãos do STJ de 02/04/2008 e 09/09/2009[24].
Feitas estas considerações passemos ao caso concreto, para ver se no caso em apreço não estamos perante acidente reparável como acidente de trabalho, como defende a Recorrente, em contrário do que considerou o tribunal a quo.
No caso em análise o Autor é motorista de pesados (ponto 2 dos factos provados), encontrando-se a pernoitar no camião que conduzia, o que nos leva a não afastar que na altura o Autor se encontrasse no local de trabalho.
Como refere José Andrade Mesquita[25], no caso de um motorista de transportes nacionais, este tem um local onde iniciar e terminar as funções, percorrendo todo o território nacional, havendo alteração do local de trabalho se for modificado este esquema.
Por outro lado, o horário de trabalho do Autor não era rígido (ponto 14 dos factos provados, destacando-se a parte final), mas de todo o modo é claro que aquando da queda estava fora do horário de trabalho (ponto 15 dos factos provados).
No entanto, daqui não decorre automaticamente não se poder considerar o acidente como de trabalho, pois a al. b) do nº 2 do art.º 8º da LAT, acima referida, não tem uma visão tão restrita do que se considera “tempo de trabalho” para estes efeitos.
Na verdade, o conceito de acidente de trabalho é delimitado pelos já referidos três elementos cumulativos (espacial, temporal e causal), mas pode-se ainda assim, até dizer que acidente de trabalho não é apenas o que rigorosamente ocorre “no local e tempo de trabalho”, pois a própria LAT prevê situações que equipara a “tempo e lugar de trabalho”, desde logo as “interrupções normais ou forçosas de trabalho” e as “deslocações de ida e regresso do trabalho”.
Assim, estando in casu o Autor a descansar (da jornada de trabalho, estando legalmente impedido de exercer a condução, em face do número de horas que já conduzira), ocorrendo o acidente/queda numa interrupção do sono, não afasta só por si a caracterização do acidente como de trabalho.
E não é porque a noção de «repouso» constante do Regulamento (CE) nº 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006 (relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários…), referir que o período de repouso é o período durante o qual o motorista pode dispor livremente do seu tempo (não estando, por exemplo, sem exercer a condução mas a aguardar a carga ou descarga do veículo), que impede que se considere para efeitos de reparação do acidente que foi no “tempo de trabalho” (como se disse, a LAT prevê situações que equipara a “tempo de trabalho”, como sejam as “interrupções normais ou forçosas de trabalho”).
Como decorre do que acima se disse, não se exige que o acidente ocorra na execução do trabalho ou por causa dessa execução, bastando que ocorra por ocasião dela, estando pressuposto nessas circunstâncias que o trabalhador se encontra direta ou indiretamente sujeito ao controlo do empregador [26].
Deste modo, a qualificação da queda sofrida pelo Autor como acidente de trabalho passa por ver se, embora verificando-se no camião que conduzia, ocorrendo no período de descanso, se o trabalhador, ao estar em período de «repouso», tinha ou não recuperado a sua independência em relação à missão profissional.
É que, dos factos provados não consta nem resulta que o Autor estivesse a pernoitar no camião por imposição, ou na sequência de instruções nesse sentido da empregadora, não se podendo deixar de considerar que a pernoita no camião possa ter sido opção do trabalhador, por exemplo por uma questão de evitar custos.
De resto, o nº 8 do art.º 8º do Regulamento (CE) nº 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006 prevê que caso o condutor assim o deseje, os períodos de repouso diário e os períodos de repouso semanal reduzido fora do local de afetação podem ser gozados no veículo, desde que este esteja equipado com instalações de dormida adequadas para cada condutor e não se encontre em andamento (sublinhou-se).
E não se nos afigura que do dever previsto na al. g) do nº 1 do art.º 128º do Código do Trabalho [o trabalhador deve velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe forem confiados pelo empregador] decorra a obrigatoriedade de pernoita no camião por si conduzido para vigilância, por não estar o veículo nas instalações da empresa, pois esse dever imporá por exemplo o dever de parquear o camião em local adequado (como o parque de estacionamento de restaurante) e ficando o veículo devidamente fechado (se não houver fechadura no depósito de gasóleo de modo a impedir o seu furto, por exemplo, não se imputará ao trabalhador) mas não o dever de estar permanentemente junto ao camião [o art.º 9 do citado Regulamento, quando o condutor acompanha o veículo transportado por ferry ou comboio, fala em acesso a cama ou beliche, que pode não ser no veículo].
Note-se que não pode o trabalhador ter um horário de trabalho de 24 horas por dia, mudando as suas funções de motorista, após o fim da jornada de trabalho, e esgotado o tempo de condução permitido, para as de “vigilante da viatura”.
Ou seja, o estar o Autor a pernoitar no camião, porque é sua opção, vem a equiparar-se a estar o Autor a pernoitar em alojamento externo à sua residência.
De todo o modo, para aferir da referida “recuperação da independência em relação à missão profissional” não se pode esquecer a situação específica de se tratar de motorista de pesados, sujeito a condicionalismos de tempo de condução, legalmente impostos.
Queremos com isto dizer que não se pode arredar da análise a circunstância de o Autor além de trabalhador ser condutor de veículo de transporte rodoviário de mercadorias, e nessa medida sujeito às regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso, não estando a pernoitar em casa porque estava impedido legalmente de conduzir o veículo/camião, não se lhe exigindo que providenciasse (outro) transporte até casa para pernoita (de resto, a empregadora tinha disso conhecimento, e por esse motivo, por estar deslocado da sua residência, era paga a quantia referida nos pontos 4 e 5 dos factos provados).
Posto isto, concluímos que o Autor se encontrava a pernoitar naquele local (fora da sua residência) em virtude do seu trabalho (de motorista que esgotou o tempo diário legal de condução, podendo assim dizer-se estar em descanso naquele local por imposição legal, nomeadamente por questões de segurança), quando estava a executar aquilo que a sua empregadora lhe determinara (ponto 13 dos factos provados), sendo a pernoita no camião pelo menos consentida pela empregadora.
Assim, o trabalhador (Autor) não tinha inteira disponibilidade do período em que se encontrava, pois naquele local teve que findar a condução (por atingir o tempo de condução, como se disse) e naquele local retomaria no dia seguinte o seu trabalho (quando pudesse iniciar a condução de acordo com a legislação, em segurança) – ponto 12 dos factos provados[27].
Ou seja, podemos dizer que o Autor/trabalhador/motorista estava em “descanso forçado naquele local”, fosse no camião fosse em alojamento próximo, estando de certa forma o motorista ali “retido”, e em face disso podemos dizer que o Autor estava naquele momento sujeito, ainda que indiretamente, ao controlo/direção da empregadora[28].
Em suma, atentas as circunstâncias específicas da situação, é de dizer que a pernoita na cabine do camião decorre diretamente da execução da missão/função profissional, não se tratando da vida corrente do trabalhador.
De resto, a pernoita em cabine de camião, espaço notoriamente reduzido em relação a quarto de habitação (independentemente de existirem escadas, o que como se disse supra não releva em especial), pode dizer-se agravar de certo modo o risco que em geral existe na pernoita fora da residência.
Temos, então, uma situação diversa daquela em que estavam os trabalhadores nas situações subjacentes aos acórdãos desta Secção Social do TRP de 25/06/2018 e do STJ de 02/04/2008 acima referidos, pois aí, ainda que os trabalhadores estivessem deslocados por questões profissionais, estavam em momento exclusivamente referente à vida privada, na sua zona de conforto íntimo e privado (ainda que em quarto de hotel), fazendo a diferença a circunstância de aqui o trabalhador ser motorista e estar deslocado da residência entre períodos de condução legalmente permitidos.
E a situação acaba por ser também diversa da subjacente ao acórdão do TRE de 20/12/2011 acima referido, em que o trabalhador está deslocado, pois ali dos factos provados não resulta que a pernoita naquele local e na embarcação fosse consequência da atividade exercida (quando no caso em análise a pernoita fora da residência resulta, como se expôs, do respeito dos períodos de condução legalmente previstos).
Em suma, improcede o recurso, mantendo-se o decidido em 1ª instância.
*
Quanto a custas, ainda que haja procedência parcial do recurso sobre a decisão sobre matéria de facto, não tem reflexo na decisão final, pelo que as custas do recurso ficam a cargo da Recorrente (art.º 527º do Código de Processo Civil).
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DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, decide-se:
I) Eliminar os pontos 6, 11 e 18 dos factos provados, e alterar os pontos 5, 12 e 13 dos factos provados, de modo que passam eles a ter a seguinte redação:
5. O valor referido no ponto anterior corresponde a um valor médio mensal dum valor que é pago por cada dia de trabalho em que o motorista realizasse uma carga adicional, carga essa cuja realização implicava esgotar o tempo de condução legalmente permitido ao motorista, e consequentemente não regressar a casa e pernoitar onde se encontrasse.
12. No dia 28-12-2017, pelas 00h30m, o Autor encontrava-se na ..., no concelho de Cantanhede, no interior do veículo de pesados pertencente à sua entidade patronal, onde pernoitaria, até que no dia seguinte fizesse um outro transporte a partir desse local.
13. Encontrava-se naquele local porque lhe tinha sido ordenado pela sua entidade patronal que naquela semana faria o transporte de estilha desde o Porto de Leixões, em Matosinhos, para a Figueira da Foz, fazendo cargas enquanto não esgotasse o tempo de condução permitido pela legislação aplicável, tendo ali completado esse tempo diário de condução.
II) Confirmar no mais o decidido na sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, com taxa de justiça conforme tabela I-B anexa ao RCP (cfr. art.º 7º, nº 2 do RCP).
Valor do recurso: o da ação (art.º 12º, nº 2 do RCP).
Notifique e registe.

(texto processado e revisto pelo relator, assinado eletronicamente)
Porto, 08 de junho de 2022
António Luís Carvalhão
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
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[1] Sendo considerada a apresentada em segundo lugar, conforme despacho de 19/03/2019.
[2] As transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo correção de gralhas evidentes e realces/sublinhados que no geral não se mantêm (porque interessa o texto em si), consignando-se que quanto à ortografia utilizada se adota o Novo Acordo Ortográfico.
[3] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 156 e págs. 545/546 (estas no apêndice I: “recursos no processo do trabalho”).
[4] Seguindo a ordem da precedência lógica, sendo que a solução de alguma pode prejudicar o conhecimento de outra(s) – art.ºs 608º e 663º, nº 2 do Código de Processo Civil (cfr. art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho).
[5] O que não se confunde com o entendimento, que vêm os tribunais superiores seguindo, de que, à luz do disposto no art.º 662º do Código de Processo Civil, o Tribunal da Relação na apreciação da impugnação da decisão sobre matéria de facto usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (art.º 607º, nº 5, do Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efetivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efetiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece [vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 286].
[6] De outra forma ocorreria uma inversão da posição das personagens do processo, mediante a substituição da convicção de quem tem de julgar pela convicção de quem espera a decisão (o recorrente).
[7] Daí referir o nº 1 do art.º 662º do Código de Processo Civil que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa” (sublinhou-se).
[8] Vd. Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 2ª edição (Lisboa 1997), pág. 347.
[9] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, págs. 292/293.
[10] Assim designamos, abreviando “Lei dos Acidentes de Trabalho”, o Regime de Reparação de acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, aprovado pela Lei nº 98/2009, de 04 de setembro.
[11] Não referimos o ponto 13 dado ser de seguida apreciada a impugnação apresentada tendo por objeto o mesmo.
[12] De referir que não existe qualquer incongruência com o constar do ponto 2 dos factos provados expressão idêntica (exercendo funções de motorista de pesados, sob as ordens, direção e instruções daquela sociedade), pois aí reporta-se a ser o sinistrado trabalhador da 2ª Ré, e tal é consensual, pelo que, mesmo assumido cariz conclusivo (sem neutralidade, porque reproduz expressão legal) é de aceitar que conste como provado, enquanto este ponto 11 se prende com o estar o trabalhador aquando do sucedido sob ordens da empregadora, o que contende com o saber se estamos perante acidente de trabalho, e isso é controvertido, logo terá que se analisar factualidade neutra para o concluir ou não.
[13] Cfr. Regulamento (CE) nº 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006 (relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários…), destacando-se os art.ºs 6º a 8º.
[14] A similitude ou dissimilitude do camião com o local de pernoita na casa de habitação do sinistrado não tem qualquer releve na apreciação a fazer infra de saber se o sucedido no caso em apreço é de caracterizar como acidente de trabalho.
[15] Embora não esteja indicado, estará em causa o acórdão proferido no processo nº 3005/17.9T8VCT.G1.
[16] Embora não indicado, estará em causa o acórdão proferido no processo nº 567/16.1T8VFX.L1-4.
[17] Embora não indicado, estará em causa o acórdão proferido no processo nº 1718/16.1T8MTS.P1.
[18] Sobre a evolução das teorias subjacentes ao regime dos acidentes de trabalho, podem ver-se: acórdão do TRE de 15/03/2011, in CJ, Ano XXXVI, tomo II, pág. 277; também acórdão do STJ de 17/12/2009, in CJ/STJ, Ano XVII, tomo III, pág. 267; e acórdão do TRC de 05/11/2015, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 428/13.6TTLRA.C1.
[19] Vd. Carlos Alegre, “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais – Regime Jurídico Anotado”, Almedina, 2ª edição, págs. 12-13 e 41-42.
[20] In “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais – Regime Jurídico Anotado”, Almedina, 2ª edição, 2000, pág. 46.
[21] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 5523/2007-4.
[22] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 08S529.
[23] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 1130/15.0T8VFR.P1.
[24] No primeiro existirá no acórdão lapso na referência ao mês da prolação do acórdão, sendo ele o de abril e por isso o acórdão do STJ de 02-04-2008 acima referido; o segundo encontrou-se em www.dgsi.pt, processo nº 08S3047.
[25] In “Direito do Trabalho”, AAFDL, 2ª edição, 2004, pág. 574.
[26] Vd. acórdão do TRG de 12-07-2016, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 704/12.5TTVCT.G1.
[27] O veículo naquele momento só poderia ter prosseguido se conduzido por outro motorista.
[28] Embora a situação apresente semelhanças àquela subjacente ao acórdão do TRG de 04/04/2019 acima citado, há alguma diferença porque ali está em causa trabalhador /condutor de transporte internacional rodoviário de mercadorias (TIR), aplicando-se o CCT do sector, que prevê situações de “trabalhador deslocado fora do país de residência”.