Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8555/14.6T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO JOSÉ RAMOS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
FIXAÇÃO DA INCAPACIDADE
DATA
Nº do Documento: RP201604078555/14.6T8PRT.P1
Data do Acordão: 04/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º238, FLS.91-95)
Área Temática: .
Sumário: A data a considerar para efeitos da fixação da incapacidade e do pagamento da pensão é o da formulação do pedido de revisão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO
PROCESSO Nº 8555/14.6T8PRT.P1
RG 515

RELATOR: ANTÓNIO JOSÉ ASCENSÃO RAMOS
1º ADJUNTO: DES. JORGE LOUREIRO
2º ADJUNTO: DES. JERÓNIMO FREITAS

PARTES:
RECORRENTE: B… - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.
RECORRIDO: C…

VALOR DA ACÇÃO: 2.208,20 €
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Acordam os Juízes que compõem a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
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I – RELATÓRIO
1. C…, com os sinais dos autos, veio requerer, em 27.10.2014, no Tribunal da Comarca do Porto, Instância Central, 3ª Secção do Trabalho, exame médico de revisão, alegando agravamento do seu estado de saúde em consequência de um acidente de trabalho que sofreu em 19.05.2005, encontrando-se a respetiva responsabilidade transferida para a aqui ré B… - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., do qual resultou ter ficado curado sem incapacidade, a partir 06/03/2006.
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2. Realizado exame médico de revisão singular (fls. 127 a 130), a Srª Perita médica que nele interveio apresentou as seguintes conclusões:
«- A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 06-03-2006.
- Incapacidade temporária absoluta fixável num período de 200 dias.
- Incapacidade temporária parcial fixável num período total de 91 dias.
- Incapacidade permanente parcial fixável em 3,0000%”.
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3. Pela Seguradora foi requerido exame por Junta Médica, tendo formulado os seguintes quesitos:
1. Quais as lesões resultantes do acidente dos presentes autos?
2. Destas lesões resultaram sequelas? Quais?
3. Quais as rubricas da Tabela Nacional de Incapacidades a que correspondem tais lesões?
4. Quais os coeficientes e graus de incapacidade?
5. Qual a desvalorização a atribuir?
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4. Realizado exame por junta médica, os senhores Peritos médicos por unanimidade, responderam aos quesitos da seguinte forma:
«1 – De acordo com os elementos documentais clínicos terá resultado luxação do ombro esquerdo.
2 – Cicatriz. Rigidez do ombro esquerdo.
3 – I. 3.2.7.3.a
4 – 0,00 – 0,03.
5- 0,03 (IPP de 3%)».
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5. Após foi proferida sentença, cuja parte decisória tem o seguinte teor:
«Não se afigurando necessária a realização de mais diligências, declara-se que aquele sinistrado padece de incapacidade permanente e parcial de 3% desde 06.MAR.06.
Por isso, a seguradora responsável vai condenada a pagar ao sinistrado a indemnização de €132,41 (cento e trinta e dois euros e quarenta e um cêntimos) desde 07.MAR.06.
A referida pensão é imediatamente remível.
Pague-se ao INML e ao Sr. Dr. D….
Custas pela seguradora responsável.
Valor: €2.208,20.”
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6. Inconformada com esta decisão a Seguradora interpôs o presente recurso, pedindo que se revogue a sentença recorrida e se ordene a realização de todas as diligências necessárias a apurar a correta determinação “da alta da consolidação do agravamento das lesões”, tendo formulado as seguintes conclusões:
I - A sentença recorrida não pode manter-se, uma vez que não existem nos autos elementos que permitam extrair a conclusão vertida na sentença ora colocada em crise, designadamente quanto à data da alta (07.03.2006), para efeitos de cálculo de pensão, tanto mais que a data constante da sentença não só se encontra em contradição com o alegado pelo Autor, como não tem qualquer fundamento nos exames médicos realizados.
II – Na sequência do acidente de trabalho de que o Autor foi vítima em 19.05.2005, cerca das 14.00h, e do qual resultou “luxação gleno umeral esquerda”, a Recorrente, de acordo com as garantias do contrato de seguro celebrado e identificado nos autos, assumiu o acompanhamento clínico do Autor, findo o qual lhe atribuiu alta, sem desvalorização, em 6 de Março de 2006, sem queixas e com a qual concordou;
II – Os presentes autos tiveram início com o requerimento apresentado pelo Autor, em 27.10.2014, com a referência 17842329, e no qual este alega que, na sequencia do acidente de trabalho ocorrido em 19.05.2005, do qual teve alta sem desvalorização em 06.03.2006, “ neste momento – presume-se Outubro de 2014 – o sinistrado sente-se muito pior e tem dores constantes”;
IV – Por despacho proferido com a referência nº 340282049, foi ordenada a realização do competente exame médico de revisão, com indicação “ da data da consolidação do agravamento das lesões”.
V – Por brevidade e economia processual, remete-se para o teor do exame do IML, junto a fls.;
VI – As conclusões vertidas no exame do IML, no que diz respeito à data da consolidação das lesões, são contraditórias não só com o alegado pelo Autor, que apenas em 2014 alega estar “ muito pior” e “ com dores constantes”, mas também com o teor da documentação clinica junta aos autos e sobre a qual se pronunciou o aludido exame de forma descriminada, designadamente o boletim clinico e exames complementares de diagnóstico efetuados;
VII – O exame por Junta Médica, realizado a requerimento de ambas as partes, nada esclareceu os autos quanto a esta questão, limitando-se a das respostas constantes do auto, para cujo teor, por brevidade e economia processual, se remete;
VIII – Dos autos em análise não resultam elementos que permitam concluir a data da “ consolidação do agravamento das lesões” seja o dia 7 de Março de 2006, impondo-se, por essa razão, os necessários esclarecimentos por técnicos especializados;
IX – Nos termos do Anexo I da Tabela Nacional de Incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais, “ o resultado dos exames médicos é expresso em ficha apropriada, devendo os peritos fundamentar todas as conclusões”.
X – A realização do exame por junta médica visa aprofundar questões técnicas, cuja apreciação e conhecimento escapa ou extravasa o conhecimento de quem não é técnico;
XI – “ O juiz, se o considerar necessário, pode determinar a realização de exames complementares ou requisitar pareceres técnicos”, ou seja, o juiz da 1ª instância não se encontra condicionado pelo invocado ou questionado pelas partes, devendo, com vista à descoberta da verdade material, ordenar a realização de todas as diligências necessárias com vista à resposta das questões colocadas e à dissipação de todas as dúvidas e contradições que se venham a verificar;
XII – Não obstante o que ficou alegado, nada disso foi determinado, limitando-se o Tribunal a quo a proferir a sentença ora colocada em crise;
XIII – Deve, pelo exposto, a sentença proferida ser revogada e ordenada a realização de todas as diligências necessárias à correta determinação “ da data da consolidação do agravamento das lesões “ e, nessa sequência, da responsabilidade da Recorrente.
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7. A Exª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal deu o seu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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8. Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II - QUESTÕES A DECIDIR
Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da recorrente (artigos 653º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, temos que a questão a decidir é a seguinte:
– A SENTENÇA DEVE SER REVOGADA, PORQUANTO NÃO EXISTEM NOS AUTOS ELEMENTOS QUE PERMITAM EXTRAIR A CONCLUSÃO VERTIDA NA MESMA E COLOCADA EM CRISE, DESIGNADAMENTE QUANTO À DATA DA ALTA (07.03.2006), PARA EFEITOS DE CÁLCULO DE PENSÃO, A QUAL NÃO SÓ SE ENCONTRA EM CONTRADIÇÃO COM O ALEGADO PELO AUTOR, COMO NÃO TEM QUALQUER FUNDAMENTO NOS EXAMES MÉDICOS REALIZADOS E ORDENADA A REALIZAÇÃO DE TODAS AS DILIGÊNCIAS NECESSÁRIAS À CORRETA DETERMINAÇÃO DA DATA DA CONSOLIDAÇÃO DO AGRAVAMENTO DAS LESÕES.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
1. Factos Provados:
Os referidos no relatório antecedente.
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2. Analisemos agora a questão que nos foi trazida pelo presente recurso.
2.1 Começa a apelante por alegar que a sentença, deve ser revogada, porquanto:
A - Não existem nos autos elementos que permitam extrair a conclusão vertida na sentença ora colocada em crise, designadamente quanto à data da alta (07.03.2006), para efeitos de cálculo de pensão, tanto mais que a data constante da sentença não só se encontra em contradição com o alegado pelo Autor, como não tem qualquer fundamento nos exames médicos realizados.
B – Os presentes autos tiveram início com o requerimento apresentado pelo Autor, em 27.10.2014, com a referência 17842329, e no qual este alega que, na sequencia do acidente de trabalho ocorrido em 19.05.2005, do qual teve alta sem desvalorização em 06.03.2006, “ neste momento – presume-se Outubro de 2014 – o sinistrado sente-se muito pior e tem dores constantes”;
C – Por despacho proferido com a referência nº 340282049, foi ordenada a realização do competente exame médico de revisão, com indicação “ da data da consolidação do agravamento das lesões”.
D – As conclusões vertidas no exame do IML, no que diz respeito à data da consolidação das lesões, são contraditórias não só com o alegado pelo Autor, que apenas em 2014 alega estar “ muito pior” e “ com dores constantes”, mas também com o teor da documentação clinica junta aos autos e sobre a qual se pronunciou o aludido exame de forma descriminada, designadamente o boletim clinico e exames complementares de diagnóstico efetuados;
E – O exame por Junta Médica, realizado a requerimento de ambas as partes, nada esclareceu os autos quanto a esta questão;
F – Dos autos em análise não resultam elementos que permitam concluir a data da “ consolidação do agravamento das lesões” seja o dia 7 de Março de 2006, impondo-se, por essa razão, os necessários esclarecimentos por técnicos especializados;
G – “ O juiz, se o considerar necessário, pode determinar a realização de exames complementares ou requisitar pareceres técnicos”, ou seja, o juiz da 1ª instância não se encontra condicionado pelo invocado ou questionado pelas partes, devendo, com vista à descoberta da verdade material, ordenar a realização de todas as diligências necessárias com vista à resposta das questões colocadas e à dissipação de todas as dúvidas e contradições que se venham a verificar;
H – Não obstante, nada disso foi determinado, limitando-se o Tribunal a quo a proferir a sentença ora colocada em crise.
Vejamos.
A única divergência da aqui recorrente com a sentença recorrida prende-se com a data desde a qual a mesma foi condenada a pagar a indemnização ao sinistrado. Na sentença recorrida condenou-se a aqui recorrente a pagar ao sinistrado a indemnização de €132,41 (cento e trinta e dois euros e quarenta e um cêntimos) desde 07.MAR.06.
Não explicitou a mesma tal data. Limitou-se a exarar que «[n]ão se afigurando necessária a realização de mais diligências, declara-se que aquele sinistrado padece de incapacidade permanente e parcial de 3% desde 06.MAR.06». Presume-se que o fez tendo em conta os exames médicos realizados, assim remetendo para tais exames a sua fundamentação.
Se atentarmos no auto de exame por junta médica logo constatamos que nela não há qualquer referência a qualquer data, nomeadamente, à data da consolidação da agravação das lesões. Essa data apenas está referenciada no auto de exame médico singular realizado: fls. 130, ponto 3. Aqui se refere que «[a] data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 06-03-2006, tendo em conta os seguintes aspetos: a data da alta clinica, o tipo de lesões resultantes e o tipo de agravamento efetuados». O mesmo é referido nas respetivas conclusões do aludido relatório médico.
Sendo assim, podemos assentar que a data exarada na sentença recorrida como a data a partir da qual é devida a pensão teve o seu fundamento no exame médico singular.
Acontece que a alusão a tal data no exame médico singular, segundo interpretamos o mesmo na sua globalidade, não se reporta à data do agravamento das lesões. Na verdade, ao aludir que «[a] data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 06-03-2006», não pode deixar de estar a referir-se à data em que as lesões advenientes do acidente ocorrido em 19/05/2005 se consolidaram. E tanto assim é, que os períodos de incapacidade temporária, quer absoluta, quer parcial, nele elencados se referem a períodos temporais anteriores a 06/03/2006. Esta data – 06/03/2006 – é a data em que a aqui recorrente deu alta clínica ao sinistrado, sem qualquer desvalorização. Não faria qualquer sentido que a data do agravamento de uma lesão se reportasse à mesma data em que foi dada alta clínica ao sinistrado sem qualquer desvalorização. Se ele nessa data estava curado não pode ter um agravamento imediato, pois, se assim fosse nem curado estaria. Aliás, se atentarmos no próprio requerimento do sinistrado (incidente de revisão) logo se constata que o mesmo no artigo 6º refere «que neste momento o sinistrado sente-se muito pior e tem dores constantes». Ora, «neste momento», ou seja, em 27/10/2014, não é o mesmo que 06/03/2006.
Por regra os senhores peritos nestas situações de agravamento da incapacidade raramente fixam a data em que o mesmo teve lugar, fixando, não raras vezes, a data em que procedem ao respetivo exame médico. No caso, com as explicações dadas anteriormente, entendemos que essa data não se encontra fixada.
No acórdão desta Secção Social de 29/05/2006[1], exarou que «[r]equerida a revisão da incapacidade, a lei não define a data a partir da qual passa a vigorar a pensão cujo montante foi alterado. Daí que se tenha vindo a entender que, não fixando o exame médico a data em que se verificou o agravamento ou a melhoria das lesões, a determinar um novo montante para a pensão, se deve atender à data em que a revisão foi requerida pois, tratando-se embora de algo aleatório, tem o condão de ser um critério prático e seguro. Noutra ordem de considerações, estabelece-se o mesmo critério, mas por analogia com o estatuído para a fixação ou alteração dos alimentos. [Cfr. Carlos Alegre, in PROCESSO ESPECIAL DE ACIDENTES DE TRABALHO, 1986, pág. 199 e os Acórdãos da Relação do Porto de 07-03-2005 e de 12-12-2005, proferidos nos processos n.º 0416936 e n.º 0513681, ambos in www.dgsi.pt].
Também no Acórdão da Relação de Lisboa de 08/02/2012, se defende que «como é jurisprudência uniforme – cf., por todos, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12/12/2005, em que foi relator Domingos Morais, publicado em CJ, Tomo V, página 245 e também em “Acidentes de Trabalho – Jurisprudência 2000-2007”, numa coordenação de Luís Azevedo Mendes e Jorge Manuel Loureiro, Coletânea de Jurisprudência, Edições, a, respetivamente, página 294 –, a data a considerar para efeitos do pagamento da pensão é o da formulação do pedido de revisão».
Se assim é, desnecessário se torna ordenar a realização de quaisquer outras diligências para o apuramento da data a partir da qual se verificou o agravamento do estado do sinistrado para efeitos do pagamento da pensão, uma vez que o mesmo deve ser reportado à data da formulação do pedido de revisão, ou seja, em 27 de Outubro de 2014.
Procede assim, embora não por razões totalmente coincidentes, a pretensão da recorrente, razão pela qual a sentença recorrida deverá ser revogada na parte em que fixou a data de 07 de Março de 2006 a partir da qual seria devida a indemnização a pagar ao sinistrado pela aqui recorrente, sendo substituída por outra que fixe tal data em 27/10/2014.
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IV. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes que compõem esta Secção Social, em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida na parte em que fixou a data de 07. MAR.06 a partir da qual é devida a indemnização a pagar ao sinistrado pela aqui recorrente, a qual se substitui pela data de 27 de Outubro de 2014.
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Sem custas.
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Anexa-se o sumário do Acórdão – artigo 663º, nº 7 do CPC.
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(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artº 138º nº 5 do Código de Processo Civil).

Porto, 07 de Abril de 2016
António José Ramos
Jorge Loureiro
Jerónimo Freitas
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[1] Processo 0610535, in www.dgsi.pt.
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SUMÁRIO – a que alude o artigo 663º, nº 7 do CPC.
A data a considerar para efeitos da fixação da incapacidade e do pagamento da pensão é o da formulação do pedido de revisão.

António José Ramos