Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
428/14.9T9PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDA LOBO
Descritores: ADVOGADO EM CAUSA PRÓPRIA
SUSPENSÃO
ASSISTENTE
Nº do Documento: RP20160921428/14.9T9PRT-A.P1
Data do Acordão: 09/21/2016
Votação: RECLAMAÇÃO
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 690, FLS.2-5)
Área Temática: .
Sumário: O advogado com a inscrição suspensa na Ordem dos Advogados não pode advogar em causa própria e auto representar-se para intervir como assistente em processo penal.
Reclamações: Reclamação nº 428/14.9T9PRT-A.P1
4ª secção

B… apresentou queixa contra os membros do Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados, subscritores do Acórdão desse órgão de 23.05.2014 e, na pendência do inquérito, apresentou ainda queixa contra a Srª. Bastonária da Ordem dos Advogados e contra o Presidente da Comissão de Inscrição da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas e outros membros da mesma Comissão.
Encerrado o inquérito que correu termos na 5ª secção do DIAP do Porto, com o nº 428/14.9T9PRT, o Mº Público determinou o arquivamento dos autos nos termos do artº 277º nº 1 do C.P.P., concluindo pela inexistência de crime [cfr. fls. 76 a 81 do presente incidente de reclamação].
O queixoso, invocando a sua qualidade de Advogado a agir em causa própria, requereu a sua constituição como assistente e, simultaneamente, requereu a abertura de instrução [cfr. fls. 300 a 327 deste incidente].
Por entender que o ofendido/advogado tem de ser representado por outro advogado para se constituir como assistente em processo penal, a Srª. Juíza de Instrução ordenou a notificação do requerente para, em prazo que fixou, “juntar aos autos procuração subscrita a favor de outro advogado”.
Notificado daquele despacho, o queixoso juntou aos autos o requerimento de fls. 341 a 343, pugnando pelo reconhecimento do “direito absoluto do signatário a advogar in casu em causa própria”.
Face à atitude do queixoso, a Srª. Juíza de Instrução rejeitou o requerimento instrutório apresentado [cfr. fls. 345 deste incidente].
Inconformado, o queixoso Dr. B… interpôs recurso para este Tribunal da Relação do Porto, o qual veio a ser rejeitado por despacho proferido a fls. 418 e 419, com o fundamento de que, não tendo o recorrente constituído mandatário judicial para o efeito, não reúne as condições necessárias para recorrer.
É desse despacho que o queixoso traz a presente reclamação, pugnando pela admissão do autopatrocínio e, consequentemente, pela admissão do recurso.

Cumpre apreciar e decidir:
A questão que se coloca na presente reclamação consiste em saber se um advogado, que tenha a respetiva inscrição suspensa na Ordem dos Advogados, pode intervir nessa qualidade em causa própria, como assistente em processo penal.
Antes de mais, importa referir que é obrigatória a assistência de advogado nos recursos ordinários (artº 64º nº 1 al. e) do C.P.P., no que respeita à representação do arguido), sendo o assistente sempre representado por advogado (artº 70º nº 1 do C.P.P.), pelo que, consequentemente, as reclamações deduzidas contra decisões que não admitam os recursos interpostos devem ser subscritas por advogado.
Considerando, porém, que a questão colocada contende exatamente com a referida obrigatoriedade de patrocínio, proceder-se-á à apreciação da reclamação, sob pena de se criar um ciclo vicioso que impediria o reclamante de discutir a questão.
Vejamos se lhe assiste razão.
Sob a epígrafe “exercício da advocacia em território nacional” dispõe o artº 66º nº 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados[1], aprovado pela Lei nº 145/2015 de 09 de setembro: «Sem prejuízo do disposto no artigo 205º, só os advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados podem, em todo o território nacional, praticar atos próprios da advocacia, nos termos definidos pela Lei nº 49/2004 de 24 de Agosto».
Sobre o sentido e alcance dos atos próprios dos advogados, dispõe o artº 1º nº 1 da Lei nº 49/2004 de 24.08 que «apenas os licenciados em Direito com inscrição na Ordem dos Advogados … podem praticar os atos próprios dos advogados».
A propósito do exercício da advocacia em causa própria, pode ler-se no Parecer nº 11/PP/2009-G do Conselho Geral da Ordem dos Advogados “O exercício da advocacia em causa própria implica necessariamente e obrigatoriamente a prática de …”atos próprios da advocacia” … e tal implica …”inscrição em vigor na Ordem dos Advogados”. Advogar em causa própria é “assumir o seu próprio patrocínio” conforme referido acima, e o exercício do patrocínio forense só é permitido aos ”licenciados em direito com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados”… Tal resulta claramente quer do referido nº. 1 do artº 61º do EOA quer do artº. 1º da Lei nº 49/2004 de 24 de Agosto, especialmente o seu nº. 1.”
Estando em causa atos praticados no âmbito de um processo judicial em que a constituição de advogado é obrigatória, por força da lei, o ora reclamante encontra-se efetivamente impedido de assumir o patrocínio em causa própria, na medida em que a suspensão da respetiva inscrição na Ordem dos Advogados implica que se lhe encontre vedado o exercício dos atos próprios da profissão, de acordo com o preceituado no artigo 66º do EOA e conforme entendimento uniforme e reiterado dos nossos Tribunais.
Não está aqui em causa a auto-representação de um assistente que é advogado, mas sim a auto-representação por advogado que tem a sua inscrição suspensa na Ordem dos Advogados.
Aliás, os tribunais portugueses, de várias jurisdições, incluindo o próprio Tribunal Constitucional, já têm debatido largamente esta questão, e até relativamente a este mesmo reclamante.
O que todas essas decisões têm em comum é o facto de negarem a suscetibilidade de o mesmo se representar a si próprio em juízo, determinando que o referido patrocínio judiciário teria de ser necessariamente assegurado por mandatário legalmente constituído para o efeito, tendo em conta a situação em que o mesmo se encontra, isto é, ter a sua inscrição suspensa na Ordem dos Advogados, o que constitui impedimento absoluto à auto-representação.
No acórdão do STA de 28.02.2002, proferido no Proc. nº 048332, ainda na vigência do Decreto-lei nº 84/84 de 16 de Março pode ler-se:
“(…) Nada obsta, por isso, a que o exercício de determinadas profissões, como a advocacia, possa ser regulamentado e, inclusivamente sujeito à inscrição dos que a pretendam exercer.
A inscrição na Ordem condiciona, em regra, o exercício da profissão de advogado.
Ora, o agora Recorrido, tendo a sua inscrição suspensa, não detém a qualidade de advogado, não podendo, por isso, beneficiar de um estatuto profissional (o de Advogado), para, com base nele, pretender exercer a advocacia, ainda que, apenas, em causa própria e nas do seu cônjuge.
É que, convenhamos, ao advogar em causa própria e nas de seu cônjuge o Recorrido não deixaria de estar a exercer a advocacia, não acolhendo o EOA qualquer distinção entre aquilo que se possa pretender qualificar como o “exercício profissional da advocacia” e o mero “exercício pontual da advocacia”, nesta última situação se pretendendo enquadrar o exercício da advocacia em causa própria e do seu cônjuge.
Por outro lado, das disposições combinadas dos artigos 53º, nºs 1 e 5, 155º nºs 1 e 5 e 156º, nº 1, al. d) e nº 2 do EOA decorre que, para o que ao caso dos autos interessa, a suspensão da inscrição equivale à não inscrição na Ordem dos Advogados”.

E no Ac. do STA de 03.11.2004, proferido no Proc. nº 01424/02:
“I - Só os advogados com a inscrição em vigor na Ordem dos Advogados podem praticar atos próprios da profissão e designadamente advogar em causa própria, salvo as exceções previstas na lei.(cf. Artº 53º, nº1 do Estatuto da Ordem dos Advogados e artº 1º, nº 1º da Lei nº 49/2004, de 24.08).
II - É obrigatória a constituição de advogado nos processos da competência dos tribunais administrativos, salvo os casos previstos na lei (Artº 5º da LPTA, aplicável ao caso).
III - Assim, para que o recorrente possa intervir em recurso contencioso de anulação de ato de indeferimento tácito que imputa ao Provedor de Justiça, como advogado em causa própria, não se verificando exceção legal que o permita, necessário é que o seja de pleno direito, isto é, que a sua inscrição na Ordem dos Advogados esteja válida e em vigor.
IV - Tendo sido junta certidão emitida pela Ordem dos Advogados onde se atesta que o recorrente tem a sua inscrição suspensa, deverá o mesmo ser notificado para constituir advogado, sob pena de absolvição da autoridade recorrida da instância, nos termos dos artº 33º do CPC "ex vi" do artº 1º da LPTA.”.
No Ac. do STA de 02.10.2008, processo nº 0393/07:
“I – Só os advogados com a inscrição válida e em vigor na Ordem dos Advogados podem praticar atos próprios da profissão e designadamente advogar em causa própria, salvo as exceções previstas na lei. (cf. Art.° 53°, n°1 do Estatuto da Ordem dos Advogados e art.° 1º, n° 1º da Lei n° 49/2004, de 24.08).
II – É obrigatória a constituição de advogado nos processos da competência dos tribunais administrativos, salvo os casos previstos na lei (art.° 5° da LPTA, aplicável ao caso).
III - Tendo sido junta certidão emitida pela Ordem dos Advogados onde se atesta que o recorrente tem a sua inscrição suspensa, deverá o mesmo ser notificado para constituir advogado, sob pena de absolvição da autoridade recorrida da instância, nos termos dos art.° 33º do CPC “ex vi” do art.° 1° da LPTA.”.
No Ac. do Tribunal Constitucional nº 317/2008 de 11.06.2008:
«É a Ordem dos Advogados que detém a competência para conferir o respetivo título profissional. A Ordem dos Advogados informou que está suspensa a inscrição do reclamante. Por esta razão o reclamante está impossibilitado de exercer a advocacia.
Foi, em consequência, notificado para constituir advogado. Não o fez. O seu recurso não pode prosseguir face ao disposto no artigo 83º da Lei 28/82 de 15 de Novembro, e no artigo 33º do Código de Processo Civil, tal como se diz no despacho reclamado.
[...]
Na verdade, e sem prejuízo do direito de acesso aos tribunais de que genericamente goza o recorrente para defesa dos seus interesses, que aqui não está em causa, o certo é que os poderes conferidos pela lei à Ordem dos Advogados, como a entidade que, em Portugal, exerce atribuições públicas em matéria de inscrição na Ordem e consequente autorização para o exercício da advocacia, impedem que o Tribunal invada essa competência administrativa e, a título primário e incidental, autorize o recorrente a usar a designação profissional e a praticar a atividade típica da advocacia, ainda que limitada ao presente processo.»
Ac. do STJ de 20-11-2014, proferido no Proc. nº 7/14.0TAVRS.S1:
«[…] III -A questão da autodefesa do arguido, advogado, por si mesmo, em processo criminal, é antiga, podendo considerar-se como pacífica ao nível da jurisprudência interna, o entendimento que perfilha a sua proibição, atenta a incompatibilidade com o estatuto do arguido; há poderes atribuídos por lei ao defensor inconciliável com o exercício em simultâneo da defesa pelo próprio arguido.
IV -No caso dos autos, o recorrente participou criminalmente pela recusa de aceitação pelos Juízes da Relação a intervir em causa própria, onde assumia a posição de arguido, auto-defendendo-se, atenta a qualidade de advogado, e o inquérito criminal contra aqueles instaurado veio a findar por arquivamento, nos termos do art. 277.º, n.º 1, do CPP, […]
VI -O ora recorrente já se queixou ao TEDH contra Portugal, alegando estar impedido de se defender por si mesmo, visto ser advogado. E a decisão proferida na sequência frisou que a opção entre o poder de nomear defensor oficioso ou manter a defesa pelo próprio arguido incumbe às autoridades competentes, estando-se numa “margem de apreciação concedida às autoridades nacionais”.
VII - De novo o recorrente se dirigiu às instâncias internacionais, mas desta vez ao Comité dos Direitos do Homem, que, ao apreciar a queixa contra Portugal, à luz do art.14.º, § 3.º, al. d), do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, declarou que o nosso País infringiu esse preceito e concedeu o prazo de 90 dias, a contar de 18-04-2006, para modificar a sua legislação interna, o que não fez, ou seja no sentido da admissibilidade da auto-representação do advogado-arguido.
VIII - À luz daquele art. 14.º, a representação em tais circunstâncias só é admissível em situações graves e sérias, como no caso de obstrução sistemática pelo arguido dos trabalhos do tribunal, de enfrentar uma acusação grave e se mostrar incapaz de agir no seu interesse ou ser necessário proteger testemunhas vulneráveis.
IX - Critério restritivo, porém sem dúvida de aferição difícil e mais difícil execução, rompendo contra toda uma tradição jurídica, causador, se adotado, de inúmeras e previsíveis perturbações, superando os inconvenientes as vantagens, razão pela qual os órgãos competentes não concretizaram no plano legislativo aquela declaração do Comité, evidente sendo não incumbir ao intérprete e aplicador da lei substituir-se -lhe, admitindo o que a lei não prevê, arvorando-se ele próprio de legislador.
[…]»
Ac. do STJ de 29.01.2015, proferido no Proc. nº 8/14.9YGLSB.S1:
«[…]
IX - Ora, advogado só é, de acordo com o art. 65.º, n.º 1, do EOA, um licenciado em Direito com a inscrição em vigor na OA. Só quem estiver nessas condições pode praticar em todo o território nacional atos próprios da advocacia. Acontece que o recorrente tem a sua inscrição suspensa por determinação da OA desde 1993 e, portanto, não pode considerar-se advogado para o efeito que aqui pretende obter.
X - A jurisdição comum só tem competência para apreciar a nulidade do ato administrativo quando este se apresente como questão prejudicial interferente com o direito sobre o qual incide o litígio, que seja atinente com a matéria de direito material em discussão, quando o ato surja como pressuposto ou fundamento da questão a decidir no processo.
XI - As questões a decidir no processo de onde este recurso é oriundo, mesmo aceitando a competência dos tribunais comuns para a apreciar, são as de saber, se outras não surgirem, em primeiro lugar, se o recorrente tem legitimidade para intervir na ação penal e, depois, se determinados juízes praticaram ou não crimes de denegação de justiça e prevaricação e se o recorrente tem legitimidade para promover a ação penal e, no seu âmbito, se tem interesse em agir. A de saber se o recorrente se encontra nas condições legais de assegurar a representação técnica, isto é, se é advogado, não é interferente com aquelas.
XII - Acresce que a AO é uma associação pública profissional sujeita a um regime de direito público no desempenho das suas atribuições, não cabendo na competência do STJ apreciar a hipotética nulidade da decisão da OA que suspendeu a inscrição do recorrente.»

No Ac. do Tribunal Constitucional nº 325/2016:

«O subscritor do requerimento de reclamação para o Tribunal Constitucional (fls. 206) não tem a qualidade de advogado, por se encontrar com a inscrição suspensa desde 24/09/1993 (fls. 254), pelo que não pode representar o A. nessa qualidade. Tendo sido concedida ao Reclamante a oportunidade de suprir a falta de constituição de advogado, a decisão do relator, no sentido de determinar que a reclamação não teria seguimento mostra-se conforme ao disposto no artigo 41.º do CPC, é correta e, consequentemente, deve ser confirmada (cfr. Acórdão n.º 52/2014).
É irrelevante o que consta das conclusões 1 e 2 da reclamação, na medida em que o Tribunal Constitucional não deve nem pode indagar a validade da decisão de suspensão da inscrição tomada pela Ordem dos Advogados, “[…] escapando manifestamente à competência deste Tribunal apreciar a validade do ato que determinou a cessação dessa qualidade […]” (Acórdão n.º 52/2014; cfr., ainda, os Acórdãos n.ºs 636/2014, 631/2014 e 367/2010).
Por outro lado, como o próprio Requerente admite, só os advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados podem, em todo o território nacional, praticar atos próprios da advocacia (artigo 66.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pela Lei n.º 145/2015 de 9 de setembro), situação em que o subscritor das peças processuais não se encontra. Sendo esta a norma vigente, carece de sentido invocar um direito à representação “em causa própria” decorrente de lei anterior (não se tratando de um “direito adquirido”, mas antes de um estatuto que, em cada momento, se sujeita às condições legalmente impostas para que possa ser reconhecido).
Ao contrário do que afirma o subscritor das peças processuais do Reclamante, ele não se encontra na mesma situação de facto ou de direito dos magistrados judiciais e do Ministério Público, que podem advogar em causa própria mediante previsão legal expressa (artigos 48.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais e 93.º do Estatuto dos Magistrados do Ministério Público).
Por fim, como resultou amplamente afirmado, desde logo, no Acórdão n.º 326/1997, a Constituição não dá acolhimento a pretensões de autodefesa ou autopatrocínio por pessoas que não têm a qualidade de advogado no âmbito em que a lei ordinária impõe a constituição de advogado. Como ali se escreveu:
“[…] Determinando o n.º 1 do artigo 53.º do Estatuto [Estatuto da Ordem dos Advogados então vigente] que só os advogados e advogados estagiários com inscrição em vigor na Ordem podem praticar os atos próprios da profissão de advogado, não se descortina em que medida tal norma possa constituir qualquer restrição ao acesso ao direito e aos tribunais por parte dos licenciados em direito ali não inscritos.
A razão ou fundamento ‘constitucional’ que legitima a reserva de exercício da advocacia e do patrocínio judiciário a advogados inscritos numa ordem profissional – na qual se comportam no plano do exercício do patrocínio exigências diversas relativas à deontologia e à disciplina profissional –, razão essa que tem a ver com o adequado funcionamento das instâncias judiciárias e, portanto, com o próprio exercício, tanto do direito à justiça, como da função judicial – é também suficiente para legitimar uma solução legal que não concede a alguém, só pelo simples facto de possuir exatamente a qualificação académica necessária à inscrição na dita Ordem, o direito de exercer a advocacia, ainda que em causa própria.
A norma do artigo 53.º, n.º 1, do E.O.A. não contém nem uma medida restritiva nem uma limitação desproporcionada não atingindo «direitos adquiridos» que mereçam especial tutela.
É a própria Constituição, portanto, que diretamente faculta ao legislador a possibilidade de impor condições ou limites ao exercício de certas profissões – e entre tais condições, requisitos ou limites não se vê que não possa estar justamente o da inscrição obrigatória dos profissionais em causa numa associação pública «representativa» de todos eles.
Não pode sequer considerar-se excessiva uma tal exigência, mesmo relativamente a licenciados em Direito, pois não praticando com regularidade a advocacia, não é desrazoável pensar que para uma defesa judicial eficaz dos seus direitos e interesses devam eles, também, fazer-se assistir por profissionais do foro, por si escolhidos ou nomeados em regime de apoio judiciário, para que, com a necessária competência e serenidade pratiquem os atos judiciais tendentes à boa administração da justiça.
Assim, a exigência de inscrição na Ordem dos Advogados dos licenciados em Direito que quiserem auto-representar-se, em causas para as quais se exija a constituição de advogado, decorrente do n.º 1 do artigo 53.º do respetivo Estatuto, não podendo situar-se quaisquer eventuais expectativas de autopatrocínio em plano superior ao dos interesses que se visa garantir com a inscrição obrigatória na respetiva Ordem, não viola o artigo 20º da Constituição».

No mesmo sentido já se havia pronunciado o Tribunal Constitucional nos Acórdãos nºs 367/2010, 52/2014, 631/2014 e 636/2014, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt

Face à constante orientação dos Tribunais superiores sobre esta mesma matéria, e não vendo motivos para dela discordar, também nós entendemos que, não se encontrando inscrito na Ordem dos Advogados, por ter a respetiva inscrição suspensa, o reclamante não se encontra habilitado a advogar, incluindo em causa própria. E não tendo correspondido à notificação que lhe foi dirigida para constituir mandatário, na sequência da requerida constituição como assistente, conclui-se, como na decisão decisão reclamada, que o recorrente não reúne as condições necessárias para recorrer (artº 414º nº 2 do C.P.P.), não só porque as motivações de recurso não se mostram subscritas por advogado (entendido como pessoa com os requisitos legais para praticar atos de advocacia), como também porque o ofendido – não constituído assistente – não tem legitimidade para interpor recurso da decisão que rejeitou o requerimento de abertura de instrução.
Refira-se ainda que é inócuo o esforço do reclamante para demonstrar que é inválida a deliberação do Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados. É que no âmbito do presente incidente de reclamação, não deve nem pode este Tribunal indagar da validade da decisão de suspensão da inscrição tomada pela Ordem dos Advogados, podendo apenas constatar se a eficácia da mesma foi objeto de alguma decisão judicial com força de caso julgado material.
Ora, não estando demonstrada a existência de qualquer decisão com essa força, não podemos deixar de atender à informação prestada pela Ordem dos Advogados através do ofício junto a fls. 330, de que o reclamante “se encontra com a inscrição suspensa desde 24.09.1993”.
*
Pelo exposto, indefere-se a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.
*
Porto, 21 de Setembro de 2016
Eduarda Lobo
(Vice-Presidente do Tribunal da Relação do Porto)
_______
[1] Doravante designado por EOA.
Decisão Texto Integral: