Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
25717/16.4T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MIGUEL BALDAIA DE MORAIS
Descritores: TITULARIDADE DOS RECURSOS HÍDRICOS
MEIOS DE PROVA
PROVA DOCUMENTAL
POSSE
Nº do Documento: RP2018091025717/16.4T8PRT.P1
Data do Acordão: 09/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 679, FLS 341-374)
Área Temática: .
Sumário: I - A Lei nº 54/2015, de 15.11 (que estabelece a titularidade dos recursos hídricos) consagra uma presunção, que assume natureza juris tantum, de dominialidade pública das águas navegáveis e flutuáveis e das respetivas margens.
II - No entanto, essa presunção não obstaculiza que possam subsistir direitos de natureza privada já existentes em 31 de dezembro de 1864 (ou em 22 de março de 1868, se estiverem em causa arribas alcantiladas), não impedindo, pois, que os interessados comprovem a sua propriedade sobre bens presuntivamente integrados no domínio hídrico, desde que o facto aquisitivo desse direito seja anterior a essas datas.
III - Para a demonstração da propriedade privada sobre margem de águas públicas, o citado diploma, no seu artigo 15º, estabeleceu, a título principal, um critério geral de prova e, a título subsidiário, regimes probatórios especiais.
IV - De acordo com esse critério geral, sobre o particular que pretenda ver reconhecido o seu direito de propriedade sobre determinada parcela de terreno recai o ónus de comprovar documentalmente que a mesma ingressou antes de 31 de dezembro de 1864 (ou 22 de março de 1868) no domínio privado dos particulares por título legítimo, tendo por referência o regime jurídico vigente à altura do ato ou facto jurídico dos quais emerge o direito de propriedade privada reclamada, ou seja, o regime anterior à vigência do Código Civil de 1867.
V - Essa prova documental deverá sustentar não só que a parcela de terreno se encontrava na propriedade de particulares antes de se estabelecer a presunção de dominialidade, mas também que a mesma nunca saiu da esfera privada, atendendo a que a presunção de dominialidade terá de ser afastada relativamente a toda a história do bem.
VI - Para atenuar o grau de exigência probatória referida, ressalvou, no entanto, o legislador a possibilidade de os particulares apelarem a critérios subsidiários para o reconhecimento da propriedade privada, que dispensam a aludida prova documental.
VIII - Assim, na eventualidade de o interessado não dispor de documentos que comprovem a sua propriedade, poderá o mesmo obter o reconhecimento do seu direito mediante a prova da “posse em nome próprio de particulares ou a fruição conjunta de certos indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa”, antes das datas de referência.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 25717/16.4T8PRT.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Porto – Juízo Central Cível, Juiz 4
Relator: Miguel Baldaia Morais
1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra
2ª Adjunta Desª. Maria de Fátima Andrade
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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO

“B..., Ldª” intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra o Estado Português, alegando, em súmula, ser proprietária do prédio identificado no artigo 1º da petição, sito em ..., Porto, que confronta de sul com o rio ....
Procede à descrição dos vários títulos que, na sua visão, desde 1850 documentam a transmissão do direito de propriedade relativo ao imóvel hoje pertença da autora.
Invoca que, em 1850, os antecessores da autora iniciaram a construção de um armazém no referido imóvel, o que permite concluir que o mesmo se encontra na posse de particulares desde antes de 1864.
Conclui pedindo:
a) a declaração judicial de ser a autora legítima proprietária do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 1233/19940203, sito na Avª. ..., nº ..., ..., ... e ..., freguesia ..., Porto, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 11039º;
b) a declaração judicial de a parte desse prédio que confina a sul com a Avª. ..., nomeadamente a abrangida pela faixa de 50 metros contados do leito do rio ..., é objecto de propriedade e/ou posse de particulares desde data anterior a 31 de Dezembro de 1864.
Citado o réu apresentou contestação, na qual, em súmula, declara aceitar apenas os factos que inequivocamente resultem do teor literal dos documentos juntos aos autos, designadamente que o imóvel identificado na petição inicial se encontra implantado na margem direita do Rio ....
Reconhece a inscrição no registo predial, a favor da autora, do direito de propriedade sobre o prédio identificado na petição inicial e ainda a sucessiva transmissão do mesmo prédio, entre particulares, desde 1887, argumentando, contudo, que dos documentos juntos não é possível identificar qualquer transmissão ou ato possessório relativo a tal imóvel anterior a 1887.
Defende, por último, que no local onde se situa o imóvel identificado pela autora a margem do Rio ... possui 50 metros de largura, integrando-se tal parcela de terreno no domínio público hídrico do Estado.
Foi proferido despacho saneador em termos tabelares, fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Realizou-se a audiência final, vindo a ser proferida sentença na qual se decidiu:
I- julgar a presente ação parcialmente procedente, e, em consequência, declarar a autora legítima proprietária do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 1233/19940203, freguesia ..., Porto, inscrito na respetiva matriz predial sob o nº 11039º da mesma freguesia e concelho;
II- julgar a presente ação improcedente na parte restante.
Inconformada com tal decisão, veio a autora interpor o presente recurso, o qual foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes

CONCLUSÕES:
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O apelado apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
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Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DO MÉRITO DO RECURSO
1. Definição do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, são as seguintes as questões solvendas:
. determinar se o tribunal a quo incorreu num error in iudicando, por deficiente avaliação ou apreciação das provas;
. determinar se se mostram reunidos os pressupostos necessários para deferimento do pedido de reconhecimento de que a parte do prédio da recorrente que alegadamente confina a sul com a Avenida ..., nomeadamente a que esteja abrangida por faixa de até 50 metros do leito do Rio ..., é objeto de propriedade e/ou posse particulares desde data anterior a 31 de dezembro de 1864.
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2. Recurso da matéria de facto
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2.3. Do erro na apreciação e valoração da prova
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3. FUNDAMENTOS DE FACTO
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4. FUNDAMENTOS DE DIREITO

A autora e ora apelante intentou a presente ação declarativa de simples apreciação positiva com o desiderato de obter a declaração de que, por si e ante possuidores, é proprietária e possuidora, desde data anterior a 31 de dezembro de 1864 e até ao presente, da parcela de terreno de 50 metros contados da linha que delimita o rio ..., no local onde se situa o prédio urbano inscrito na respetiva matriz sob o artigo 11039 – ..., descrito na competente Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 1233/19940203.
Para suportar juridicamente tal pretensão de tutela jurisdicional convoca o regime estabelecido no art. 15º da Lei nº 54/2005, de 15.11[2], visando, desse modo, obstar à operância da presunção de dominialidade pública estabelecida no art. 12º, nº 1 al. a) in fine desse diploma legal, em virtude de a identificada parcela confrontar com a margem do rio ....
Tendo por escopo clarificar a problemática atinente à titularidade dos recursos hídricos, a referida lei veio procurar delimitar quais os recursos hídricos que integram o domínio público e aqueles que, ao invés, pertencem a particulares.
Assim, nos termos do seu art. 2º, o domínio público hídrico compreende o domínio público marítimo, o domínio público lacustre e fluvial, e ainda o domínio público das restantes águas.
Em conformidade com o disposto na al. a) do art. 5º o domínio público lacustre e fluvial compreende cursos de água navegáveis ou flutuáveis, com os respetivos leitos, e ainda as margens pertencentes a entes públicos, sendo que de acordo com o nº 1 do seu art. 11º, “entende-se por margem uma faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas”, acrescentando o nº 2 do mesmo normativo que a margem das águas navegáveis ou flutuáveis sujeitas à jurisdição dos órgãos locais da Direção-Geral da Autoridade Marítima ou das autoridades portuárias (como é o caso do rio ...), tem a largura de 50 metros.
Já se deu nota que a lei (art. 12º, nº 1, al. a)) consagra uma presunção (que assume natureza juris tantum) de dominialidade pública das águas navegáveis e flutuáveis e das respetivas margens, presunção que se mostra, aliás, consagrada no nosso ordenamento jurídico desde o Decreto Régio de 31 de dezembro de 1864[3], sendo que a partir de 22 de março de 1868 (data da entrada em vigor do Código Civil de 1867) passou igualmente a estabelecer-se essa presunção sobre as arribas alcantiladas (arribas com inclinação superior a 50%).
No entanto, essa presunção não obstaculiza que possam subsistir direitos de natureza privada já existentes nessas datas, não impedindo, pois, que os interessados comprovem a sua propriedade sobre bens presuntivamente integrados no domínio hídrico, desde que o facto aquisitivo desse direito seja anterior às mencionadas datas, posto que a partir de então esses bens passaram a estar excluídos do comércio jurídico privado.
Isso mesmo veio a ser estabelecido em letra de forma pelo citado art. 15º, no qual se prevê e regula a ação de reconhecimento da propriedade privada sobre terrenos do domínio público hídrico.
O legislador optou, assim, por admitir expressamente a existência, designadamente, de margens de propriedade pública e de margens de propriedade privada, condicionando, contudo, a afirmação desta última a um regime de prova exigente, sob pena de tais margens se considerarem públicas e, por conseguinte, dominiais (art. 5º). Portanto, o legislador permite o direito de propriedade privada sobre margens de águas públicas, muito embora tendo presente que, na falta de comprovação daquele direito, o relevo dos terrenos para o interesse público alavanca necessariamente a sua dominialidade, ou seja, a assunção da conveniência de uma afetação e destino públicos, e, logo, a recondução à propriedade de entes públicos.
Isso mesmo é posto em evidência no acórdão do Tribunal Constitucional nº 326/2015, de 23.06[4], onde se sublinha que o regime jurídico acolhido no aludido art. 15º «persegue um equilíbrio entre, por um lado, o princípio do respeito pelos direitos adquiridos pelos particulares, e, por outro, a conveniência de que as margens de águas públicas, por condicionarem a utilização dessas águas, integrem o domínio público, ou seja, estejam sujeitas a um regime especial de direito público caracterizado por um reforço das medidas de proteção das coisas que o integram».
Procedendo à exegese do último normativo citado - e no que tange concretamente à demonstração da propriedade privada sobre margem de águas públicas -, verifica-se que nele se contempla, a título principal, um critério geral de prova e, a título subsidiário, regimes probatórios especiais.
O critério geral mostra-se enunciado no seu nº 2 nos termos do qual “[q]uem pretenda obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis deve provar documentalmente que tais terrenos eram, por título legítimo, objeto de propriedade particular ou comum antes de 31 de dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de março de 1868”.
Portanto, de acordo com o inciso transcrito, sobre o particular que pretenda ver reconhecido o seu direito de propriedade sobre determinada parcela de terreno recaí o ónus de comprovar documentalmente que a mesma ingressou antes de 1864 ou 1868 (consoante os casos) no domínio privado dos particulares por título legítimo, sendo certo que, como escrevem FREITAS DO AMARAL e PEDRO FERNANDES[5], a expressão legal título legítimo terá de ter por referência o regime jurídico vigente à altura do ato ou facto jurídico dos quais emerge o direito de propriedade privada reclamada, ou seja, o regime anterior à vigência do Código Civil de 1867, elencando os autores como títulos legítimos de aquisição, ou justos títulos, o contrato, a sucessão por morte, a usucapião, a acessão, a preocupação, a doação régia e a concessão.
Ainda a propósito da prova documental exigida pela referida dimensão normativa, tem-se colocado a questão de saber se bastará ao autor demonstrar, em juízo, que a propriedade existia antes de 1864 ou 1868, ou se, adicionalmente, deverá fazer prova das transmissões subsequentes do bem até à sua atual propriedade.
Malgrado não se revele líquida qual a melhor solução a adotar, a doutrina e jurisprudência pátrias que, em resultado da valia dos argumentos que apresentam, reputamos mais consistente, vêm considerando que a prova documental[6] deverá sustentar não só que o imóvel se encontrava na propriedade de particulares antes de se estabelecer a presunção de dominialidade, mas também que o mesmo nunca saiu da esfera privada (mormente por expropriação por utilidade pública ou outro ato de integração do imóvel no domínio público), atendendo a que «a presunção de dominialidade terá de ser afastada relativamente a toda a história do bem»[7], devendo ainda o autor demonstrar (até por uma questão de legitimidade ativa) a sua condição de proprietário, para o que será suficiente que figure como titular inscrito no registo, por mor da presunção relativa emergente do art. 7º do Cód. de Registo Predial.
Para atenuar o grau de exigência probatória referida, ressalvou, no entanto, o legislador a possibilidade de os particulares apelarem a critérios subsidiários para o reconhecimento da propriedade privada, que dispensam a aludida prova documental.
Assim, na eventualidade de o interessado não dispor de documentos que comprovem a sua propriedade, poderá o mesmo, nos termos do nº 3 do art. 15º, obter o reconhecimento do seu direito mediante a prova da “posse em nome próprio de particulares ou a fruição conjunta de certos indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa”, antes das datas de referência.
Nessa hipótese[8], deve o interessado, através de todos os meios de prova admitidos em direito, com ressalva da prova por confissão (posto que o art. 354º, al. b) do Cód. Civil expressamente afasta a sua admissibilidade “se recair sobre factos relativos a direitos indisponíveis”, como é o caso do domínio público que, por definição, é indisponível - cfr., v.g. art. 202º do Cód. Civil), demonstrar não só aquela posse, mas também que o imóvel se manteve sempre na esfera particular, bem como a sua condição de atual proprietário.
Postas tais considerações, revertendo ao caso em apreço e tendo por referência o substrato factual que logrou demonstração, verifica-se que a demandante não satisfez o onus probandi que sobre ela impendia de demonstrar documentalmente que a ajuizada parcela de terreno era, por título legítimo, objeto de propriedade privada particular ou comum antes de 31 de dezembro de 1864, desde logo porque a materialidade apurada não permite, de forma objetiva, afirmar a identidade física (isto é, que se trate da mesma realidade predial) entre o imóvel atualmente descrito na competente Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 1233/19940203 [que corresponde às anteriores descrições nºs 28143 e 28414] e o imóvel a que se alude no ponto 17º dos factos provados, que constitui objeto mediato de contrato de compra e venda realizado em 24 de julho de 1850.
De igual modo, não resultou provado que, até ao momento em que entrou em vigor o Decreto Régio de 31 de dezembro de 1864, sobre a dita parcela tenha sido praticado qualquer ato de posse em nome próprio por parte de particulares.
Como assim, por inverificação dos pertinentes pressupostos normativos de que depende a procedência da ação de reconhecimento da propriedade privada sobre terreno do domínio público hídrico, inexiste razão válida para o deferimento da pretensão recursiva aduzida pela apelante, não se vislumbrando outrossim em que medida o ato decisório sob censura tenha afrontado o princípio da tutela jurisdicional efetiva, na sua vertente de direito de acesso ao direito e aos tribunais, na justa medida em que não lhe foi coartada (ou comprimida de forma excessiva ou desproporcionada) a possibilidade de fazer prova dos factos constitutivos do direito a que se arrogava.
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III- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da autora (art. 527º, nºs 1 e 2).

Porto, 10.09.2018
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
Fátima Andrade
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[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.
[2] Normativo que, desde a publicação do respetivo diploma, foi objeto das alterações que lhe foram aportadas pelas Leis nºs 78/2013, de 21.11, 34/2014, de 19.06 e 31/2016, de 23.08.
[3] Em cujo art. 2º foi declarado “do domínio público imprescriptível, os portos de mar e praias e os rios navegáveis e flutuáveis, com as suas margens, os canais e valas, os portos artificiais e docas existentes ou que de futuro se construam (…)”.
[4] Publicado no Diário da República nº 146/2015, Série I, de 29.07.2015.
[5] In Comentário à Lei dos Terrenos do Domínio Hídrico, págs. 127 e seguinte.
[6] Registe que o Tribunal Constitucional já foi chamado a pronunciar-se sobre a compatibilidade constitucional da exigência de prova documental para demonstração da propriedade privada reportada às datas atrás referidas, decidindo (v.g. no referido acórdão nº 326/2015, de 23.06) pela não inconstitucionalidade da norma constante do nº 1 [atual nº 2] do citado art. 15º, “quando interpretada no sentido da obrigatoriedade da prova a efetuar pelos autores se reportar a data anterior a 31 de dezembro de 1864, quando confrontada com o direito de acesso ao direito e o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrados no artigo 20º, nº 1 da Constituição”, fundamentando, primordialmente, esse sentido decisório em razão da necessidade de «dar estabilidade à base dominial, visto estarem em causa coisas que o legislador, em cumprimento do mandato constitucional inscrito no art. 84º, nº 1 al. f), considera proporcionarem utilidade pública merecedora de um estatuto e de uma proteção especiais» e que «as exigências vertidas nas normas em crise – que só valem para as margens de águas navegáveis ou flutuáveis – encontram o seu fundamento último na proteção de interesses constitucionais a que esse tipo de águas se acha indissociavelmente ligado».
[7] Neste sentido se pronunciaram, inter alia, JOSÉ MIGUEL JÚDICE e JOSÉ MIGUEL FIGUEIREDO, in Ação de Reconhecimento da Propriedade Privada sobre Recursos Hídricos, 2ª ed., pág. 97; já em sentido divergente se pronuncia MANUEL BARGADO (in O reconhecimento da propriedade privada sobre terrenos do domínio público hídrico, artigo disponível em http://www.trg.pt/ficheiros/estudos/o_reconhecimento_da_propriedade_privada.pdf, sustentando que a única prova necessária para o reconhecimento da propriedade privada é a que demonstre que o prédio em causa estava no domínio privado antes de 31.12.1864, não tendo o interessado que fazer a prova da reconstituição do trato sucessivo e a da manutenção da posse por particulares.
[8] O citado art. 15º contempla ainda, nos seus nºs 4 e 5, outros regimes probatórios subsidiários, com especial destaque para as situações (que não ocorrem no caso sub judicio) em que se tenha verificado destruição ou ilegibilidade dos documentos anteriores a 1864 ou 1868 e de desafetação do regime da dominialidade.