Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
324/14.0TTVNG-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
REQUISITOS MATERIAIS
Nº do Documento: RP20210118324/14.0TTVNG-D.P1
Data do Acordão: 01/18/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PROCEDENTE; REVOGADA A DECISÃO E DETERMINADO O PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: Em face do atualmente disposto na alínea h) do artigo 729.º do Código de Processo Civil, a compensação de créditos pode ser invocada na oposição à execução até ao limite do crédito exequendo, sendo bastante para o efeito que estejam satisfeitos os requisitos materiais do artigo 847.º do Código Civil, sem que se exija, porém, que o contracrédito invocado esteja judicialmente reconhecido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 324/14.0TTVNG-D.P1
Tribunal: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia
Embargante: B…, S.A.
Embargado: C…
_______
Relator: Nélson Fernandes
Adjuntos: Des. Rita Romeira
Des. Teresa Sá Lopes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
1.Por apenso à execução de sentença, que C… lhe move, veio B…, S.A., deduzir oposição à execução, invocando o disposto no artigo 729.º, n.º 1, al. h) do Código de Processo Civil (CPC), alegando que é credora do exequente de valor nunca inferior ao exequendo, correspondente a prejuízos que o mesmo lhe causou por omissão do zelo exigível enquanto seu prestador e mandatário, do que resulta, diz, por se verificarem os pressupostos da compensação, que “devem os embargos de executado ser recebidos e admitidos, com todas as legais consequências, sendo a final julgados provados e procedentes e, por via disso: a) Declarada extinta a dívida exequenda, por compensação. b) Declarada extinta a presente execução.”

2.Apresentados os autos, no Tribunal a quo foi proferido despacho, nos termos que se seguem:
“Por apenso à execução de sentença que C… lhe move, veio B…, S.A. deduzir oposição à execução nos termos do artigo 729º, nº 1, al. h) do CPC alegando que é credora do exequente em quantia muito superior à exequenda correspondente a prejuízos que ele lhe causou por omissão do zelo exigível enquanto prestador e mandatário do embargante. Invoca, assim, nos termos do artigo 729º, nº 1, al. h) do CPC, o contra-crédito contra a exequente e pede a declaração da extinção da dívida por compensação.
Cremos que os fundamentos alegados serão de rejeitar liminarmente.
Vejamos:
Nos termos do art.º 729º do Código de Processo Civil (CPC), fundando-se a execução em sentença, como é o caso dos autos, a oposição deverá ter por base algum dos fundamentos aí elencados, de modo taxativo. No caso em apreço, é suscitado pela executada como fundamento, nos termos da al. h) a existência de contra-crédito sobre o exequente, com vista a obter compensação de créditos.
A compensação configura uma causa extintiva das obrigações, sendo um meio de o devedor se livrar da obrigação por extinção simultânea do crédito equivalente de que dispõe sobre o credor. Como decorre do artigo 847º, nº 1, do Código Civil, a compensação funda-se na reciprocidade de créditos, ao exigir que duas pessoas sejam simultânea e reciprocamente credor e devedor.
A compensação é, no dizer de Antunes Varela, o meio de o devedor se livrar da obrigação, por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor - cfr. Das Obrigações em Geral, Volume II, pág. 197.
Traduz-se na extinção de duas obrigações, sendo o credor de uma delas, devedor da outra, e o credor desta última, devedor na primeira. Com esta forma de extinção das obrigações, tem-se em vista evitar pagamentos recíprocos entre credores e devedores. A compensação funda-se na reciprocidade de créditos, como resulta do artigo 847º, n,º 1, do CC., ao exigir, precisamente, que duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor. O crédito com o qual o declarante extingue a sua dívida é o crédito activo. É com ele que o devedor opera a extinção da sua dívida. Por sua vez, o crédito passivo é aquele contra o qual a compensação opera.
Acompanhámos de perto a fundamentação expendida no Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 28.04.2014 (processo 3/09.0TBGDM-A.P1), disponível em www.dgsi.pt, transcrevendo-se a seguinte conclusão: “Na fase executiva, um crédito dado em execução só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva. Donde, a compensação não pode ocorrer se um dos créditos já foi dado à execução e o outro ainda se encontra na fase declarativa. Só podem ser compensados créditos em relação aos quais o declarante esteja em condições de obter a realização coactiva da prestação, pelo que estando o crédito que a ré apresentou na contestação como sendo compensante a ser discutido numa acção declarativa pendente, deve o mesmo ser tido como incerto, hipotético, não dando direito ainda a acção de cumprimento ou à execução do património do devedor.”
Nesta medida, a simples alegação, pela embargante de que detêm sobre o exequente um crédito não é apta a configurar, em termos de compensação, qualquer forma extintiva da obrigação exequenda, nem possui virtualidade bastante para se ajustar ao fundamento previsto na alínea h) do art. 729º do CPC.
Constata-se, por conseguinte, que os fundamentos apresentados pelos embargantes/ executados não se ajustam aos legalmente previstos [art. 729º, alínea h), do CPC], pelo que, nos termos prescritos pelo art.º 732º, nº 1, al. b), do CPC, se impõe o seu indeferimento liminar» (fim de citação).
No âmbito da presente execução, o crédito invocado pela executada não é um crédito judicialmente exigível, não se mostrando previamente reconhecido. Não pode a embargante ver declarada na instância de oposição o mesmo, por não ser legalmente admissível, desde logo porque o processo executivo não comporta a possibilidade de dedução de reconvenção.
Assim, não se mostram reunidos os pressupostos necessários para que possa operar a compensação invocada pela embargante.
Pelo exposto, ao abrigo do artigo 732º, nº 1, al. c) do CPC, indefiro liminarmente os presentes embargos.
Custas a cargo da embargante.
Valor dos embargos: € 75.057,53
Notifique.”

3. Não se conformando com o assim decidido, apelou a Executada/embargante, tendo rematado as suas alegações com as seguintes conclusões:
“A) na execução movida contra si, a ora recorrente deduziu oposição mediante embargos com fundamento no seu contracrédito sobre o exequente, o qual inequivocamente ultrapassa o montante da quantia exequenda; porém,
B) o tribunal indeferiu liminarmente a petição de embargos, pois não aplicou corretamente a alínea h) do artigo 729.º, do código de processo civil, nem atentou na jurisprudência que se tem vindo a firmar na vigência de tal norma;
C) ao fundamentar a sua decisão no facto de que “o crédito invocado pela executada não é um crédito judicialmente exigível, não se mostrando previamente reconhecido”, o despacho recorrido não considerou que o contracrédito judicialmente exigível é aquele que está vencido e não pago.
D) o contracrédito da recorrente, cuja compensação se pretende, é exigível para efeitos do artigo 847.º, n.º 1, do código civil, servindo por isso de fundamento legítimo à oposição à execução mediante embargos de executado, nos termos da alínea h), do artigo 729.º, do cpc.
E) não sendo exigível que o mesmo conste de titulo executivo, pois “a compensação pode ser deduzida na oposição à execução, sem qualquer necessidade de o respetivo crédito estar previamente reconhecido judicialmente”.
F) ao decidir como decidiu o despacho recorrido violou, além do mais, o previsto na alínea h), do artigo 729.º, do cpc.
Nestes termos, e nos melhores de direito, admitido o presente recurso, deve o mesmo ser julgado procedente, e em consequência, ser revogado o despacho recorrido e substituída por outro que receba os embargos da recorrente, seguindo-se-lhe a tramitação legalmente imposta.
Assim se fará justiça e se cumprirá a lei !”

3.1.No seguimento foi proferido pelo Tribunal a quo despacho com o teor seguinte:
“Por ser tempestivo e ter legitimidade, ao abrigo dos artigos 98º-A CPT, 852º, 638º, 644º, nº 1, al. a); 645º, nº 1, al. a) e 647º, nº 3, al. c) do CPC, admito o recurso interposto em 13.03, ref. 35168144 pelo embargante/executado como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
Notifique.
Remetam-se os autos à Veneranda Relação do Porto.”

3. Nesta Relação, aberta vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, o mesmo deixou exarada a sua posição no sentido de estar vedada, neste recurso, a possibilidade de emitir parecer.

4.Apresentados os autos ao ora relator, foi determinada a respetiva baixa à 1.ª instância, a fim de que se desse cumprimento, com as necessárias adaptações, ao regime estabelecido no artigo 641.º, n.º 7, do Código de Processo Civil (CPC).

5. Baixando os autos à 1.ª instância, cumprindo-se o determinado, foi notificado o Exequente/embargado para os termos da oposição e do presente recurso.

6. No seguimento, apresentou-se o Exequente / embargado a contestar.

7. Não constam dos autos contra-alegações.
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Subindo de novo os autos a este Tribunal da Relação, respeitadas as formalidades legais, cumpre decidir:

II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do CPC – aplicável “ex vi” artigo 87º/1, do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, é a seguinte a única questão a decidir: saber se, face ao regime legal, é fundada a decisão liminar de indeferimento da oposição à execução.
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III – Fundamentação
A) Fundamentação de facto
Os factos relevantes para a decisão do recurso resultam do relatório que se elaborou anteriormente.
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B) Discussão
Como resulta da decisão recorrida, foram indeferidos liminarmente os embargos deduzidos, por se ter entendido que “os fundamentos apresentados pelos embargantes / executados não se ajustam aos legalmente previstos [art. 729º, alínea h), do CPC]”, mais se dizendo que “no âmbito da presente execução, o crédito invocado pela executada não é um crédito judicialmente exigível, não se mostrando previamente reconhecido. Não pode a embargante ver declarada na instância de oposição o mesmo, por não ser legalmente admissível, desde logo porque o processo executivo não comporta a possibilidade de dedução de reconvenção”.
Divergindo do decidido, que quer ver afastado em sede de recurso, sustenta a Recorrente que crédito que invoca, e cuja compensação se pretende exigível, é exigível para efeitos do artigo 847.º, n.º 1, do Código Civil, servindo por isso, diz, de fundamento legítimo à oposição à execução mediante embargos de executado, nos termos da alínea h), do artigo 729.º, do CPC, sem que seja exigível, acrescenta, que o mesmo conste de título executivo, pois “a compensação pode ser deduzida na oposição à execução, sem qualquer necessidade de o respetivo crédito estar previamente reconhecido judicialmente”.
Apreciando diremos:
No que ao processo de execução diz respeito e em particular quanto à possibilidade de ser deduzida oposição, o regime processual previsto no CPC não é coincidente quanto à admissibilidade desta, por depender desde logo da natureza do título que àquela sirva de base.
No que ao caso importa, diversamente do que ocorre na oposição à execução baseada noutros títulos, que pode fundar-se em qualquer causa que fosse lícito invocar como defesa no processo de declaração – pois que nesses casos o executado não teve oportunidade, em acção declarativa prévia, de se defender, apresentando os argumentos que lhe fosse lícito deduzir para se opor à pretensão do exequente/embargado –, baseando-se a execução em sentença, precisamente porque na ação em que essa foi proferida foi já dada a oportunidade às partes de exercerem plenamente os seus direitos, com cumprimento pois ainda do contraditório, os fundamentos que são passíveis de ser validamente invocados restringem-se, nesta parte como bem o afirma o Tribunal a quo, àqueles que se mostram taxativamente previstos no artigo 729.º do CPC.
No caso, dentro da previsão do indicado normativo, apenas importará considerar a sua alínea h), em que se prevê, citando-se, “Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos”.
Deste modo, em face de tal norma, diversamente aliás do que ocorria anteriormente, por não existir então previsão equivalente, com a redação dada pela Lei n.º 41/2013 ao novo CPC, passou a constar expressamente a possibilidade de o executado poder invocar perante o exequente um crédito de que seja titular perante aquele, com vista a obter a compensação de créditos.
Ou seja, importará agora saber, nomeadamente, se tal introdução da citada alínea acarretou alteração do regime processual, designadamente quanto à admissibilidade ou não da oposição à execução que se baseie na invocação por parte do executado da existência de um contracrédito que detenha sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos.
Trata-se, como aliás nos dão nota variados arestos dos nossos tribunais superiores, com base também em posições doutrinárias, de questão que tem sido ampla e frequentemente discutida, em particular após a introdução pela Lei n.º 41/2013 no novo CPC da citada alínea, com afirmação de soluções não propriamente coincidentes, assim sobre saber se é ou não admissível, em sede de embargos à execução, deduzir oposição com tal fundamento, em particular o saber-se se a exigibilidade judicial, de que o preceito não prescinde quanto ao crédito ativo, pressupõe ou não a necessidade de prévio reconhecimento judicial.
Muito embora afirmando-se a desnecessidade de sobre tal polémica se tomar posição no caso aí em discussão, por o consideramos relevante para a nossa apreciação, citaremos de seguida parte do texto do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de dezembro de 2019(1),assim quando nesse se fez constar:
“Embora a compensação seja um modo de extinção das obrigações, previsto no art.874º do CC, o legislador não exigiu, de modo literal, para efeitos de oposição à execução, que o facto do qual resulta o crédito a compensar seja “posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração” como exige na alínea g), quando se refere a “qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação.
Na vigência do art.814º do anterior CPC entendia-se que a compensação se incluía na hipótese da alínea g) [correspondente à vigente alínea g) do art.729º] e, consequentemente, exigia-se que o crédito a compensar fosse “posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração”[3].
Apesar de o vigente CPC prever a compensação, de modo autónomo, entre os fundamentos da oposição à execução, há, porém, doutrina que continua a entender [como se entendia antes da autonomização da compensação na atual alínea h)] que o crédito a compensar tem de ser anterior “ao encerramento da discussão no processo de declaração”, o que tem sido justificado, sobretudo, com a necessidade de harmonizar esta alteração legislativa com o regime da reconvenção [prevista no art.266º, n.2, alínea c) do CPC].
Afirma Rui Pinto: “A reforma destaca em separado a compensação na al. h), mas não pode deixar de sujeitar-se aos mesmos requisitos da al. g) da superveniência e da prova. De outro modo, passaria a ser admissível a invocação de contra crédito para compensação que não se invocara em sede de contestação na ação condenatória”.
Na opinião de Lebre de Freitas: “A nova qualificação processual que se pretendeu dar à compensação no art. 266-2-c levou à sua autonomização como fundamento de embargos de executado. É que, excedendo a reconvenção a função defensiva dos embargos (…), a caracterização adjetiva da compensação como reconvenção levaria a negar a sua invocabilidade na dependência da ação executiva, o que seria contrário ao seu regime substantivo.” E acrescenta: “(…) uma vez entendido que o titular do contra crédito tem hoje o ónus de reconvir, o momento preclusivo recua à data da contestação (a reconvenção não pode ser deduzida em articulado superveniente); a invocação da compensação só não será pois, admissível quando ela já era possível à data da contestação da acção declarativa, só assim se harmonizando o regime da alínea h) com o da alínea g) do art. 729. h)”[4].
Ainda na linha do enquadramento doutrinal do problema respeitante à oportunidade processual da invocação da compensação de créditos, cabe citar o que afirmam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, quanto à ação declarativa, em anotação ao art.266º, n.2, alínea c) do CPC: “Com a atual redação da alínea c), pretendeu o legislador tomar posição numa polémica jurisprudencial e doutrinal acerca do instrumento processual adequado para efeitos de invocação do contra-crédito pelo réu. Sendo anteriormente discutido se tal invocação devia ser sempre operada através de reconvenção ou se esta apenas era dedutível na parte em que o montante do contra-crédito excedesse o valor do crédito do autor e o réu visasse a condenação daquele no pagamento do remanescente (tese que prevalecia na jurisprudência e também na doutrina), parece ter ficado claro que, com a nova redação, se pretendeu adotar a primeira solução (…)[5]”.
E acrescentam estes autores: “(…) o segmento normativo «obter a compensação» que, aliás, já vem do anterior CPC, terá o significado correspondente à pretensão no sentido da extinção do direito invocado pelo autor em consequência do reconhecimento do contra-crédito do réu, independentemente de a compensação já ter sido ou não anteriormente declarada, nos termos do art.848º do CC. Tal entendimento encontra a sua justificação na circunstância de o fenómeno da compensação implicar sempre a invocação de uma (outra) relação jurídica da qual emerge o crédito invocado pelo réu, a qual é paralela à relação jurídica que sustenta o pedido do autor[6]”.” (fim de transcrição)

Sem deixar também de reconhecer a existência da mesma polémica, já no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de julho de 2019(2) se tomou posição expressa nesse âmbito, apontando ainda as razões que o justificam, sendo que, por acompanharmos esse entendimento, de seguida transcreveremos parte do seu texto, nos termos seguintes:
“(…) Das conclusões acabadas de transcrever decorre que a questão a decidir consiste em saber se estão verificados os requisitos para o embargante poder invocar a compensação de créditos, designadamente a exigibilidade judicial. (…)
O pomo da discórdia gira em torno do requisito previsto na parte inicial da al. a) do nº 1 do art.º 847º do CC ou seja do que deve entender-se por crédito exigível judicialmente.
Sobre a compensação de créditos dispõe o art. 847º do CC o seguinte: (…)
A compensação é um meio de o devedor se livrar da obrigação, por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor.
No caso e quanto aos requisitos da compensação, apenas se discute a verificação do requisito da exigibilidade judicial do crédito invocado pela embargante.
Interessa então saber o que é, um crédito exigível judicialmente.
Segundo Antunes Varela[3] “Para que o devedor se possa livrar da obrigação por compensação, é preciso que ele possa impor nesse momento ao notificado a realização coativa do crédito (contra crédito) que se arroga contra este”, ideia que o dito art. 847º, nº 1 concretiza, “explicitando os corolários que dela decorrem: o crédito do compensante tem de ser exigível judicialmente e não estar sujeito a nenhuma excepção, peremptória ou dilatória, de direito material”, dizendo-se “judicialmente exigível a obrigação que, não sendo voluntariamente cumprida, dá direito à acção de cumprimento e à execução do património do devedor (art. 817º).”
Na mesma linha se pronunciam Menezes Cordeiro[4] e Menezes Leitão[5], entendendo que o crédito é judicialmente exigível, quando, no momento em que pretende operar a compensação, o compensante esteja em condições de opor ao devedor a realização coativa do seu crédito, o que nos remete para o já referido art. 817º do Código Civil, preceito que, inserido em Secção com a epígrafe “Realização Coactiva da Prestação”, dispõe que “não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor, nos termos declarados neste código e nas leis do processo.”
A exigibilidade judicial de que trata a norma em análise significa, pois, que o crédito oposto pelo compensante ao seu credor esteja vencido[6].
Costuma designar-se como crédito ativo aquele que é invocado pelo compensante e crédito passivo o da pessoa a quem o mesmo é oposto.
Estabelecendo a distinção entre o crédito ativo e o crédito para efeitos de exigibilidade judicial, escreve Menezes Cordeiro[7]:
“Podemos, agora, reescalonar a exigibilidade como requisito da compensação. No fundo, ela traduz a necessidade de que os créditos em presença possam ser cumpridos. Quanto ao crédito activo, isso implica: - que seja válido e eficaz; que não seja produto de obrigação natural; que não esteja pendente de prazo ou de condição; que não seja detido por nenhuma excepção; que possa ser judicialmente actuado; que se possa extinguir por vontade do próprio […].
No tocante ao crédito passivo, podemos dispensar, dos apontados requisitos, o não ser obrigação natural, a pendência do prazo, quando estabelecido a favor do compensante, numa asserção extensiva à compensação, por analogia e o problema das excepções: estando tudo isso na disponibilidade do compensante, ele prescindirá, necessária e automaticamente, das inerentes posições, quando pretenda compensar”.
A questão da delimitação do que deve entender-se por “exigibilidade judicial” para efeitos de compensação de créditos, tal como se demonstra no acórdão recorrido e nas alegações do recorrente não tem tido solução unânime na nossa jurisprudência. Porém este STJ vem-se pronunciando maioritariamente, segundo cremos, no sentido apontado pela citada doutrina, e pelo entendimento sustentado no acórdão recorrido, ou seja, considerando que a exigibilidade judicial de que o preceito não prescinde quanto ao crédito ativo não significa necessidade de prévio reconhecimento judicial, mas apenas que o mesmo crédito esteja em condições de, nos termos do art. 817º, ser judicialmente reconhecido[8].
Assim, diz-se no recente acórdão deste STJ de 10.04.2018[9]:
“o crédito (activo) a compensar não tem de estar reconhecido previamente para se poder invocar a compensação (…)
Assim, é exigível judicialmente o crédito susceptível de ser reconhecido em acção de cumprimento”
E no acórdão do mesmo tribunal de 2.07.2015 que o primeiro cita[10]:
“A exigibilidade do crédito para efeito de compensação não significa que o crédito (…) do compensante, no momento de ser invocado, tenha de estar já definido judicialmente: do que se trata é de saber se tal crédito, que se pretende ver compensado, existe na esfera jurídica do compensante, e preenche os demais requisitos legais; sendo exigível, não procedendo contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material; e terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade – als. a) e b) do nº1 do art. 847º do Código Civil.
O invocado crédito não deixa de ser exigível, muito embora no momento em que é oposto não esteja reconhecido, nem judicialmente, nem pelo credor, o que conduz, inexoravelmente, a uma decisão judicial que os reconheça.
(…) Na verdade como aí se salienta a tese defendida pelo recorrente não tem apoio no direito constituído. «De jure condendo, poderia eventualmente, vir a assistir razão a quem sustentasse tal tese compressora (apesar do seu carácter menos útil para economia e para a cabal e integrada, logo mais justa, solução dos conflitos de interesses privados). Porém, a mesma não resiste a um embate de realidade. Com efeito, de jure condito, nada no regime legal descrito confere razão a tal restrição. Como se disse, o legislador apenas exigiu que o contra-crédito fosse susceptível de ser invocado, com vista ao seu reconhecimento por um Tribunal.
Também o Direito adjectivo constituído não realiza qualquer distinção e menos estatui que o executado deva estar munido de um título executivo. A necessidade desimetria de armas, que parece ser subliminarmente visada pela tese referida (a um título executivo responder-se-ia com outro) não foi nunca verbalizada, a qualquer nível ou com o menor afloramento, pelo legislador. Este apenas pretendeu, na al. h) do art. 729.° do Código de Processo Civil, permitir que, até ao último momento - leia-se, até à cobrança coerciva efectiva - se possa invocar e fazer valer contra-crédito compensatório»”.

Como o dissemos já, não obstante o respeito que nos merecem entendimentos diversos, propendemos para acompanhar, tendo nomeadamente presente o regime atualmente estabelecido – não obstante, pois, reconhecer-se pertinência aos argumentos apresentados em contrário em termos de jure condendo –, a posição assumida no Acórdão anteriormente citado(3).
Em conformidade, importando dar-lhe aplicação ao caso, na consideração, desde logo, de que a decisão recorrida apenas indicou como único argumento para sustentar a decisão de indeferimento liminar a circunstância de o crédito invocado pela executada não se mostrar previamente reconhecido (judicialmente) – não evidenciando, pois, outras razões –, entendemos que tal fundamento não encontra, salvaguardando naturalmente o devido respeito por entendimentos diversos, de jure condito, sustentação bastante na lei.
Assim o dizemos, esclareça-se por último, na consideração, também, de que outras razões / fundamentos não foram invocados na decisão para não se ter admitido a oposição, admitindo-se, pois, que outras possam porventura existir, desde logo relacionadas com as que vieram a ser invocadas pelo Embargado na contestação à oposição e que possam vir a obstar, ao nível do conhecimento do mérito, ao reconhecimento do contracrédito invocado pela Embargante – mas que sequer cuidou aquele de trazer ao presente recurso, ao não ter apresentado contra-alegações –, como ainda, eventualmente, a ser esse o caso, sendo que os presentes autos de recurso não fornecem elementos bastantes nesse âmbito, com a própria natureza, âmbito e efeitos que resultam para as partes do título que se deu à execução(4).
Pelas razões anteriormente expostas, tendo agora, pois, apenas em consideração o objeto do presente recurso e, assim, o único fundamento invocado na decisão recorrida para o indeferimento liminar, em face ainda dos únicos elementos que resultam dos autos para conhecimento do presente recurso, impõe-se a revogação daquela decisão, devendo os autos prosseguir os seus termos subsequentes – sem prejuízo, assim, como se disse, da posterior apreciação pelo Tribunal a quo de outras razões que possam vir a demonstrar-se e que legalmente obstem ao reconhecimento do contracrédito invocado pela Recorrente / embargante, assim as indicadas anteriormente, ou outras.
Em conformidade, procede o presente recurso.
Custas do presente recurso em conformidade e / ou proporção que venha a ser definida em 1.ª instância a final.
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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, indica-se de seguida o sumário do presente acórdão, da responsabilidade exclusiva do relator:
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IV - DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes desta Secção Social, na procedência do recurso, em revogar a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos, nos termos e para os efeitos mencionados no presente acórdão.
Custas do presente recurso em conformidade e / ou proporção com o que venha a ser definido a final, em 1.ª instância, na oposição à execução.

Porto,18 de janeiro de 2021
(assinado digitalmente)
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
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(1) Com exclusão de notas de rodapé - Relatora Conselheira Maria Olinda Garcia, in www.dgsi.pt.
(2) Relator Conselheiro José Manuel Bernardo Domingos, in www.dgsi.pt.
(3) Todos disponíveis em www.dgsi.pt, para além de outros, apenas destra Relação, no mesmo sentido, considerando apenas os mais recentes, vejam-se os Acórdãos de 6 de maio de 2019 (Relatora Desembargadora Fernanda Almeida) e de 20 de fevereiro de 2020 (Relatora Desembargadora Deolinda Varão) e, em sentido diverso, por sua vez, o Acórdão de 14 de janeiro de 2020 (Relatora Desembargadora Ana Lucinda Cabral).
(4) Assim, nomeadamente, o saber-se se a sentença que esse título consubstancia se pronunciou ou não sobre o mérito, pois que pode eventualmente não ser esse o caso, como ocorre nomeadamente quando esteja em causa uma sentença homologatória de transação firmada pelas partes em ação declarativa, em particular, na consideração dos termos que dessa possam constar, por decorrência dos efeitos legais que da mesma possam resultar, assim para saber-se se esses efeitos impedem a posterior invocação de um eventual crédito da aqui Embargante não considerado naquela transação.
Na verdade, importará então ter presente que, como resulta do disposto no artigo 1248º, n.º 1, do CC, a transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões. Assim, como expressamente desse preceito resulta, a finalidade do contrato de transação consiste, pois, precisamente em prevenir ou terminar um litígio, ou seja, nas palavras de Rodrigues Bastos Dos Contratos em Especial, vol. III, 1974, pág. 221), através da transação substitui-se “a incerteza sobre a questão controvertida pela segurança que para cada uma das partes resulta do reconhecimento dos seus direitos pela parte contrária, tal como ficam configurados depois da transação”, sendo que, constituindo pois a existência de concessões recíprocas requisito constitutivo do contrato de transação, sendo deste modo deixados os termos da exigida reciprocidade afinal à liberdade das partes e à avaliação que as mesmas façam da distribuição do risco do resultado do litígio, agora também por apelo aos ensinamentos de Alberto dos Reis, poderemos dizer que a transacção situar-se-á, assim, a meio da desistência do pedido e da confissão (Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3.º, pp. 489 e ss).