Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | EUGÉNIA CUNHA | ||
Descritores: | PERSI EXCEÇÃO DILATÓRIA INOMINADA ABUSO DO DIREITO | ||
Nº do Documento: | RP202205043751/20.0T8MAI.P1 | ||
Data do Acordão: | 05/04/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - O procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), instituído pelo Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, tem aplicação, obrigatória, quando o cliente bancário consumidor incorre numa situação de incumprimento de obrigações resultantes de contratos de crédito, constituindo um instrumento extrajudicial de proteção daquele, imposto às instituições bancárias, impeditivo de, antes do seu decurso, serem desencadeados procedimentos judiciais com vista à satisfação desses mesmos créditos. II - O recurso a tal procedimento extrajudicial (com a integração em PERSI e a comunicação de extinção de tal procedimento, persistindo o incumprimento), funciona como condição de admissibilidade da ação judicial (declarativa ou executiva) pela qual a instituição bancária peticiona o pagamento. Na omissão de cumprimento, pela instituição bancária, dessa obrigação prévia (falta de PERSI para o específico crédito), verifica-se exceção dilatória inominada, insuprível, de conhecimento oficioso, conducente à absolvição da instância (art. 18º, nº1, al. b) do referido diploma). III - Destarte, se previamente a ação para cobrança de um concreto/específico crédito (procedimento judicial) não tiver havido integração em PERSI, com vista à obtenção de pagamento do mesmo (prévio procedimento extrajudicial), mesmo que anteriormente tenha havido um PERSI que tenha conduzido ao pagamento de importâncias anteriormente em dívida do mesmo ou de outro contrato, verifica-se tal exceção dilatória conducente à absolvição da instância, o caso. IV - Após sujeição de um cliente bancário a PERSI (por incumprimento), outra integração em PERSI pode ter lugar por um posterior incumprimento do contrato, surgindo, de novo, as razões que justificaram e impuseram o primeiro. V - A arguição da referida exceção, com invocação, pelos devedores das normas jurídicas do regime jurídico do PERSI a seu favor, não constitui abuso do direito, antes o normal e legítimo exercício de direitos conferidos por lei em salvaguarda da parte mais fraca na relação contratual. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Apelação nº 3751/20.0T8MAI.P1 Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível) Tribunal de origem do recurso: Juízo Local Cível da Maia - Juiz 2 Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha 1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida 2º Adjunto: Maria José Simões Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC): ……………………………… ……………………………… ……………………………… * I. RELATÓRIORecorrente: Banco 1... Recorridos: AA e BB (habilitada) Banco 1... (Sucursal da S.A. Francesa Banco 2...), com sede na Avenida ..., ..., em Lisboa, veio propor ação declarativa, com forma de processo comum, contra AA e CC, com residência na Rua ..., na Maia, pedindo a condenação dos réus a pagar-lhe a quantia de Eur. 36.035,54, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos até integral e efetivo pagamento, contados à taxa legal. Para fundamentar a sua pretensão alega a autora, em síntese, que: - Em 1 de maio de 2003, celebrou com os réus um contrato de crédito denominado “...”, no montante de Eur. 1.000,00, a reembolsar em prestações mensais de Eur. 40,00. Entre 1 de dezembro de 2003 e 1 de dezembro de 2016, no âmbito do referido contrato, concedeu outros empréstimos aos réus, no montante global de Eur. 23.299,00. Perante o atraso no pagamento das prestações estipuladas, o que sucedeu a partir de abril de 2013, os réus foram integrados em PERSI nesse ano. Tais procedimentos vieram a ser extintos face ao pagamento das quantias em dívida. Posteriormente, os réus entraram novamente em situação de incumprimento ao deixarem de pagar as prestações vencidas mensal e sucessivamente a partir de janeiro de 2017. Perante tal situação, depois de, sem sucesso, proceder à interpelação dos réus no sentido de colocarem termo à mora, considerou incumprido definitivamente o contrato a 17 de fevereiro de 2017. Nessas circunstâncias, por referência a esse contrato, encontrava-se em dívida o montante de Eur. 9.266,74. - Em 23 de junho de 2008, a solicitação dos réus AA e CC, através de contrato de crédito denominado “...”, ao qual foi atribuído o n.º ..., concedeu aqueles um financiamento. Ao abrigo do referido contrato, em 4 de julho de 2008, emprestou e transferiu para a conta bancária dos mutuários, a pedido destes, a quantia de Eur. 2.000,00, sendo que os réus, por sua vez, assumiram a obrigação de proceder ao reembolso do crédito concedido, mediante o pagamento de prestações mensais e sucessivas. No âmbito do referido contrato, entre 1 de dezembro de 2003 e 1 de dezembro de 2016, foram concedidos outros empréstimos aos réus no montante total de Eur. 10.879,00. Por referência ao contrato em apreço, os réus deixaram de pagar as prestações devidas a partir de janeiro de 2017. Perante tal situação, procedeu à interpelação dos réus, no sentido de colocarem termo à mora, através de carta remetida a 11 de fevereiro de 2017. Face à ausência de qualquer pagamento, considerou incumprido definitivamente o contrato a 21 de fevereiro de 2017, encontrando-se em dívida, em tal data, o montante de Eur. 6.781,54. * Por despacho proferido em 18 de outubro de 2021, foi determinada a notificação da autora para, no prazo de 10 dias, juntar aos autos prova documental de que após o incumprimento que imputa aos réus no decurso do ano de 2017 integrou os mesmos em PERSI, comprovando igualmente a comunicação da extinção desse procedimento referente aos factos em apreço ou para, a esse propósito, esclarecer o que tivesse por conveniente.A autora apresentou-se a responder a tal notificação nos termos que constam do requerimento datado de 22 de outubro de 2021, sustentando que não estava obrigada a integrar a situação de incumprimento referida nos autos em PERSI dado o já anteriormente levado a cabo pelas partes. * Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva:“Pelo exposto, julgando verificada a excepção dilatória insuprível supra aludida, absolvo a ré AA e a habilitada BB da presente instância, nos termos do artigo 576º n.º 2 do Cód. de Processo Civil. Custas pela autora, nos termos do artigo 527º do CPC”. * Apresentou a Autora recurso de apelação, pugnando por que seja revogada a decisão e substituída por outra que julgue a ação totalmente procedente e condene os Réus no pagamento da quantia peticionada, formulando as seguintesCONCLUSÕES: ……………………………… ……………………………… ……………………………… * Não foram apresentadas contra alegações.* Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.* II. FUNDAMENTOS- OBJETO DO RECURSO Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações da recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil. Assim, a questão a decidir é a seguinte: - Saber se a exceção dilatória inominada de preterição de sujeição de devedor a procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (abreviadamente PERSI) deve improceder, por, após sujeição a este procedimento, não poder haver lugar a nova integração em PERSI. * II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOOs factos provados, com relevância, para a decisão constam já do relatório que antecede. * II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO- Do preenchimento das condições de admissibilidade da ação Conclui a Autora Apelante não se encontrar impedida, por preterição de “PERSI”, de intentar ação judicial tendo em vista a satisfação do seu crédito. Entende não se verificar a exceção dilatória decorrente do regime plasmado no artigo 18.º, n.º1, al. b), do DL n.º 227/2012, de 25/10, devendo os presentes autos seguir os seus ulteriores termos, pois que os mutuários entraram em incumprimento ao não pagarem as prestações estipuladas, a partir de abril de 2013 e, bem assim, a partir de julho de 2013, situação que levou à integração em PERSI, nos termos que refere, procedimento que veio a ser extinto, face ao pagamento das quantias em dívida, e, tendo os Réus reincidido no incumprimento, ao deixarem de pagar as prestações vencidas mensal e sucessivamente a partir de Janeiro de 2017, não tem sentido integrar a nova situação de incumprimento em PERSI, quando tudo o que este preconiza já foi levado a cabo pelas partes em momento anterior. Suscita-se a questão de bem poder ser afastada a obrigatoriedade de implementação dos específicos procedimentos previstos no DL n.º 227/2012, nos casos em que a instituição bancária e o devedor desenvolveram, já, negociações tendentes a alcançar o desiderato daquele diploma legal e em que, mais tarde, o devedor deixa de pagar prestações e no caso, além de tudo ter já sido levado a cabo anteriormente, a Autora foi, até, mais longe do que preconiza aquele diploma, ao manter o contrato em incumprimento durante mais de um ano, na tentativa de encontrar soluções para o problema, pelo que, virem agora as devedoras invocar este diploma para concluir que aquela estava impedida de intentar ação judicial para satisfação do seu crédito configura abuso do direito. Colocada se mostra à apreciação deste tribunal de recurso a questão de saber se, depois de incumprimento de um contrato e de integração em procedimento de PERSI, extinto face ao pagamento das quantias em dívida, voltando os Réus a entrar em incumprimento, ao deixarem de pagar ulteriores prestações, não tem de haver lugar a nova integração em PERSI, por os mesmos terem já estado a ele sujeitos. In casu, apesar de a Autora alegar a celebração de contratos de concessão dos supra referidos créditos e de resultar a obrigação dos Réus de restituição desses capitais, nos prazos e nos termos convencionados, e o incumprimento dessas obrigações - por os Réus não terem efetuado, nas datas previstas, o pagamento de prestações -, bem considerou o Tribunal a quo não estarem verificados os pressupostos necessários para a apreciação de mérito, pois, estando em causa contratos de concessão de crédito, importa ter presente o disposto pelo DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro, no qual se estabeleceu a obrigatoriedade de um prévio Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), considerando: “No que concerne ao âmbito de aplicação de tal diploma, refere-se no artigo 2º n.º 1, alíneas c) e d) que o mesmo é aplicável: - aos contratos de crédito a consumidores abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de junho, com exceção dos contratos de locação de bens móveis de consumo duradouro que prevejam o direito ou a obrigação de compra da coisa locada, seja no próprio contrato, seja em documento autónomo; - aos contratos de crédito ao consumo celebrados ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de setembro, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 101/2000, de 2 de junho, e 82/2006, de 3 de maio, com exceção dos contratos em que uma das partes se obriga, contra retribuição, a conceder à outra o gozo temporário de uma coisa móvel de consumo duradouro e em que se preveja o direito do locatário a adquirir a coisa locada, num prazo convencionado, eventualmente mediante o pagamento de um preço determinado ou determinável nos termos do próprio contrato. Assim, da conjugação de tais preceitos legais, conclui-se que aos presentes contratos são aplicáveis as obrigações inerentes ao denominado PERSI, facto que não é questionado pela autora. Ora, dispõe o artigo 12º do DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro, que as instituições de crédito devem promover as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito. Com o denominado PERSI pretendeu o legislador estabelecer, mediante normas imperativas, uma ordem pública de proteção do cliente/devedor/consumidor em situação de mora no cumprimento, visto como parte frágil na relação e, por isso, carecido de especial proteção, deixando a cargo da contraparte (uma entidade de crédito) especiais deveres de informação, esclarecimento e proteção. É nesse âmbito que é imposta a abertura, tramitação e encerramento de um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, que constitui uma fase pré-judicial destinada à composição do litígio, por mútuo acordo, entre credor e devedor, contemplando uma fase inicial, uma fase de avaliação e proposta e uma fase de negociação. Por outro lado, enquanto não ocorrer extinção do PERSI, está vedada à entidade de crédito a instauração de procedimentos/ações judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito. No quadro daqueles deveres de informação, esclarecimento e proteção, cabe à entidade de crédito dar oportunidade ao contacto e negociação com a contraparte (devedor/cliente/consumidor), sem o que seria ilusória a esfera de proteção estabelecida, para o que cabe ao credor dar conhecimento à contraparte da abertura e do encerramento do PERSI, impendendo sobre si o ónus da alegação e prova da respetiva notificação (cfr. neste sentido, Ac. da Relação de Coimbra, datado de 19-06-2018, proferido no âmbito do processo que correu termos sob o n.º 29358/16.8YIPRT, disponível para consulta in www.dgsi.pt). Ora, a comunicação de extinção do PERSI funciona como uma condição de admissibilidade da ação, declarativa ou executiva, constituindo a sua falta excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância. A integração no PERSI e a sua extinção devem ser comunicadas pela instituição de crédito ao cliente através de comunicação em suporte duradouro, como decorre do disposto nos artigos 3º, alínea h), 14 n.º 4, e 17º n.º 3, todos do DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro. De facto, como supra se referiu, decorre expressamente do disposto no artigo 18° n.° 1, alínea b) do DL n.° 227/2012, de 25/10, que até ao encerramento do procedimento extrajudicial da regularização da situação de incumprimento, a instituição bancária encontra-se impedida de instaurar procedimentos ou acções judiciais com a finalidade de satisfação desses créditos. Por outro lado, as resoluções contratuais operadas pela autora também não são válidas, por violarem o disposto no preceito supra citado. Com efeito, ali se refere que no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento. O não cumprimento deste preceito legal origina a verificação de uma excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, uma vez que se está perante o incumprimento de norma imperativa, a qual constitui uma condição objetiva de procedibilidade. Acresce que a referida falta de condição objetiva de procedibilidade conduz à absolvição da instância, não sendo o vício decorrente de tal omissão sanável no âmbito da acção judicial. Nessa medida, a instituição de crédito só pode instaurar ação judicial destinada à cobrança do crédito após a extinção do PERSI quando haja lugar a este, sendo que nos termos do artigo 17º n.º 4 do diploma supra citado a extinção do PERSI só produz efeitos após a comunicação referida no n.º 3 do mesmo preceito” (negrito e sublinhado nossos). Bem conclui o Tribunal a quo funcionar a comunicação de extinção do “PERSI” como condição de admissibilidade de ação judicial (declarativa ou executiva), constituindo a sua falta exceção dilatória insuprível que determina a extinção da instância, nos termos do artigo 576º, n.º 2, do Código de Processo Civil, sendo a verificação dessa exceção de conhecimento oficioso. E, revertendo para as circunstâncias do caso, bem manifestou o Tribunal a quo importar ter presente que densificam a causa de pedir da ação dois contratos de crédito distintos e autónomos e: - no que concerne ao contrato de crédito denominado “...” a autora sequer alegou que o mesmo alguma vez tenha sido integrado em PERSI, pelo que, quanto ao mesmo, é manifesta a violação do regime legal supra indicado. - no que respeita ao contrato de crédito denominado “...” constata-se que a autora apenas alegou que o mesmo foi integrado em PERSI no decurso do ano de 2013, tendo esse procedimento sido extinto pela regularização do incumprimento então verificado, mas a circunstância da prévia existência de um PERSI não obsta a que, perante novo incumprimento, o mesmo contrato venha, novamente, a ser integrado em PERSI, imposto por lei, e tal sequer foi alegado. Bem sustenta o Tribunal a quo “o diploma legal não estabelece qualquer limite quanto ao número de vezes a que é possível recorrer ao procedimento de regularização de dívidas, pressupondo apenas a existência de um incumprimento quanto ao pagamento do crédito. Acresce que no caso concreto existe uma dilação temporal significativa - de cerca de quatro anos - entre a extinção do primeiro PERSI e a verificação do novo incumprimento contratual. Nessa medida, não sendo possível afirmar a existência de uma continuidade da situação económica dos réus, nada obsta ao recurso a um novo PERSI. De facto, o decurso de um prazo de quatro anos indicia a existência de um quadro económico distinto, susceptível de ser objecto de uma nova apreciação e da ponderação de novas medidas para regularizar o incumprimento contratual verificado. Tal é tão mais evidente quando o primeiro PERSI foi extinto pela regularização do incumprimento, com o pagamento das quantias então em dívida, o que atesta a pertinência, benefício e utilidade do recurso ao procedimento em causa. Constata-se, pois, que ao contrário do que sucedeu no litígio em apreço no acórdão supra citado, no caso em apreço não se verificou um contínuo, reiterado e permanente incumprimento dos acordos estabelecidos para a regularização da dívida. Ao invés, no que concerne aos factos ocorridos no decurso do ano de 2017, não foi alegada a realização de qualquer diligência tendente a apurar a situação económica dos réus, nem a existência de quaisquer negociações com vista a obter medidas de regularização do incumprimento, tendo apenas sido exigido o pagamento das prestações em dívida. Nessa medida, não existindo um contínuo incumprimento dos acordos estabelecidos e face à dilacção temporal verificada, é manifesto que a autora estava obrigada a integrar os réus em novo e distinto PERSI. A omissão de tal integração configura uma inobservância dos princípios e finalidades que presidiram à consagração do regime legal e do procedimento em apreço, inviabilizando a possibilidade de – tal como sucedeu em 2013 – obter a regularização do incumprimento verificado”. Considerou-se, assim, fundadamente e bem, não verificada a condição de admissibilidade da ação, ou de procedibilidade, e, por isso, vedado estar ao tribunal efetuar a apreciação do mérito da presente lide. O Regime do PERSI consagrado no decreto-lei n.º 272/2012, de 25 de Outubro, em vigor desde 1 de Janeiro de 2013, como analisado no Ac. desta Relação de 7/3/2022, proc. 266/10.8TBVLC-B.P1, relatado pelo Sr. Desembargador Pedro Damião e Cunha, em que a ora relatora foi adjunta: “veio obstar que as instituições bancárias confrontadas com situações de mora ou incumprimento relativamente a contratos de crédito pudessem imediatamente recorrer às vias judicias para obterem a satisfação dos seus créditos relativamente aos devedores que possam integrar o conceito de “consumidores”, tal como este é tratado pela Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril), visando, com isso, e através dos mecanismos nele previstos, a protecção dos que, na relação contratual da qual emergiram aqueles contratos, têm uma posição mais enfraquecida e menos protegida. Desta forma, após a entrada em vigor do referido diploma, as instituições bancárias ficam obrigadas a promover várias diligências relativamente a clientes bancários em mora ou incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, tendo de integrá-los, obrigatoriamente, no chamado Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) (artigo 12.º e 14º do citado DL nº 272/2012, de 25 de Outubro), “no âmbito do qual devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor”. De entre as situações em que a instituição de crédito terá necessariamente de iniciar o PERSI, inclui-se aquele em que “O cliente bancário se encontre em mora relativamente ao cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito e solicite, através de comunicação em suporte duradouro, a sua integração no PERSI”. Assim, o DL 227/2012 de 25.10 veio determinar - tendo em conta uma especial necessidade de acompanhamento permanente e sistemático da execução dos contratos de crédito, decorrente da actual e progressiva degradação das condições económicas e financeiras - que todas as instituições de crédito criem um Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI), definindo procedimentos e medidas de acompanhamento da execução dos contratos de crédito que possibilitem o cumprimento. Trata-se de um conjunto de medidas e procedimentos destinados a impulsionarem e facilitarem a regularização extrajudicial (evitando o recurso aos tribunais) das situações de incumprimento dos contratos de crédito celebrados pelas instituições de crédito com clientes que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as actuais dificuldades económicas, designadamente, através da criação do PERSI (procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento) no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do cliente e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades daquele. Impõe a estas instituições, entre outras, a adopção célere de medidas susceptíveis de prevenir o incumprimento. (V, detalhe no artigo 6.º, do Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012 e anexo I) a disponibilizar, aos clientes bancários, informação sobre os procedimentos implementados para a regularização das situações de incumprimento em resultado da aplicação das regras previstas no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro e legislação complementar – dever de informação a todos os clientes bancários que se encontrem em situação de mora no cumprimento dos contratos de crédito (situações de mora anteriores ou posteriores à entrada em vigor da legislação em causa). Certo é que, no período compreendido, entre a data de integração do cliente no PERSI e a extinção, por qualquer motivo, deste procedimento, as instituições de crédito estão impedidas de: – Resolver o(s) contrato(s) de crédito com fundamento em incumprimento; – Intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação dos respectivos créditos; – Ceder a terceiros uma parte ou a totalidade do(s) crédito(s) em causa; – Transmitir a terceiro a sua posição contratual. Pelo que, sendo a integração de cliente bancário no PERSI, obrigatória, quando verificados os seus pressupostos, a acção judicial destinada a satisfazer o crédito, só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção do PERSI (cfr. art. 18, nº1, al. b) do Decreto-Lei nº 227/2012)”. Assim, o mero manter dos contratos em incumprimento durante mais de um ano, à espera de soluções para o problema, nunca seria suscetível satisfazer as finalidades e de alcançar os objetivos visadas pelo referido diploma, que impôs o referido procedimento, a desencadear, ativamente, pelo banco, pelo que nenhum abuso de direito é suscetível de configurar a invocação do diploma, para excecionar a circunstância impeditiva de intentar ação judicial para satisfação do crédito, efetiva e realmente verificada com relação aos concretos incumprimentos contratuais especificados na petição inicial, sendo que “constituem violação de normas de carácter imperativo, que configuram, também, excepções dilatórias atípicas ou inominadas, por falta de pressuposto (antecedente) da instauração da acção”. V. Ac. da RE de 06-10-2016 (proc. 4956/14.8T8ENT-A.E1. consultável em www.dgsi.pt), citado pelo Tribunal a quo. Mais se analisa no supra citado Ac. deste Tribunal “o próprio preâmbulo do diploma explica que: “A concessão responsável de crédito constitui um dos importantes princípios de conduta para a actuação das instituições de crédito. A crise económica e financeira que afecta a maioria dos países europeus veio reforçar a importância de uma actuação prudente, correcta e transparente das referidas entidades, em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes enquanto consumidores na acepção dada pela Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril. A degradação das condições económicas e financeiras sentidas em vários países e o aumento do incumprimento dos contratos de crédito, associado a esse fenómeno, conduziram as autoridades a prestar particular atenção à necessidade de um acompanhamento permanente e sistemático, por parte de instituições, públicas e privadas, da execução dos contratos de crédito, bem como ao desenvolvimento de medidas e de procedimentos que impulsionem a regularização das situações de incumprimento daqueles contratos, promovendo ainda a adopção de comportamentos responsáveis por parte das instituições de crédito e dos clientes bancários e a redução dos níveis de endividamento das famílias”. Enquanto o artigo 2º deste diploma legal estabelece o tipo contratual a que se aplica o PERSI estipulando que: “1– O disposto neste diploma aplica-se aos seguintes contratos de crédito celebrados com clientes bancários: a) - Contratos de crédito para a aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento, bem como para a aquisição de terrenos para construção de habitação própria; b) - Contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel; c) - Contratos de crédito a consumidores abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de Junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho, com excepção dos contratos de locação de bens móveis de consumo duradouro que prevejam o direito ou a obrigação de compra da coisa locada, seja no próprio contrato, seja em documento autónomo; d) - Contratos de crédito ao consumo celebrados ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, alterado pelos Decretos-Leis nºs 101/2000, de 2 de Junho, e 82/2006, de 3 de Maio, com excepção dos contratos em que uma das partes se obriga, contra retribuição, a conceder à outra o gozo temporário de uma coisa móvel de consumo duradouro e em que se preveja o direito do locatário a adquirir a coisa locada, num prazo convencionado, eventualmente mediante o pagamento de um preço determinado ou determinável nos termos do próprio contrato; e) - Contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês.” Já o art. 3º, nº 1 subsequente vem definir o que se entende neste âmbito por cliente bancário prescrevendo que “para efeitos do presente diploma, entende-se por: a) - «Cliente bancário» o consumidor, na acepção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, que intervenha como mutuário em contrato de crédito;” Não restam assim dúvidas que se trata de procedimento apenas aplicável aos contratos elencados no artigo 2º, desde que celebrados com clientes enquadráveis no conceito legal de consumidor para efeitos da lei do consumo. Por sua vez o artigo 2º da lei 67/2003 de 8 de Abril que transpôs para o ordenamento jurídico nacional a Directiva 1999/44/CE do Parlamento e do Conselho de 25 de Maio de 1999. dispõe: “1– Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios”. Esta noção de consumidor foi introduzida com as alterações levadas a cabo pelo Decreto-Lei 84/2008 de 21 de Maio, já que antes era feita por remissão para a LDC. Acresce que a definição de consumidor adoptada é substancialmente distinta daquela que consta na Directiva transposta (Alínea a) do nº 2 do Art.º 1.º da Directiva 1999/44/CE), uma vez que, segundo esta, consumidor é “qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente directiva, actue com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional”. O conceito de consumidor foi consagrado na lei 67/2003 adoptou o seu sentido estrito uma vez que surge definido como aquele que adquire um bem ou serviço para uso privado (utilização doméstica, familiar ou pessoal) e bem assim, a sua determinação é feita exclusivamente com base no destino dado aos bens ou serviços adquiridos[2]. Consumidor será assim para efeitos da referida lei qualquer pessoa que não destine o bem ou serviço adquirido a um uso profissional ou um profissional, desde que não actuando no âmbito da sua actividade e desde que adquira bens ou serviços para uso pessoal ou familiar. Nesta sequência pode-se concluir “que o elemento subjectivo de cliente bancário na acepção dada pelo Regime Geral (citado DL nº 227/2012) inclui, por remissão do conceito de consumidor da LDC, em termos lógicos e teóricos, todo aquele, pelo que inclui pessoas físicas ou jurídicas. Facto que também será defensável à luz do Preâmbulo do Regime Geral, uma vez que este se refere a consumidores (no sentido que se coaduna com a LDC) que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos por factos de diversa natureza, o que poderá dar alguma margem para dúvidas na interpretação neste âmbito. No entanto, esta disposição não contraria o elemento subjectivo todo aquele. O elemento objectivo neste caso não será no sentido amplo da LDC, porque não se trata de fornecimento de bens, prestação de serviços ou transmissão de direitos, trata-se sim de todo aquele que celebra contratos de crédito elencados no nº 1 do art. 2.º do Regime Geral (…). O elemento teleológico restringe a amplitude do conceito, ao determinar a sua aplicação apenas aos casos de uso não profissional, excluindo do conceito todas as pessoas físicas ou jurídicas que actuam no âmbito de uma actividade profissional. Por maioria de razão, o Regime Geral não abrange sociedades, por se partir do princípio que estas celebram créditos para fins profissionais”[3]. Assim, “para efeitos da aplicação do Regime Geral, entende-se que a noção cliente bancário poderá definir-se como todo aquele que celebrou qualquer contrato de crédito incluído no elenco previsto no âmbito do art. 2.º n.º 1 do Regime Geral, destinado a uso não profissional, com Instituição de Crédito habilitadas a efectuar operações de crédito em Portugal, nos termos do RGICSF”[4]”[5] . Destarte, o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento constitui um mecanismo de proteção aplicável a clientes bancários consumidores que estejam em incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, obviando a que as instituições bancárias possam, ante um incumprimento, desencadear, de imediato, os procedimentos judiciais com vista à satisfação dos seus créditos, sendo que a omissão do PERSI integra exceção dilatória inominada que determina a absolvição do Réu da instância. É ao Autor que cabe o ónus de alegar e provar a existência, o envio e a receção pelo devedor das comunicações exigidas no âmbito do PERSI e, na falta de factos indiciadores de má-fé, a invocação pelo devedor das normas jurídicas do regime jurídico do PERSI a seu favor não constitui abuso do direito[6]. Na falta de factos indiciadores de má-fé, a invocação pelo cliente-bancário das normas jurídicas do regime jurídico do PERSI a seu favor não constitui um abuso do direito, sendo que estamos perante uma relação jurídica caraterizada por uma acentuada assimetria informativa, em que a lei inculca uma especial responsabilidade nas instituições bancárias considerando o cliente bancário-consumidor como a parte mais fraca[7]. O recurso a tal procedimento, de aplicação obrigatória quando o cliente bancário (consumidor) incorre numa situação de mora ou de incumprimento de obrigações resultantes de contratos de crédito, nos moldes consignados pelos seus artigos 2.º, n.º 1, e 14.º, n.º 1, do DL nº 227/2012, de 25 de outubro, constitui condição prévia de admissibilidade à instauração de ação pela qual a instituição bancária peticiona o pagamento da dívida ou mesmo declaração de insolvência de clientes bancários que entraram em incumprimento do contrato de mútuo, e sendo a ação intentada com preterição daquela obrigação, estar-se-á perante uma exceção dilatória inominada, a qual é insuprível e de conhecimento oficioso, acarretando a absolvição da instância dos requeridos[8]. Com efeito, a “falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI [aprovado pelo Dec. Lei nº 227/2012, de 25/10], quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito”, sendo que “O incumprimento do regime legal da integração obrigatória do cliente bancário no PERSI traduz-se numa falta de condição objetiva de procedibilidade que é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das exceções dilatórias (atípicas ou inominadas)[9]. A integração em PERSI e a comunicação de extinção do procedimento funcionam como uma condição de admissibilidade da ação, declarativa ou executiva, constituindo a sua falta exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (art. 18º/1 b) do DL 227/2012 de 25 de outubro)[10]. Deixando os devedores/consumidores, de pagar as prestações do crédito, entrando em mora, cabe à instituição de crédito/credora, contactá-los para negociar soluções de pagamento para a regularização extrajudicial de situações de incumprimento de contratos de crédito, beneficiando aqueles no procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento de direitos e de garantias, consagrados para facilitar a obtenção de um acordo com as instituições de crédito na regularização de situações de incumprimento, evitando o recurso aos tribunais. Caindo o caso no âmbito de aplicação do referido diploma, bem resulta, como entendeu o Tribunal a quo, o dever para a Autora de integrar os contratos em PERSI, sendo que a circunstância da prévia existência de um PERSI, em relação a um dos contratos, por um prévio incumprimento, não obsta, antes o impõe, novamente, a que o mesmo contrato venha, mais uma vez, a ser integrado em um outro PERSI, não estabelecendo o referido diploma limite a número de vezes em que é admissível o recurso ao procedimento de regularização de dívidas, que pressupõe, apenas, a existência de um incumprimento quanto ao pagamento do crédito. Acresce, na verdade, que existe uma dilação temporal de cerca de quatro anos - entre a extinção do primeiro PERSI e a verificação do novo incumprimento contratual, não sendo, sequer, possível configurar continuidade da situação económica dos réus, pois que o que antes esteve em incumprimento foi satisfeito e a situação de cumprimento das obrigações contratualmente assumidas manteve-se no tempo e por um período dilatado. Na verdade, além de incumprimento distinto, o decurso de um prazo de quatro anos indicia a existência de um quadro económico diverso, com novas medidas para regularizar este incumprimento contratual a equacionar e ponderar. E certo sendo que o primeiro PERSI foi extinto pela regularização do incumprimento, com o pagamento das quantias então em dívida, o que corrobora a utilidade do recurso ao procedimento em causa, bem pode ser, desta vez, alcançado, com novo PERSI um novo, mas idêntico, resultado – a regularização desta dívida, sem que a sobrecarga da máquina judicial se tenha de verificar. Nada obsta ao recurso a um novo PERSI, antes o impõe a lei, com relação a este incumprimento dos contratos, bem referindo o Tribunal a quo que, no que concerne aos factos ocorridos no decurso do ano de 2017, não foi alegada a realização de qualquer diligência tendente a apurar a situação económica dos réus, nem a existência de quaisquer negociações com vista a obter medidas de regularização do incumprimento, tendo apenas sido exigido o pagamento das prestações em dívida. Nessa medida, não existindo um contínuo incumprimento dos acordos estabelecidos e face à dilação temporal verificada, é manifesto que a autora estava obrigada a integrar os réus em novo e distinto PERSI. A omissão de tal integração configura uma inobservância dos princípios e finalidades que presidiram à consagração do regime legal e do procedimento em apreço, inviabilizando a possibilidade de – à semelhança do que sucedeu em 2013 – obter a regularização do incumprimento verificado, o que, para além de ser do interesse das partes, é de interesse público, por afastar dos Tribunais situações que o legislador entendeu não deverem chegar, sem mais, àquela tutela. Neste conspecto, não verificada a condição de admissibilidade da ação, vedada está a possibilidade de apreciação do mérito da causa. Obrigada estava a Autora a submeter as, novas, alegadas dívidas dos Réus, vencidas e não pagas, ao regime do PERSI, impondo-se-lhe o desencadear, por mais uma vez, de tal regime, pelo que, a sua inobservância constitui impedimento à instauração da presente ação e, instaurada, não pode a mesma prosseguir, procedendo a exceção dilatória decorrente do regime plasmado no artigo 18.º, n.º 1 al. b) do DL n.º 227/2012, de 25/10. Em suma: se previamente à ação para cobrança de um específico, concreto, crédito (procedimento judicial) não houve integração em PERSI com vista à obtenção de pagamento do mesmo (prévio procedimento extrajudicial), o caso, verifica-se exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (art. 18º/1 b) do DL 227/2012 de 25 de outubro). Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pela apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida. * III. DECISÃOPelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida. * Custas pela apelante, pois que ficou vencida – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.Porto, 4 de maio de 2022 Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores Eugénia Cunha Fernanda Almeida Maria José Simões ______________ [1] Como refere Andreia Engenheiro, in “O crédito bancário: a prevenção do risco e gestão de situações de incumprimento” –dissertação de mestrado, sob a orientação de Jorge Morais Carvalho, Julho de 2015, pág. 19 (disponível na internet): “O âmbito do Regime Geral é delimitado pelo n.º 1 do art. 2.º, aplicando-se apenas aos contratos de crédito elencados no referido artigo, celebrados com clientes bancários. Assim, esta restrição consubstancia-se em dois planos: i) em relação aos contratos de crédito que no referido artigo são elencados e ii) em relação a esses mesmos contratos celebrados tão só com clientes bancários. Esta disposição permite desde logo compreender a ratio do diploma, uma vez que restringe a sua aplicação aos contratos celebrados com aqueles que cabem no âmbito do conceito de cliente bancário”. V., no mesmo sentido, Paulo Câmara, in “Crédito bancário e prevenção do risco de incumprimento: uma avaliação crítica do novo procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI). In (Coord. Catarina Serra) - II Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, 2014, págs. 313 e ss.: “O âmbito do diploma que consagra o PERSI é objecto de uma dupla delimitação. No conceito de cliente bancário, o DL 227/2012 remete para o conceito de consumidor estabelecido na Lei do Consumidor. Através desta remissão ficam afastadas do âmbito do PERSI os contratos de crédito para utilização profissional. Por outro lado, o conceito de contrato de crédito circunscreve-se aos que estão previstos no âmbito da aplicação do art. 2º do diploma”. [2] Neste sentido, Januário da Costa Gomes, “Ser ou não ser conforme, eis a questão. Em tema de garantia legal de conformidade na venda de bens de consumo”, in Cadernos de Direito Privado, nº 21, Porto, 2008, p. 3, João Calvão da Silva, “Responsabilidade Civil do Produtor”, Coimbra, 2003, pág. 58 e Ac. do STJ de 20/10/ 2011 processo nº 1097/04.0TBLLE.E1.S1, in www.dgsi.pt. [3] Andreia Engenheiro, in “O crédito bancário: a prevenção do risco e gestão de situações de incumprimento”, págs. 23 e 24. [4] Andreia Engenheiro, Ob. cit., pág. 25. [5] Ac. RP de 7/3/2022, proc. 266/10.8TBVLC-B.P1 [6] Ac. da RC de 8/3/2022, proc. 824/20.2T8ANS.C1, in dgsi.pt [7] Ac. do STJ de 16/11/2021, proc. 21827/17.9T8SNT-A.L1.L1.S1, in dgsi.pt [8] Ac. da RL de 12/10/2021, proc. 4270/21.2T8SNT-B.L1-1, in dgsi.pt [9] Ac. da RC de 15/12/2021, proc. 930/20.3T8ACB-A.C1, in dgsi.pt [10] Ac. da RP de 7/2/2022, proc. 1091/20.3T8OVR-A.P1, in dgsi.pt |