Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
575/15.0TXPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CRAVO ROXO
Descritores: DECLARAÇÃO DE CONTUMÁCIA
PRISÃO SUBSIDIÁRIA
PENA DE PENAS DE SUBSTITUIÇÃO
Nº do Documento: RP20160504575/15.0TXPRT.P1
Data do Acordão: 05/04/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 678, FLS.19-24)
Área Temática: .
Sumário: I – A declaração de contumácia destina-se a fazer respeitar as decisões judiciais quando o arguido se pretende eximir ao cumprimento de uma pena que lhe foi imposto pelo tribunal.
II – Tal como deve ser declarada quando o arguido se pretende eximir ao cumprimento da pena de prisão principal também o deve ser quando se pretende eximir ao cumprimento da prisão subsidiária aplicada em substituição da pena de multa não paga.
III – Tal declaração cabe no âmbito do artº 97º2 CEPMPL.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 575/15.0TXPRT.P1
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Acordam na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
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No processo comum nº 575/15.0TXPRT-A.P1, do 3º Juiz do Tribunal de Execução de Penas do Porto, pelo Ministério Público foi requerida a declaração de contumácia do arguido B….
Este arguido havia sido condenado, no 2º Juízo Criminal de Vila Nova de Famalicão, na pena de seis meses de prisão, substituídos por 180 dias de multa à taxa diária de 8 euros e em 250 dias de multa, à mesma taxa diária, pela prática de um crime contra a genuinidade, qualidade ou composição de géneros alimentícios, previsto nos Arts. 24º, nº 1, alíneas b) e c) e 82º, nº 2, alíneas b) e c), do Dec.-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro; em cúmulo, foi condenado na pena única de 430 dias de multa, à taxa diária de 8 euros.
O arguido não procedeu ao pagamento da pena de multa, nem requereu a sua substituição por trabalho a favor da comunidade.
Assim sendo, nos termos do Art. 49º, nº 1, do Código Penal, foi-lhe determinado cumprir o tempo de prisão subsidiária de 286 dias, correspondente a dois terços do tempo da multa.
Emitidos que foram os mandados de detenção correspondentes, não foram os mesmos cumpridos, uma vez que o arguido se encontra em paradeiro desconhecido.
Promoveu então o Ministério Público a remessa dos autos ao Tribunal de Execução das Penas competente, a fim de ali ser cumprido o disposto no Art. 92º, nº 2, do Código da Execução das Penas.
Certo é que o arguido não se apresentou, tornando-se impossível o cumprimento dos mandados.
Tendo sido promovido, junto do TEP, que o condenado fosse declarado contumaz, proferiu o Senhor Juiz de Execução das Penas despacho que indeferiu tal promoção.
Desta decisão, recorre o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões (sic), que balizam e limitam o âmbito do recurso (Ac. do STJ, de 15.04.2010, in http://www.dgsi.pt:Como decorre do art. 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso”):
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- O MMo Juiz a quo não proferiu declaração de contumácia, que lhe foi solicitada pelo processo 289/10.7TAVNF, relativamente a condenado em pena de multa convertida em prisão subsidiária.
- Fundamentou a sua decisão entendendo que o disposto no art. 97°, n° 2 do CEP se refere exclusivamente à pena de prisão aplicada a título principal, posto que só esta poderá suportar a restrição dos direitos constitucionais que contumácia implica.
- É o processo 289/10.7TAVNF que, afirmando ter transitado esse despacho de conversão, solicita ao TEP, que para tal tem competência material - art. 138°, n° 4, alínea x) do CEP - a referida declaração de contumácia.
- Qualquer pena tem necessariamente o fundamento da culpa. O facto de ser uma pena de substituição em regime impróprio, que tem como grande elemento de distinção o facto de poder ser paga a todo o tempo, (cfr. entre outros acórdãos, o do Tribunal da Relação de Évora de 22/04/2008, in www.dgsi.pt.") não retira a característica prática e efectiva de ser um encarceramento, quando é incumprida.
- Acompanhando o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09/12/2009, www.dgsi.pt) o que está em causa é a privação de liberdade de um cidadão, decorrente de uma sanção derivada de uma condenação penal, cumprida em estabelecimento prisional durante um determinado período de tempo.
- E este acrescenta: "A ficção jurídica entre a natureza da prisão como pena privativa de liberdade e a prisão subsidiária como sanção penal de constrangimento perde todo o sentido quando em concreto se atenta na exequibilidade de ambas onde não há nem deve haver qualquer distinção. A própria ratio que subjaz à execução da pena de prisão não pode justificar uma finalidade diferente consoante se trate, na sua concreta execução, de uma pena de prisão ou uma pena de prisão subsidiária [...]".
- Ora, consagrada legalmente esta possibilidade de cumprimento de formas privativa de liberdade, mal se compreenderia que o Estado, no exercício do seu "ius puniendi", e constrangimento ao cumprimento das penas que impõe, não consagrasse para este tipo de pena a possibilidade de, como nas outras, ser declarado a contumácia para aquele condenado que dolosamente se subtraia, total ou parcialmente, ao cumprimento.
- Não nos revemos na posição que entende que é um excesso intrusivo essa possibilidade face à natureza da pena de prisão subsidiária, pois esse seria um prémio para todos aqueles que, sim, sem consciência critica bastante quanto ao seu comportamento, se eximem dolosamente ao seu cumprimento.
- Entendemos, assim, que a expressão" pena de prisão", utilizada no citado art. 97°, n° 2 do CEP, se refere a penas que, na sua origem ou em substituição, impliquem privação de liberdade em estabelecimento prisional.
- Efectivamente, o "despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária opera uma verdadeira modificação na natureza da pena aplicada ao arguido que passa a ser uma pena detentiva"- Cfr. Ac. da Relação de Guimarães, de 03.07.2012, in www.dgsi.pt.
O preceito em causa tem que ser visto no seu todo, ou seja sob a epígrafe "Evasão ou ausência não autorizada".
Isto para dizer que, na sua essência e em primeiro lugar - veja-se o seu n° 1 -, este preceito se destina a obviar a situações de evasão ou ausência não autorizada - seja em cumprimento de pena de prisão seja em cumprimento de prisão subsidiária, fornecendo e indicando os meios necessários para tal - captura e declaração de contumácia
O rigor interpretativo e restritivo efectuado no douto despacho recorrido não é consentâneo com a globalidade do citado art. 97° do CP, o qual ora usa a expressão "pena de prisão ou de medida de internamento" - corpo do n° 2 - e na sua alínea a) já fale tão só de "pena ou medida de segurança a executar".
- Efectivamente, não faria sentido, seguindo à risca a expressão usada no n° 2 de tal preceito – "pena de prisão” – que um recluso em cumprimento de uma prisão subsidiária que se evadisse não pudesse ser declarado contumaz.
- Os efeitos gravosos resultantes da contumácia, justificam-se também na situação em causa nestes autos, desde logo para impedir que a pena prescreva.
- De facto, um dos objectivos da contumácia é, assumidamente, o de prevenir a prescrição, sendo que restringindo-se a sua declaração nos termos pretendidos no douto despacho recorrido, seriam inúmeras as prescrições das penas de multa, o que certamente não quis o legislador.
- Como se refere no Ac. da Relação de Lisboa de 11.12.2009 "A razão lógica da prescrição de fazer extinguir o direito de punir> pelo seu não uso tempestivo, é a imputabilidade da inércia a quem o pode e deve exercer. Nos casos em que o não exercício do direito de punir não seja imputável ao titular do poder punitivo, mas a quem deve sofrer a punição, compreende-se a opção do legislador em evitar a prescrição, o que se traduziria num benefício do infractor".
- Assim, sendo a contumácia, para além dos mais, uma medida pragmática e funcional, tendente a "forçar" o cumprimento de uma pena, não cremos que a restrição dos direitos que a sua declaração implica esteja reservada exclusivamente às penas de prisão, no seu sentido estrito.
- É clara a opção do legislador no sentido de assegurar o cumprimento efectivo das penas, o que se verifica por via da contumácia, e ainda pela extensão da vigência do termo de identidade e residência até à extinção da pena, como resulta da alínea e) do n° 3 do art. 196, introduzida pela Lei 20/2013, de 21 de Fevereiro, sobrepondo o valor da eficácia das decisões proferidas pelos tribunais em detrimento da restrição dos direitos dos condenados que resultam da sua aplicação.
- Faz-se ainda notar que a declaração de contumácia não é apenas aplicada na situação de que vimos falando, mas ainda, com os mesmos efeitos, nos termos do disposto no art. 335° do Código de Processo Penal, ou seja, ainda antes de uma condenação em qualquer pena, pelo que, considerando este instituto na sua raiz e função, não nos parece, salvo o devido respeito por distinta opinião, que não se possa declara a contumácia na situação que ora nos ocupa.
- A aplicação de penas curtas, nomeadamente as de que falamos, tem muito a ver com a vida básica social comunitária, e são também importantes, na sua medida, na prevenção geral como fundamento das penas. De alguma forma, assim não se considerar, viola esta perspectiva.
- E, partindo desta base, e com as considerações supra, pela identidade de circunstâncias, não concordamos com uma distinção meramente dogmática mas não sustentada na prática, da natureza da sanção penal em causa, como fundamento para abrir uma lacuna quanto à declaração de contumácia nas penas de prisão subsidiárias e respectiva execução.
Termos em que deverá ser revogado o douto despacho em crise, determinando-se a sua substituição por outro que ordene o cumprimento dos procedimentos tendentes à oportuna declaração de contumácia do arguido B…, uma vez que foi violado o art. 97°, n°2, do CEP.
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Não houve resposta do arguido.
Nesta Relação, a Senhora Procuradora-geral Adjunta, no seu parecer, acompanhou as razões do recurso, acrescentando que a situação do condenado que se exime ao cumprimento de uma pena de prisão subsidiária é em tudo semelhante àquela do que se exime ao cumprimento de uma pena de prisão principal.
E assim conclui pela procedência do recurso.
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É este o teor do despacho recorrido:
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Da viabilidade de aplicação do instituto da contumácia à pena de multa convertida em prisão subsidiária.
Cuida-se, nestes autos do TEP, duma situação em que o NUIPC da condenação – no qual foi proferida decisão condenatória, transitada em julgado, em que se aplicou pena cumulativa de prisão e multa, em que a pena de prisão foi substituída por multa – por reporte ao art. 6.°, n.°s 1 e 2 do DL 48/95 de 15mar] –, cujo pagamento não operou, circunstância posteriormente geradora da prolação de despacho fixando e determinando a execução da correspondente prisão subsidiária, a qual, por não se logrou na sua execução, ainda que emitidos mandados, tendo-se concluído que o condenado(a) se está a eximir dolosamente à essa execução – mediante promoção (art. 469.° do CPP) do Ministério Público, através de despacho judicial solicita a prolação de declaração de contumácia (art. 97.° e 138.°, n.° 4, x) do cep, com a alteração da L40/2010, de 3set).
O Ministério Público junto do TEP foi ouvido, propugnando no sentido do solicitado.
Desde já consignamos que passámos a seguir a mais recente posição jurídica que sobre a questão a jurisprudência e a doutrina vêm sedimentando.
Cumpre, neste termos, apreciar.
A prisão subsidiária não constitui, em sentido formal, uma pena de substituição, antes se tratando de uma medida que visa conferir consistência e eficácia à pena de multa, a qual pode, ainda assim, ser paga a todo o tempo, no todo ou em parte (art. 49.° CP). Ou seja, mesmo após a conversão da multa em prisão subsidiária, a pena aplicada na sentença continua a ter a natureza de multa.
Esta realidade suscita desde logo a questão de saber se, nestes casos, é constitucionalmente admissível proceder à restrição de direitos do(a) condenado(a) que a declaração de contumácia implica -cf. Os arti.s 335.° e 337° do cpp.
1 - Enquanto vigorarem normas que prevejam penas cumulativas de prisão e multa, sempre que a pena de prisão for substituída por multa será aplicada uma só pena equivalente à soma da multa directamente imposta e da que resultar da substituição da prisão.
2 - É aplicável o regime previsto no artigo 49.° do Código Penal à multa única resultante do que dispõe o número anterior, sempre que se tratar de multas em tempo.
Desde já se afirma que não.
Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 18.°, n.° 2 [jj], 26.°, n.° 1 ambos da CRP, e 97.°, n.° 2, do CEP, afigura-se que apenas em caso de existência de uma pena de prisão ou de uma medida de segurança de internamento para cumprir, total ou parcialmente, se afigura justificável o recurso à figura da contumácia, instituto que produz na esfera do destinatário os efeitos gravosos previstos nas disposições legais acima citadas
Na verdade, somente no quadro de execução de reacções penais de extrema ratio, cuja efectivação importe, necessariamente, o encarceramento, se tem como legitimada, à luz dos princípios aludidos, a aplicabilidade da figura da declaração de contumácia. Só aqui estaremos na presença de um interesse específico suficientemente legitimador em termos de permitir a afirmação da concordância prática do exercício da acção penal (com abrangência da execução da reacção criminal) com a restrição de direitos do cidadão contumaz.
No processo em presença, como já se viu, não estamos perante uma medida penal desse tipo.
Em função do exposto, entendo que, in casu, não há lugar à aplicação do disposto nos artigos 97.°, n.° 2, e 138.°, n.°4, x), do CEP (com a alteração da L40/201º, de 3set), pelo que determino o arquivamento dos autos.
Notifique e, após trânsito em julgado, com essa indicação, comunique ao processo da condenação.
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Decidindo.
Declaração inicial:
Começamos por afirmar que a solução final deste recurso já teve, da nossa parte, sentido contrário.
Contudo, após algum estudo (sempre necessário e adequado a situações em que a jurisprudência não é uniforme), concluímos que a decisão terá de ser diferente da anteriormente defendida, ainda que ali enquanto adjunto; razões de honestidade intelectual a isso me obrigam.
E é nessa perspectiva que, aderindo à jurisprudência que reputamos hoje mais correcta e sensata, iremos decidir.
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A contumácia destina-se a fazer respeitar as decisões judiciais, quando o arguido (ou o condenado) se pretende eximir ao cumprimento de uma pena que lhe foi aplicada por um tribunal.
Chamamos aqui um argumento do recurso, que não nos perturba reproduzir, com as devidas adaptações: é clara, perceptível e rigorosa a opção tomada pelo legislador, no sentido de assegurar o cumprimento efectivo das penas; um dos caminhos nesse sentido verifica-se por via da contumácia; também e ainda pela extensão da vigência do termo de identidade e residência até à extinção da pena.
Tudo isto resulta visível e abertamente do disposto no Art. 196º, nº 3, alínea e), do Código de Processo Penal, cuja alteração foi introduzida pela Lei 20/2013, de 21 de Fevereiro; e assim se fez sobrepor o valor da eficácia das decisões proferidas pelos tribunais, em detrimento da restrição dos direitos dos condenados que resultam da sua aplicação.
Nem outra poderia ser a posição do legislador, muito menos a do juiz que conhece e aplica a lei.
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E se a contumácia deve ser decretada quando um arguido se exime ao cumprimento de uma pena de prisão efectiva (principal), não se vê qualquer razão para a mesma não ser ordenada em relação a uma pena de substituição de multa não paga, ainda que coercivamente (ou talvez mesmo por isso).
Com efeito, não se entende a divergência entre uma pena de prisão ordenada em primeira-mão e como pena principal e uma pena também de prisão, que resulta da conversão – legalmente prevista e mandatória – de uma pena de multa não paga, ou não cumprida coercivamente, ou ainda através de trabalho a favor da comunidade.
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Mais se dirá: a declaração de contumácia nem sequer está reservada a situações que apenas envolvam aplicação de pena de prisão, podendo ser declarada mesmo em fase de julgamento, ou até antes dele: Arts. 335º a 337º, todos do Código de Processo Penal.
E por outro lado, não se vislumbra, nas normas penais, qualquer distinção entre penas de prisão, independentemente de se tratar de prisão inicial ou convertida.
E onde o legislador não decide, não deverá o intérprete inovar.
Desde aqui se confirma: não se vislumbra qualquer ilegalidade, ou mesmo alguma inconstitucionalidade na sua declaração, em sede de cumprimento de pena, independentemente da sua origem.
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Como aliás se deixou já claro, em relação à inflexão da nossa posição anterior, a questão tem suscitado diferentes decisões, contraditórias, sendo de indicar aqui alguns acórdãos em ambos os sentidos (a título meramente ilustrativo e sendo pesquisáveis em www.dgsi.pt).
Com efeito e a talhe de foice, como escreveu Roxin (Problemas Fundamentais de Direito Penal, pág. 237), até agora a jurisprudência não conseguiu elaborar critérios avaliadores claros e unitários; e isso impõe uma tomada consciente de posição entre as várias correntes:
A favor da declaração de contumácia pelo TEP, quando se trata de prisão subsidiária: processo nº 1022/15.2TXPRT-A.P1, Relação do Porto, relatado por José Carreto (que consideramos o que mais profundamente examina as questões em causa, dilucidando cada uma delas com toda a pertinácia - e cuja leitura se recomenda, coibindo-nos, por razões de economia processual e de bom senso, de repetir os seus argumentos); processo nº 291/15.2TXPRT-A, Relação do Porto, relatado por Ernesto Nascimento; processo nº 56/04.7TASPS-B.C1, Relação de Coimbra, relatado por Esteves Marques; processo nº n.º 710/145, Relação do Porto, relatado por Borges Martins; processo nº 395/15.1TXPRT, Relação do Porto, relator Vaz Pato.
Contra a sua declaração em relação a tais penas, decorrentes de multa: processo nº 95/11.1GATBU-A.C1, Relação de Coimbra, relatado por Luís Teixeira; processo nº 135/15.5TXPRT-A.P1, Relação do Porto, relatado por Moreira Ramos (entre outros, deste mesmo relator).
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Feito este pequeno resumo das diversas posições jurisprudenciais – que urge eventualmente clarificar e uniformizar com brevidade – repetimos agora os argumentos favoráveis à tese do recurso, propendendo para a sua procedência (mesmo com o risco de nos repetirmos).
O Art. 335º, nº 1, do Código de Processo Penal refere:
“Fora dos casos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo anterior, se, depois de realizadas as diligências necessárias à notificação a que se refere o n.º 2 e a primeira parte do n.º 3 do artigo 313.º, não for possível notificar o arguido do despacho que designa o dia para a audiência, ou executar a detenção ou a prisão preventiva referidas no n.º 2 do artigo 116.º e no artigo 254.º, ou consequentes a uma evasão, o arguido é notificado por editais para se apresentar em juízo, num prazo até 30 dias, sob pena de ser declarado contumaz.
Mas afinal e à laia de corolário de todo este arrazoado, o que tem dividido os Tribunais Superiores é a interpretação da norma ínsita no já citado, mas ainda não reproduzido Art. 97º, n.º 2, do Código de Execução das Penas:
“Ao condenado que dolosamente se tiver eximido, total ou parcialmente, à execução de pena de prisão ou de medida de internamento é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 335.º, 336.º e 337.º do Código de Processo Penal, relativos à declaração de contumácia, com as modificações seguintes:
a) Os editais e anúncios contêm, em lugar da indicação do crime e das disposições legais que o punem, a indicação da sentença condenatória e da pena ou medida de segurança a executar;
b) O despacho de declaração da contumácia e o decretamento do arresto são da competência do tribunal de execução das penas”.
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Usando as regras da interpretação da lei, é hoje claro e inegável para nós que tal norma não permite a diferenciação levada a efeito, no despacho recorrido, entre prisão subsidiária resultante de conversão e prisão como pena principal.
Invocar interpretações históricas, sistemáticas ou semelhantes não colhe, visto que o intérprete deve obediência estrita à lei.
Em rigor, não existe qualquer razão válida para tal diferenciação ou dúbia interpretação, que também não existe, nem nunca existiu em relação à anterior norma legal referida: trata-se sempre de aplicar uma pena privativa da liberdade.
E a posição jurídica de quem se furta a uma condenação principal é em tudo idêntica a quem se furta ao cumprimento de uma pena de multa – que exige, como se retira facilmente da lei penal, a sua substituição por pena subsidiária (neste caso, também de prisão).
Esquecem amiúde os intérpretes que a multa, enquanto pena principal, não deixa de ser… uma pena.
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Citando um trecho do acórdão nº 291/15.2TXPRT-A, já referido: “Se se pretendesse excluir a situação da prisão subsidiária do âmbito de aplicação desta norma, porventura o legislador teria tido a preocupação de o deixar transparecer seguramente de forma clara e precisa, designadamente, afirmando que a norma se aplicaria “a quem foi condenado em pena de prisão a cujo cumprimento se esteja a eximir”
A lei refere apenas o cumprimento de pena de prisão, sem se preocupar com a origem da mesma (desde que, obviamente, decretada pelos meios coercivos normais, como aqui ocorre): sendo pena ordenada em resultado de um processo corrente, resulta inequívoco que a mesma terá de ser cumprida, com todas as consequências dai resultantes; e uma delas será, porventura e quando os respectivos pressupostos estão presentes, a declaração da contumácia de quem a ela se furta.
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Decisão.
Pelo exposto, acordam nesta Relação em, julgando o recurso procedente, revogar a decisão recorrida, que deve ser substituída por uma outra, que decrete, se outros motivos não obstarem a tal, a declaração de contumácia do condenado.
Sem custas.
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Porto,04-05-2015
Cravo Roxo
Horácio Correia Pinto