Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
153/17.9T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
SECÇÕES DE COMÉRCIO
ACÇÃO RELATIVA AO EXERCÍCIO DE DIREITOS SOCIAIS
Nº do Documento: RP20190107153/17.9T8PRT.P1
Data do Acordão: 01/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 687, FLS 340-353)
Área Temática: .
Sumário: I - A competência das seções de comércio prende-se com questões relacionadas com a atividade das sociedades comerciais e das sociedades civis sob a forma comercial, a qual deve orientar o intérprete na determinação do sentido e alcance da expressão “direitos sociais” contida no art. 128º/1 c) da Lei 62/2013 de 26 de agosto.
II - A nomeação de representante geral aos contitulares de comparticipações sociais opera por efeito da lei, testamento ou por decisão judicial, nos termos do art. 303º conjugado com os art. 223º e 224º do Código das Sociedades Comerciais.
III - A ação em que se discute se o cabeça-de-casal deve exercer as funções de representante geral e ainda, os vícios da convocatória da reunião e da deliberação na reunião de contitulares e da indevida nomeação da pessoa para o exercício do cargo, por se situar no domínio interno das relações entre os vários contitulares, não constitui uma ação destinada a exercício de direitos sociais, sendo competente em razão da matéria para preparar e julgar os juízos cíveis.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: CompMat153-17.9T8PRT.P1
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Juiz Desembargador Relator: Ana Paula Amorim
Juízes Desembargadores Adjuntos: Manuel Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto[1] (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório
Na presente ação declarativa que segue a forma de processo comum em que figuram como:
- AUTORA: B..., residente na Rua ... – ... – freguesia ..., em Vila Verde; e
- RÉUS: 1º C..., casada, residente na Rua ..., n.º ...., ..., ....-... Vila Nova de Famalicão;
2º D..., casada, residente na Rua ..., n.º ...., ..., ....-... Vila Nova de Famalicão;
3º E..., casado, residente na Av. ..., ..., ....-... Vila do Conde;
4º F..., residente na Rua ..., ..., ....-... Porto;
5º G..., residente na Av. ..., .., 2º. Dto., ....-... Lisboa;
6º H..., residente na Rua ..., .., ....-... Porto;
7º DR. I..., residente na Rua ..., ..., 3º. Esq., ....-... Porto
formula a autora o seguinte pedido:
1.Que o tribunal declare não existir, in casu, possibilidade de realização de uma reunião de Contitulares das Participações Sociais detidas pela herança Indivisa na Sociedade Anónima J..., SA, sem prescindir,
2. Que a Assembleia para deliberação da nomeação do representante comum das participações sociais de K..., na sociedade J..., SA, tem-se por não convocada por falta de legitimidade dos subscritores que a titularam, sejam dois cessionários, não habilitados como herdeiros, os 2º. e 3º. s Réus, e por uma outra herdeira, a 6ª. Ré, a qual não ocupa o cargo de Cabeça de Casal, sem prescindir,
3. Se declare nulas as deliberações tomadas nesta 2ª. Assembleia de Contitulares que confirma a deliberação que resultou da 1ª. Assembleia de Contitulares já que tal Ata foi objeto de impugnação judicial por parte da Autora, sem decisão até à data.
4. Se declare nulo o conteúdo da deliberação e ainda anulada a deliberação tomada, por violação de norma imperativa legal, para a eleição de um representante comum em violação do disposto nos art.56 n º.1 alínea d) ex vi 303º ex vi art. 223º do CSC e art. 2079º do Código Civil, sem prescindir,
5. Se declare nula a deliberação por falta de quórum deliberativo nos termos do disposto no art.º. 1407º, nº1 do Código Civil, sem preterir.
6. Se declare nula a nomeação do 7º Réu, não produzindo qualquer efeito entre os co-herdeiros da herança Indivisa K..., e igualmente em relação à Sociedade J..., SA.
7. Seja a Empresa J..., SA notificada judicialmente da nulidade da deliberação impugnada.
8. Seja a convocatória da reunião do Conselho de Família ou reunião familiar ocorrida no pretérito dia 17 de novembro de 2016, declarada nula por falta de legitimidade dos subscritores da convocatória.
9. Seja cada um dos Réus condenados a pagar à Autora, quantia nunca inferior a 3.000,00EUR a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados à Autora” (cfr. petição inicial, que para o efeito se dá por reproduzida).
Em síntese, alegou que no âmbito do processo de inventário que corre os seus termos por óbito de K..., na relação de bens foram relacionadas 124 500 ações da sociedade Empresa J..., SA. Em Novembro de 2016 em reunião realizada entre os réus, para a qual também foi convocada a autora, nomeou-se o sétimo réu como representante geral dos contitulares nas ações, sendo esta a segunda reunião levada a efeito entre os contitulares com este mesmo objetivo.
Mais referiu que a deliberação tomada na primeira reunião foi já impugnada através da competente ação judicial, na qual ainda não foi proferida decisão.
Entende a autora que não existe fundamento legal para proceder à nomeação de representante geral dos contitulares nas ações, porque tal função recai sobre o cabeça de casal e impugna a validade da convocatória, da própria deliberação, por ter sido tomada por quem não dispõe de poderes para intervir e por na nomeação do representante geral não se ter observado o critério legal.
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Citados, os réus contestaram, por exceção e por impugnação, mas pugnando a final pela improcedência da ação.
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Proferiu-se despacho que fixou o valor da causa e em face de tal valor considerou incompetente os juízos cíveis para preparar e julgar a ação, por entender que atento o valor da ação estava a competência atribuída à seção cível da instância central do Porto.
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Remetidos os autos, após trânsito, ao tribunal competente proferiu-se despacho que convidou as partes a pronunciarem-se sobre a competência do tribunal em razão da matéria, com o teor que se transcreve:
“Sendo esta a nossa primeira intervenção no processo e compulsados os autos, a fim de evitar uma eventual decisão surpresa (art. 3º nº 3 do Código de Processo Civil), notifique as partes para em 15 dias, querendo, se pronunciarem quanto à competência deste tribunal em razão da matéria, atento o disposto no art. 128 nº 1 al. c) da Lei nº 62/2013 de 26 de Agosto”.
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Correspondendo ao despacho/convite, a autora pronunciou-se quanto à competência, pugnando pela competência do tribunal comum para apreciar e julgar a ação.
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Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:
“Pelo exposto, em conformidade com o disposto no art. 128 nº 1 al. c) da LOSJ e ao abrigo do disposto nos arts. 96, 98, 99, 278, 576, 577 e 578, todos do Código de Processo Civil, julgo procedente a exceção dilatória de incompetência deste tribunal em razão da matéria, em consequência do que absolvo os réus da instância.
Custas pela autora”.
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A autora veio interpor recurso da sentença.
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Nas alegações que apresentou a apelante formulou as seguintes conclusões:
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3. O direito
- Da incompetência em razão da matéria -
A apelante insurge-se contra a decisão recorrida que julgou procedente a exceção de incompetência em razão da matéria, defendendo a competência dos tribunais cíveis, instância central, para a tramitação e julgamento da presente ação.
Em sede de saneador julgou-se incompetente os juízos cíveis da instância central por se entender que se trata de ação relativa ao exercício de direitos sociais, sendo por isso, competente para a sua apreciação e julgamento as seções de comércio, nos termos do art. 128º/1 c) Lei 62/2013 de 26 de agosto.
A questão que se coloca consiste, assim, em apurar se a jurisdição cível, com competência residual, é competente em razão da matéria para preparar e julgar a presente ação ou se a mesma está afeta a jurisdição especializada.
Nos termos do art. 211º da Constituição da República Portuguesa, os tribunais judiciais constituem a regra dentro da organização judiciária e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais. Gozam de competência não discriminada.
Daqui decorre que os restantes tribunais, constituindo exceção, têm a sua competência limitada às matérias que lhes são especialmente atribuídas.
A competência do tribunal em razão da matéria determina-se por referência à data da instauração da ação e afere-se em razão do pedido e da causa de pedir tal como se mostram estruturados na petição[2], pelos factos reveladores da relação jurídica controvertida, tal como é configurada pelo autor da ação na respetiva petição inicial.
A competência fixa-se no momento em que a ação é proposta, de modo a que as modificações do estado de facto ou do estado de direito posteriores são, em princípio, irrelevantes (artigo 38º, 1 e 2, LOFTJ – Lei 62/2013 de 26 de agosto).
A competência do tribunal constitui um pressuposto processual que resulta do facto do poder jurisdicional ser repartido, segundo diversos critérios, por numerosos tribunais.
A competência abstrata de um tribunal designa a fração do poder jurisdicional atribuída a esse tribunal. A competência concreta do tribunal, ou seja, o poder do tribunal julgar determinada ação, significa que a ação cabe dentro da esfera de jurisdição genérica ou abstrata do tribunal.
A competência em razão da matéria distribui-se por diferentes espécies ou categorias de tribunais que se situam no mesmo plano horizontal, sem nenhuma relação de hierarquia (de subordinação ou dependência) entre elas.
Neste domínio funciona o princípio da especialização, de acordo com o qual se reserva para órgãos judiciários diferenciados o conhecimento de certos sectores do direito[3].
A “insusceptibilidade de um tribunal apreciar determinada causa que decorre da circunstância de os critérios determinativos da competência não lhe concederem a medida de jurisdição suficiente para essa apreciação”, determina a incompetência do tribunal[4] - art. 40º da LOFTJ – Lei 62/2013 de 26 de Agosto e art. 64º, 65º, 96º a), 99º CPC.
A infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, como se prevê no art. 96º/a) CPC.
A incompetência absoluta do tribunal é uma exceção dilatória que determina a absolvição da instância ou, no caso de ter sido decretada depois de findos os articulados, a remessa dos autos ao Tribunal competente, desde que o autor tal requeira, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da decisão e o réu não ofereça oposição justificada (artºs 96º a), 97º, 99º/1/2, 576º/2 e 577ºa) todos do CPC).
Compete à seção cível da instância central a preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a € 50 000,00, atento o disposto no art. 117º/1 a) da Lei 62/2013 de 26 de agosto.
Nos termos do art. 128º /1 c) da Lei 62/2013 de 26 de agosto compete às seções de comércio preparar e julgar as ações relativas ao exercício de direitos sociais.
Com base neste dispositivo, na decisão recorrida julgou-se competente para preparar e jugar a ação a seção de comércio e incompetente os juízos cíveis da instância central.
A participação social consubstancia-se num “conjunto unitário de direitos e obrigações atuais e potenciais do sócio (enquanto tal)”[5].
MENEZES CORDEIRO[6] fala em “estado de sócio” no sentido de considerar “todo um mutável mas consistente conjunto de posições jurídicas que, por lei, pelo contrato de sociedade, por outros acordos (designadamente; os parassociais) e por deliberações societárias lhe possam advir”.
A propriedade de uma participação social confere ao sujeito um conjunto de direitos, que de forma meramente enunciativa estão previstos no art. 21º do Código das Sociedades Comerciais (quinhoar nos lucros, participação nas deliberações dos sócios, informação sobre a vida da sociedade, designação para os órgãos de administração e fiscalização de sociedades).
A doutrina integra os direitos sociais em dois grupos distintos: o dos direitos patrimoniais e o dos direitos administrativos ou participativos[7].
Naquele primeiro grupo o bem jurídico tutelado são os valores patrimoniais.
Neste âmbito, para além do direito a quinhoar no lucro, integram-se as ações judiciais de sócio (v.g., direito de impugnação de deliberações anuláveis - art. 59º -, direito de requerer inquérito judicial por falta de apresentação das contas - art. 67º -, direito de propor ação social de responsabilidade contra membros da administração - art. 77º-, direito de preferência nos aumentos de capital por novas entradas em dinheiro (nas sociedades por quotas e anónimas - arts. 266º, 458º e ss.), direito de exoneração em certas circunstâncias (v.g. arts. 3º, 6º, 137º, 161º, n.º 5), direito à quota de liquidação (art. 156º).
No segundo grupo, direitos participativos, o bem jurídico tutelado são os valores que se prendem com o funcionamento da sociedade.
Como observa MENEZES CORDEIRO[8] “os direitos participativos têm a ver com a possibilidade, reconhecida aos sócios, de ingressar no modo coletivo de gestão dos interesses, inserindo-se na organização social e atuando nos esquemas de cooperação por ela previstos”.
MENEZES CORDEIRO[9] identifica, ainda, um terceiro grupo de direitos sociais onde o bem jurídico tutelado são valores pessoais do sócio e inclui nesta categoria os direitos parassociais, o direito à lealdade e o direito ao respeito do estado de sócio.
Acresce a este quadro geral o regime específico consagrado para cada tipo de sociedade e os direitos que decorrem do próprio contrato de sociedade.
Na jurisprudência tem-se entendido, no sentido de integrar o conceito de “direitos sociais” consagrado no art. 128º/1 c) Lei 62/2013 de 26 de agosto que as ações relativas ao exercício de direitos sociais reportam-se a “ações em que está em causa o direito dos sócios perante a pessoa jurídica societária”[10] ou ainda, que “o Código das Sociedades Comerciais, por sua vez, “também estabelece uma série de direitos concedidos aos sócios”, ligando-se aqui a competência dos tribunais de comércio a “questões relacionadas com a vida e atividade das sociedades comerciais e das sociedades civis sob forma comercial, sendo este o princípio que deve presidir à fixação do sentido a atribuir à mencionada al. c)[art. 128]””[11], ou, que “direitos sociais”, “não são todos os que genericamente poderiam ser classificados como direitos exercidos pelos sócios, mas sim os correspondentes aos direitos que provêm da relação social ou seja da relação da sociedade com o sócio”[12].
Salienta-se, ainda, o critério interpretativo jurisprudencial que aponta “no sentido de não reatamento do modelo dos antigos tribunais de comércio” mas antes “de lhes atribuir competência em questões para que se requer especial preparação técnica e sensibilidade, designadamente as do contencioso das sociedades comerciais, da propriedade industrial, das ações e recursos previstos no Código de Registo Comercial, e os recursos das decisões em processos de contraordenação no âmbito da defesa e promoção da concorrência”, concluindo-se “no sentido de que a competência dos tribunais de comércio se prende com questões relacionadas com a atividade das sociedades comerciais e das sociedades civis sob a forma comercial, a qual deve orientar o intérprete na determinação do sentido e alcance do segmento normativo em análise”[13].
No caso presente atendendo ao pedido e causa de pedir constata-se que a autora não pretende exercer um direito social, por apenas questionar a necessidade de nomear um representante comum das participações sociais que fazem parte da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de K..., quando tais funções são exercida pelo cabeça-de-casal, questão que se coloca ao nível das relações internas entre os diversos contitulares nas ações.
Na análise da questão cumpre ter presente as seguintes normas do Código das Sociedades Comerciais:
Artigo 303.º (Contitularidade da ação)
1 - Os contitulares de uma ação devem exercer os direitos a ela inerentes por meio de um representante comum.
2 - As comunicações e declarações da sociedade devem ser dirigidas ao representante comum e, na falta deste, a um dos contitulares.
3 - Os contitulares respondem solidariamente para com a sociedade pelas obrigações legais ou contratuais inerentes à acção.
4 - A esta contitularidade aplicam-se os artigos 223.º e 224.º
Artigo 223.º(Representante comum)
1 - O representante comum, quando não for designado por lei ou disposição testamentária, é nomeado e pode ser destituído pelos contitulares. A respectiva deliberação é tomada por maioria, nos termos do artigo 1407.º, n.º 1, do Código Civil, salvo se outra regra se convencionar e for comunicada à sociedade.
2 - Os contitulares podem designar um de entre eles ou o cônjuge de um deles como representante comum; a designação só pode recair sobre um estranho se o contrato de sociedade o autorizar expressamente ou permitir que os sócios se façam representar por estranho nas deliberações sociais.
3 - Não podendo obter-se, em conformidade com o disposto nos números anteriores, a nomeação do representante comum, é lícito a qualquer dos contitulares pedi-la ao tribunal da comarca da sede da sociedade; ao mesmo tribunal pode qualquer contitular pedir a destituição, com fundamento em justa causa, do representante comum que não seja directamente designado pela lei.
4 - A nomeação e a destituição devem ser comunicadas por escrito à sociedade, a qual pode, mesmo tacitamente, dispensar a comunicação.
5 - O representante comum pode exercer perante a sociedade todos os poderes inerentes à quota indivisa, salvo o disposto no número seguinte; qualquer redução desses poderes só é oponível à sociedade se lhe for comunicada por escrito.
6 - Exceto quando a lei, o testamento, todos os contitulares ou o tribunal atribuírem ao representante comum poderes de disposição, não lhe é lícito praticar actos que importem extinção, alienação ou oneração da quota, aumento de obrigações e renúncia ou redução dos direitos dos sócios. A atribuição de tais poderes pelos contitulares deve ser comunicada por escrito à sociedade.
Artigo 224.º(Deliberação dos contitulares)
1 - A deliberação dos contitulares sobre o exercício dos seus direitos pode ser tomada por maioria, nos termos do artigo 1407.º, n.º 1, do Código Civil, salvo se tiver por objecto a extinção, alienação ou oneração da quota, aumento de obrigações, renúncia ou redução dos direitos dos sócios; nestes casos, é exigido o consentimento de todos os contitulares.
2 - A deliberação prevista na primeira parte do número anterior não produz efeitos em relação à sociedade, apenas vinculando os contitulares entre si e, para com estes, o representante comum.
Decorre da conjugação destas normas que os contitulares de uma ação devem exercer os direitos a ela inerentes por meio de um representante comum.
O representante comum, quando não for designado por lei ou disposição testamentária, é nomeado e pode ser destituído pelos contitulares. A respetiva deliberação é tomada por maioria, nos termos do artigo 1407.º, n.º 1, do Código Civil, salvo se outra regra se convencionar e for comunicada à sociedade.
A autora formula no total nove pedidos, alguns dos quais a título subsidiário, mas o pedido nuclear constitui o primeiro pedido, sendo com base em tal pedido que se deve determinar a competência em razão da matéria, por ser essa a questão nuclear da acção[14].
A autora insurge-se contra a nomeação de um representante comum, por entender que tais funções são exercida pela cabeça de casal, posição defensável mas não liquida, como disso dão nota, entre outros, os Ac. Rel. Porto 26 de fevereiro de 2009, Proc. 0837016, Rel. Porto 21 de dezembro de 2006 Proc. 0636729 e Ac. Rel. Porto 28 de janeiro de 2013, Proc. 3618/12.5TBSTS-A.P1 (todos acessíveis em www.dgsi.pt.).
Partindo desta premissa impugna os atos praticados que conduziram à nomeação do representante e à pessoa nomeada.
Não visa invocando a qualidade de contitular nas participações sociais exercer qualquer direito de natureza patrimonial contra a sociedade ou algum dos sócios, em prol do ente societário, pois apenas se revê na posição de contitular e apenas nessa qualidade demanda os réus.
Também não está em causa a defesa de direitos participativos, porque não pretende exercer qualquer dos direitos previstos no art. 21º b), c) e d) do Código das Sociedades Comerciais, ou outros de idêntica natureza, quando além do mais na posição defendida pela autora o exercício desses direitos está garantido com a representação pelo cabeça-de-casal, por não estar demonstrada a necessidade de constituir um representante com poderes especiais.
Também não se questiona a posição própria do estado de sócio, neste caso acionista que é detido em contitularidade.
Não existe aqui qualquer conflito que oponha a autora – ainda que apenas contitular das participações sociais – à sociedade ou em relação aos demais sócios (que não os meros contitulares), mas com reflexos no seu “estado de sócia”. Não está em causa a discussão de um direito do sócio (que não o é por ser apenas um contitular) perante a pessoa sociedade.
A sociedade não é convocada para a nomeação do representante geral e apenas o resultado da deliberação dos contitulares deve ser comunicado à sociedade.
Por outro lado, na falta de acordo entre as partes, quanto à nomeação de representante comum, dispõe a lei que qualquer dos contitulares pode pedi-la ao tribunal da comarca da sede da sociedade, neste caso os juízos cíveis do Porto. Por idêntica razão será também esse tribunal competente para validar (ou não) o ato de nomeação, quando o que está em causa é a falta de acordo entre os contitulares sobre a efetiva nomeação do representante comum.
A ação não visa o exercício de direitos sociais, sendo por isso competente em razão da matéria para a sua preparação e julgamento os juízos cíveis da instância central do Porto, o que determina a revogação do despacho recorrido.
Procedem desta forma as conclusões de recurso.
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Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pela parte vencida a final, porque a exceção foi suscitada a título oficioso.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e revogar a decisão e nessa conformidade, julgar os juízes cíveis da instância central do Porto competentes em razão da matéria para preparar e julgar a presente ação.
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Custas suportadas pela parte vencida a final.
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Porto, 7 de Janeiro de 2019
(processei e revi – art. 131º/5 CPC)
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
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[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico
[2] Cfr. MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, Limitada, 1993, pag. 91.
Na jurisprudência, entre outros, podem consultar-se: Ac. Rel. Porto 31.03.2011 – Proc. 147/09.8TBVPA.P1 endereço electrónico: www.dgsi.pt; Ac. STJ, CJ/STJ, 1997, I, 125; Ac. Rel Porto 07/11/2000, CJ, Tomo V/2000, pág. 184.
[3] Cfr. ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2ª edição Revista e Atualizada de acordo com o DL 242/85, Coimbra, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pag. 195.
JOÃO DE CASTRO MENDES Direito Processual Civil, vol I, Lisboa, AAFDL, 1980, 646.
[4] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, Lisboa, Lex, 1997, 128.
[5] JORGE M. COUTINHO DE ABREU (Coord.) CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS EM COMENTÁRIO, Vol. I (reimpressão), Almedina, Coimbra, 2013, pag. 353
[6] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO Direito das Sociedades- Parte Geral, Vol. I, 1ª reimpressão da 3ª edição, ampliada e atualizada, Almedina, Coimbra, 2016, pag. 622
[7] Cfr. JORGE M. COUTINHO DE ABREU (Coord.) CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS EM COMENTÁRIO, ob. cit., pag. 353 e ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO Direito das Sociedades- Parte Geral, ob. cit., pag 625
[8] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO Direito das Sociedades- Parte Geral, ob. cit., pag. 626
[9] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO Direito das Sociedades- Parte Geral, ob. cit., pag. 627
[10] Ac. Rel. Porto 29 de março de 2011, Proc. 5326/07.0TBVLG, www.dgsi.pt
[11] Ac. Rel. Porto 17 março de 2014, Proc. 2740/11.0TJPRT.P1, www.dgsi.pt
[12] Ac. Rel. Lisboa 17 de setembro de 2009, Proc. 23/08.1TYLSB.L1-6, www.dgsi.pt ; Ac. STJ 08 de maio de 2013, Proc. 5737/09.6TVLSB.L1-S1; Ac. STJ 15 de setembro de 2011, Proc. 5578/09.OTVLSB.L1.S1; Ac. STJ 07 de junho de 2011, Proc. 612/08.4 TVPRT.P1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt
[13] Ac. Rel. Porto 18 abril de 2016, Proc. 84362/15.3YIPRT.P1, www.dgsi.pt
[14] Cfr. Ac STJ 26 de junho de 2012, Proc. 9398/10.1TBVNG.P1.S1