Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0021386
Nº Convencional: JTRP00031046
Relator: MÁRIO CRUZ
Descritores: ALD
REQUISITOS
Nº do Documento: RP200012190021386
Data do Acordão: 12/19/2000
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T CIV PORTO 1J
Processo no Tribunal Recorrido: 11224/93-1S
Data Dec. Recorrida: 04/09/2000
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: ALTERADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT.
Legislação Nacional: CCIV66 ART405.
Jurisprudência Nacional: AC RP DE 1999/04/19 IN CJ T2 ANOXXIV PAG204.
Sumário: Quando os montantes que seriam suposto serem depositados e pagos pelo aluguer de um veículo não seriam a simples contrapartida do gozo do mesmo, mas corresponderiam a uma antecipação do pagamento do preço tendo em vista a sua aquisição futura pelo locatário, caso este quisesse optar pela compra do bem, findo o período de locação, estamos perante um contrato atípico, vulgarmente conhecido por Aluguer de Longa Duração (ALD), e não perante um contrato de aluguer de veículo sem condutor.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
A........... -Aluguer de Automóveis, Ld.ª, com sede na Rua ......., Porto, instaurou acção declarativa ordinária
contra
Américo .......... e esposa, ele comerciante e ela doméstica, residentes ......, Trofa,
pedindo:
a)que seja decretada a resolução do contrato junto à providência cautelar, celebrado em 92.07.14, com efeitos a 93.07.93, por culpa exclusiva do R. marido;
b) que os RR. sejam condenados a restituírem definitivamente à A. o veículo Mercedes Benz 200 CL com a matrícula ...-...-...., com todos os seus documentos e chaves;
c) que os RR. sejam condenados a pagarem à A. a quantia de 10.033.479$00 acrescida de juros vincendos à taxa de 18% ao ano até efectivo pagamento, sobre 9.672.129$00;
d) que sejam os RR. condenados a pagarem à A. por cada mês que decorrer desde a data da p.i.(93.10.19) até efectiva restituição do dito veículo a quantia de 729.972$00 (364.986$00 x 2).
Para o efeito alega ter celebrado com o R. marido um contrato que qualifica de aluguer de longa duração, de que juntou a respectiva cópia, relativamente ao veículo já atrás mencionado, pelo prazo de um mês, automaticamente renovável por outros 29 períodos iguais, mediante as prestações mensais de 314.643$00, acrescidas de IVA, e que o R. deixou de pagar o aluguer referente às renovações de Nov/92 a Set/93, no total de 4.379.832$00, sendo o referido contrato resolvido pela A., e que, de acordo com o clausulado no contrato e face à situação de incumprimento, dá à A. o direito de formular os pedidos que acima indicou.
Mais indicou a A. que o referido veículo se destinava à actividade comercial do R. marido e a satisfazer as necessidades e passeios do casal, sendo a respectiva locação efectuada em proveito comum de ambos os RR.
Os RR. contestaram dizendo que a A. não estava autorizada legalmente a celebrar contrato de leasing, e por isso, o denominou de contrato de aluguer de longa duração, mas que, verdadeiramente, o que as partes acordaram foi a celebração de um contrato em que, contra o pagamento de uma prestação mensal, a A. se obrigava a conceder ao R. o gozo temporário do veículo identificado na petição e adquirido por indicação deste, que o poderia adquirir à A., total ou parcialmente, no prazo convencionado, mediante o pagamento de preço logo determinado.
Aconteceu, no entanto que, em virtude de um grave acidente de viação que requeria reparação orçada em 4.219.632$00 e não repunha o veículo na situação anterior ao acidente, foi acordado entre A. e R. a transformação desse primitivo contrato em contrato de compra e venda imediata mediante o pagamento à A. da quantia de 4.000.000$00 pela seguradora dos danos próprios, Inter-...., mais, 4.000.000$00 pelo adquirente dos salvados, estes a serem pagos em duas prestações mensais e iguais após a entrega dos salvados e declaração de venda do veículo, fazendo a A. seus, além das quantias referidas, as rendas iniciais já por si recebidas no montante de 1.094.958$00, mais os 2.5000.000$00 entregues a coberto do contrato de caução, mais a prestação de mês de Outubro/92 no montante de 314.643$00, e que só não recebera ainda a importância de 4.000.000$00 dos salvados porque a A. nunca chegou a entregar ao adquirente dos salvados a declaração de venda a que se obrigara, assim obstando e impedindo o pagamento e desoneração das obrigações assumidas pelo R. no contrato em causa.
Alegam os RR. que, desta feita, não chegou a haver resolução do contrato primitivo mas antes conversão de um negócio em outro, que a A. entretanto incumpriu, pelo que pedem os RR. a sua absolvição do pedido e a condenação da A. como litigante de má fé, em multa e indemnização, sendo esta em montante não inferior a 2.500.000$00.
Replicou a A. aceitando ser verdade que o R. pagou à A. os 1.094.958$00 das prestações iniciais, mas dizendo que só em Janeiro de 1993 o R. comunicou à A. a existência do acidente, enviando então um cheque de 1.952.075$00 para pagamento de alugueres e juros, e que se disponibilizou a alugar ao R. uma nova viatura, em substituição da sinistrada, imputando a essa nova viatura tudo o que recebera do R. inerente ao anterior contrato.
No entanto, refere a A., que o cheque de 1.952.075$00 não veio a ter provisão, nem veio a ser formalizado o novo contrato , como também não veio nunca a A. a receber o valor do cheque, porque entretanto o R. desapareceu para paradeiro incerto.
Desta forma, conclui a A. pela improcedência da excepção deduzida pelos RR., e conclui como na p.i., a que veio a acrescentar o pedido de condenação dos RR. em multa e indemnização como litigantes de má fé.
Saneado, condensado e instruído o processo, veio a ter lugar a audiência de julgamento, sendo dadas respostas aos quesitos e proferida sentença, na qual foi julgada parcialmente procedente a acção e condenados os RR. a restituírem definitivamente à A. os salvados relativos ao veículo identificado no ponto 2 da matéria de facto provada e absolvidos dos demais pedidos deduzidos, não se condenando nenhuma das partes como litigante de má fé.
Inconformada com a sentença recorreu a A., tendo o recurso sido admitido como de apelação e com efeito suspensivo.
Alegou a apelante e contra-alegaram os apelados.
Remetidos os autos a este Tribunal veio o recurso a ser aceite com as mesmas qualificações.
Correram os vistos legais.
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II. Âmbito do recurso

São as conclusões apresentadas na alegação de recurso pelo apelante que delimitam o respectivo âmbito, como resulta do disposto nos arts. 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1 do CPC. Face ao exposto, passam a transcrever-se as conclusões apresentadas pela apelante-A. nessa peça processual:
“1ª. Salvo o devido respeito por melhor opinião, a sentença recorrida comete um erro quanto à qualificação jurídica do contrato dos autos. Com efeito, atenta a denominação dada pela apelante e pelos apelados ao mesmo, atento o facto de que não resulta da matéria de facto dada como provada que na base da celebração do mesmo tenha estado a impossibilidade dos apelados, por alguma situação especial, não poderem dispor do seu veículo automóvel habitual, atento o facto de que, como resulta da matéria dada como provada, a atribuição patrimonial, a cargo dos apelados pelo gozo do veículo objecto do contrato dos autos, não ser satisfeita duma só vez mas sim ao longo de trinta períodos mensais, e atento o facto de que, como resulta do teor das cláusulas que constituem o contrato dos autos, designadamente das cláusulas 3.ª, 5.ª, 7.ª 10.ª-ponto 3 e 12.ª - ponto § único, a finalidade do mesmo ultrapassa em muito a mera cedência do gozo do veículo aos apelados - o montante das atribuições patrimoniais a cargo dos apelados, aliado ao contrato celebrado (30 meses), indicam, claramente, uma relação directa de correspectividade entre estas e o valor pelo qual o veículo automóvel ...-...-... foi adquirido pela apelante, o qual resulta do valor do seguro a que os apelados se obrigaram a fazer, figurando aquela como beneficiário do mesmo, fica claro que a função económico-social, a finalidade e as características do contrato dos autos não se identifica plenamente com a função, a finalidade e as características de um mero contrato de Rent-à-Car, tratando-se o mesmo de um Contrato de Aluguer de Longa Duração, vulgo ALD, sendo que a sua função, a sua finalidade e as suas características se identificam plenamente com este tipo de contratos.
2.ª O contrato de ALD é aquele pelo qual um sujeito se compromete a ceder a outro o gozo de um bem duradouro, geralmente um veículo automóvel, por um prazo de tempo dilatado, findo o qual poderá ter lugar, ou não, a transmissão de propriedade desse bem, por força da celebração de um novo contrato, um contrato de compra e venda.
Como se verifica, tal contrato congrega em si elementos pertencentes a vários tipos de contratos legalmente tipificados, designadamente, ao contrato de locação - os direitos e as obrigações das partes no contrato de ALD reconduzem-se, grosso modo, ao esquema legal previsto pelo CC para o contrato de locação - e ao contrato de compra e venda - atenta a possibilidade de, chegado o termo do contrato de ALD, as partes convencionarem a transmissão do veículo automóvel objecto do mesmo.
Estamos, pois, perante a fusão de elementos pertencentes àqueles tipos legais num só contrato, razão que justifica a qualificação do contrato de ALD como contrato misto, ao qual, em virtude da inexistência de disposições legais especiais relativas ao mesmo, devem ser aplicadas, por analogia, disposições legais gerais previstas para o contrato de locação e para o contrato de compra e venda.
Ora, assim sendo, e apesar do erro quanto à qualificação jurídica do contrato dos autos, a decisão recorrida, salvo o devido respeito, esteve bem na aplicação ao caso “sub judice” das disposições gerais previstas no CC. quanto ao contrato de locação, sendo certo, no entanto, que cometeu um erro na interpretação e, por consequência, de aplicação dos arts. 1.051.º, n.º1-e) e 1.044.º do CC., ao caso dos autos.
3.ª “ I. - Só a perda total envolve a caducidade do arrendamento. II. - O critério de qualificação da perda como total ou parcial não é físico ou naturalístico, antes dependendo do fim a que a coisa locada se destina. III. - A perda é total quando, em virtude de causa não imputável ao locador, se tornar impossível o uso da coisa para o fim convencionado”- Acórdão RL, de 89.11.09, CJ, 1989, tomo 5-103.
Conforme resulta da matéria dada como provada, designadamente no que concerne ao acidente ocorrido com o veículo automóvel ...-...-..., objecto do contrato dos autos, em 92.09.29 - pontos 17 a 21 -, embora, em resultado do mesmo, os apelados tenham ficado impossibilitados de circular com o referido veículo, a verdade é que as deteriorações, sofridas pelo mesmo em resultado do acidente eram reparáveis, e que tal reparação permitiria repor o veículo automóvel em situação idêntica à anterior ao acidente, ou seja, permitiria aos apelados gozar e usufruir do referido veículo da mesma forma e nas mesmas condições que o faziam antes do acidente, podendo circular normalmente com o veículo automóvel ...-...-... .
Ora, assim sendo, não se poderá falar de perda total do veículo automóvel objecto do contrato dos autos, sendo certo que apenas a sua perda total fundamentaria a caducidade do contrato dos autos - tornaria impossível a prestação da apelante -, de acordo com o disposto no art. 1.051.º, n.º1-e) do CC.
Por esta razão não se pode considerar que o mesmo tenha caducado, com todas as consequências legais que daí advém quanto à apreciação da questão da cessação do contrato dos autos por resolução e das consequências a ela inerentes.
Em face do exposto, e salvo o devido respeito, verifica-se que a sentença recorrida comete um erro na interpretação e aplicação deste artigo ao caso “sub judice”, o que constitui fundamento bastante para o presente recurso, conforme o disposto no art. 690.º, n.º2-b) do CPC.
4.ª Em consequência do atrás explanado, fica afectado o disposto na sentença recorrida quanto à responsabilidade pela deterioração do veículo automóvel objecto do contrato dos autos, designadamente no que diz respeito à aplicação, por analogia, do art. 1.044.º do CC ao caso “sub judice” - do mesmo resulta que os apelados respondem pelas deteriorações verificadas no veículo automóvel ...-...-... no termo do contrato celebrado.
Atento o atrás exposto, e apesar do acidente ocorrido em 92.09.29, o contrato dos autos não cessou por caducidade em virtude deste facto, uma vez que não houve perda total do veículo objecto do contrato, pelo que o mesmo se mantém em vigor em toda a sua extensão e plenitude.
Assim, na medida em que o supracitado artigo é aplicável, apenas, aquando do termo do contrato de locação, e dado que o contrato dos autos, que integra elementos deste tipo legal que justificam a aplicação de tal artigo, não cessou - não terminou -, maxime por caducidade, mantendo-se em vigor, parece claro que, salvo melhor opinião, não é aplicável o art. 1.044.º do CC. ao caso “sub judice”
Ora, em face do exposto, é manifesto que a sentençça recorrida, salvo o devido respeito, cometeu um erro na interpretação do art. 1.044.º do CC., e, em consequência e face à matéria dada como provada, um erro ao aplicar o artigo ao caso dos autos, o que constitui fundamento bastante, nos termos do disposto no art. 690.º, n.º1-b) do CPC, para o presente recurso de apelação”

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Como se pode constatar da leitura das conclusões atrás transcritas a apelante assenta o seu inconformismo relativamente à sentença na qualificação jurídica dada ao contrato celebrado como de aluguer de veículo automóvel sem condutor (Rent-à Car) em vez de contrato de aluguer de longa duração (ALD), que entende dever caber-lhe, e ainda a respeito da caducidade do contrato celebrado, onde a apelante entende que não houve caducidade por perda ou impossibilidade total da coisa.
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III. Fundamentação

Foram considerados assentes ou provados na primeira instância os factos seguintes:
- “A A. dedica-se à actividade de declarar vender e alugar veículos automóveis.(A)
- No exercício da sua actividade a A. declarou celebrar com o R., em 92.07.14, o contrato junto a fls. 9 a 14 da providência cautelar apensa (n.º 11224-A/93), cujo teor se dá por reproduzido. (B) [Este contrato vem formulado sob a epígrafe “Contrato de aluguer de longa duração”, foi celebrado entre Américo .......... e “..........- Aluguer de Automóveis, SA”, tendo como objecto o veículo de marca Mercedes Benz 200CL, com a matrícula ...-...-..., e, e de entre as respectivas cláusulas, afiguram-se-nos ter especial relevância, designadamente para a qualificação jurídica do contrato, as passagens seguintes:
“(...) O contrato é celebrado pelo prazo de um mês, automaticamente renovável por outros 29 períodos iguais - (cláusula 2.ª)
- O valor dos alugueres mensais, calculado com base na expectativa das renovações constantes da cláusula anterior, será de 314.643$00, acrescida do respectivo IVA, cuja taxa presentemente é de 16%. (...) O cliente pagou a quantia de 1.094.958$00 relativa ao valor do contrato e às primeiras duas renovações (...) (cláusula 3.ª)
- O cliente obriga-se a fazer um seguro do veículo contra todos os riscos pelo valor de 10.978.000$00, que inclua roubo e perda total e parcial do veículo, normal ou fortuita, e bem assim abranja responsabilidade civil ilimitada pelos danos causados pelo veículo. O segurado será Américo ............... e o beneficiário A.........../E..........., sendo o pagamento do mesmo de conta do cliente até ao termo do contrato. 2. A ........... aceita que no termo do contrato a titularidade do seguro seja transferida para o cliente. 3. Apenas o seguro relativo a outros riscos, nomeadamente a imobilização do veículo terá, se for feito, como beneficiário o cliente. (...)-(cláusula 5.ª)
- Em caso de acidente o cliente obriga-se a: a) comunicar o sinistro à A............. no prazo de 24 horas, fornecendo todos os elementos necessários à participação e discussão com a C.ª de seguros; b) promover de imediato a remoção do veículo até às oficinas que procederão à sua reparação, logo que estas lhes sejam indicadas pela A............... . (cláusula 6.ª)
- Independentemente do benefício do contrato de seguro, o cliente suportará a imobilização do veículo e será responsável por qualquer perda não efectivamente reembolsada pela companhia de seguros. (cláusula 7.ª)
- O cliente obriga-se ainda a : (...) c) permitir o exame do veículo pela A................, sempre que esta o pretenda; d) avisar a A...................., no prazo de 48 horas a contar da sua detecção, de qualquer defeito ou deterioração anormal do veículo; e) restituir o veículo, findo o contrato, no estado em que este se encontrar, se tiver sido utilizado sempre com prudência, sob pena de indemnização(...) -(cláusula 8.ª)
- Em caso de mora no pagamento de qualquer quantia à A................. serão devidos juros à taxa máxima para operações de crédito activas de período igual ao da duração da mora, sem prejuízo do direito de resolver o contrato, nos termos do art. seguinte - (cláusula 9.ª)
- Para além de todas as hipóteses previstas na lei a A................ terá direito a resolver o contrato se o cliente não cumprir qualquer das suas obrigações dele decorrentes e mantiver o incumprimento por mais de 15 dias após ter sido interpelado por carta registada, pela A................. para o respectivo cumprimento. (...). 2. Em caso de resolução do contrato o cliente deverá entregar o veículo à A............... imediatamente, nas condições previstas na al.e) do n.º8, consentindo desde já que a A............ lhe retire, por qualquer meio, incluindo o recurso à acção directa, o uso e fruição do veículo; 3. Se o contrato for resolvido pela A........... nos termos do corpo deste artigo, o cliente obriga-se a pagar à A.................. uma indemnização igual a 50% das rendas vincendas, na óptica de o contrato ser renovado automaticamente até ao fim do prazo máximo a título de cláusula penal especial pelo incumprimento do contrato que gerou a resolução. (cláusula 10.ª)
- Em qualquer das hipóteses em que o cliente deva devolver o veículo, e sem prejuízo do disposto na cláusula anterior, a A................ terá direito a uma indemnização pelo tempo em que estiver indevidamente desapossada do veículo, igual ao dobro do que seria devido se o aluguer estivesse em vigor nesse período de mora, a título de cláusula penal especial. (cláusula 11.ª)
- O direito de se opor à renovação automática do contrato pertence, em exclusivo ao cliente, não podendo a A...................., por sua iniciativa, opor-se a qualquer das renovações previstas. Para se por à renovação do contrato, o cliente terá de o fazer através de carta registada com aviso de recepção enviada à A.................. com, pelo menos, 30 dias de antecedência relativamente à data de renovação que pretende evitar. § Como consequência do valor do aluguer ter tido em conta as renovações automáticas previstas, a oposição à renovação obriga o cliente a indemnizar a A................. em quantia igual a 50% do valor total de todas as renovações previstas ainda não liquidadas. Esta indemnização terá de ser paga na data da devolução do veículo até à data véspera da renovação que o cliente rejeitou sob pena de se considerar que o contrato se renovou normalmente e a comunicação não produziu qualquer efeito - (cláusula 12.ª) (...)” ]
- O R. pagou à A. pelo menos a quantia de 1.094.958$00. (C)
- O R. entregou à A. 2.500.000$00, que a A. designou por caução. (D)
- Em resultado do acordo referido em B) o R. tinha a pagar à A. 12.409.520$00 (E)
- O R não pagou à A. os alugueres referentes a Novembro de 1992 até Setembro de 1993, no total de 4.379.832$00 (F)
- Em 93.09.12 a A. enviou ao R. a carta de fls. 15 e 16 da providência cautelar, [Na carta de fls. 15 e 16, registada com A/R, datada de 93.05.12, a A.........., dirigindo-se ao R.-apelado, refere-lhe que “se encontra em mora quanto ao pagamento de 2.920.138$00”, interpelando-o “para o imediato pagamento”, e dizendo que a mencionada carta constitui também “interpelação bastante nos termos e para os efeitos da cláusula 10.ª do contrato (já reproduzido, quanto a esta matéria, na nota antecedente), e que, “se não proceder ao pagamento do devido no prazo de 15 dias impreterivelmente, resolvemos desde já o contrato, decorrido aquele prazo”, mais referindo que fica o aqui R.-apelado “desde já notificado para essa resolução” e que, deve, então, ainda, “restituir a viatura”.] e em 93.07.21 a A. enviou ao R. a carta junta de fls. 17 a 19 da providência cautelar, [Na de fls. 17 e 18, registada com A/R, datada de 21 de Julho de 93 e recebida pelo R. em 22 de Julho de 1993, a A............... refere que, devido ao facto de este , devidamente notificado pela carta referida na nota anterior, não ter pago nem restituído o veículo, se considerava resolvido o contrato.]
cujos teores se dão por reproduzidos. (G)
- O R. não restituiu o veículo à A. (H)
- Em 93.07.21 estavam por pagar alugueres no valor de 3.102.381$00. (J)
- Os RR. destinam o veículo à actividade comercial do R. marido e aos passeios e deslocações de ambos e família. (J´)
- A “Eu........ - Soc. Port. de Loc. Fin., SA” declarou locar o veículo objecto do acordo referido em B) à A., com início em 92.07.25 e fim em 94.10.25, conforme doc. de fls. 20 junto à providência cautelar. (L)
- Em 92.09.29 o veículo sofreu um sinistro. (M)
- A reparação do veículo atingia pelo menos o valor de 4.219.632$00. (N)
- A A. e o R. marido convencionaram, quiseram e acertaram que, contra o pagamento de prestações mensais no valor de 314.643$00, acrescido de IVA a A. cederia ao R. marido o gozo temporário do veículo, pelo prazo de um mês, automaticamente renovável, por outros 29 períodos iguais (1.º)
- A. e R. convencionaram que o veículo seria adquirido por indicação do R., o que aconteceu. (2.º)
- Em Janeiro de 1993, a A. recebeu a quantia de 4.000.000$00 paga pela Companhia de Seguros Inter..........., SA” (12.º)
- Desde 92.09.29, o R,. ficou impossibilitado de circular com o veículo. (13.º)
- A reparação do veículo foi orçada em 4.894.773$00 e repunha a mesma em situação idêntica à anterior ao acidente. (15.º)
- A A. disponibilizou-se para declarar alugar ao R. uma nova viatura, em substituição da sinistrada... (16.º)
- ...imputando, nesse caso, tudo o que recebera relativamente à viatura anterior, na nova viatura. (17.º)”
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Os factos atrás enunciados não são questionados ou objecto de qualquer controvérsia, não se vislumbrando, por outro lado, que tenham sido deficientes as respostas dadas aos quesitos ou que estejam elas afectadas por qualquer obscuridade ou contradição.
Assim, consideram-se tais factos como definitivamente fixados por este Tribunal da Relação.
No entanto, contêm os autos outros elementos factuais que consideramos provados por documentos, que julgamos importantes para a análise do recurso, e que, por estarem ínsitos na matéria alegada pelas partes, passamos concretamente a referir:
-“O veículo Mercedes Benz, de matrícula ....-...-... encontrava-se registado como propriedade de “Eu..........., Sociedade Portuguesa de Locação Financeira, SA” desde 92.09.17, e, do respectivo registo, constavam ainda a menção seguinte: “Locação financeira n.º de ordem 340 em 92.09.17; início em 92.07.25 e fim em 94.10.25 à A............. Aluguer de Automóveis, SA (...)” (fls. 20 da providência cautelar)
- A fls. 36-38 dos autos existe um contrato promessa de compra e venda entre a “Sociedade Comercial C. Santos, Ld.ª” como promitente vendedor e o aqui R.-apelado Américo, datado e assinado por ambas as partes em 92.06.09, onde a primeira prometia vender ao segundo uma viatura Mercedes Benz, modelo 200 CE, com data de entrega prevista em Junho de 92, pelo preço total de 10.978.000$00, nele se dizendo ter o promitente comprador entregue a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de “500.000$00” e que contra a entrega da viatura seriam pagos “10.475.456$00 ”
- A Fls. 38 dos autos existe um recibo datado de 92.08.17, emitido pela A............., dizendo ter recebido do aqui R.-apelado Américo a quantia de 2.500.000$00 referente à caução contrato 11.120.676 celebrado em 92.07.14.
- Os dados referidos nas notas 2 e 3. [Na carta de fls. 15 e 16, registada com A/R, datada de 93.05.12, a .........., dirigindo-se ao R.-apelado, refere-lhe que “se encontra em mora quanto ao pagamento de 2.920.138$00”, interpelando-o “para o imediato pagamento”, e dizendo que a mencionada carta constitui também “interpelação bastante nos termos e para os efeitos da cláusula 10.ª do contrato (já reproduzido, quanto a esta matéria, na nota antecedente), e que, “se não proceder ao pagamento do devido no prazo de 15 dias impreterivelmente, resolvemos desde já o contrato, decorrido aquele prazo”, mais referindo que fica o aqui R.-apelado “desde já notificado para essa resolução” e que, deve, então, ainda, “restituir a viatura”.]
[Na de fls. 17 e 18, registada com A/R, datada de 21 de Julho de 93 e recebida pelo R. em 22 de Julho de 1993, a A............... refere que, devido ao facto de este , devidamente notificado pela carta referida na nota anterior, não ter pago nem restituído o veículo, se considerava resolvido o contrato.]

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Passemos então à apreciação das questões jurídicas colocadas:
III-A) Da qualificação jurídica do contrato:
Como é do conhecimento geral, nem sempre a qualificação dada pelas partes aos contratos outorgados entre eles vem a corresponder à correcta qualificação jurídica.
No caso dos autos, entre A. e R. formou-se um contrato que por eles foi qualificado como contrato de aluguer (de veículo) de longa duração, mais conhecido por ALD, e que consta do apenso aos autos, e que o M.º Juiz qualificou na sentença como um contrato de aluguer de veículo sem condutor, vulgarmente designado por “rent-à-car”, enquadrando essa qualificação jurídica no DL n.º 354/86, de 23 de Outubro.
Discordando a apelante da qualificação jurídica dada aos factos, há que começar por aí a análise do presente recurso.
Entende a apelante que não se está perante um mero contrato de aluguer de veículo sem condutor, mas perante um contrato de ALD.
E parece-nos que a apelante tem razão neste ponto:
O DL n.º 354/86, de 23 de Outubro estabeleceu as normas relativas ao exercício da indústria de aluguer de veículos automóveis sem condutor, mas destinava-se essencialmente a regular o aluguer de veículos ligeiros de passageiros e mistos com lotação até nove lugares, motociclos ou veículos de características especiais, aprovados para o efeito pela DGTT, efectuado por determinadas empresas com o mínimo de 25 veículos pertencentes à sua frota, que se dediquem exclusivamente ao aluguer de viaturas.
Do DL citado podem, no entanto, e desde já, apontar-se ainda as seguintes características dos contratos que essas sociedades visam:
a) a duração dos alugueres corresponde a períodos curtos; [normalmente durante a privação de viatura própria do locatário, em períodos de férias, épocas turísticas, fins de semana, etc]
b) o mesmo veículo destina-se durante o período em que está ao serviço da frota da locadora, limitado, em princípio, até ao máximo de cinco anos, a servir sucessivamente vários de clientes;
c) os pagamentos efectuados por cada locatário, não têm correspondência nem sequer aproximação, face ao custo de aquisição da própria viatura.
d) o cliente (locatário) escolhe a viatura que pretende locar entre os existentes disponíveis da frota da empresa locadora.
e) a locadora tem como único objectivo a locação de veículos.
No entanto, face à matéria de facto constante dos autos vemos que:
a) o veículo locado foi escolhido pelo locatário para que a locadora o colocasse ao serviço daquele;
b) o período de aluguer foi estipulado em um mês, sucessiva e automaticamente renovável por 29 meses;
c) as rendas foram calculadas tendo como pressuposto o período de 30 meses de aluguer;
d)o direito de se opor à renovação do contrato cabia em exclusivo ao locatário, e a oposição à renovação do contrato por parte deste obrigava este a indemnizar a A................ em quantia igual a 50% do valor total de todas as renovações previstas e ainda não liquidadas;
e) a renda mensal foi estipulada em 314.643$00, a que deveria acrescer o IVA que na altura era de 16%, renda essa que foi calculada com base na previsibilidade da renovação do contrato pelos 30 meses enunciados na respectiva minuta, e que, no total viriam a corresponder a 9.439.290$00 sem IVA, ou a 10.949.576$00 com IVA;
f) o locatário obrigava-se expressamente a prover à manutenção do veículo, procedendo sempre como seu proprietário diligente, incluindo-se na manutenção a conservação, as revisões e as reparações normais e extraordinárias;
g) o locatário obrigava-se a fazer um seguro do veículo contra todos os riscos pelo valor de 10.978.000$00, que incluísse roubo e perda total ou parcial do veículo, normal ou fortuita, e bem assim que cobrisse responsabilidade civil ilimitada pelos danos causados a terceiros.
h) independentemente do beneficio do seguro, o locatário seria responsável por qualquer perda não reembolsada pela seguradora ao segurado.
i) O R. tinha de pagar à A. 12.409.520$00, em resultado do contrato celebrado com esta, o que excedia o simples somatório das rendas como contrapartida pelo tempo de duração dos indicados 30 meses em que duraria o aluguer, que seriam apenas 10.949.580$00.
Atenta a facticidade atrás enunciada, há que proceder à interpretação da vontade negocial dentro dos parâmetros estabelecidos nos arts. 236.º a 238.º do CC., ou seja, recorrendo às regras atinentes à interpretação e integração dos contratos, estabelecidas no Código Civil.
Há por isso que determinar qual o valor da declaração da vontade negocial, sendo certo que esta vale “com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição de real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não pudesse razoavelmente contar com ele”.
Para esse juízo é necessário recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante. [ Pires de Lima-Antunes Varela, Código Civil anotado, vol. I-223.]
Ora, colocados nessa posição, não podemos deixar de concluir que o contrato firmado entre A. e R., era, por um lado, a forma de a A. visar a realização de proventos através da colocação à disposição do R. da viatura por ele pretendida, contra o recebimento de determinadas importâncias a título de rendas, sem prejuízo de vir a receber uma importância ainda maior a título diferente, quando esgotado o prazo previsto para o aluguer, tendo em vista a sua alienação, [Contrato de aluguer acompanhado de promessa unilateral de venda ]
e, por outro lado, a forma considerada pelo R. como sendo a mais adequada a poder aceder imediatamente ao uso e fruição da viatura que visava um dia poder adquirir, sem que entretanto tivesse a necessidade de um grande desembolso inicial, e sem que tivesse de comprometer-se, desde logo, relativamente à sua eventual e futura aquisição.
Com efeito, é isso que resulta da conjugação de vários elementos, designadamente:
- no campo das coincidências entre a identificação da viatura pretendida pelo locatário (Truta), com a indicada pela locadora (A.............), e com a referida pela entidade financeira (Lusoleasing), todas elas respeitantes sempre à mesma viatura, ou seja, ao veículo Mercedes Benz 200 CL de matrícula ...-...-...;
- à coincidência entre a sua aquisição pela entidade financeira(Eu......) e a sua afectação à entidade locadora(A.........), precisamente durante a previsível vigência do contrato de 30 meses ao aqui R.;
- à coincidência de a referida viatura ter sido adquirida por indicação do R., o que aconteceu;
- à presença de um contrato-promessa de compra e venda junto aos autos entre o R. e a “Sociedade Comercial C. Santos, Ld.ª”, concessionária da Mercedes, cuja importância a pagar no acto da entrega da viatura referia ser de 10.475.000$00 [ainda que tivesse sido de 10.978.000$00 o valor da venda, atenta a importância já entregue pelo R. no momento da celebração desse contrato promessa. (cfr. fls. 36 verso) ]
e que referia terem já sido recebidos 500.000$00 no acto da encomenda, como sinal e princípio de pagamento;
- à circunstância de o valor que as rendas dos 30 meses iriam atingir ser de montante mais elevado do que a importância que era necessário financiar (10.949.576$40 contra 10.475.576$00) [Só nos contratos de “leasing” há a necessidade de vir explicitada a opção de compra com a indicação do valor residual; nos casos de ALD isso não é indispensável . (......................., Locação Financeira e Aluguer de Longa Duração, 2.ª ed., pg- 142). Nestes contratos (de ALD) podem não constar quaisquer cláusulas relativas à previsão de compra, havendo por isso, muitas vezes, que fazer integração e interpretação da vontade das partes, manifestada através de outros meios com a mesma forma, designadamente em contratos paralelos, a ele acoplados ou associados ao primeiro e que façam supor o direito de o locatário poder optar pela respectiva aquisição, cumpridas integralmente as obrigações estipuladas no contrato. ]
e ao facto de a importância entregue pelo R. à locadora na importância de 2.500.000$00 - designado pela A. como “caução”, [mas que correspondia já a um verdadeiro pagamento relativo ao preço de aquisição da viatura, pois que a importância a pagar a final era superior ao montante financiado e pago à A.............. através das rendas previstas. ]
- se adicionada com os 10.475.576$00, vir a dar 12.975.576$00, superiores aos 12.409.520$00 que o R. teria de pagar no final do contrato (al. E) da especif.);
-à circunstância de haver no teor do contrato uma cláusula que aceitava a transferência do seguro para o segurado finda a duração contrato. [Cfr. cláusula 5.ª n.º 1 do contrato assinado entre A. e R. ]
Desta feita, é fácil constatar que o montante das rendas que era suposto pagar, mais a importância previamente paga pelo locatário à A............., e que esta denominou de “caução”, no montante de 2.500.000$00, vêm a cobrir, na realidade, o preço do bem em caso de venda, já com os custos do locador na realização da operação, sua margem de lucro, remuneração do capital e risco do financiamento, pelo que os montantes que seriam suposto ser depositados e pagos não seriam a simples contrapartida do gozo do mesmo, mas corresponderiam a uma antecipação do pagamento do preço tendo em vista a sua aquisição futura pelo locatário, caso este quisesse optar pela compra do bem, findo o período de locação.
No fundo, e como diz Teresa Anselmo Vaz, “O que se passa é que o correspectivo periódico constitui antes uma prestação de preço do que a retribuição pelo uso.” [Teresa Anselmo Vaz, in “Alguns aspectos do contrato de compra e venda a prestações e contratos análogos, pg. 83, onde, continuando a versar esta problemática, prossegue:
“Pode-se pois afirmar que, nestes casos, o resultado final típico que as partes pretendem atingir não é senão a transferência de propriedade do bem, através do pagamento rateado do preço, embora formalmente adoptem para o efeito um modelo contratual diverso.” ]
Em face dos dados disponíveis, não nos restam quaisquer dúvidas que o contrato visado não pode ser qualificado como um simples contrato de aluguer de veículo de passageiros sem condutor (vulgo “rent-à-car”), com regulamentação própria, dada pelo DL n.º 354/86, antes deveria enquadrar-se entre os contratos atípicos, indirectos, e, neste caso, entre os vulgarmente conhecidos por ALD, com o que aliás as partes o baptizaram, e em que, como ensina P. Pais de Vasconcelos, “sob a capa de um tipo de contrato (aluguer) se visa atingir um objectivo de tipo diferente (compra e venda a prestações), sem que no entanto as partes abdiquem da regulamentação própria do contrato típico escolhido como referência (ou seja o aluguer), e não a de outro tipo qualquer (neste caso a compra e venda a prestações com reserva de propriedade). [Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos atípicos, 1995, 245, de que tomamos a liberdade de transcrever a seguinte passagem:
“(...) O contrato de aluguer de longa duração” de automóveis novos é um contrato indirecto em que o tipo de referência é o aluguer e o fim indirecto é o da venda a prestações com reserva de propriedade. Qualificar este contrato simplesmente como contrato de aluguer de automóveis ou como contrato de venda a prestações com reserva de propriedade resulta, em qualquer dos casos, no desrespeito da vontade contratual. A concorrência do contrato de venda a prestações com reserva de propriedade com o contrato de aluguer de longa duração para a satisfação do mesmo fim das partes não tem nada de reprovável ou de nocivo. Pelo contrário, resulta num enriquecimento importante da liberdade contratual, da capacidade de escolha pelas partes dos meios jurídicos para a satisfação dos seus interesses, e num aumento dos meios jurídicos disponíveis no comércio.”], [No mesmo sentido, e com abundante anotação de doutrina e jurisprudência, pode consultar-se o Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, de 99.04.19, dos Desembargadores Fonseca Ramos, Sampaio Gomes e Pinto Ferreira, CJ, XXIV, tomo II, pgs. 204 e ss. ], [ Por outro lado, a previsão da entrega da viatura à locadora, findo o contrato, não é incompatível com a opção de venda, pois que o contrato de aluguer poderia cessar por plúrimas causas, designadamente por manifestação do locatário, na forma atempada e acordada contratualmente, de não querer este a renovação do contrato ou a sua duração até ao final dos 30 meses previstos ou até por perecimento do bem ou por resolução contratual por incumprimento do locatário ou mesmo mora.]
Desta feita, atenta o princípio da liberdade contratual consagrado no art. 405.º do CC., para a solução de qualquer litígio que nos surja no caso em presença, há que recorrer às cláusulas do contrato celebrado em tudo que não seja contrário a disposições legais imperativas, e, na sua ausência, ao contrato típico referência, ou seja, ao contrato de aluguer de viatura automóvel sem condutor, previsto no DL n.º 354/86, de 23/10, ou ainda, subsidiariamente a este último, ao contrato de locação, previsto nos arts. 1.022.º e ss. do CC..
......................
III-B) Da caducidade

Não estando previsto no contrato celebrado qualquer disposição relativa à caducidade do contrato por perda da coisa, nem constando do DL n.º 354/86, de 23/10 qualquer norma sobre o caso, há que aplicar o regime de caducidade previsto no art. 1.051.º do Código Civil.
Sustenta o M.º Juiz, fazendo apelo à previsão contida no art. 1.051.º, n.º 1 e) do CC que o contrato caducou por perda do objecto, dada a impossibilidade de circulação da viatura após o acidente.
De acordo com o alegado pela apelante, só a perda total, interpretada esta no seu sentido teleológico, ou seja, de tornar impossível o seu uso para o fim convencionado, é que poderia integrar a caducidade do contrato por perda da coisa locada. [ Acórdão RL, de 89.11.09, CJ, 1989, tomo V-103, citado na alegação de recurso da apelante.]
Também nós perfilhamos essa posição. Entendemos que a caducidade do contrato por perda total se não verificou, pois que o veículo era ainda reparável e, se o fosse, ficaria em condições idênticas às existentes antes do acidente. [vide resp. ao quesito 15.º ]
Por outro lado, a existência de sinistro não pode servir de desculpa ao R. para se eximir ao cumprimento das suas obrigações. Com efeito, constava do contrato firmado entre A. e R. que este suportaria a imobilização do veículo e seria responsável por qualquer perda não efectivamente reembolsada pela companhia de seguros.
Analisando o comportamento de ambas as partes após o acidente, vemos que, enquanto a A. se disponibilizou a alugar ao R. uma nova viatura, em substituição da sinistrada, imputando nesse caso tudo o que recebera relativamente à viatura anterior, na nova viatura, o R., por sua vez, não promoveu de imediato a remoção do veículo até às oficinas que procederiam à sua reparação, continuando com o veículo sinistrado na sua detenção [vide resp. ao quesito 15.º ], vindo a inviabilizar essa mesma reparação.
Por outras palavras:
O veículo só não circula porque o R. o não chegou a viabilizar.
Deste modo, não chegou a ocorrer a caducidade do contrato, porque não chegou a haver perda do objecto locado.
Vejamos, no entanto, se o contrato se manteve ou veio a cessar por outra qualquer causa, e, nessa hipótese, quando veio a ocorrer a cessação e quais os eventuais direitos da A.:
Para a resolução desta questão voltemos à redacção do contrato:
Refere-nos a cláusula 6.ª que “em caso de acidente o cliente se obriga a comunicar o sinistro à Autoleasing no prazo de 24 horas, fornecendo todos os elementos necessários à participação e discussão com a companhia seguradora (...)”
Não está provado que o R. tenha comunicado tempestivamente à A. a ocorrência do acidente. No entanto, a A. não invocou esse fundamento para a resolução contratual, pelo que essa questão não tem interesse para os autos.
Um outro fundamento para a resolução contratual era o não cumprimento no prazo de 15 dias, após interpelação por carta registada, de qualquer obrigação contratual por parte do R. Com efeito, de acordo com a cláusula 10.ª , “a A............... terá direito a resolver o contrato se o cliente não cumprir qualquer das suas obrigações dele decorrentes e mantiver o incumprimento por mais de 15 dias após ter sido interpelado por carta registada, pela A..................... para o respectivo cumprimento (...)”
Ora, estando provado que o R. não pagava à A. os alugueres referentes a Novembro de 1992 e meses posteriores, e que, em 93.05.12, a A. se dirigiu ao R., por carta registada com A/R, interpelando-o para o pagamento imediato de 2.920.138$00, que se encontraria em dívida, sob pena de resolução - com a advertência ainda de que, nesse caso, deveria ainda restituir a viatura - , e que o não cumprimento dessa obrigação levaria à cessação do contrato, por resolução da locadora, e tendo em conta ainda que, por carta registada com A/R, datada de 93.07.21 e recebida pelo R. em 93.07.22, veio a A. a comunicar àquele, que, por não ter pago nem restituído o veículo, se considerava resolvido o contrato, vem a constatar-se que a resolução do contrato ocorreu pela forma válida, a partir de 93.07.22, por culpa exclusiva do R., não sendo sequer necessário que haja decisão judicial a decretá-la, bastando apenas o seu reconhecimento. [Arts. 432.º, n.º 1 e 436.º, n.º1 do CC.. Cfr. tb. Acórdão RC de 97.09.30, CJ 1997, tomo IV, -28, Acórdão RL de 98.10.22, CJ, 1998, tomo IV-128, e Acórdão RL de 99.11.11, CJ de 99.11.11, 1999, tomo V- 85, ainda que a qualificação do contrato aqui em presença seja diferente da aí indicada. ]
Nos termos da cláusula 10.ª do contrato celebrado, em caso de resolução contratual por facto imputável ao locatário, o A. tem direito a receber os montantes das rendas vencidas e ainda não pagas até à data da resolução contratual e ainda uma indemnização correspondente a 50% das rendas vincendas até final do período de renovação automática, bem como a obter a devolução da viatura.
De acordo com a cláusula 11.ª, tem ainda direito a uma indemnização pelo tempo em que estiver indevidamente desapossada do veículo, igual ao dobro do que seria devido se o aluguer estivesse em vigor nesse período de mora, a título de cláusula penal especial.
Assim, ao abrigo da cláusula 10.ª , e tendo em conta que as rendas vencidas e não pagas respeitavam ao período compreendido entre Novembro de 1992 e Julho de 1993, ambos inclusive, ou seja, a nove meses, o montante de rendas vencidas, em débito à data de resolução do contrato, eram de 3.284.874$00 (com IVA a 16%, taxa vigente à época) [314.643$00+ 16% (de IVA) = 364.986$00; 364.986$00 x 9 = 3.284.874$00 ]; a indemnização correspondente a 50% das rendas vincendas vinha a abranger o período compreendido entre os meses de Agosto de 1993 e o final do período de renovação automática do contrato, que deveria ocorrer em Janeiro de 1995, ou seja, por mais dezoito meses, o que daria também 3.284.874$00 [364.986$00 x 18 x 50% = 3.284.874$00] ; somando estes dois valores, vínhamos a obter o montante de 6. 569.748$00. [Os 4.000.000$00, importância já paga à A. pela companhia seguradora, em lugar do A., visavam o pagamento dos danos causados na viatura com o acidente sofrido pelo R., sendo de recordar que os danos na viatura corriam por conta do locatário. Esse pagamento, portanto, não pode ser tomado em conta como correspondente a qualquer imputação no pagamento. ]
Tendo em conta que a Ré não chegou ainda a devolver a viatura, incumbe sobre o R., a título de cláusula penal especial prevista no art. 11.º do contrato, o pagamento da importância correspondente ao dobro do que seria devido se o aluguer estivesse em vigor enquanto o não devolvesse.
A A. formula esse pedido de condenação, no entanto, tendo como início para a sua contagem a data da instauração da acção, ou seja, 19 de Outubro de 1993.
É portanto a partir de Novembro de 1993 que tem de ser calculado o respectivo montante, à razão de 729.972$00 mensais (ou seja, o dobro da mensalidade de 364.785$00). [Se porventura fosse válida a cláusula em todo o seu segmento, a indemnização devida pela não entrega dos salvados do veículo até ao fim do mês de Novembro de 2.000, ou seja, pelo período desde a p.i. (93.10.19) até hoje, traduzir-se-ia em 26.430.012$00! ]
Até ao presente, essa indemnização traduzir-se-ia em 26.430.012$00 !
No entanto, tendo em conta que se o contrato tivesse chegado normalmente ao seu termo, a A. apenas receberia o capital contratualmente estabelecido para a venda, que era de 12.409.520$00 [cfr. alínea E) da especif] , e que entretanto a locatário já havia recebido 1.094.958$00 das três primeiras prestações mais 2.500.000$00 de alegada caução (cfr. als. C) e D) da especif.), o montante que a A teria ainda a receber, em caso de venda, no final do contrato, seria apenas 9.814.562$00.
Afigura-se-nos, por isso, dever lançar-se mão do disposto nos arts.. 812.º, n.º 1 e 811.º, n.º 3 do CC, reduzindo o montante indemnizatório pela mora a 9.814.562$00, por aquela indemnização de 26.430.012$00 ser manifestamente desproporcionada face ao dano, na exacta medida em que excede o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal.
Se assim não viesse a acontecer, a A. viria a receber um montante muitíssimo superior ao correspondente ao preço previsto para a alienação, continuando dona do bem, enquanto que, por outro lado, o R. teria de pagar uma indemnização sancionatória pela mora na entrega do veículo, muito superior às rendas e ao valor da compra do veículo, sem que entretanto pudesse adquiri-lo! [As cláusulas penais inserem-se no domínio da livre estipulação das partes (art. 810.º, n.º 1 do CC.) O valor estipulado em abstracto não é, à partida excessivo, pois que é sabido que um veículo automóvel, com o simples decurso do tempo, e ainda mais, uma vez posto a circular, sofre considerável desvalorização, podendo deixar, inclusivamente de servir para um novo contrato, caso haja mora na restituição. Consideramos assim perfeitamente justificado que haja sanções compulsórias em ordem a evitar a mora na entrega (devolução) do veículo, em caso de resolução contratual.
A desproporcionalidade, no entanto, só perante os factos concretos e individualizadores pode ser apreciada. O que consideramos excessivo, no caso concreto, é que da simples aplicação da cláusula contratual sancionatória para o caso de mora na devolução do veículo, venha a resultar uma desproporção entre os prejuízos eventualmente causados por esta e a sanção “a forfait”, permanentemente renovável, estipulada no próprio contrato, de tal modo que acabaria por ser muito mais vantajosa para o locador a mora na devolução do veículo pelo locatário, do que o eventual cumprimento por este de todo o contrato, mesmo incluindo o próprio valor previamente fixado, ainda que para a hipótese de venda após o período previsto para a renovação automática do aluguer, de acordo com o que resulta dos outros meios probatórios acoplados ou à margem do próprio contrato.
Como a cláusula em causa foi estipulada para o caso de atraso no cumprimento, chama-se-lhe cláusula penal moratória e pode levar à redução se manifestamente desproporcionada face ao dano (cfr. Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária, 247 e 248 ou Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6.ª ed., 448 e Pinto Monteiro in Cláusula Penal e Indemnização, 770.) ].
Justifica-se, por isso, que se utilize a redução da sanção pela mora, em termos de equidade, limitando-a ao valor indicado de 9.814.562$00.
O recurso obtém, assim, apenas parcial provimento.
......................
IV. Deliberação

Na procedência parcial da apelação, confirma-se a douta sentença recorrida na parte em que condena o R. a devolver o veículo à A., e revoga-se na parte em que absolveu os RR. dos pedidos deduzidos, indicados no relatório sob as alíneas a) c) e d), substituindo-a por outra em que:
- se reconhece a validade da resolução contratual por parte da A., com efeitos a partir de 93.07.22;
- se condenam os RR. a pagar à A. a quantia de 6.569.740$00, decorrentes da resolução contratual por facto imputável ao R.
- se condenam os RR. a pagarem à A., por cada mês decorrido entre a data da p.i e enquanto não for entregue o veículo, a importância de 729.972$00, limitando-a, no entanto, a 9.814.562$00 a indemnização por esse facto, valores estes sobre os quais incidem, no entanto, juros de mora às taxas legais desde a citação até integral pagamento.
Custas na proporção de vencidos, em ambas as instâncias.
Porto, 00-12-19
Mário de Sousa Cruz
Augusto José Baptista Marques de Castilho
Maria Teresa Montenegro V. C. Teixeira Lopes