Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1326/13.9TTPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: JUNTA MÉDICA
MORA
REGIME ESPECIAL
Nº do Documento: RP201703021326/13.9TTPRT.P1
Data do Acordão: 03/02/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTO N.º253, FLS.35-46)
Área Temática: .
Sumário: I - Regulando o CPT expressamente o regime do exame por junta médica, o legislador afastou-se, intencionalmente, do que resulta do CPC, sendo que em ambos os códigos se prevê a possibilidade de realização de duas perícias médicas, a primeira prevista, respectivamente, nos artigos 105.º do CPT e 467.º, n.ºs 1 e 3, do CPC, e a segunda, por sua vez, nos artigos 139.º do CPT e 488.º do CPC.
II - Se dúvidas houvesse a propósito das garantias das partes interessadas estabelecidas num e noutro código, as mesmas ficam completamente dissipadas através de uma mera comparação dos seus regimes, podendo dizer-se que o CPT foi mesmo mais longe em relação ao CPC.
III - O CPT é também inequívoco no sentido de se poder afirmar que, após a realização da perícia por junta médica a que alude o artigo 139.º, é logo proferida decisão pelo juiz, fixando a natureza e grau de incapacidade (artigo 140.º do mesmo Código), não havendo assim lugar à possibilidade de realização de uma nova perícia por junta médica.
IV - O artigo 135.º do C.P.T. consagra um regime jurídico especial para a mora no domínio das pensões e indemnizações e que se sobrepõe ao regime da mora estipulado pelos artigos 804.º e 805.º do Código Civil.por junta médica a que alude o artigo 139.º, é logo proferida decisão pelo juiz, fixando a natureza e grau de incapacidade (artigo 140.º do mesmo Código), não havendo assim lugar à possibilidade de realização de uma nova perícia por junta médica.
V - Os juros de mora são devidos desde o dia seguinte ao da entrada do pedido de revisão, sobre o valor do capital de remição e até à data da sua efetiva entrega, pois desde esta data que ocorre mora e esse capital mais não é do que uma forma de pagamento unitário da pensão anual e vitalícia.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 1326/13.9TTPRT.P1
Tribunal: 1.ª Secção do Trabalho da Instância Central da Comarca do Porto
Autor: B…
Ré: C…, SA (por alteração da anterior denominação, Companhia de Seguros D…, SA)
______
Relator: Nélson Fernandes
1º Adjunto: Des. M. Fernanda Soares
2º Adjunto: Des. Domingos José de Morais

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório
1. B…, tendo sido vítima de um acidente de trabalho no dia 06 de Outubro de 2008, pelo qual era responsável a companhia seguradora Companhia de Seguros C…, SA – acidente esse que, porém, não foi participado ao tribunal, uma vez que os serviços clínicos da Seguradora deram alta clínica ao Sinistrado em 16/04/2009, considerando-o então curado, sem incapacidade - veio requerer, ao abrigo do disposto no artigo 145º n.º 8 do Código de Processo do Trabalho (CPT), a revisão da incapacidade que lhe foi fixada pela Seguradora, dado entender ter sofrido entretanto um agravamento do seu estado de saúde.
2. Designada data para realização de exame médico de revisão pelo INML, o Perito Médico que o subscreveu entendeu que o Sinistrado se encontra afectado de um grau de incapacidade de 2,98%.
3. Devidamente notificadas, quer a Companhia Segurador quer o Sinistrado, não se conformando com tal exame, vieram, no prazo legal contido no artigo 145º nº 4 do CPT, requerer a realização de exame por Junta Médica, apresentando os respectivos quesitos.
4. Realizou-se o requerido exame por Junta Médica, da especialidade de ortopedia, tendo os Peritos que a integraram concluído, por maioria, que o Sinistrado sofreu um agravamento, fixando a incapacidade em 4,94%.
O Perito médico da Companhia de Seguros, por seu turno, manifestou-se no sentido de que o mesmo se encontra curado e sem incapacidade, fundamentando-se, para tanto na descrição feita pelo perito médico do Instituto de Medicina Legal no sentido de que, naquela data, o exame ao joelho esquerdo era normal, sem instabilidade articular e provas meniscais negativas, circunstâncias que se mantinham à data da realização do exame por junta médica.
5. Notificada, apresentou a Ré requerimento com reclamação e pedido de esclarecimentos.
5.1. Notificado, o Sinistrado sustenta a falta de fundamento do requerido.
5.2. No seguimento, designada data para o efeito, os Peritos prestaram os esclarecimentos solicitados.

6. Notificada, apresentou a Ré requerimento de repetição do exame por junta médica, a realizar com peritos ortopedistas diferentes, sendo certo que se os mesmos verificarem alguma atrofia muscular quantificável sempre deverão esclarecer se a mesma é efetivamente consequência do acidente de trabalho em causa nestes autos, não obstante inexistir à data do exame médico singular.
6.1. Respondeu o Sinistrado a tal requerimento, sustentando o seu indeferimento, por o requerido carecer de qualquer fundamento legal e processual;
6.2. Apreciando o requerido pela Ré, em despacho prévio à decisão final, foi proferida a seguinte decisão:
“Notificada dos esclarecimentos prestados pelos Senhores Peritos Médicos veio a Companhia de Seguros requerer a repetição do exame por junta médica a realizar com a intervenção de ortopedistas diferentes.
Salvo o devido respeito por diferente entendimento, não se nos afigura que o requerido tenha enquadramento legal.
Na verdade, o art.º 145º, 6, delega no Juiz a decisão relativa às diligências que julgue necessária à decisão.
O Tribunal presidiu à junta médica, tendo, oportunamente, peticionado os esclarecimentos necessários à decisão, pelo que, não se nos afigura adequada a realização de qualquer outra diligência.
Pelo exposto, indefiro o pedido de realização de segunda junta médica.”

7. Seguidamente, foi proferida decisão final, da qual consta, na parte que aqui releva, o seguinte[1]:
“Cumpre decidir.
5. Analisados os autos de Junta Médica, verifica-se que os peritos da especialidade de ortopedia declararam, por maioria, que o sinistrado sofreu agravamento na sua incapacidade, fixando-a em 4,94%.
Relativamente à posição assumida pelo Senhor Perito Médico importa tecer as seguintes considerações:
Em primeiro lugar mal se compreende que o mesmo tenha assistido à realização do exame singular, depois de o Tribunal haver negado tal pedido formulado pela Companhia Seguradora;
Por outro lado, se refere que o Sinistrado apresenta uma situação idêntica à observada aquando do exame singular, não fundamenta a divergência entre o juízo feito, de que o mesmo se encontra curado e sem incapacidade, e a conclusão do Senhor Perito médico do IML que, naquelas circunstâncias atribuiu ao Sinistrado uma incapacidade de 2, 98 %.
Importa ainda referir que o Tribunal presidiu ao exame por junta médica, no decurso da qual, por medição com instrumento métrico, e na presença do Senhor Perito Médico da Companhia de Seguros, resultou a atrofia descrita no auto de exame. O Sinistrado manifestou dor à palpação, o que também foi presenciado pelo Tribunal. A posição assumida pelos senhores Peritos Médicos do Tribunal e do Sinistrado que, afinal não se distancia especialmente do juízo efectuado pelo Senhor Perito médico do Instituto de Medicina Legal – que concluiu por uma incapacidade embora em menor percentagem - foi a mais independente e imparcial, baseada apenas em critérios de certeza e rigor científicos.
Assim sendo, não tenho qualquer motivo para colocar em crise os pareceres maioritários emitidos.
Em consequência, apenas resta concluir que o Sinistrado sofreu efectivamente um agravamento da sua incapacidade de 4,94%, passando agora a sua IPP para esta percentagem.
6. Pelo exposto, julgo o presente incidente de revisão procedente, por provado e, em consequência, decido aumentar para 4,94% o grau de incapacidade permanente parcial ao sinistrado B…, com efeitos a partir de 04.10.2013, data da entrada do pedido de revisão.
Custas pela Seguradora responsável, com taxa de justiça mínima.
Notifique.
7. Atento o referido grau de incapacidade do Sinistrado, este, nos termos do disposto no artigo 17º nº 1 d) da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, tem direito ao capital de remição de uma pensão anual e vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho.
Por outro lado, tal pensão será calculada com base na retribuição anual ilíquida normalmente recebida pelo Sinistrado, nos termos do disposto no artigo 26º nºs 2, 3 e 4.
Ora, ambas as partes estão de acordo que a retribuição anual auferida pelo Sinistrado à data do acidente era de €400.008,00; bem como que tais montantes se encontravam integralmente transferidos para a seguradora responsável.
Assim sendo, e em consequência da decisão que antecede, tem o Sinistrado direito ao capital de remição de uma pensão anual de € 13.832,28.
Sobre a respectiva quantia acrescem juros de mora, à taxa legal de 4%, desde 04.10.2013”, até integral pagamento.”

8. Notificada, veio a Ré interpor o presente recurso, apresentando no final das suas alegações as seguintes conclusões:
“I. No âmbito do processo para efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, a produção de prova através de perícias médico-legais encontra-se regulada por quatro complexos de normas: i) os artigos 105.º e seguintes (perícia singular) e 138.º e seguintes (perícia por junta médica) do CPT; ii) os artigos 467.º e seguintes do Código de Processo Civil (CPC), por força da remissão expressa do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do CPT, naquilo que não se encontra expressamente regulado neste código; iii) os artigos 388.º e seguintes do Código Civil; e, iv) a Lei n.º 45/2004, de 19 de Agosto.
II. O Tribunal a quo entendeu indeferir a repetição do exame por junta médica a realizar com a intervenção de ortopedistas diferentes, com o fundamento de que “o art.º 145º, 6, delega no Juiz a decisão relativa às diligências que julgue necessária à decisão”, no entanto, o referido artigo não impede as partes de requererem ao Tribunal a realização de diligências probatórias, designadamente a recolha de pareceres, a realização de exames e a realização de segundas perícias colegiais.
III. Nos termos do artigo 487º do CPC, aplicável ex vi artigo 1º, n.º2, al. a) do CPT, encontra-se expressamente previsto que: “1 - Qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado. 2 - O tribunal pode ordenar oficiosamente e a todo o tempo a realização de segunda perícia, desde que a julgue necessária ao apuramento da verdade. 3 - A segunda perícia tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta”, pelo que, ao contrário do que refere o Tribunal a quo, existe enquadramento legal para o pedido efetuado pela Apelante Seguradora. Assim, a decisão de indeferimento do mesmo viola expressamente o referido artigo 487º do CPC, bem como o artigo 145º, n.º6 do CPT, na interpretação altamente restritiva que é feita pelo Tribunal a quo (no sentido de que as partes ficam coartadas de requerer ao Juiz a realização de diligências e outros meios de prova que se afigurem necessários).
IV. O Tribunal a quo não peticionou todos os esclarecimentos necessários à decisão, designadamente como decorre do próprio texto da sentença, não questionou o perito médico em representação da Apelante das suas razões de divergência relativamente ao resultado do exame singular contanto que este confirmava uma situação idêntica à observada nesse exame.
V. O Tribunal a quo não analisou o principal fundamento do pedido de realização de segunda perícia por parte da seguradora Apelante: afinal o Sinistrado tem ou não tem uma atrofia muscular de 1, 5 cm? Na afirmativa, por que razão a mesma inexistia à data da realização do exame singular que referiu expressamente que não existia a mencionada atrofia muscular (“sem atrofia da coxa”)?
VI. Acresce que se impunha, caso a referida atrofia afinal se verifique, apurar que relação tem a mesma com o acidente em causa nos presentes autos.
VII. Não foi cabalmente respondida a questão apresentada pela Apelante, no ponto 6. do seu requerimento de 30.12.2015, se “De Janeiro a Dezembro de 2015 o sinistrado ganhou uma atrofia de 1,5 cm? Na afirmativa, por que razão?” Os senhores peritos não responderam se esta atrofia inexistia no início do ano de 2015 e, no final desse ano, passou a existir, muito menos esclarecem por que razão se terá desenvolvido, o que é essencial para se perceber qual a relação da mesma com o acidente de 2009 (!) em causa nos presentes autos.
VIII. Só dependendo da resposta completa a esta questão se pode apurar se:
- Se mantém uma divergência injustificada entre o laudo maioritário e o resultado do exame singular (e quanto a esta questão também não partilhamos o entendimento do Tribunal no sentido de que a posição assumida pelos peritos do Tribunal e do Sinistrado não se distancia especialmente do juízo efetuado pelo perito do INML, pois aqueles fixam uma IPP muito superior à fixada por este); bem como,
- Se as queixas subjetivas do Sinistrado/Apelado (dor à palpação) são ou não acompanhadas de algum dado concretizável ao exame médico (sequelas) que permita a fixação de algum grau de Incapacidade.
IX. Nos termos do n.º 12 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades, “os sintomas que acompanhem défices funcionais, tais como dor e impotência funcional, para serem valorizáveis, devem ser objectivados pela contractura muscular, pela diminuição da força, pela hipotrofia, pela pesquisa de reflexos e outros meios complementares de diagnóstico adequados”.
E como reconhecido por todos os peritos, mais de seis anos após o acidente, o exame objetivo do Sinistrado não mostra nenhuma alteração objetiva, para além da controversa atrofia muscular, que os peritos do INML e da Seguradora declaram expressamente não existir; Pelo que, inexistindo a muito controversa e inexplicável atrofia muscular, a dor apenas se pode qualificar como um sintoma e não como uma sequela.
X. Está em causa nos presentes autos a avaliação das sequelas decorrentes de um acidente que vitimou o Sinistrado/Apelado em 28.02.2009, no âmbito do qual ficou com alta curada sem desvalorização em 31.08.2009 diagnóstico com o qual o Sinistrado concordou, tendo, apenas despoletado um incidente de revisão da incapacidade em 2013.
XI. O Apelado continuou e continua hoje, com 31 anos de idade, a exercer a atividade de jogador de futebol, na Argentina, no E…, pelo que os senhores peritos médicos têm o dever acrescido de averiguar e explicar se as sequelas e incapacidades que agora detetam, mais de seis anos após o acidente, decorrem verdadeiramente do mesmo, ou antes da natural “incapacidade de manter os níveis físicos e de destreza que envolve a prática de futebol profissional”.
XII. Impunha-se que o Tribunal a quo procurasse de alguma forma averiguar as dúvidas levantadas pela Apelante, nomeadamente com o recurso à realização da requerida segunda perícia, que é o meio de reação contra inexatidão do resultado da primeira e procura que outros peritos confirmem essa inexatidão e a corrijam (art.º 589º, n.º 3, do CPC).
XIII. Em quatro médicos que, no âmbito deste processo, observaram o Apelado, houve dois que observaram uma atrofia e outros dois que referiram expressamente que ela não existia, incluindo o médico do INML.
XIV. O que justifica a segunda perícia é a necessidade ou a conveniência de submeter à apreciação de outro perito ou peritos os factos que já foram apreciados. Parte-se do princípio que o primeiro perito ou os primeiros peritos viram mal os factos ou emitiram sobre eles juízos de valor que não merecem confiança, que não satisfazem; porque não se considera convincente o parecer obtido na primeira perícia é que se lança mão da segunda.
XV. O médico representante do Sinistrado na Junta Médica, Sr. Dr. F…, já tinha tido intervenção nos autos e já tinha emitido parecer/opinião sobre os factos em crise, auxiliando o Apelado, na instrução da ação /incidente – cfr. Relatório deste médico, de 3/7/2013, junto como Doc. 4 com o requerimento de início do processo – Revisão da Incapacidade em Juízo -, relatório este já atendido pelo exame médico singular IML – cfr. pág.3 do exame IML.
XVI. Com efeito, o despacho e sentença recorridos, ao vedarem uma segunda perícia colegial e a possibilidade de o Sinistrado ser representado por outro médico, que não o Dr. F…, violam também o artigo 470.º do CPC, por força da remissão legal para o regime de impedimentos e suspeições que vigora para os juízes (e em concreto para o artigo 115.º, n.º 1, alínea c) do CPC), os peritos indicados pelas partes deverão oferecer todas as garantias de imparcialidade.
XVII. Não sendo possível, à luz da atual legislação processual civil, requerer esclarecimentos da dita sentença, à cautela, para o caso de o Tribunal a quo entender que os juros de mora “sobre a respetiva quantia” se reporta a juros de mora sobre o capital de remição, apresenta-se ainda recurso da sentença nessa parte, por violação dos artigos 13.º da Constituição da República Portuguesa; 135º, 149.º e 150.º do CPT; 805.º, n.º 3, do Código Civil; n.º 2 do artigo 50.º, 47.º n.º 1 al. c) e 48.º n.º 3 al. c) e 75.º da LAT/2009 -Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro; e 10.º al. b) da Lei 100/97, com os seguintes fundamentos:
XVIII. Nos casos em que a pensão anual e vitalícia for obrigatoriamente remível, como sucede nos presentes autos, os juros moratórios – que sempre se terão de fixar – devem incidir sobre o valor da pensão anual, mantendo-se a mora desde o dia do vencimento da pensão atribuída até à data da efetiva entrega do capital de remição ao sinistrado.
XIX. A fixação de juros de mora sobre o valor do capital de remição só em circunstâncias muito contadas pode suceder. Um exemplo é o caso em que a entidade responsável não procede ao pagamento do capital de remição depois de estar liquidado e designada a sua entrega, nos termos dos artigos 149.º e 150.º do CPT. Existe, nesta sede, uma situação análoga à prevista no artigo 805.º, n.º 3, do Código Civil, segundo o qual, se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto não se tornar líquido: o crédito do sinistrado ao capital de remição só se torna líquido com o cálculo e designação da data de entrega.
XX. É certo que os juros moratórios são fixados sobre o valor da pensão anual e vitalícia independentemente da culpa no atraso imputável ao devedor e, até, de o credor ter ou não formulado o correspondente pedido. Mas já assim não se verifica quanto aos juros calculados sobre o capital de remição, uma vez que a sua fixação sempre dependerá da culpa do devedor no atraso no pagamento daquele depois de estar liquidado.
XXI. Acresce que o n.º 2 do artigo 50.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, estabelece que as pensões por incapacidade permanente começam a vencer-se no dia seguinte ao da alta, não contendo uma norma que indique o momento do vencimento do capital de remição.
XXII. Sublinhe-se, por fim, que a fixação de juros sobre o capital de remição introduz uma inadmissível distinção entre sinistrados consoante a pensão anual e vitalícia concretamente atribuída seja ou não remível, dado que os juros moratórios calculados sobre o capital de remição serão sempre muito superiores àqueles cujo cálculo incida apenas sobre o valor da pensão anual e vitalícia (basta calcular, por exemplo, os juros de mora sobre a pensão e o capital de remição aqui em causa para perceber a diferença milionária em questão!), implicando um tratamento desigual daqueles e, por isso, inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.
XXIII. O art. 135º do CPT não nos refere esse artigo qual o momento de vencimento das obrigações, importando recorrer à lei substantiva que regula a reparação dos acidentes de trabalho.
XXIV. A LAT (Lei n.º 98/2009) estabelece no art. 50.º nº 2 que as pensões por incapacidade permanente começam a vencer-se no dia seguinte ao da alta. Não contém uma norma que indique o momento do vencimento do capital da remição.
XXV. Na génese (evolutiva) do direito ao capital da remição está o direito a uma pensão anual e vitalícia. Nesse caso, deve considerar-se que, para efeitos de mora (do atraso do pagamento das prestações), no caso do direito a capital da remição sempre o acidentado de trabalho tem um crédito, em formação, a uma pensão ainda que obrigatoriamente remível.
XXVI. Deste modo, no caso em apreço, os juros de mora, à taxa legal de 4%, devem incidir sobre os montantes (vencidos) da pensão a remir; isto é, sobre o valor de €13.832,28 – e não sobre o capital de remição, ainda nem calculado pela secretaria -, desde 04.10.2013, até integral pagamento.
TERMOS EM QUE,
Julgando de conformidade com as presentes ALEGAÇÕES e revogando as decisões recorridas, substituindo o despacho recorrido por outro que defira as pretensões da Recorrente, V. Exas. foram a costumeira JUSTIÇA!”

8.1. O Sinistrado contra-alegou, concluindo nos termos seguintes:
“Termos em que se requer, a v.ª(s) ex.ª (s), se digne(m) indeferir a apelação da Seguradora D…, S.A., mantendo, na íntegra, a decisão recorrida, esclarecendo ainda que o capital de remição correspondente a esta pensão anual e vitalícia vence juros de mora desde o dia seguinte ao da sua fixação e até integral pagamento, calculados, não sobre o montante da pensão, mas sobre o valor do capital, nos termos do artigo 135.º do c.p.t..

9. Por despacho de 21 de Dezembro de 2016, foi fixado o valor da acção em €235.328,58 e determinada, após trânsito, a remessa dos autos a este Tribunal da Relação.

10. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no seu parecer, sustenta a improcedência total do recurso.

10.1. Notificada desse parecer, a Apelante, depois de comunicar a ocorrência de inscrição do acto de fusão por incorporação de outras na Companhia de Seguros D…, S.A., e simultaneamente a alteração da designação dessa para C…, S.A., mantém a posição por si já assumida nas suas alegações.
***
Cumpre, agora, apreciar e decidir.
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II – Questões a resolver

Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do NCPC – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: admissibilidade legal, por aplicação subsidiária do CPC, de realização de 2.ª perícia/ junta médica; se não são devidos juros de mora sobre o capital de remição mas apenas sobre o valor da pensão anual.
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III - Fundamentação
a) Os factos relevantes constam da sentença recorrida e do relatório que se elaborou.
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b) Discussão
1. (In)admissibilidade legal, por aplicação subsidiária do CPC, de realização de 2.ª perícia/ junta médica
Insurge-se a Recorrente (conclusões I a XVI) contra a decisão do Tribunal a quo que indeferiu a repetição do exame por junta médica, a realizar com a intervenção de ortopedistas diferentes.
Para tanto, invoca o disposto no artigo 487.º do CPC, que tem por aplicável ex vi artigo 1.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo do Trabalho (CPT), em que se prevê a possibilidade de ser requerida a segunda perícia.
Mas sem razão, diga-se desde já.
Lembrando-se a Recorrente que a questão do recurso subsidiário ao regime previsto no CPC já foi afastado neste processo – por Acórdão desta relação proferido em 7 de Abril de 2014[2] –, também então como agora por impulso seu, muito embora aí a propósito do exame singular, mas que nesta parte não comporta solução diversa, volta a afirmar-se que o CPT regula expressamente o regime do exame por junta médica, afastando-se o legislador, intencionalmente, do que estabeleceu no CPC.
Vejamos porquê.
Desde logo, atalhando razões quanto a qualquer argumento no sentido de que o regime do CPT pudesse ser menos garantístico do que é estabelecido no CPC, constatamos que naquele, como neste, está prevista a possibilidade de realização de duas perícias.
Assim, quanto à primeira dessas perícias, respectivamente, os artigos 105.º do CPT – sob a epígrafe perícia médica – e 467.º, n.ºs 1 e 3, do CPC, importando desde logo dar nota de que, não obstante pela sua natureza serem ambas nestes casos realizadas por apelo ao regime jurídico das perícias médico-legais, o n.º 3 do aludido artigo 105.º do CPT estabelece expressamente, sem prejuízo do disposto nessa lei que estabelece o regime jurídico da realização das perícias médico-legais e forenses, “quando a perícia exigir elementos auxiliares de diagnóstico ou conhecimento de alguma especialidade clínica não acessíveis a quem deva realizá-lo, são requisitados tais elementos ou o parecer de especialistas aos serviços médico-sociais da respectiva área e se estes não estiverem habilitados a fornecê-los em tempo oportuno são requisitados a estabelecimentos ou serviços adequados ou a médicos especialistas.
Por sua vez, quanto à segunda perícia, prevista respectivamente nos artigos 139.º do CPT e 488.º do CPC, há que dar nota também que no CPT é sempre constituída por três peritos – A perícia por junta médica, constituída por três peritos, tem carácter urgente, é secreta e presidida pelo juiz (n.º 1 do artigo 139.º) –, o que pode nem sequer ocorrer no CPC – A segunda perícia rege-se pelas disposições aplicáveis à primeira, com as ressalvas seguintes: a) Não pode intervir na segunda perícia perito que tenha participado na primeira; b) Quando a primeira o tenha sido, a segunda perícia será colegial, tendo o mesmo número de peritos daquela (artigo 488.º).
Ou seja, se dúvidas houvesse a propósito das garantias das partes interessadas estabelecidas num e noutro Código, as mesmas ficam completamente dissipadas através de uma mera comparação dos seus regimes, não se podendo designadamente dizer que o CPT fique aquém do que se encontra previsto no CPC – pelo contrário, houve especiais cautelas no primeiro caso, bem evidenciada no facto de ser presidida pelo juiz (diversamente do que ocorre no CPC, em que se prevê apenas a possibilidade de estar presente, se o considerar necessário / artigo 480.º, n.º 2, do CPC), a quem incumbe uma intervenção directa, podendo por sua iniciativa, se o considerar necessário, “determinar a realização de exames e pareceres complementares ou requisitar pareceres técnicos (n.ºs 6 e 7 do artigo 139.º, do CPT).
Daí que, voltando ao caso que se aprecia, em que foram realizadas as duas perícias previstas no CPT, o requerimento da Recorrente no sentido de que seja realizada uma nova perícia traduzir-se-ia, afinal, não na segunda e sim numa terceira perícia, fora do âmbito de previsão das normas do CPC que indica para sustentar a sua pretensão, o que bastaria para evidenciar a falta de razão que lhe pudesse assistir.
Mas mais, acrescente-se.
Sem esquecermos o anteriormente referido a propósito da comparação de ambos os regimes, que como se viu evidencia claramente que não estamos perante um caso omisso no CPT que pudesse justificar o recurso subsidiário ao CPC, aquele Código é também inequívoco no sentido de se poder afirmar que, após a realização da perícia por junta médica a que alude o artigo 139.º, é logo proferida decisão pelo juiz, fixando a natureza e grau de incapacidade (artigo 140.º do mesmo Código), não podendo assim lugar à possibilidade de realização de uma nova perícia por junta médica, a terceira afinal como vimos.
Do exposto se conclui pela completa falência da pretensão da Recorrente no sentido de ser realizada, seja por apelo ao CPC como pretende, seja por apelo ao que dispõe o CPT, uma nova perícia.
Apreciada a questão nos termos em que o foi, vejamos os demais argumentos apresentados pela Apelante nas suas conclusões.
Desde logo, no seguimento do pedido que formulou de esclarecimentos aos Peritos que integraram a junta médica, que o Tribunal a quo determinou que esses fossem prestados, o que veio a concretizar-se com realização de data para tais efeitos, como resulta do processo.
Daí que careça de fundamento a sua conclusão IV, sendo que a propósito das razões de divergência do Perito indicado pela mesma, essas ficaram plasmadas nas suas respostas, como resulta do respectivo auto.
Coisa diversa, mas que ultrapassa já o âmbito do pedido de realização da nova perícia que pretende, é a sua expressa divergência sobre as respostas a que chegaram os outros dois Peritos, formando maioria, sendo que esses responderam claramente, e de modo bastante e fundamentado, às questões que levanta.
Ocorre divergência? Sem dúvidas, neste como em muitos outros casos, sendo que, como resulta da lei e tem sido afirmado pela Jurisprudência, a prova pericial está sujeita também à livre apreciação pelo Julgador.
Refere-se a propósito no Acórdão de 14 de Julho de 2016[3] (transcrição):
“Com efeito, a prova pericial, tal como a prova testemunhal, está sujeita à livre apreciação pelas instâncias como expressamente prescrevem os arts. 389º e 396º, ambos do CC.
É claro que tratando-se de uma prova gerada a partir da emissão de juízos de ordem técnica elaborados por especialistas, a sua livre apreciação apresenta naturais limitações mas não a transforma em prova plena que tenha um valor tal que seja insindicável pelos Tribunais e a que estes estejam vinculados.
Tais cautelas são especialmente visíveis quando, como ocorre no caso concreto, se trata de matéria reportada a um acidente de trabalho, em que houve intervenção de peritos médicos, cujo parecer deve, em regra, ser acatado, o que não impede, porém, que possa suscitar por parte das instâncias um entendimento divergente daquele, perante motivos de ordem técnica ou probatória que apontem para a sua rejeição ou modificação do seu resultado.”

Ora, vista a decisão recorrida, não se pode dizer que o Julgador não tenha cumprido essa apreciação. Pelo contrário, debruçou-se sobre os resultados apresentados pelos Peritos, dizendo das razões por que aceitou o laudo maioritário e não já a posição do Perito que desse divergiu.
Assim, fez-se constar, sem que esta Relação tenha razões para divergir do juízo feito, o seguinte:
“Relativamente à posição assumida pelo Senhor Perito Médico importa tecer as seguintes considerações:
Em primeiro lugar mal se compreende que o mesmo tenha assistido à realização do exame singular, depois de o Tribunal haver negado tal pedido formulado pela Companhia Seguradora;
Por outro lado, se refere que o Sinistrado apresenta uma situação idêntica à observada aquando do exame singular, não fundamenta a divergência entre o juízo feito, de que o mesmo se encontra curado e sem incapacidade, e a conclusão do Senhor Perito médico do IML que, naquelas circunstâncias atribuiu ao Sinistrado uma incapacidade de 2, 98 %.
Importa ainda referir que o Tribunal presidiu ao exame por junta médica, no decurso da qual, por medição com instrumento métrico, e na presença do Senhor Perito Médico da Companhia de Seguros, resultou a atrofia descrita no auto de exame. O Sinistrado manifestou dor à palpação, o que também foi presenciado pelo Tribunal. A posição assumida pelos senhores Peritos Médicos do Tribunal e do Sinistrado que, afinal não se distancia especialmente do juízo efectuado pelo Senhor Perito médico do Instituto de Medicina Legal – que concluiu por uma incapacidade embora em menor percentagem - foi a mais independente e imparcial, baseada apenas em critérios de certeza e rigor científicos.
Assim sendo, não tenho qualquer motivo para colocar em crise os pareceres maioritários emitidos.”
Deste modo, carecem também de fundamento as conclusões V a XIV apresentadas pela Recorrente.
Por último, algumas notas se deixam a propósito da questão levantada pela Apelante, nas conclusões XIV e XV, referente à participação na junta médica do Perito médico indicado pelo Sinistrado, argumentando que o mesmo “já tinha tido intervenção nos autos e já tinha emitido parecer/opinião sobre os factos em crise, auxiliando o Apelado, na instrução da ação /incidente – cfr. Relatório deste médico, de 3/7/2013, junto como Doc. 4 com o requerimento de início do processo – Revisão da Incapacidade em Juízo -, relatório este já atendido pelo exame médico singular IML – cfr. pág.3 do exame IML.”
Desde logo, no sentido de que, afinal, como resulta da decisão recorrida, também o Perito que a Recorrente indicou assistiu à realização do exame singular, depois de o Tribunal haver negado tal pedido formulado pela Companhia Seguradora.
Mas principalmente para afirmarmos que, caso a Recorrente entendesse que ocorria razão para levantar o incidente de impedimento ou suspeição do referido Perito, que o deveria ter feito de modo expresso no processo – como o impõe o artigo 471.º do CPC, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento da nomeação ou, sendo superveniente o conhecimento da causa, nos 10 dias subsequentes – e não, como o fez, limitando-se a referir, já aquando do requerimento em que formulou pedido de esclarecimentos, a elaboração de relatório pelo mesmo para instruir o pedido de revisão. Ou seja, em termos processuais, impunha-se que tivesse reagido com os meios ao seu dispor, o que não fez nessa altura, como não o fez, acrescente-se, caso entendesse que se justificava, no momento em que é proferido despacho judicial que determinou, no seguimento do pedido de esclarecimentos, que esses fossem prestados, afinal também com intervenção do mesmo Perito – despacho esse que, ao designar data para tais esclarecimentos, pode mesmo ser entendido como não tendo considerado relevantes as razões apontadas pela Recorrente, sendo que, como resulta do disposto no n.º 3 do artigo 471.º do CPC, “Das decisões proferidas sobre impedimentos, suspeições ou escusas não cabe recurso”.
Seja como for, não o tendo feito no momento oportuno, levando a que o Tribunal a quo se tivesse pronunciado expressamente sobre essa questão, não pode agora pretender que esta Relação o faça.
Na verdade, consistindo as conclusões na enunciação de proposições sintéticas que contenham, por súmula, resumidamente, as razões por que se pede o provimento do recurso, não tendo tal questão sido colocada expressamente para apreciação pelo Tribunal a quo, sempre estaríamos perante uma questão nova, que não foi sujeita à apreciação do Tribunal de 1ª instância e, por isso, dela não poderia este Tribunal de recurso conhecer, como tem sido entendimento corrente da doutrina e da jurisprudência[4] – apenas nos casos expressamente previstos[5], pode o tribunal superior substituir-se ao tribunal que proferiu a decisão recorrida.
Improcedendo assim, nos termos expostos, o recurso nesta porte, importa apreciar a segunda questão levantada pela Recorrente.

2. Saber se não são devidos juros de mora sobre o capital de remição mas apenas sobre o valor da pensão anual.
Invoca a Recorrente a violação na sentença recorrida dos artigos 13.º da Constituição da República Portuguesa, 135º, 149.º e 150.º do CPT, 805.º, n.º 3, do CC, n.º 2 do artigo 50.º, 47.º n.º 1 al. c) e 48.º n.º 3 al. c) e 75.º da LAT/2009-Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, e 10.º al. b) da Lei 100/97.
Em sustentação da sua pretensão, sustenta que nos casos em que a pensão anual e vitalícia for obrigatoriamente remível, como sucede nos presentes autos, os juros moratórios – que sempre se terão de fixar – devem incidir sobre o valor da pensão anual, mantendo-se a mora desde o dia do vencimento da pensão atribuída até à data da efetiva entrega do capital de remição ao sinistrado – só se justificando a fixação de juros de mora sobre o valor do capital de remição em circunstâncias muito contadas, de que é exemplo o caso em que a entidade responsável não procede ao pagamento do capital de remição depois de estar liquidado e designada a sua entrega, nos termos dos artigos 149.º e 150.º do CPT –, sendo que, não referindo o artigo 135º do CPT qual o momento de vencimento das obrigações (o n.º 2 do artigo 50.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, estabelece que as pensões por incapacidade permanente começam a vencer-se no dia seguinte ao da alta, não contendo uma norma que indique o momento do vencimento do capital de remição), importando recorrer à lei substantiva que regula a reparação dos acidentes de trabalho, existe nesta sede uma situação análoga à prevista no artigo 805.º, n.º 3, do Código Civil, segundo o qual, se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto não se tornar líquido: o crédito do sinistrado ao capital de remição só se torna líquido com o cálculo e designação da data de entrega. Daí que, diz, no caso em apreço, os juros de mora, à taxa legal de 4%, devem incidir sobre os montantes (vencidos) da pensão a remir; isto é, sobre o valor de €13.832,28 – e não sobre o capital de remição, ainda nem calculado pela secretaria –, desde 04.10.2013, até integral pagamento.
Argumenta, ainda, que a fixação de juros sobre o capital de remição introduz uma inadmissível distinção entre sinistrados consoante a pensão anual e vitalícia concretamente atribuída seja ou não remível, dado que os juros moratórios calculados sobre o capital de remição serão sempre muito superiores àqueles cujo cálculo incida apenas sobre o valor da pensão anual e vitalícia, implicando um tratamento desigual daqueles e, por isso, inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.
Vejamos, então, se lhe assiste razão, tendo presente que o tribunal a quo na sentença recorrida, considerou que “tem o Sinistrado direito ao capital de remição de uma pensão anual de € 13.832,28” e que “sobre a respectiva quantia acrescem juros de mora, à taxa legal de 4%, desde 04.10.2013, até integral pagamento.”
Não se nos oferecendo também dúvidas sobre o sentido a dar à decisão a propósito de saber se os juros fixados incidem sobre a pensão ou sobre o capital de remição, pois que é manifesto que se referem a este último – afirmou-se anteriormente o direito ao capital de remissão de uma pensão de determinado valor, pelo que a quantia respectiva a que se reportam os juros é necessariamente a daquele capital de remição –, importa ter presente, na apreciação a realizar, desde logo, que nos termos do disposto no artigo 135.º do C.P.T. (aprovado pelo DL 480/99 de 9.11) – que aliás se mantém na versão actual (DL 295/2009 de 13.10) – “Na sentença final o juiz (…) fixa também, se forem devidos, juros de mora pelas prestações pecuniárias em atraso”.
Por sua vez, estabelecendo o n.º 1 do artigo 804.º do Código Civil (intitulado Princípios gerais) que “A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor” e o seu n.º 2 que “O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido””, dispõe depois o artigo 805.º do mesmo Código, sobre o momento da constituição em mora:
“1. O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.
2. Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação:
a) Se a obrigação tiver prazo certo;
b) Se a obrigação provier de facto ilícito;
c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido.
3 - Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número”.
Sendo este o quadro legislativo em que se move a questão sob recurso, importa desde já esclarecer que se entende que o citado artigo 135.º do C.P.T. assume natureza imperativa, impondo ao juiz a obrigatoriedade de condenação em juros de mora mesmo que não tenham sido pedidos, aí se consagrando, deste modo, pela circunstância de estamos perante direitos indisponíveis, um regime especial para a mora no âmbito dos acidentes de trabalho.
Na verdade, admitindo-se que o n.º 4 do artigo 17.º da Lei 100/07 de 13.9 não ajude à compreensão, pois refere a data de vencimento das pensões omitindo, em termos literais, o vencimento do capital de remição constante da alínea d) do nº 1 – trata-se porventura duma transposição da disposição correspondente na Lei nº 2127 de 3-8-65, Base XVI nº 4, com o mesmo texto, sem que se tenha acautelado que a al. c) do nº 1 da mesma Base deu origem a duas estipulações diferentes na lei que lhe sucedeu, ou seja, às alíneas c) e d) do artº 17º nº 1 da Lei 100/97 (em termos literais, na Lei nº 2127 não se previa a condenação no pagamento dum capital de remição, mas no pagamento de pensão que, no máximo, podia ser obrigatoriamente remível / Base XXXIX – , o seu texto não permite, porém, contrariar o que consta da própria alínea d) do nº 1, precisamente que a prestação que é devida ao sinistrado – e que a responsável é condenada a pagar – é o capital de remição duma pensão e não a própria pensão. Trata-se efectivamente de realidades diferentes, com valores diferentes, do que decorre o afastamento das conclusões da Recorrente em contrário, pois que em lado algum se prevê que na incapacidade permanente e parcial inferior a 30% a responsável é condenada a pagar uma pensão até ao momento em que, com base nela, se calcule um capital de remição, momento a partir do qual (ou a partir da data designada para a entrega do capital de remição) a condenação se converte numa condenação a pagar o capital.
É que, em termos de interpretação sistemática, porque o n.º 4 do citado artigo 17.º se reporta directamente aos números que o antecedem, designadamente ao nº 1, deve assim entender-se que previne todas as prestações indemnizatórias dele constantes, resultando deste modo evidente que a expressão “pensões por incapacidade permanente” utilizada no nº 4 deve ser lida como “prestações por incapacidade permanente”, em conformidade com a epígrafe do preceito e com o corpo do n.º 1 do preceito.
Deste modo, relativamente ao vencimento do capital – que será naturalmente, por razões do próprio processo, apurado em data posterior à do dia seguinte ao da alta – impõe-se anotar o desvio determinado pelo artigo 135.º do CPT relativamente à disciplina civilística resultante dos artigos 804.º e 805.º do Código Civil.
Este tem sido, aliás, o entendimento sufragado em variados acórdãos dos nossos Tribunais, de que se cita, a título exemplificativo, o Acórdão do S.T.J. de 10 de julho de 2013[6]: “(…) 2. O artigo 135.º do actual Código de Processo do Trabalho consagra um regime jurídico especial para a mora no domínio das pensões e indemnizações e que se sobrepõe ao regime geral estipulado nos artigos 804.º e 805.º do Código Civil. 3. Sendo a pensão devida emergente de incapacidade permanente parcial inferior a 30%, a qual é obrigatoriamente remida, os juros de mora são devidos desde o dia seguinte ao da alta, sobre o valor do capital de remição e até à sua efectiva entrega, pois, a partir daquela, o devedor incorreu em mora e este capital mais não é do que uma forma de pagamento unitário da pensão anual e vitalícia.” (sublinhado nosso) – no mesmo sentido, ainda, entre outros, os Acórdãos do STJ de 14/04/1999, CJ, STJ, 1999, 2.º, 262 e de 09/06/1999, BMJ, 488.º, 334; da RL de 24/05/2006, da RP de 14/07/2008; da RP de 13/11/2008; da RC de 23/04/2009 e da RP de 11/10/2010, de 18/10/2010, de 04/06/2012, de 24/09/2012, de 12/11/2012 (processo nº 941/08.7TTGMR.P1) e de 15/09/2014 – todos disponíveis em www.dgsi.pt..
Nessa linha se move, também, o entendimento desta Relação e Secção.
Assim se escreveu no Acórdão de 04/06/2012, processo n.º 105/10.0TTVRL.P1, que “trata-se de um regime excepcional ou especial em que a mora não depende da demonstração da culpa do devedor, bastando que se verifique o atraso no pagamento, desde que não imputável ao credor, parecendo tratar-se de uma mora objectiva. (…) Assim, trata-se mais de reintegrar – com juros – o valor do capital na data do vencimento da prestação, do que propriamente da punição do devedor relapso, na ideia de que as prestações derivadas do acidente de trabalho têm natureza próxima dos alimentos, cujo valor deve ser mantido aquando do recebimento” – ainda, Acs. de 29.05.2006, processo 0610535, e 18.10.09, processo 509/09.0TTMTS.P1, ambos em www.dgsi.pt, e 24.01.2011, in CJ, TI, pág. 247. Ou, também, no Acórdão desta Relação proferido no processo 0610535, com o número convencional JTRP00039246 que se pode consultar em www.dgsi.pt, que por sua vez cita o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1990-02-02 - P. 2285: “O artº 138º do Código de Processo do Trabalho”, actual artº 135º, “é uma norma especial em relação ao regime geral do Código Civil (artºs 804º e 805º) no que respeita à obrigação de pagamento de juros de mora. Tem carácter imperativo, pelo que há lugar à fixação de juros de mora desde que se verifique atraso no pagamento de pensões e indemnizações, independentemente de culpa no atraso imputável ao devedor. [cfr. Prontuário de Legislação do Trabalho, CEJ, Actualização n.º 35, Novembro de 1990, com anotação de Cruz de Carvalho] Daí que se venha entendendo que os juros de mora sejam devidos mesmo que o sinistrado ou beneficiário não os tenha pedido, independentemente de interpelação, por se tratar de direitos de existência e exercício necessários, pelo que o Tribunal deve fixá-los oficiosamente, se não forem pedidos. Trata-se de um regime excepcional ou especial em que a mora não depende da demonstração da culpa do devedor, bastando que se verifique o atraso no pagamento, desde que não imputável ao credor, parecendo tratar-se de uma mora objectiva. Por outro lado, sendo um regime especial, afasta a aplicação das regras do direito civil também quanto à questão da liquidez da dívida, pois o facto de o crédito não estar liquidado por razões de natureza processual e de orgânica judiciária, por exemplo, não impede a constituição em mora – cfr. o disposto nos Art.ºs 804 e 805.º, ambos do Cód. Civil. Assim, trata-se mais de reintegrar - com os juros - o valor do capital na data do vencimento da prestação, do que propriamente da punição do devedor relapso, na ideia de que as prestações derivadas do acidente de trabalho têm natureza próxima dos alimentos, cujo valor deve ser mantido aquando do recebimento. Assim, verificado atraso no pagamento, são devidos juros, desde que a mora não seja imputável a culpa do credor. Repare-se que se o sinistrado, por exemplo, tendo discordado do resultado do exame médico efectuado na fase conciliatória, requerer exame por junta médica, o retardamento do pagamento das prestações derivado do processado mais complexo a que deu causa, gera juros de igual forma, porque a mora, embora imputável ao credor, não o é a título de culpa, derivando apenas de vicissitudes processuais e de orgânica judiciária. Ora, in casu, havendo ainda que proceder ao cálculo do capital da remição a efectuar pela Secretaria, são devidos juros até à entrega efectiva do capital, uma vez que existe mora, ainda que não imputável ao devedor a título de culpa. (…) Se, assim, o regime de juros em matéria de responsabilidade infortunística laboral é especial relativamente ao regime civilístico, e em particular se os juros são devidos independentemente do momento em que é liquidada a quantia em dívida – e note-se que a quantia em dívida é a do capital de remição e não a da pensão – o argumento de que não é possível haver mora antes do apuramento do capital, porque ainda não existe, não se sabe quando vai existir porque isso depende da iniciativa do Tribunal, já não tem sentido. A aplicação do artº 135 do CPT em conjugação com o artº 17 nº 4 da Lei 100/97 produz a ficção da existência, determinando a obrigatoriedade, para o momento do dia seguinte ao da alta. (…) A remição obrigatória faz intervir na relação jurídica a ponderação legislativa dos valores em conflito: - nos casos de pequena incapacidade a Lei sacrifica a compensação efectiva da perda de capacidade de trabalho ou de ganho, por uma previsão genérica da duração do dano e da taxa de juro. Se impõe à responsável um pagamento antecipado, esse pagamento beneficia dum desconto, reportando-se à expectativa de vida e à expectativa das condições económicas que determinam a fixação da taxa de juro – artigo 57º do DL 143/99 de 30.4 e Portaria 11/2000 de 13.1. Estão assim, do ponto de vista do legislador, e que é inatacável, equilibradas as posições, direitos, obrigações e expectativas do sinistrado e da entidade responsável, e esse equilíbrio tem de se afirmar também no que toca aos juros das prestações devidas. Explicando doutro modo: - se aparentemente é mais oneroso pagar juros sobre o capital de remição - cujo valor será maior do que o da pensão anual - do que pagar juros sobre o valor de cada prestação parcelar que integra a pensão anual, essa maior onerosidade não existe em substância, no fundo, porque o valor do capital já contém em si o equilíbrio determinado pelo legislador. Em suma, não há substancialmente razão alguma que impeça que seja sobre o capital de remição, devido desde o dia seguinte ao da alta, que devam incidir os juros, até à efectiva entrega do capital. E é assim possível ser coerente e determinar que seja sobre o objecto da condenação que devam incidir os juros, enquanto condenação acessória. Tendo a recorrente sido condenada a pagar o capital de remição, deve sobre ele pagar juros, desde a liquidação retrotraída ao dia seguinte ao da alta, por força do artigo 17 nº 4 da Lei 100/97, até à sua entrega.” – fim de citação.
Por fim, ainda no mesmo sentido, o acórdão desta mesma Relação de 29/02/2016 (processo n.º 1272/15.1T8MTS.P1), relatado pela Exm.ª Desembargadora aqui 1ª adjunta, quando refere que: “Acresce que à luz da nova LAT – Lei nº98/2009 de 04.09, aplicável ao caso – o entendimento acima referido não se altera em face do disposto nos artigos 23º, alínea b), 47º, nº1, alínea c), e nº3, 48º, nº3, alíneas a), b) e c), 50º, nº2, 72º, nº1 e 75º. Deste modo, e reafirmando aqui tal posição, podemos concluir que os juros de mora devem incidir sobre o capital de remição e são devidos desde o dia seguinte ao dia da alta e até ao dia da entrega do capital de remição.”
Invoca a Recorrente um outro argumento, este baseado numa eventual violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP.
Trata-se aqui de verificar se, da aplicação da norma ao litígio e resultado alcançado se pode formular tal juízo de inconstitucionalidade, sendo que o Tribunal pode/deve recusar a aplicação de normas quando, perante um caso concreto, conclua que a sua aplicação conduz a um resultado que põe em causa, violando, o “disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”[7].
Citado a propósito no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2016[8], refere-se no Acórdão do Tribunal Constitucional de 9 de Maio de 2014[9], que esse Tribunal tem afirmado repetidamente que (o princípio) da igualdade abrange fundamentalmente três dimensões ou vertentes (cfr. O Acórdão n.º 412/2002): «[A] proibição do arbítrio, a proibição de discriminação e a obrigação de diferenciação, significando a primeira, a imposição da igualdade de tratamento para situações iguais e a interdição de tratamento igual para situações manifestamente desiguais (tratar igual o que é igual; tratar diferentemente o que é diferente); a segunda, a ilegitimidade de qualquer diferenciação de tratamento baseada em critérios subjetivos (v.g., ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social) e, a última surge como forma de compensar as desigualdades de oportunidades.» - também no seu Acórdão de 6 de julho de 2005[10], o mesmo Tribunal, aponta no mesmo sentido[11].
Como se refere no supra indicado Acórdão STJ de 14 de Dezembro de 2016[12] (citando-se):
“(...) da diversa jurisprudência do Tribunal Constitucional, resulta que este tem, constante e reiteradamente, afirmado e ponderado, que o princípio da igualdade só é violado quando o legislador trate diferentemente situações que são essencialmente iguais, não proibindo diferenciações de tratamento quando estas sejam materialmente fundadas.
Por outro lado, o mesmo Tribunal também tem entendido que a proibição do arbítrio exige ainda tratamento diferenciado, mas proporcionado, de situações que, no plano fáctico, surjam como diversas.
Diz ele que «[a] igualdade não é, porém, igualitarismo.
É, antes, igualdade proporcional. Exige que se tratem por igual as situações substancialmente iguais e que, a situações substancialmente desiguais, se dê tratamento desigual, mas proporcionado: a justiça, como princípio objetivo, «reconduz-se, na sua essência, a uma ideia de igualdade, no sentido de proporcionalidade»[13] Ora, desde que estes limites não sejam violados, o legislador goza de inteira liberdade para estabelecer tratamentos diferenciados.”
Ora, aplicando tais primados ao caso, não esquecendo as especificidades do direito laboral decorrentes desde logo de normas constitucionais, e especificamente o regime específico da reparação dos acidentes de trabalho, como se disse anteriormente a remição obrigatória faz intervir afinal na relação jurídica a ponderação legislativa dos valores em conflito, sacrificando a lei nos casos de pequena incapacidade a compensação efectiva da perda de capacidade de trabalho ou de ganho, por uma previsão genérica da duração do dano e da taxa de juro – e impõe à responsável um pagamento antecipado, esse pagamento beneficia dum desconto, reportando-se à expectativa de vida e à expectativa das condições económicas que determinam a fixação da taxa de juro, estando assim, do ponto de vista do legislador, o que é inatacável, equilibradas as posições, direitos, obrigações e expectativas do sinistrado e da entidade responsável, e esse equilíbrio tem de se afirmar também no que toca aos juros das prestações devidas. E vista objectivamente a situação quanto aos demais em que não ocorre remição, não se vê como possa ser considerada discriminatória, em relação às situações em que legalmente se prevê a obrigatoriedade daquela, tanto mais que, quanto aos juros de mora devidos, nesse caso reportados às pensões fixadas na sentença, no que se refere às vencidas, apesar de a sua fixação ser posterior, aqueles juros se reportam também ao momento do vencimento de cada uma delas, e portanto para o passado.
Como escrevemos em recente Acórdão, de 16 de Janeiro de 2017[14], “sendo um regime especial, afasta a aplicação das regras do direito civil também quanto à questão da liquidez da dívida, pois o facto de o crédito não estar liquidado por razões de natureza processual e de orgânica judiciária, por exemplo, não impede a constituição em mora – cfr. o disposto nos Art.ºs 804 e 805.º, ambos do Cód. Civil. Assim, trata-se mais de reintegrar - com os juros - o valor do capital na data do vencimento da prestação, do que propriamente da punição do devedor relapso, na ideia de que as prestações derivadas do acidente de trabalho têm natureza próxima dos alimentos, cujo valor deve ser mantido aquando do recebimento. Assim, verificado atraso no pagamento, são devidos juros, desde que a mora não seja imputável a culpa do credor.”
Do exposto resulta, pois, não se tratando sequer de situações objectivamente iguais, estar justificada a solução legal encontrada, independentemente da ocorrência ou não da obrigatoriedade legal da remição, sendo que, incidindo a análise sobre a questão dos juros de mora, do que se trata é de dar afinal solução idêntica a situações idênticas, pois que quer numa situação quer na outra esses incidem afinal sobre o valor que se considera devido, nuns casos a pensão e noutros o capital de remição. Ou seja, quando aos juros de mora, dá-se tratamento igual a situações tendencialmente iguais.
Do exposto resulta, pois, que, só se verificando violação do princípio da igualdade quando existir arbítrio, subjetividade, diferenciações materialmente infundadas ou sem qualquer fundamento razoável e sem uma justificação objetiva e racional[15], não sendo claramente este o caso, não ocorre tal violação.

Assim, concluindo, tendo em conta que a pensão por incapacidade permanente começou a vencer-se no dia 04/10/2013, data do pedido de revisão, e sendo certo que aquela condenação em juros é independente de a culpa no atraso do pagamento ser imputável ao devedor, bem como da interpelação deste para cumprir, os juros são devidos desde aquela data do seu vencimento, ou seja, desde 04/10/2013 e calculados sobre o respetivo capital de remição pois, a partir da mesma, o devedor incorreu em mora e este mais não é do que uma forma de pagamento unitário da pensão anual e vitalícia (n.º 3, c), do art. 48.º da Lei n.º 98/2009 de 04/09).
Desta forma, concluindo, uma vez que o tribunal a quo procedeu em consonância com o disposto nos citados normativos, a sentença recorrida está conforme o direito substantivo, na condenação que proferiu.
Improcede, assim, a pretensão da Recorrente.
***
IV – DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em julgar totalmente improcedente a apelação, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da Ré recorrente.
*
Anexa-se o sumário do Acórdão – artigo 663.º, n.º 7 do NCPC.
*
Porto, 2017/03/02
Nelson Fernandes
Fernanda Soares
Domingos Morais
____
[1] Já incluída no texto a redacção decorrente da rectificação de que foi alvo.
[2] E disponível em www.dgsi.pt
[3] Processo 605/11.4TTLRA.C1.S1, in www.dgsi.pt;
[4] Com efeito, a jurisprudência tem reiteradamente entendido que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais (artigos 627.º 1 e 639.º 1), através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões e não criá-las sobre matéria nova, salvo quanto às questões de conhecimento oficioso - cfr. Acórdãos do STJ, disponíveis em www.dgsi.pt, de 14-05-2015, proc.º 2428/09.1TTLSB.L1.S1, de 12-09-2013, proc.º 381/12.3TTLSB.L1.S1, e de 11-05-2011, proc.º786/08.4TTVNG.P1.S1.
[5] cfr. artigo 665º nº 2, 608º, nº 2, in fine, CPC
[6] Disponível em www.dgsi.pt.
[7] art.º 204.º da CRP
[8] www.dgsi.pt
[9] N.º 294/2014, proferido no processo n.º 1203/013 e publicado no DR, IIª Série, n.º 89, de 09.05.2014, pág. 12118
[10] N.º 282/2005, Proferido no Processo n.º 1057/2004 e publicado no DR, de 6 de julho de 2003, IIª Série n.º 128, páginas 5845/9848.
[11] Referindo que o princípio da igualdade convoca três dimensões: “[(a)] a proibição do arbítrio, consubstanciada na inadmissibilidade de diferenciação de tratamento sem qualquer justificação razoável, apreciada esta de acordo com critérios objectivos de relevância constitucional, e afastando também o tratamento idêntico de situações manifestamente desiguais; (b) a proibição de discriminação, impedindo diferenciações de tratamento entre os cidadãos que se baseiem em categorias meramente subjetiva ou em razão dessas categorias; (c) e a obrigação de diferenciação, como mecanismo para compensar as desigualdades de oportunidades, que pressupõe a eliminação, pelos poderes públicos, de desigualdades fácticas de natureza social, económica e cultural”
[12] www.dgsi.pt
[13] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 39/88
[14] Disponível em www.dgsi.pt, mesmo Relator e Adjuntos, citando ainda o Acórdão de 04/06/2012, disponível no mesmo local.
[15] Cf. citado Ac. STJ
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Sumário:
1- Regulando o CPT expressamente o regime do exame por junta médica, o legislador afastou-se, intencionalmente, do que resulta do CPC, sendo que em ambos os códigos se prevê a possibilidade de realização de duas perícias médicas, a primeira prevista, respectivamente, nos artigos 105.º do CPT e 467.º, n.ºs 1 e 3, do CPC, e a segunda, por sua vez, nos artigos 139.º do CPT e 488.º do CPC.
2- Se dúvidas houvesse a propósito das garantias das partes interessadas estabelecidas num e noutro código, as mesmas ficam completamente dissipadas através de uma mera comparação dos seus regimes, podendo dizer-se que o CPT foi mesmo mais longe em relação ao CPC.
3- O CPT é também inequívoco no sentido de se poder afirmar que, após a realização da perícia por junta médica a que alude o artigo 139.º, é logo proferida decisão pelo juiz, fixando a natureza e grau de incapacidade (artigo 140.º do mesmo Código), não havendo assim lugar à possibilidade de realização de uma nova perícia por junta médica.
4- O artigo 135.º do C.P.T. consagra um regime jurídico especial para a mora no domínio das pensões e indemnizações e que se sobrepõe ao regime da mora estipulado pelos artigos 804.º e 805.º do Código Civil.
5- Os juros de mora são devidos desde o dia seguinte ao da entrada do pedido de revisão, sobre o valor do capital de remição e até à data da sua efetiva entrega, pois desde esta data que ocorre mora e esse capital mais não é do que uma forma de pagamento unitário da pensão anual e vitalícia.

Nelson Fernandes