Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
783/14.0T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DA LUZ SEABRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
PROVA DO DANO
EQUIDADE
LIQUIDAÇÃO
Nº do Documento: RP20221011783/14.0T8VNG.P1
Data do Acordão: 10/11/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Se falta a prova do dano tem de soçobrar o pedido indemnizatório por falta de um dos pressupostos da responsabilidade civil, porém o mesmo não deve ocorrer se faltar apenas a prova do valor do dano, porquanto a indemnização por equivalente, necessária à reparação do dano infligido, pode ser ulteriormente alcançada em sede de incidente de liquidação ou ser mesmo fixada em termos de equidade.
II - A opção entre a fixação da indemnização com recurso à equidade e a liquidação subsequente deve fazer-se consoante seja ou não previsível que o valor exato do dano será apurado com prova complementar, devendo em caso afirmativo dar-se prevalência à condenação genérica e não fixar-se logo a indemnização com recurso à equidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 783/14.0T8VNG.L1- APELAÇÃO
Origem: Juizo Local Cível de Vila Nova de Gaia – J1
Recorrentes: AA
BB
Recorridos: CC
DD
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Sumário (elaborado pela Relatora):
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I. RELATÓRIO:
1. AA e BB intentaram acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra CC e DD, peticionando a condenação dos Réus a pagarem-lhes a quantia de €5674,28 (cinco mil, seiscentos e setenta e quatro euros e vinte e oito cêntimos), resultantes da deterioração e desaparecimento de utensílios e bens do estabelecimento em questão, acrescida de juros legais desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, tudo com custas e demais despesas legais a cargo dos RR.
Como fundamento das referidas pretensões, alegaram, em síntese que, por contrato escrito outorgado no dia 1 de Junho de 2000, Autores e Réus celebraram entre si um contrato de cessão de exploração de estabelecimento, mediante o qual os primeiros cederam aos segundos, temporária e onerosamente, a exploração do estabelecimento comercial de que os Autores são proprietários, com todos os elementos que o compunham (cfr. Documento n.º 3, e respectiva relação anexa, junto aos autos), contrato esse que foi declarado resolvido porque os Réus deixaram de liquidar as prestações mensais devidas pela referida cessão de exploração, conforme foi declarado por sentença transitada em julgado proferida no âmbito do processo n.º 1249/2001, do 6.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, que condenou os Réus a entregarem tal estabelecimento aos aqui Autores e, ainda, a pagarem a estes a quantia de €897,84 mensais, desde Junho de 2001 até à entrega do estabelecimento acabando o referido estabelecimento comercial, denominado “...”, composto pelos bens descritos no respectivo Auto de Entrega, por ser entregue aos aqui Autores, em 03 de Dezembro de 2004.
Já na posse do referido locado, foram os aqui Autores confrontados com uma série de irregularidades causadas pelo mau uso, pela falta de zelo, dada ao locado, bem como, aos bens e utensílios que o compunham, alegando que, de forma a compor o estabelecimento tal como ele se encontrava à data da cessão de exploração, tiveram de proceder à aquisição de bebidas num total de €: 371,87 (Trezentos e Setenta e Um Euros e Oitenta e Sete Cêntimos), de proceder à reposição de todo um conjunto de utensílios/louças próprios do estabelecimento em causa, inexistentes no mesmo aquando da referida entrega judicial, num total de €: 909,41 (Novecentos e Nove Euros e Quarenta e Um Cêntimos) e, terão também que promover a reparação do sistema de alarme que implica um custo de €: 550,00 (Quinhentos e Cinquenta Euros), bem como, da máquina do café, do moinho de café, de um grelhador, da vitrine dos gelados e do balcão, num total de €: 3.843,70 (Três Mil Oitocentos e Quarenta e Três Euros e Setenta Cêntimos) uma vez que estes equipamentos se encontram avariados e danificados, o que se deveu a incorrecta utilização e mau uso dos mesmos por parte dos aqui Réus, e, por último, de proceder ainda à reparação das louças sanitárias e saneamento, no montante de €: 375,00 (Trezentos e Setenta e Cinco Euros), reclamando os aqui AA dos RR o pagamento de uma indemnização no valor total peticionado, por os danos supra referidos terem resultado única e exclusivamente da conduta dos aqui Réus.

2. Os Réus/Apelados deduziram contestação/reconvenção, suscitando a excepção da prescrição, impugnando os factos que fundamentam a pretensão dos Autores/Apelantes e, formulando os seguintes pedidos reconvencionais:
- Condenação dos Reconvindos na declaração da validade do Contrato de Arrendamento aquando da oposição à execução;
- Declaração da constituição dos Reconvindos em mora;
-Condenação dos Reconvindos no pagamento de € 5.000,00 por Indemnização por Danos Emergentes;
-Condenação dos Reconvindos no pagamento de € 12.000,00 por Indemnização por Lucros Cessantes;
-Condenação dos Reconvindos no pagamento de € 10.000,00 por Indemnização pela Privação do Uso;
- Condenação dos Reconvindos ao cumprimento contratual pela entrega do imóvel;
- Condenação dos Reconvindos por litigância de má-fé.

3. Os Autores apresentaram réplica, deduzindo oposição aos pedidos reconvencionais, sustentando a sua inadmissibilidade e, impugnaram a matéria de facto alegada para os fundamentar, concluindo por pedir a condenação dos RR como litigantes de má-fé, no pagamento de uma multa e de indemnização condigna a fixar equitativamente aos AA.

4. Por despacho proferido a 3/4/2017 não foram admitidos os pedidos reconvencionais formulados pelos RR, por não se mostrarem reunidos os requisitos legais, decisão essa entretanto transitada em julgado.

5. Designada data para audiência prévia, veio a ser posteriormente elaborado despacho saneador, no âmbito do qual foi julgada improcedente a excepção da prescrição, foi fixado o objecto do litígio, bem como os temas de prova, que não foi objecto de reclamação.

6. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, que julgou improcedente, por não provada, a presente acção e, em consequência, absolveu os RR. do pedido formulado pelos AA., assim como absolveu os AA. do pedido de condenação por litigância de má fé formulado pelos RR.

7. Inconformados, os Autores/Apelantes interpuseram recurso de apelação da sentença final, formulando as seguintes
CONCLUSÕES
A. Vem o presente recurso da circunstância dos aqui Apelantes não se conformarem com a, aliás, douta sentença com a Ref.ª 433286166, proferida nos presentes autos, que julgou, a presente acção improcedente e, consequentemente, absolveu os Réus/Apelados do pedido formulado.
Com efeito,
B. Desde logo, entendem os ora Apelantes ter sido incorrectamente julgada a matéria de facto, concretamente, a factualidade constante dos factos não provados, sob as alíneas a) a e), por considerarem que, da prova documental e testemunhal produzida nos autos, se impunha decisão diversa da proferida,
C. Isto porque, e desde logo, no que respeita à prova documental junta a estes autos de processo, importa destacar o seguinte:
- Documento n.º 3 junto com a petição inicial, constituído pelo contrato de cessão de exploração e respectiva Relação de Maquinaria, Utensílio e Recheio – do qual resulta, com clareza e exactidão pormenorizada, o elenco daqueles bens, alimentares, maquinaria e utensílios, que forma pelos Autores, aqui Apelantes, entregues aos Réus, e pelos quais os mesmos se responsabilizaram;
- Documento n.º 7 junto com a petição inicial, constituído pelo Auto de Entrega de 03.12.2004, elaborada pelo Exma. Senhora Agente de Execução, aliás, testemunha nos autos – do qual resulta a respectiva descrição pormenorizada do recheio (bens, utensílios e maquinaria) que à data daquela entrega se encontrava no mesmo; sendo que, do confronto entre tais documentos e respectivas listas (de bens/utensílios/maquinaria) resulta claramente que os Réus não entregaram aos Autores tudo quanto dos mesmos receberem por força do contrato dos autos;
- Documentos ns.º 8 e 9 juntos com a petição inicial, constituídos por declaração de preço dos bens aí melhor descritos, num total de €: 371,87 (Trezentos e Setenta e Um Euros e Oitenta e Sete Cêntimos) – bens esses que constam do documento n.º 3, e já não constam do documento n.º 7 ;
- Documentos n.º 10 a 12 juntos com a petição inicial, constituído por orçamentos respeitantes a diversos utensílios/louças próprios do estabelecimento em causa, que se encontravam no mesmo à data do contrato dos autos (doc. 3) e inexistentes no mesmo após a referida entrega (doc. 7), e melhor descriminados naqueles documentos, num total de €: 909,41 (Novecentos e Nove Euros e Quarenta e Um Cêntimos);
-Documento n.º 13 junto com a petição inicial, constituído por orçamento respeitante a reparação do sistema de alarme, num total de €: 550,00 (Quinhentos e Cinquenta Euros) – alarme esse devidamente identificado no documento n.º 3 junto aos autos (a fls. 4/5 – linha 27 da coluna da esquerda)
-Documento n.º 14 junto com a petição inicial, constituído por orçamento referente a reparação da máquina do café, do moinho de café, de um grelhador, da vitrine dos gelados e do balcão, num total de €: 3.843,70 (Três Mil Oitocentos e Quarenta e Três Euros e Setenta Cêntimos) – devidamente identificados no documento n.º 3 junto aos autos (a fls. 3/5)
-Documento n.º 15 junto com a petição inicial, constituído por orçamento para reparação de louças sanitárias e saneamento, no montante de €: 375,00 (Trezentos e Setenta e Cinco Euros);
D. Dos quais, desde logo, numa atenta análise dos mesmos - descurada por este Dign.º Tribunal - resulta a correspondência de bens em falta e/ou avariados, entre os bens elencados no documento n.º 3 e no n.º 7, e aqueles que vêm posteriormente descritos nos orçamentos juntos aos autos.
E. Deste modo, crê-se que o Dign.º Tribunal “a quo” não valorizou, como se lhe impunha, a prova documental supra referida, a qual por si só, impunha decisão diversa da proferida quanto àquela concreta matéria de facto.
F. Isto porque, resulta claramente que, em observância do disposto na Cláusula 4.ª do Contrato de Cessão de Exploração em causa – doc. 3 – os aqui Réus/Apelados haviam de ter entregue aos Autores/Apelantes «o estabelecimento e tudo o que o compõem, relação que é parte integrante deste contrato», «em perfeito estado de funcionamento, conservação e limpeza», e, da prova documental supra elencada, e da prova testemunhal trazida a estes autos de processo, resulta em abundância que assim não sucedeu!
G. Tanto assim é que, o Dign.º Tribunal “a quo” – e bem, dizemos nós – deu como provado – nos pontos 15 a 20 dos factos provados – que aquele estabelecimento não foi entregue com todos os bens e componentes ao mesmo pertencentes, constantes da relação anexa ao contrato de cessação de exploração, designadamente bebidas, utensílios/louças, e que, além disso, o equipamento, máquinas e instalações apresentava avarias ou anomalias (o sistema de alarme estava avariado, a máquina do café, o moinho de café, um grelhador e a vitrine dos gelados e do balcão, bem como as louças sanitárias e o saneamento estavam avariados ou danificados).
H. Deste modo, não se compreende como pode o Dign.º Tribunal considerar que os Autores não lograram provar que sofreram prejuízos – então, a falta de bens, por um lado, e a avaria de equipamento, máquinas e instalações, por outro, não são prejuízos? Os factos provados sob os pontos 15 a 19 não são prejuízos?
I. Mais, como pode o Tribunal “a quo” afastar os factos das alíneas a) a e) dos factos não provados, do elenco dos factos provados, quando, na verdade, já havia considerado provada a existência daqueles danos;
J. Assim, salvo o devido respeito, não vemos porque razão afastar a prova documental junta aos autos, sob os documentos n.º 8 a 15 e supra já referidos, a qual, aliada à prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento – e supra transcrita, naqueles precisos termos, que aqui se dá por reproduzida, por razões de economia processual, se devidamente ponderada, conduziria ao inverso daquela decisão.
K. Isto posto, diga-se que os Autores/Apelantes não demonstraram efectivamente que custearam os valores identificados nos documentos em causa – doc. 8 a 15 juntos com a petição inicial - por se tratar os mesmos não de facturas/recibos mas meros orçamentos, no entanto, provaram que sofreram prejuízos!
L. Prejuízos esses consubstanciados no facto do estabelecimento em causa não ter sido entregue com todos os bens e componentes ao mesmo pertencentes, constantes da relação anexa ao contrato de cessação de exploração, designadamente bebidas, utensílios/louças, e que, além disso, o equipamento, máquinas e instalações apresentava avarias ou anomalias (o sistema de alarme estava avariado, a máquina do café, o moinho de café, um grelhador e a vitrine dos gelados e do balcão, bem como as louças sanitárias e o saneamento estavam avariados ou danificados).
M. E, mais, provaram os Autores que, para efeitos de adquirir aquelas louças e utensílios, e reparar as avarias e anomalias existentes nas máquinas, equipamentos e instalações sanitárias, teriam que despender, pelo menos (atendendo à data em que os orçamentos foram solicitados – coincidentes, aliás, com a verificação dos danos existentes, e já não com a data da presente sentença, o que por certo faria encarecer o custo dos mesmos), o valor constante dos orçamentos juntos aos autos.
N. De modo que, face ao exposto, crê-se que mal andou o Dign.º Tribunal “a quo” na apreciação de facto que fez da prova produzida nos autos, porquanto, se entende que, com base na prova documental supra aludida – não impugnada em sede de contestação apresentada pelos Réus/Apelados -, e testemunhal supra transcrita – depoimentos isentos, objectivos e claros -, deveria o Dign.º Tribunal “a quo” ter levado à matéria de facto provada o teor daquela documentação, como seja, que:
(a) De forma a compor o estabelecimento tal como ele se encontrava à data da cessão de exploração, os AA. teriam que proceder à aquisição dos bens – bebidas - melhor descriminados nos documentos juntos com a petição inicial como docs. 8 e 9 diante juntos, o que importaria num custo de, pelo menos, € 371,87;
(b) E, teriam ainda os AA. que proceder à reposição de todo um conjunto de utensílios/louças próprios do estabelecimento em causa, melhor descriminados nos documentos juntos com a petição inicial como docs. 10 a 12, o que importaria num custo de, pelo menos, €: 909,41;
(c) Ademais, teriam também os AA. que reparar o sistema de alarme, o que implicaria um custo de, pelo menos, € 550,00;
(d) bem como a máquina do café, do moinho de café, de um grelhador, da vitrine dos gelados e do balcão, o que importaria num custo de, pelo menos, €: 3.843,70;
(e) E, por último, teriam os AA. que proceder à reparação das louças sanitárias e saneamento, o que importaria num custo de, pelo menos, €: 375,00.
O. Donde, no modesto entender dos aqui Apelantes, e salvo melhor opinião, conclui-se que o Digníssimo Tribunal “a quo” não ponderou devidamente a matéria de facto que lhe foi apresentada, tendo, por isso, feito uma incorrecta valoração dos meios de prova que lhe foram apresentados, violando, pois, o espírito subjacente ao disposto nos artigos 362.º e seguintes do C.C. e, bem assim, nos artigos 410.º, 413.º e 414.º do CPC.
P. De modo que, atento tudo o exposto, e após correta valoração de toda a prova produzida nos autos, deverá a matéria factual supra referida, designadamente, os pontos supra identificados, sob as alíneas a) a e) – na formulação infra - ser levados à matéria de facto provada.
Q. Assim, atenta a alteração que deverá ocorrer na decisão a proferir sobre a matéria factual, sempre será de concluir pela procedência da presente acção, até porque, como veremos infra, existe preenchimento dos pressupostos do artigo 798.º do CC.
SEM PRESCINDIR,
R. Sem prejuízo de tudo quanto supra se aduziu, e do que não se prescinde, na eventualidade de assim não proceder, o que não se aceita, mas por mero dever legal de patrocínio se equaciona, ainda assim, tendo por base a factualidade tida como provada, a que já supra se aludiu, e transcreveu nos seus precisos termos, pretendem os aqui Apelantes impugnar a decisão proferida sobre a matéria de direito, nos termos do art.º 639.º C.P.C.,
S. Isto porque, e desde logo, entendem os ora Apelantes ter sido incorrectamente aplicada a norma constante do art.º 798.º do CC, em conjugação com os artigos 562.º, 564.º e 566.º o CC, e, por isso, impugnam a decisão proferida sobre a matéria de direito, havendo que reapreciar a matéria dada como provada à luz da correta interpretação daquele preceito.
T. Com efeito, e desde logo, considerou – e dizemos nós, muito bem - o Dign.º Tribunal que: «a pretensão dos AA. insere-se no âmbito da responsabilidade contratual», bem como, considerou ainda o Dign.º Tribunal “a quo” que: «Resulta do exposto que a R. incumpriu o estipulado no referido contrato, sendo certo que não ilidiu a presunção, consagrada no art.º 799.º, n.º 1 do CC, de que o incumprimento daquela obrigação assumida no contrato não procede de culpa sua», e, que «Nos termos do art.º 798.º do CC, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor».
U. Posto tais considerações, concluiu – e, com a devida vénia, é aqui que reside o erro do Dign.º Tribunal “a quo” quanto à interpretação e aplicação das normas jurídicas – que: «esta responsabilidade supõe e exige a prova do prejuízo» e «os AA. não lograram provar que, (…) sofreram prejuízos e o montante exacto desses prejuízos», porquanto, «os AA. juntaram apenas orçamentos», «não juntaram quaisquer facturas ou recibos comprovativos de que efectivamente adquiriram aqueles bens e procederam à reparação daqueles equipamentos e máquinas e na afirmativa quanto despenderam efectivamente em tais aquisições e reparações.»
V. Interpretação esta que não se aceita!
W. É que, da exegese do n.º 798.º do Código Civil não decorre que, estando em causa a prova do prejuízo/dano sofrido, o mesmo só se baste com prova de pagamento/despesa realizada.
X. Com efeito, o artigo 798º, ao estatuir “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”, enuncia o “princípio geral da responsabilidade obrigacional subjetiva”, que, “tal como a delitual (art. 483º), supõe um ilícito (o incumprimento), a culpa, um dano e uma relação causal entre aquele e este”, sendo que neste regime há uma presunção geral de culpa do devedor (nº1, do art. 799º), e na responsabilidade extracontratual a regra é a de que o credor da indemnização a tem de provar (art. 487º, nº1).
Y. In casu, consabido está – atenta a matéria dada como provada, pontos 15 a 20 – que existiu, a ilicitude, bem como o dano e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, presumindo-se, contudo, a culpa (cfr. nº1, do art.º 799.º).
Z. Mal concluiu o Tribunal a quo, face aos referidos factos, estar in casu não verificado o requisito dano/prejuízo, pura e simplesmente, porque os Autores «não demonstraram que efectivamente adquiriram louças e utensílios para o estabelecimento comercial referido e que procederam à reparação das avarias e anomalias existentes nas máquinas, equipamentos e instalações sanitárias referidas e não demonstraram também que despenderam a quantia que peticionam (ou outra qualquer) em tais aquisições e reparações».
AA.Com efeito, não pode o Tribunal, pura e simplesmente afastar o teor da documentação junta aos autos – no sentido de afastar a condenação dos aqui Réus/Apelados da obrigação de reparar o prejuízo sofrido pelos Autores – dizendo, pura e simplesmente, que os Autores/Apelantes teriam que juntar aos autos factura/recibo que comprovasse efectivamente o montante gasto;
BB.Pois, isso, é o mesmo que impor aos Autores – e a qualquer lesado neste país – o ónus/obrigação de ter dinheiro para pagar os prejuízos, antes de uma qualquer demanda - raciocínio esse que jamais se poderá aceitar!
CC. Quer dizer, os Autores provaram que sofreram aqueles danos - melhor concretizados nos artigos 15 a 19 dos factos provados -, provaram que os mesmos resultaram da actuação dos Réus – conforme artigo 20 dos factos provados -, provaram, ainda, a quantia necessária para repor e reparar tais danos – conforme documentos n.ºs 8 a 15 juntos com a p.i. -, e, teriam que provar também que pagaram aqueles danos – com que dinheiro? Se nada receberam dos Réus/Apelados?
DD.Chegados a este ponto, urge referir de ante-mão que aderimos à posição do Supremo tribunal de Justiça (Acórdão de 04-12-2007, Proc. 07B4219, in www.dgsi.pt) que “Em matéria da obrigação de indemnização por danos o princípio, a regra, é a restauração natural; a excepção é a indemnização por equivalente. 2 - Aplicando à situação as regras básicas do ónus da prova, ao Autor cabe a prova do princípio, à Ré cabe a prova da excepção. 3 - Ao autor, que viu o seu automóvel danificado em acidente de viação, cabe a prova do em quanto importa a sua reparação, restaurando in natura o veículo danificado; à Ré seguradora, que acha essa reparação excessivamente onerosa, cabe a prova disso mesmo - que a reparação é não apenas onerosa, mas excessivamente onerosa. 4 - Um dos pólos da determinação da excessiva onerosidade é o preço da reparação; o outro não é o valor venal do veículo mas o seu valor patrimonial, o valor que o veículo representa dentro do património do lesado. 5 - Se a ré seguradora quer beneficiar da excepção não lhe basta «encostar-se» ao valor venal; antes precisa de alegar e provar que o autor podia adquirir no mercado, e por que preço, um outro veículo que igualmente lhe satisfizesse as suas necessidades «danificadas»”.
EE. Ou seja, na obrigação de indemnização a regra é a prova do quantum, a excessiva onerosidade a excepção; pelo que aos Autores cabia provar a regra, aos Réus a excepção.
FF. Assim os Réus teriam que ter provado que o montante da reparação era excessivamente oneroso (e note-se, não apenas oneroso, ou muito oneroso). Não o fizeram.
GG. Fica então a regra, uma vez que os Réus não provaram a excepção, e a regra é pagar a indemnização necessária à reparação integral dos danos provocados, valor que, salvo o devido respeito, se entende os Autores lograram provar.
HH. Mas mesmo que, assim não tivesse sucedido, ditando, aquele art.º 562.º do CC que «Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação», e, o artigo 566.º do CC, que «3. Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.»
II. Sempre teríamos que, se o Tribunal deu como provado os danos – pontos 15 a 19 dos factos provados – mas não deu como provado o valor dos mesmos, ainda, assim, com recurso à equidade, poderia ter arbitrado o montante de indemnização a favor dos aqui Apelantes.
JJ. Por tudo o exposto, não poderia, pois, pelas razões apontadas, o Dign.º Tribunal “a quo” ter deixado de julgar a acção procedente, por provada, e condenado os Apelados na quantia peticionada, ou outra que julgasse equitativa para a situação em apreço.
KK. Tendo, por isso, feito o Dign.º Tribunal “a quo” uma incorrecta valoração das normas jurídicas aplicáveis à situação sub judice, violando, pois, o espírito subjacente ao disposto nos artigos 798.º, 562.º, 564.º e 566.º, todos do C.C..
Concluíram, pedindo que seja concedido provimento ao presente recurso e, por via disso, revogada a douta sentença recorrida, sendo substituída por outra que julgue a acção totalmente procedente.

8. Os Réus/Apelados ofereceram contra-alegações, pugnando pela confirmação do julgado.

9. Foram observados os vistos legais.
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II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
De acordo com o disposto no art. 640º do CPC, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Por outro lado, ainda, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode conhecer de questões não antes suscitadas pelas partes perante o Tribunal de 1ª instância, sendo que a instância recursiva, tal como configurada no nosso sistema de recursos, não se destina à prolação de novas decisões, mas à reapreciação pela instância hierarquicamente superior das decisões proferidas pelas instâncias. [1].
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As questões a decidir no presente recurso são as seguintes:
1ª- Se deve ser alterada a matéria de facto não provada sob as alíneas a) a e);
2ª- Se está demonstrada a existência de danos sofridos pelos AA e em caso afirmativo qual o valor indemnizatório.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
1. O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1) Encontra-se inscrita no registo predial, desde 27/04/2001, a aquisição a favor dos AA. da fracção autónoma designada pela letra “DC”, correspondente a um estabelecimento comercial, sito no r/chão, com entrada pelo n.º ... da Avenida ..., na freguesia ..., Vila Nova de Gaia, descrita naquela Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... e inscrita na respectiva matriz sob o artigo n.º ...;
2) Os AA. e os RR. outorgaram, nele apondo as suas assinaturas, o escrito intitulado contrato de cessão de exploração, com data de 1 de Junho de 2000, junto com a petição inicial como doc. 3 (fls. 13 a 15), cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
3) Através do escrito referido em 2), cujo teor se dá aqui por reproduzido, os AA. transferiram para a R. a exploração do estabelecimento de gelataria, salão de chá e cafetaria, instalado/localizado no rés-do-chão fracção autónoma referida em 1), com todos os elementos que o compunham, constante da relação anexa ao doc. 3 referido, designadamente utensílios e mercadorias, e o R. se assumiu como fiador das obrigações assumidas pela R. naquele escrito;
4) Aquela transmissão foi feita juntamente com o gozo do prédio, continuando a exercer-se nele o mesmo ramo de comércio ou indústria, não podendo ser-lhe dado destino diferente;
5) De acordo com a cláusula n.º 3 do dito contrato, a R. comprometeu-se a prosseguir a actividade de prestação de serviços de gelataria, salão de chá e cafetaria, nos mesmos termos em que os AA. o faziam até 1 de Junho de 2000;
6) Tal cessão foi feita pelo prazo de um ano, renovável por iguais períodos, com início em 1 de Junho de 2000;
7) Mediante o pagamento da quantia mensal de Esc.: 180.000$00 (cento e oitenta mil escudos) com vencimento até ao dia 05 do mês a que dissesse respeito;
8) A R. passou, assim, a utilizar e fruir todos os móveis e equipamentos que se encontravam no interior do referido estabelecimento, melhor descritos na relação anexa ao doc. 3 junto com a petição inicial;
9) O RR. deixaram de liquidar as prestações mensais devidas por aquele cessão de exploração - a relativa ao mês de Junho de 2001 e as subsequentes;
10) Por conseguinte, por carta registada de 20 de Setembro de 2001, os aqui AA., por intermédio do seu mandatário, reclamaram o pagamento de tais quantias aos RR., dando-lhes o prazo de 10 dias para o efeito, sob pena de resolverem o contrato;
11) Os RR. não procederam a esse pagamento, pese embora tenham continuado a explorar o estabelecimento comercial e a usufruir de todas as vantagens daí inerentes;
12) Não restou senão aos aqui AA. lançar mão de acção declarativa de condenação instaurada contra os RR., a qual correu os seus termos sob o n.º 1249/2001 do 6.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia;
13) Na acção referida em 12) foi decidido, por sentença proferida na 1.ª Instância, confirmada por acórdão do TRP de 23/03/2004, declarar resolvido o contrato de cessão de exploração celebrado entre os AA. e a R., condenar os RR. a entregarem tal estabelecimento aos AA. e, ainda, a pagarem aos mesmos a quantia de € 897,84 mensais, desde Junho de 2001 até à entrega do estabelecimento;
14) Em sede de execução da referida decisão, veio o referido estabelecimento comercial, denominado “...” a ser entregue aos aqui Autores, em 03 de Dezembro de 2004;
15) Contudo, o estabelecimento não foi entregue com todos os bens e componentes ao mesmo pertencentes, constantes da relação anexa ao doc. 3 junto com a petição inicial;
16) Designadamente bebidas, utensílios/louças;
17) Além disso, encontrava-se avariado o sistema de alarme;
18) E avariados ou danificados a máquina do café, o moinho de café, um grelhador e a vitrine dos gelados e do balcão;
19) Bem como as louças sanitárias e o saneamento;
20) O descrito em 15) a 19) foi causado pelo mau uso que os RR. deram ao locado, bem como aos bens e utensílios que o compunham.

2. O Tribunal de 1ª instância julgou não provados os seguintes factos:
a) De forma a compor o estabelecimento tal como ele se encontrava à data da cessão de exploração, os AA. procederam à aquisição dos bens – bebidas - melhor descriminados nos documentos juntos com a petição inicial como docs. 8 e 9 diante juntos, num total de € 371,87;
b)Os AA. procederam à reposição de todo um conjunto de utensílios/louças próprios do estabelecimento em causa, melhor descriminados nos documentos juntos com a petição inicial como docs. 10 a 12, num total de €: 909,41;
c) Os AA. repararam o sistema de alarme, o que implicou um custo de € 550,00;
d) Bem como a máquina do café, do moinho de café, de um grelhador, da vitrine dos gelados e do balcão, num total de €: 3.843,70;
e) Os AA. procederam à reparação das louças sanitárias e saneamento no montante de €: 375,00.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.

1ª Questão- Alteração da matéria de facto não provada.
Perante as exigências estabelecidas no art. 640º do CPC, constituem ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a seguinte especificação:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
“Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primeiro: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Segundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Terceiro: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão.”[2]
Alegam os Autores/Apelantes, sob as Conclusões de recurso B a P, erro de julgamento quanto à matéria de facto considerada não provada, requerendo a reapreciação da incorrecta valoração pelo tribunal a quo da prova documental e testemunhal produzida em julgamento, nos termos por si concretizados, cumprindo os ónus exigidos pelo art. 640º nº 1 e 2 do CPC, sustentando que a prova documental junta aos autos sob os documentos 8 a 15 e, a prova testemunhal transcrita, impunham decisão diversa da proferida quanto às alíneas a) a e) dos factos não provados.
Pretendem assim, a eliminação das alíneas a) a e) dos factos não provados e que tais factos sejam levados à matéria de facto provada, com a seguinte formulação:
(a) De forma a compor o estabelecimento tal como ele se encontrava à data da cessão de exploração, os AA. teriam que proceder à aquisição dos bens – bebidas - melhor descriminados nos documentos juntos com a petição inicial como docs. 8 e 9 diante juntos, o que importaria num custo de, pelo menos, € 371,87;
(b) E, teriam ainda os AA. que proceder à reposição de todo um conjunto de utensílios/louças próprios do estabelecimento em causa, melhor descriminados nos documentos juntos com a petição inicial como docs. 10 a 12, o que importaria num custo de, pelo menos, €: 909,41;
(c) Ademais, teriam também os AA. que reparar o sistema de alarme, o que implicaria um custo de, pelo menos, € 550,00;
(d) bem como a máquina do café, do moinho de café, de um grelhador, da vitrine dos gelados e do balcão, o que importaria num custo de, pelo menos, €: 3.843,70;
(e) E, por último, teriam os AA. que proceder à reparação das louças sanitárias e saneamento, o que importaria num custo de, pelo menos, €: 375,00.
Os factos a tomar em consideração pelo tribunal no julgamento da causa, em regra, deve respeitar o princípio de que são considerados os factos conforme articulados pelas partes, cabendo-lhes a alegação e prova dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas ( art. 5º do CPC).
Acontece que, se o tribunal sob as alíneas a) e b) dos factos que deu como não provados, considerou tais factos sob a formulação que havia sido dada na petição inicial pelos Autores/Apelantes, o mesmo já não aconteceu com os factos vertidos sob as alíneas c) a e) dos factos dados como não provados.
Senão vejamos.
As alíneas a) e b) da matéria de facto dada como não provada, ora sob impugnação, correspondem ipsis verbis aos pontos 32 e 33 da petição inicial.
Nesses artigos da petição inicial os Autores/Apelantes alegaram que, de forma a compor o estabelecimento tal como ele se encontrava à data da cessão de exploração, tiveram os aqui Autores, desde logo, de proceder à aquisição dos bens – bebidas - melhor descriminados nos documentos juntos sob os ns.º 8 e 9, num total de €: 371,87 (Trezentos e Setenta e Um Euros e Oitenta e Sete Cêntimos)(ponto 32 da pi); bem como, proceder à reposição de todo um conjunto de utensílios/louças próprios do estabelecimento em causa, inexistentes no mesmo após a referida entrega, melhor descriminados nos documentos juntos sob os ns.º 10 a 12 num total de €: 909,41 (Novecentos e Nove Euros e Quarenta e Um Cêntimos) ( ponto 33 da pi).
Relativamente a essa matéria de facto o tribunal sob as alíneas a) e b) deu como não provado que, de forma a compor o estabelecimento tal como ele se encontrava à data da cessão de exploração, os Autores procederam a essas aquisições de bebidas e à reposição daqueles utensílios e louças próprios do estabelecimento em causa, melhor descriminados nos documentos juntos com a petição inicial como docs. 8 e 9, 10 a 12 respectivamente.
Sob as alíneas c) a e) dos factos dados como não provados o tribunal a quo considerou que não estava provado que os Autores repararam o sistema de alarme, a máquina de café, do moinho de café, grelhador, vitrine dos gelados e do balcão, louças sanitárias e saneamento, quando os Autores não alegaram na petição inicial que o tenham feito, não alegaram que repararam, apenas que têm também que promover a reparação do sistema de alarme (documento n.º 13), o que implica um custo de €: 550,00 (Quinhentos e Cinquenta Euros)( ponto 34 da pi); Bem como, da máquina do café, do moinho de café, de um grelhador, da vitrine dos gelados e do balcão, num total de €: 3.843,70 (Três Mil Oitocentos e Quarenta e Três Euros e Setenta Cêntimos) uma vez que estes equipamentos se encontram avariados e danificados, o que se deveu a incorrecta utilização e mau uso dos mesmos por parte dos aqui Réus ( documento n.º 14) ( ponto 35 da pi), e, de proceder ainda à reparação das louças sanitárias e saneamento, nos termos do documento junto sob o n.º 15, no montante de €: 375,00 (Trezentos e Setenta e Cinco Euros).
A reanálise do julgamento da matéria de facto sob apreciação não poderá deixar de atender aos factos tal qual os Autores os alegaram e deveriam ter provado, enquanto factos constitutivos do direito indemnizatório, mas de acordo com a formulação apresentada na petição inicial, salientando-se que, se os Autores alegaram que procederam à aquisição e reposição de bens é isso que deve constar dos factos provados ou não provados consoante a prova produzida nos autos, enquanto que se alegaram que terão que promover a reparação, deve constar dos factos provados ou não provados se terão de promover essa reparação e não se já repararam.
Não se discute, na reapreciação da matéria de facto objecto deste recurso, se os Autores receberam o estabelecimento cuja exploração haviam cedido aos Réus com a ausência daqueles bens ou com as avarias dos equipamentos mencionados, porquanto tais factos ficaram provados nos pontos 15 a 20 dos factos provados, (não estando questionada essa matéria de facto), apenas está em apreciação se os Autores, de forma a compor o estabelecimento tal como ele se encontrava à data da cessão de exploração, procederam à aquisição dos bens e utensílios descriminados naqueles documentos 8 a 12 juntos com a petição inicial suportando tais custos conforme alegaram, assim como, se terão de promover a reparação dos equipamentos, louças sanitárias e saneamento, conforme alegaram no respectivo articulado, de acordo com a prova produzida para o efeito.
Apenas importa apurar se foi produzida prova cabal e consistente que imponha decisão diferente da que foi tomada pelo tribunal a quo, sobre os factos alegados pelos Autores nos pontos 32 a 36 da petição inicial e que foram considerados não provados pelo tribunal a quo nas alíneas a) a e) dos factos não provados.
Segundo o disposto no art. 662º nº 1 do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Os AA insurgem-se quanto ao facto de não terem sido dados como provados os danos mencionados nas alíneas a) a e) dos factos não provados, confundindo, eles próprios, a falta de prova do valor dos prejuízos, com a falta de prova da existência de danos, aspectos distintos, uma vez que, como veremos na análise jurídica da questão decidenda, uma coisa são os danos ou prejuízos e, outra, é o valor necessário à reparação dos danos.
O que de essencial se deu como não provado sob as alíneas a) a e) dos factos não provados diz respeito à questão do valor, do custo necessário à reparação dos danos, porquanto os danos propriamente ditos já constam do elenco dos factos dados como provados nos pontos 15 a 19.
Relativamente à matéria de facto vertida nas alíneas a) a e) dos factos não provados, o tribunal fez constar da sua motivação que “os factos não provados assim foram considerados por não se ter feito prova consistente da sua verificação.
Com efeito, os AA. juntaram apenas orçamentos para aquisição dos bens em falta no estabelecimento comercial – bebidas e utensílios/louças – e para a reparação dos equipamentos e máquinas referidos em 17) a 19) dos factos provados.
Não juntaram quaisquer facturas ou recibos comprovativos de que efectivamente adquiriram aqueles bens e procederam à reparação daqueles equipamentos e máquinas e na afirmativa quanto despenderam efectivamente em tais aquisições e reparações.
A presente acção foi proposta quase 10 anos depois da entrega do referido estabelecimento comercial, pelo que não se compreende que os AA., caso tivessem efectuado alguma despesa com a aquisição e reparação daqueles bens, não tivessem juntado aos autos documentos (facturas e recibos) dessas despesas (e que tivessem mantido tal omissão até ao julgamento da presente acção, ocorrida mais de 7 anos depois entrada da ação em juízo).
Nestas circunstâncias, por entender que os orçamentos juntos aos autos são insuficientes para o efeito, o tribunal julgou não provada a factualidade vertida nas als. a) a e).”
Resulta desde logo evidente, da Conclusão K, que os Autores admitem em sede de recurso, que “não demonstraram efectivamente que custearam os valores” identificados nos documentos 8 a 15 juntos com a petição inicial, por se tratarem de meros orçamentos e não de facturas/recibos, no entanto sustentam que provaram que sofreram aqueles prejuízos.
Resulta da fundamentação do tribunal a quo que apenas foi valorada a prova documental junta (embora não a tenha especificado, subentende-se que se estará a referir aos orçamentos juntos sob os documentos 8 a 15 com a petição inicial), prova essa que considerou insuficiente porquanto no seu entender os Autores “Não juntaram quaisquer facturas ou recibos comprovativos de que efectivamente adquiriram aqueles bens e procederam à reparação daqueles equipamentos e máquinas e na afirmativa quanto despenderam efectivamente em tais aquisições e reparações”, não se referindo a qualquer prova testemunhal que tenha sido produzida sobre essa matéria.
Efectivamente aquele raciocínio estará correcto quanto aos factos vertidos nas alíneas a) e b) dos factos não provados, porquanto os Autores alegaram que haviam procedido à aquisição dos bens mencionados na alínea a) e à reposição de todo um conjunto de utensílios/louças mencionados na alínea b) e não o provaram, admitindo não terem demonstrado efectivamente que custearam os valores identificados nos documentos 8 a 15 juntos com a petição inicial, por se tratarem de meros orçamentos e não de facturas/recibos, não existindo qualquer outra prova do pagamento que haviam alegado ter feito com as referidas aquisições.
Embora os AA tenham provado que o estabelecimento não foi entregue com todos os bens e utensílios ao mesmo pertencentes, constantes da relação anexa ao doc. 3 junto com a petição inicial, designadamente bebidas, utensílios/louças (factos provados 15 e 16), efectivamente, tal como mencionou o tribunal a quo, não apresentaram qualquer prova consistente de que tenham procedido às aquisições e reposições mencionadas nas referidas alíneas a) e b) dos factos não provados e tenham suportado aqueles custos, razão pela qual, não vemos fundamentos para a eliminação das referidas alíneas uma vez que a prova desses factos não foi feita( tal como os próprios AA admitem).
A formulação que os AA pretendem se dê agora àquela matéria de facto não foi por eles alegada na petição inicial, como podiam e deviam ter feito, uma vez que sabiam de antemão que nada haviam adquirido ou reposto e, como tal, manter-se-ão as referidas alíneas a) e b) dos factos não provados.
Já no que diz respeito às alíneas c) a e) dos factos não provados, os Autores limitaram-se a alegar na petição inicial, tal como acima mencionamos, que, de forma a compor o estabelecimento tal como ele se encontrava à data da cessão de exploração, têm também que promover a reparação dos equipamentos, louças sanitárias e saneamento ali descriminado, tendo alegado o valor do custo dessas reparações que terão de fazer de forma a comporem o estabelecimento tal como ele se encontrava à data da cessão de exploração e, relativamente a essa matéria, parece-nos evidente que, se estão demonstrados nos pontos 17 a 19 dos factos provados as avarias no sistema de alarme, na máquina de café, no moinho de café, no grelhador e na vitrine dos gelados e do balcão, bem como nas louças sanitárias e saneamento derivado do mau uso que os RR deram ao locado e a esses bens que o compunham, é evidente que os AA terão de promover aquelas reparações afim de repor o estado do estabelecimento tal e qual existia aquando da sua entrega aos RR.
A questão que subsiste é apenas a da prova da quantificação dos custos em que tais reparações importarão e, relativamente a essa matéria dir-se-á que não ficou suficientemente alegado de que tipo de avarias padeciam todos aqueles equipamentos e muito menos quais as louças sanitárias a reparar/substituir e quais os problemas que o saneamento apresentava, aspectos prévios à apreciação da prova necessária dos custos que os AA terão de suportar para os colocar em devido funcionamento.
À míngua desses factos e respectiva prova, estando apenas provado que se encontrava avariado o sistema de alarme, e avariados ou danificados a máquina do café, o moinho de café, um grelhador, a vitrine dos gelados e do balcão, bem como as louças sanitárias e o saneamento, afigura-se-nos prematuro dar como provado os custos alegados pelos AA, ainda que estimados, apenas e só com base num único orçamento apresentado para cada uma das referidas reparações daqueles equipamentos, louças e saneamento, para mais quando esses orçamentos( juntos sob doc. 13 a 15 com a pi) não contêm, de forma suficiente ou cabal, a descrição dos danos a reparar em cada um daqueles equipamentos/louças sanitárias e saneamento, tipo de materiais a aplicar e valores individualizados.
Ainda que os AA convoquem também a prova testemunhal produzida na pessoa das testemunhas EE, FF e GG, conforme decorre da audição da gravação dos referidos depoimentos, a primeira nada mencionou quanto a valores que os AA tenham despendido ou tenham de despender para as referidas aquisições dos bens em falta e reparações dos bens avariados, a segunda apenas afirmou que o custo para reposição do estabelecimento teria sido de €5000,00 e tal, porque os AA lhe disseram e terá visto documentos/orçamento mas não soube identificar nem sequer o fornecedor a que a Autora terá recorrido, nada acrescentando à referida prova documental e, a última das mencionadas testemunhas limitou-se a afirmar que depois da entrega do estabelecimento foi vê-lo para dar valor de trespasse a pedido da Autora e, que para pôr aquela casa em condições para trabalhar ou para poder trespassar gastaria cerca de €10.000,00 a €15.000,00, mas nunca menos de €5000,00, não precisando valores concretos, ainda que estimados, para cada uma das reparações dos danos causados pelos RR, não tendo sequer visto quaisquer documentos ou orçamentos a esse respeito, referindo-se sempre àquele último valor para poder ser posto o estabelecimento a trabalhar, ou dar de trespasse, o que não é necessariamente o mesmo que repor o que estava em falta e/ou reparar o avariado.
Deste modo, tem de se concluir que, contrariamente ao sustentado pelos Apelantes, a prova documental junta aos autos, ainda que articulada com a prova testemunhal aludida não impõe decisão diversa da proferida pelo tribunal a quo quanto aos factos considerados não provados, embora se deva dar diferente redação às alíneas c) a e) dos factos não provados por forma a fazer corresponder com o alegado pelos AA na petição inicial.
Em síntese, as alíneas c) a e) dos factos não provados devem manter-se, mas com a seguinte formulação:
c) A reparação do sistema de alarme implica um custo de €: 550,00 (Quinhentos e Cinquenta Euros);
d) A reparação da máquina do café, do moinho de café, de um grelhador, da vitrine dos gelados e do balcão, implica um custo total de €: 3.843,70 (Três Mil Oitocentos e Quarenta e Três Euros e Setenta Cêntimos);
e) A reparação das louças sanitárias e saneamento, implica um custo no montante de €: 375,00 (Trezentos e Setenta e Cinco Euros).
Deste modo e, apesar da nova redação dada às alíneas c) a e) dos factos não provados, na ausência de prova consistente sobre os custos dos bens que não foram entregues aos AA e da reparação dos bens que foram entregues avariados, improcede a eliminação das alíneas a) a e) dos factos não provados e a sua transição para os factos provados nos moldes pretendidos pelos AA/Apelantes.

2ª Questão- Existência de danos a indemnizar e, valor indemnizatório.

Sob as Conclusões Q. a KK. os AA/Apelantes invocam o erro de julgamento por incorrecta valoração por parte do tribunal a quo das normas jurídicas aplicáveis à situação sub judice, por violação do espírito subjacente ao disposto nos arts. 798º, 562º, 564º e 566º do CC.
Sustentam que o referido erro reside no facto de o tribunal ter entendido que a responsabilidade contratual em que incorreram os RR supõe e exige a prova do prejuízo e, que os AA não lograram provar que sofreram prejuízos e o montante exacto desses prejuízos, porquanto os AA juntaram apenas orçamentos, não tendo junto quaisquer facturas ou recibos comprovativos de que efectivamente adquiriram aqueles bens e procederam à reparação daqueles equipamentos e máquinas e na afirmativa quanto despenderam efectivamente em tais aquisições e reparações.
Insurgem-se os AA quanto a este fundamento de improcedência do seu pedido indemnizatório e, a nosso ver, com razão.
Vejamos.
Na sentença recorrida pode ler-se que “os AA e os RR celebraram entre si o contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial junto à petição inicial como doc. 3, no qual a R. se obrigou a entregar aos AA, no final do contrato, o estabelecimento e todo o equipamento e material nele existente (constante da relação de bens anexa) em perfeito estado de funcionamento, conservação e limpeza.
Os AA. lograram demonstrar que, através do escrito referido em 2), transferiram para a R., em 1 de Junho de 2000, a exploração do estabelecimento de gelataria, salão de chá e cafetaria, instalado/localizado no rés-do-chão fracção autónoma referida em 1), com todos os elementos que o compunham, constante da relação anexa ao doc. 3 referido, designadamente utensílios e mercadorias (e o R. se assumiu como fiador das obrigações assumidas pela R. naquele escrito) e que, depois de ter sido declarado judicialmente resolvido o referido contrato, o identificado estabelecimento comercial foi entregue aos AA. em 03 de Dezembro de 2004, mas não nas condições a que se obrigou a R. naquele contrato.
Com efeito, provou-se que aquele estabelecimento não foi entregue com todos os bens e componentes ao mesmo pertencentes, constantes da relação anexa ao contrato de cessação de exploração, designadamente bebidas, utensílios/louças, e que, além disso, o equipamento, máquinas e instalações apresentava avarias ou anomalias (o sistema de alarme estava avariado, a máquina do café, o moinho de café, um grelhador e a vitrine dos gelados e do balcão, bem como as louças sanitárias e o saneamento estavam avariados ou danificados).
Resulta do exposto que a R. incumpriu o estipulado no referido contrato, sendo certo que não ilidiu a presunção, consagrada no art.º 799.º, n.º 1, do CC, de que o incumprimento daquela obrigação assumida no contrato não procede de culpa sua.
Contudo, os AA. não lograram provar que, em virtude de tal incumprimento, sofreram prejuízos e o montante exacto desses prejuízos.
Nos termos do art.º 798.º do CC, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.
Mas esta responsabilidade supõe e exige a prova do prejuízo, que cabe ao lesado ou lesados, que neste caso são os AA.
Os AA. não demonstraram, como se já se disse, que efectivamente adquiriram louças e utensílios para o estabelecimento comercial referido e que procederam à reparação das avarias e anomalias existentes nas máquinas, equipamentos e instalações sanitárias referidas e não demonstraram também que despenderam a quantia que peticionam (ou outra qualquer) em tais aquisições e reparações.
A presente acção terá, assim, de improceder na íntegra.”
Conforme já antecipamos, aquando da análise da impugnação da matéria de facto, o dano enquanto pressuposto da responsabilidade civil (neste caso contratual) e facto constitutivo do direito dos requerentes de um pedido de indemnização por factos ilícitos, cujo ónus de prova cabe aos autores desse pedido, tem de ser aferido primeiro no plano da verificação da existência de danos sofridos pelo demandante e, só depois no plano da sua quantificação, em termos que permitam o cálculo da indemnização a cargo do responsável pelo prejuízo causado.
Os arts. 798º, 562º e 563º do CCivil estabelecem quais os pressupostos da responsabilidade civil contratual ou obrigacional: o incumprimento do contrato; por acto imputável ao devedor(culpa); do qual resultem danos; havendo nexo de causalidade entre o incumprimento e os danos.
O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor ( art. 798º CPC), sendo que, para se apurar da culpa compara-se a conduta do agente com o que teria, nas mesmas circunstâncias externas, um bonus pater familias.
Na responsabilidade contratual incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento da obrigação não procede de culpa sua (art. 799º nº 1 do CPC).
Há, pois, uma presunção legal iuris tantum de culpa do devedor no incumprimento obrigacional.
Ao credor basta provar a celebração de um contrato, o objecto do mesmo, o incumprimento da obrigação pelo devedor, da qual resultem danos e, o nexo de causalidade entre o incumprimento e os danos.
Se falta a prova do dano é inegável que tem de soçobrar o pedido indemnizatório por falta de um dos pressupostos da responsabilidade civil, porém o mesmo não deve ocorrer se faltar apenas a prova do valor do dano, porquanto a indemnização por equivalente, necessária à reparação do dano infligido, pode ser ulteriormente alcançada em sede de incidente de liquidação ou ser mesmo fixada em termos de equidade.
Afigura-se-nos que na sentença recorrida foram confundidos estes dois planos, porquanto, contrariamente ao ali mencionado, extrai-se da factualidade apurada nestes autos a existência de danos causados pelos RR aos AA, pois que os RR não entregaram aos AA o estabelecimento comercial que lhes havia sido cedido por aqueles com todos os bens e componentes ao mesmo pertencentes, constantes da relação anexa ao doc. 3 junto com a petição inicial (ponto 15 dos factos provados), designadamente faltavam bebidas e utensílios/louças (ponto 16 dos factos provados), encontrando-se, para além disso, avariado o sistema de alarme (ponto 17 dos factos provados), avariados ou danificados a máquina de café, o moinho de café, um grelhador e a vitrine dos gelados e do balcão (ponto 18 dos factos provados), bem como as louças sanitárias e o saneamento (ponto 19 dos factos provados), tendo o descrito em 15) a 19) sido causado pelo mau uso que os RR deram ao locado, bem como aos bens e utensílios que o compunham (ponto 20 dos factos provados).
O incumprimento contratual em que incorreram os RR não foi inconsequente, os AA não receberam dos RR todos os bens que lhes pertenciam, nem nas condições de funcionamento que lhes era exigível que fossem entregues para que se considerasse o contrato pontualmente cumprido.
Contrariamente ao defendido na sentença recorrida, sufragamos a posição defendida pelos AA de que estes lograram provar a existência de danos infligidos pelos RR, em virtude do referido incumprimento contratual, pois que a omissão de entrega dos bens e utensílios mencionados nos pontos 15 e 16 dos factos provados, e as avarias causadas nos equipamentos, louças sanitárias e deteriorações no saneamento do locado mencionados nos pontos 17 a 19 dos factos provados, são efectivamente danos sofridos pelos AA, os quais tinham direito a receber o estabelecimento que haviam cedido aos RR e do qual são proprietários, findo o contrato, com todos os bens e equipamentos que o compunham e em perfeitas condições de utilização, o que não aconteceu.
A inexistência de prova do valor necessário à reparação do dano não equivale à inexistência de dano.
Nem a lei impõe que, verificado o dano, o lesado o tenha de reparar ele próprio, suportando o custo e que só depois possa exigir do lesante o reembolso do valor suportado.
Pelo contrário, o lesado tem direito a exigir judicialmente do lesante o valor necessário à integral ressarcibilidade do dano sofrido, designadamente através do pagamento de uma indemnização por equivalente- tendo a faculdade de optar por uma indemnização em dinheiro, equivalente ao custo da restauração natural- cabendo nesse caso ao devedor provar que a reconstituição natural se afigura adequada.
O montante da indemnização deve equiparar-se à diferença entre a situação real em que o lesado agora se encontra e a situação hipotética em que se encontraria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano ( art. 562º do CC).
E a obrigação de indemnização existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (art. 563º do CC), constituindo um dano emergente a perda ou a deterioração de bens existentes no património do lesado, que por via da conduta do lesante viu assim diminuído o património (viu-se desapossado de alguns bens, assim como se viu privado do uso de outros bens por estarem avariados devido a conduta ilícita de outrem).
Não fora o incumprimento contratual dos RR, o mau uso que deram ao locado, bem como aos bens e utensílios que o compunham, os AA teriam na sua posse o estabelecimento com todos os bens e utensílios que o compunham e em perfeitas condições de funcionamento e, essa repercussão económica negativa no património do titular dos bens- diminuição do património- existe mesmo que ainda não tenham despendido qualquer valor para adquirir novos bens ou para reparar os avariados, devendo ser os RR condenados a suportar o pagamento de uma indemnização em montante a fixar, equivalente à diferença entre a situação real relatada nos pontos 15 a 19 dos factos provados e a situação hipotética em que se encontrariam os AA caso a entrega tivesse sido efectuada sem a falta de bens e as avarias relatadas nos referidos factos provados.
Competia aos RR, aquando da entrega do estabelecimento que lhes havia sido cedido pelos AA, entregá-lo com todos os bens que o compunham, e em perfeitas condições de funcionamento, adquirindo os bens que estivessem em falta e reparando os entretanto avariados, o que manifestamente não fizeram.
Relativamente ao montante exacto dos prejuízos sofridos pelos AA, face aos factos vertidos nas alíneas a) a e) dos factos não provados, temos de concordar com o decidido na sentença recorrida, porquanto os AA não produziram prova consistente, cabal e suficiente, sobre o valor que será necessário para a substituição dos bens em falta ou danificados e, a reparação integral dos bens avariados, que os AA têm direito a exigir dos RR.
Porém, demonstrado que está o incumprimento contratual dos RR e a existência de danos sofridos pelos AA, por aqueles causados, tal como acima se fez menção, tem de se concluir que os AA fizeram a prova dos pressupostos necessários à procedência da sua pretensão indemnizatória, só estando por liquidar o montante da indemnização, para cujo cálculo se deverá recorrer ao art. 564º do CC, prevendo-se no nº 2 desse preceito legal que o tribunal possa remeter a fixação da indemnização correspondente para decisão ulterior.
“Na ausência de elementos que permitam estabelecer a indemnização devida, a fixação do valor correspondente é remetida para uma decisão ulterior. O regime prossegue uma melhor adequação da sentença à realidade, atribuindo prevalência à averiguação dos danos em alternativa a uma fixação equitativa imediata da indemnização.”[3]
O apuramento do valor necessário à reparação dos danos não constitui, de todo, pressuposto da responsabilidade civil que subjaz como fundamento da pretensão indemnizatória deduzida pelos AA, podendo a falta de prova da quantificação do valor indemnizatório, assente que estão os danos, ser alcançado em incidente de liquidação (art. 358º do CPC), tendo sempre o valor aqui peticionado a esse título, como limite máximo da condenação dos RR.
Assim o prevê o art. 609º nº 2 do CPC, normativo que segundo Francisco Ferreira de Almeida, “expressa que se não houver elementos (face ao resultado probatório adquirido) para fixar o objecto ou a quantidade, designadamente por via de cálculo aritmético, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida. Assim, se constituir objecto da lide uma situação de responsabilidade civil, para que possa haver lugar a incidente de liquidação torna-se necessário que hajam ficado provados na acção principal os factos relativos ao dano ou prejuízo sofrido pelo autor ou pelo réu reconvinte, ou seja, que hajam sido dados como assentes na sentença elementos fácticos relativos ao dano e incerteza da sua dimensão quantitativa, cuja concretização não pode exceder o pedido adrede formulado nos articulados dessa acção.”[4]
E é esta, precisamente, a situação dos autos, em que figuram provados os danos sob os pontos 15 a 19 dos factos provados, mas por insuficiência do material probatório produzido, mantém-se a incerteza quanto à quantificação desses danos, estando reunidas as condições para se condenar os RR na indemnização que vier a ser liquidada ulteriormente, altura em que deverão especificar cada um dos bens em falta mencionados nos factos provados 15 e 16 (bebidas e utensílios) e respectivos valores de aquisição, assim como cada uma das avarias nos equipamentos mencionados nos factos provados 17 a 19 e, valores individualizados necessários à respectiva reparação ou substituição caso a reparação não se mostre adequada.
Os AA, na ausência de prova do valor exacto dos danos, pedem que o tribunal condene os RR na quantia peticionada, com recurso à equidade.
Refere o art. 566º nº 3 do CC que, se não puder ser averiguado o valor exacto dos prejuízos sofridos pelo lesado, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
Não obstante, entendemos que os autos não dispõem de elementos provados suficientes para que o tribunal fixe esse valor indemnizatório em termos de equidade, afigurando-se, apesar de tudo, provável que o valor exacto dos danos venha a ser apurado com recurso a prova complementar, podendo essa fixação vir a ocorrer em sede do incidente de liquidação previsto no art. 358º nº 2 do CPC faculdade de que o tribunal se pode socorrer, ainda que os Autores não tenham formulado na petição inicial um pedido genérico.
No mesmo sentido, leia-se a anotação ao art. 609º do CPC vertida na obra de António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, da qual consta que, “mesmo em casos em que o autor tenha quantificado a sua pretensão, a ação pode culminar com uma sentença de teor genérico ou ilíquido desde que, sendo apurada a existência do direito e da correspondente obrigação, os elementos de facto se revelem insuficientes para a quantificação, mesmo com recurso à equidade.
Esta é, aliás, uma posição que encontra na jurisprudência um larguíssimo consenso, rejeitando uma argumentação formal que valorizasse o facto de, assim, se conceder ao autor uma dupla oportunidade para o reconhecimento do mesmo direito. Tal não é verdade se considerarmos, como se impõe, que uma sentença de condenação ilíquida pressupõe a demonstração de que existe um direito que apenas carece de concretização suscetível de ser conseguida ainda através do subsequente incidente de liquidação.
A opção entre a fixação da indemnização com recurso à equidade e a liquidação subsequente deve dirimir-se a favor do meio que dê mais garantias de se ajustar à realidade. Por isso, se for previsível que o valor exato do dano será apurado com prova complementar, deve preferir-se a condenação genérica; já se, apesar de provado o dano, não for previsível que possa determinar-se o seu montante exacto com recurso a prova complementar, deve fixar-se logo a indemnização com recurso à equidade (STJ 21-3-19, 4966/17 e STJ 3-2-09, 08A3942.”[5]
A esse propósito cita-se também Henrique Sousa Antunes, em anotação ao art. 566º do CC, que entende que “a conjugação entre o artigo 566º nº 3 e o artigo 609º nº 2 do CPC parece revelar a natureza subsidiária da apreciação equitativa dos danos a respeito da averiguação desse valor em liquidação ulterior, pressupondo que os factos provados indiciem a possibilidade de uma quantificação certa dos prejuízos. Neste sentido, por ex., os Acs. STJ 20.11.2012 e RL 06.04.2017. Lê-se no último: «Com efeito, sempre que carecerem os autos de elementos para fixar a exata quantia que uma das partes deveria ser condenada a responder perante a outra e, a considerar o Tribunal que havia possibilidade de averiguar em momento ulterior, o montante dos prejuízos alegadamente sofridos, teria, por certo, de relegar o seu apuramento para liquidação ulterior, fixando como limite máximo desses prejuízos o valor peticionado.»”[6]
Em suma, entendendo-se que os AA lograram provar os pressupostos de facto necessários à condenação dos RR a pagarem-lhes uma indemnização que consubstancie o ressarcimento dos danos sofridos no estabelecimento de que são proprietários, não se pode manter a sentença recorrida que julgou a pretensão dos AA improcedente.
Contudo, na ausência de prova suficiente de elementos para fixar a exata quantia que os RR deverão ser condenados a pagar aos AA, dever-se-á relegar a liquidação da indemnização devida pelos RR aos AA para momento ulterior à presente decisão, fazendo-se uso da possibilidade consagrada no art. 609º nº 1 e 2 do CPC, por se afigurar bastante provável que se consiga averiguar, através de prova complementar, o valor exacto dos danos, estando já suficientemente determinados os danos, faltando apenas determinar a sua dimensão quantitativa, que não se logrou apenas porque a prova incipiente produzida em julgamento não o permitiu com segurança ( neste mesmo sentido Ac RP de 4/5/2022, Proc. nº1124/19.6T8PVZ.P1; Ac RP de 5/4/2022, Proc. Nº 204/20.0T8AMT.P1; Ac RP de 17/6/2021, Proc. Nº 268/13.2 T8GDM.P1, www.dgsi.pt).
Responsáveis pelo pagamento da indemnização a liquidar serão ambos os RR, porquanto o 2º Réu constituiu-se fiador da 1ª Ré, assumindo com aquela o cumprimento de todas as obrigações decorrentes do contrato (incluindo a restituição do estabelecimento com todos os materiais e equipamentos que o compunham, findo o contrato, em perfeitas condições de funcionamento, conservação e limpeza)– vide contrato junto como doc. 3 com a petição inicial e respectiva clausula 4ª, decorrendo a sua responsabilidade ainda, expressamente do preceituado nos arts. 627º, n.º 1 e 628º, n.º 1 do CC.
Relativamente aos juros sobre a importância indemnizatória a calcular em sede de liquidação, não se contarão desde a citação para esta acção, como peticionavam os AA, mas da notificação dos RR para o incidente de liquidação a impulsionar pelos AA.( neste sentido Ac STJ de 11-12-2012, CJ Ano XX, Tomo 3, p. 269 citado na referida obra de Francisco Ferreira de Almeida).
Uma última palavra para a questão das custas, cuja condenação em 1ª instância terá de ser alterada em função do aqui decidido, afigurando-se adequado que a condenação recaia sobre ambas as partes, porquanto os Apelantes haviam formulado um pedido líquido e a presente decisão será ilíquida, em parte devido à insuficiência dos meios probatórios apresentados pelos Apelantes, na proporção provisoriamente de metade para cada uma, sem prejuízo dos acertos que se venham a justificar após a efectivação da liquidação. (neste sentido António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. Cit., p. 755).
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V. DECISÃO:
Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelos Apelantes/Autores, revogando-se a sentença recorrida e, condenando-se os Apelados/Réus a pagar aos Apelantes indemnização em quantia a liquidar ulteriormente, em incidente de liquidação, com o limite máximo do valor peticionado de €: 5.674,28 (Cinco Mil Seiscentos e Setenta e Quatro Euros e Vinte e Oito Cêntimos), resultante da deterioração e desaparecimento de utensílios e bens do estabelecimento identificado nos autos, acrescida de juros legais desde a data da notificação do pedido de liquidação até efectivo e integral pagamento.
Custas em ambas as instâncias, por Apelantes e Apelados, na proporção do decaimento, provisoriamente fixado em metade para cada uma das partes, sem prejuízo do acerto que se justificar após a efectivação da liquidação.
Notifique.

Porto, 11-10-2022
Maria da Luz Seabra
Artur Dionísio Oliveira
Maria Eiró

(O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico)
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[1] F. AMÂNCIO FERREIRA, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 8ª edição, pág. 147 e A. ABRANTES GERALDES, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2ª edição, pág. 92-93.
[2] Cadernos Temáticos De Jurisprudência Cível Da Relação, Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, consultável no site do Tribunal da Relação do Porto, Jurisprudência
[3] Comentário ao Código Civil, UCP, p. 561
[4] Direito Processual Civil, Vol. I, p. 605
[5] CPC Anotado, Vol. I, p. 755
[6] Comentário ao Código Civil, UCP, p. 572