Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6540/20.8T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO LUÍS CARVALHÃO
Descritores: SOCIEDADE DOMINANTE
SOCIEDADE DEPENDENTE
CONTRATO DE TRABALHO
CRÉDITOS LABORAIS
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
Nº do Documento: RP202211076540/20.8T8VNG.P1
Data do Acordão: 11/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE; ALTERADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Quer as sociedades estejam em relação de participação (art.ºs 483º, 485º e 486º do CSC) quer as sociedades estejam em relação de grupo stricto sensu (art.ºs 488º, 489º, 492º e 493º do CSC), a figura do empregador é assumida por aquela sociedade que se encontra vinculada contratualmente, não sendo o empregador o grupo “em si”.
II - Assim, cessando contrato de trabalho temporário a termo certo celebrado com a “sociedade dominante”, e sendo de seguida celebrado contrato de trabalho a termo certo com a “sociedade dependente”, a empregadora é cada uma dessas sociedades.
III - Sendo a “sociedade dominante” chamada ao processo depois de a “sociedade dependente” alegar a sua ilegitimidade, pode responder solidariamente nos termos do art.º 334º do Código do Trabalho pelas prestações pecuniárias decorrentes da cessação do contrato de trabalho celebrado com a “sociedade dependente” na sequência de despedimento ilícito promovido por esta.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de apelação n.º 6540/20.8T8VNG.P1
Origem: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia – J1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
AA (Autora) instaurou contra “R... Lda.” (Ré) a presente ação, com processo comum, pedindo fosse:
i. reconhecida e declarada a existência de contrato de trabalho sem termo entre Autora e Ré desde 07/10/2019, com todas as devidas e legais consequências;
ii. caso assim não se entenda, reconhecido e declarado o incumprimento do prazo de aviso prévio para cessação do contrato de trabalho pela Ré à Autora;
iii. reconhecida e declarada a ilicitude do despedimento da Autora por violação do disposto nas alíneas b) e/ou c) do art.º 381º do Código do Trabalho;
iv. condenada a Ré no pagamento da compensação do montante que vier a apurar-se como devido desde o despedimento da Autora até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, acrescida dos respetivos juros até efetivo e integral pagamento, tudo nos termos do previsto no nº 1 do art.º 390º do Código do Trabalho;
v. condenada a Ré no pagamento de € 500,00 à Autora, a título de indemnização por danos não patrimoniais;
vi. comunicado à ACT a factualidade exposta para averiguação de eventual responsabilidade contraordenacional;
Fundou o seu pedido alegando, em síntese, que em 06/10/2018 celebrou com “R1..., S.A.” contrato de trabalho (temporário) a termo certo; em 06/10/2019 a referida empresa fez cessar o contrato, e em 07/10/2019 celebrou com a Ré contrato de trabalho a termo incerto para prestar trabalho à mesma empresa utilizadora; a Ré é uma das empresas integrante do grupo “R1..., S.A.”; com a celebração do segundo contrato materialmente nada se alterou em relação ao primeiro; em 26/03/2020 a Ré informou a Autora de que o contrato de trabalho a termo incerto cessaria em 01/04/2020, como ocorreu; no entanto, o contrato tem que se considerar sem termo, pelo que ocorreu um despedimento ilícito.

Realizada «audiência de partes», e frustrada a sua conciliação, foi notificada a Ré para poder contestar, o que fez, apresentando contestação na qual alegou, em resumo, por um lado ser parte ilegítima para discutir o contrato celebrado com outra empresa, e por outro lado que celebrou contrato de trabalho com a Autora porque havia celebrado em 07/10/2019 contrato de prestação com “Sociedade B..., SL”, o qual cessou em 31/03/2020, tendo-se verificado o termo do contrato celebrado com a Autora; no caso de procedência da ação deve ser deduzido ao pedido da Autora o pago pela Ré a título de compensação de caducidade; termina dizendo deverem as exceções ser julgadas procedentes, ou, se assim não se entender, ser a ação ser julgada totalmente improcedente.

A Autora requereu a intervenção principal da “R1..., S.A., como associada da Ré.

Foi proferido despacho a:
-- convidar a Autora a apresentar articulado complementar à petição inicial (PI), no qual proceda à concretização da matéria que, de forma vaga, genérica ou conclusiva, alegou na petição inicial, designadamente alegando factos objetivos que permitam concluir pela existência de uma relação de grupo entre a Ré e a sociedade identificada no artigo 2º da petição inicial (em conformidade com o disposto nos artigos 482º e seguintes e 488º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais).
-- convidar a Ré a apresentar nova contestação com obediência dos requisitos de apresentação de reconvenção, porquanto o reconhecimento do seu crédito tem que ser por essa via.

A Autora apresentou articulado complementar à PI, sendo de seguida proferido despacho a:
-- julgar improcedente a exceção de compensação de créditos invocada na contestação por não ter a Ré apresentado “nova contestação”;
-- admitir a intervenção principal provocada da sociedade “R1..., S.A.” (Interveniente).

Citada a Interveniente, apresentou articulado alegando, em síntese, por um lado verificar-se a prescrição dos créditos dos contratos celebrados antes de 07/10/2019, e por outro lado desconhece os contratos celebrados após a cessação do contrato que celebrou com a Autora; conclui dever a exceção deduzida ser julgada procedente e absolvida, ou se assim não se entender deverá a ação ser julgada totalmente improcedente.

Foi fixado o valor da ação em € 5.000,01.
Foi proferido despacho saneador, julgando improcedente a exceção de ilegitimidade, sendo relegado para final o conhecimento da exceção da prescrição, sendo dispensada a realização de audiência prévia bem como dispensada a prolação de despacho identificando o objeto do litígio e enunciando os temas de prova.

Realizada «audiência de discussão e julgamento», foi proferida sentença decidindo o seguinte:
a) absolver a Ré “R... Lda.” de todos os pedidos formulados pela Autora;
b) condenar a Interveniente “R1..., S.A.” a:
− reconhecer a existência de contrato de trabalho sem termo entre ela e a Autora desde 06/10/2018;
− reconhecer a ilicitude do despedimento da Autora e, consequentemente, a reintegrá-la no mesmo estabelecimento da empresa;
− pagar à Autora as retribuições que esta deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, sendo que a tal montante terão que ser deduzidas as quantias mencionadas no ponto 26) dos factos provados, sendo que as quantias recebidas a título de subsídio de desemprego terão que ser entregues pelo empregador à Segurança Social, bem como a retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da ação.
− a pagar à Autora o montante de € 500,00 (quinhentos euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Não se conformando com a sentença proferida, dela veio a Interveniente interpor recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem[1]:
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Termina dizendo dever o recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a sentença, absolvendo a Interveniente do pedido.

A Autora apresentou resposta, mas em 14/07/2022 foi proferido despacho com o seguinte teor: “em face do não pagamento pela Autora da multa devida pela apresentação no primeiro dia após o termo do prazo, nos termos do art.º 139º, nº 6 do CPC, não admito as contra-alegações da Autora”.
Assim, não se considera a resposta apresentada pela Autora.

Foi proferido despacho a mandar subir o recurso de apelação apresentado pela Interveniente, imediatamente, nos próprios autos, e com efeito suspensivo (dado ter sido prestada caução, julgada válida).

O Sr. Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal da Relação, emitiu parecer (art.º 87º, nº 3 do Código de Processo do Trabalho), pronunciando-se no sentido de ser negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida, dizendo essencialmente o seguinte:
2. Impugna a Recorrente a matéria de facto. Cremos, porém, salvo melhor opinião, que não lhe assiste razão.
Na verdade, da leitura dos depoimentos que foram transcritos não se conclui como o faz a Recorrente.
Além disso existem documentos bastantes, demonstrativos de diferente opinião, constando do contrato o motivo da celebração dos mesmos.
3. Quanto ao direito, do mesmo modo, não assiste razão à Recorrente. O motivo da celebração de contrato de trabalho a termo deverá constar do contrato de trabalho, não pode ser tão vago e indefinido que impeça o trabalhador e, depois, a ACT e o tribunal de trabalho, de compreender e fiscalizar, devida e efetivamente, as razões em que se radica a necessidade de firmar um tal contrato, também não reclama que o empregador escreva e descreva o motivo explicativo com o máximo de detalhe ou pormenor que, materialmente, lhe for possível, bastando-lhe fazê-lo de maneira a que se ache suficientemente definida e percetível a situação de facto real e concreta que reclama a celebração do contrato de trabalho a termo certo em questão, possibilitando, dessa forma, a um qualquer declaratário colocado na mesma posição do trabalhador, a exata e objetiva compreensão do motivo invocado pela entidade patronal.
A fronteira entre a licitude ou ilicitude do motivo justificador da aposição do termo certo passa exatamente pela existência ou inexistência de uma realidade factual concreta e verdadeira a que aquele necessariamente se tem de referir e à inerente possibilidade ou impossibilidade de acompanhamento e controlo pelo trabalhador e, depois, pela inspeção do trabalho e pelos tribunais do foro laboral, daquela correspondência e conformidade.
A desconformidade material entre o motivo invocado no contrato e renovações e a realidade sócio laboral que justificou a sua celebração implica a nulidade do termo do respetivo contrato de trabalho bem como a aquisição da qualidade de trabalhador permanente do Autor, desde o momento inicial da sua celebração.
A nulidade da aposição do termo pelos fundamentos expostos é de conhecimento oficioso pelo julgador”, como se lê no Ac. da RL de 04/05/2016 Proc. nº 1992/15.0T8FNC.L1-4, www.dgsi.pt.
Ora neste caso o motivo invocado era o mesmo nos contratos celebrados, era vago e confuso não permitindo alcançar aqueles objetivos.
Por isso, a consequência é a nulidade e o contrato ser considerado sem termo, como se concluiu na douta sentença em recurso.
Assim a ela aderimos, e evitando desnecessárias repetições, concluindo pela improcedência do recurso.

Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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Questão prévia:
A Recorrente alega verificar-se “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, sem indicar norma jurídica que o sustente, mas, uma vez que cita dois acórdãos, já de 1998, da Secção Criminal do STJ [o Ac. do STJ de 12/03/1998, publicado no BMJ nº 475, págs. 492-497 (relator Dias Girão) e o Ac. do STJ de 02/07/1998, publicado no BMJ nº 479, págs. 233-243 (relator Sousa Guedes)], parece estar a pensar no art.º 410º, nº 2, al. a) do Código de Processo Penal, que prevê esse vício decisório[2].
Estando nós em processo laboral, e sem que exista fundamento para aplicação daquela norma do Código de Processo Penal, porque os fundamentos de recurso estão previstos no Código de Processo do Trabalho ou no Código de Processo Civil (cfr. art.º 1º do Código de Processo do Trabalho), sem que nestes encontremos a “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, não se vai apreciar esse vício decisório.
Mas, lendo o alegado pela Recorrente sob esse “título”, concluímos que aquilo que se passa é que a Recorrente discorda com o decidido em 1ª instância quanto a matéria de facto, alegando uma errada apreciação da prova levada a cabo pelo tribunal a quo.
Sendo assim, o alegado pela Recorrente vai ser analisado, infra, como “erro no julgamento sobre a decisão sobre a matéria de facto”.
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FUNDAMENTAÇÃO
Conforme vem sendo entendimento uniforme, e como se extrai do nº 3 do art.º 635º do Código de Processo Civil (cfr. também os art.ºs 637º, nº 2, 1ª parte, 639º, nºs 1 a 3, e 635º, nº 4 do Código de Processo Civil – todos aplicáveis por força do art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho), o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada[3], sem prejuízo, naturalmente, das questões de conhecimento oficioso.
Assim, aquilo que importa apreciar e decidir neste caso[4] é saber se:
● houve erro no julgamento sobre a decisão sobre a matéria de facto?
● a Interveniente a partir de 07/10/2019 já não era empregadora da Autora, de modo que não têm fundamento os pedidos contra si? Verificando-se a prescrição de eventuais créditos da Autora sobre si?
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Porque tem interesse para a decisão do recurso, desde já se consignam os factos dados como provados e como não provados na sentença de 1ª instância, objeto de recurso.
Quanto a factos PROVADOS, foram considerados os seguintes, que se reproduzem:
1. Em 06 de outubro de 2018, a Autora celebrou com a R1..., S.A., um contrato de trabalho temporário a termo certo (em 05/11/2018) renovável, pelo prazo de 30 dias, com a categoria de operadora de loja, sendo a alegada empresa Utilizadora a sociedade B..., SL.
2. Mediante o vencimento mensal base de € 650,00, acrescida de subsídio de alimentação diário no valor de € 4,77, sendo suas funções atendimento e aconselhamento a potenciais clientes, funções de caixa, organizar e arrumar espaço da loja, outras tarefas inerentes ao bom funcionamento.
3. Esse contrato estabelecia uma cláusula de justificação de motivo (Missão), com o seguinte teor: “A celebração do presente contrato é justificado pelo seguinte motivo, respeitante ao Utilizador acima identificado com quem foi celebrado contrato de utilização de trabalho temporário (CUTT): O motivo pelo qual o presente contrato é celebrado assenta no aumento do número de potenciais clientes que visitam o ..., provocado em grande medida pelo incremento exponencial do turismo na cidade do Porto e Vila Nova de Gaia. Importa referir que historicamente constata-se maior afluência de pessoas neste centro comercial no período entre abril e outubro, altura em que se prevê que esta necessidade temporária possa estar terminada. Não obstante este mercado é altamente sazonal, não se podendo prever o fim, não sendo, contudo, previsível que se estenda para além de 12 meses”.
4. A Autora exerceria – como exerceu – a sua atividade no Centro Comercial ... sito em Vila Nova de Gaia, num horário de 40 horas semanais, sob as ordens da empresa utilizadora B..., SL
5. A R1... é uma empresa de trabalho temporário, que se dedica à cedência temporário a terceiros, denominados utilizadores, da utilização de trabalhadores que, para esse efeito, a Ré admite e remunera.
6. No exercício da sua atividade, a R1... admite trabalhadores temporários em regime de contrato de trabalho temporário.
7. Em 06/10/2018 a R1... celebrou com a B..., um “Contrato de Utilização de Trabalho Temporário Termo Certo Renovável”, com termo a 05/11/2018, podendo renovar-se enquanto se mantivesse a sua causa justificativa, na subordinação, dependência e para cumprimento de um contrato de utilização de trabalho temporário celebrado com a empresa B....
8. Mantendo-se a R1..., na qualidade de entidade patronal e durante a execução do contrato de trabalho temporário, responsável pelo pagamento da retribuição e pelo exercício do poder disciplinar.
9. Na Cláusula 1.ª desse contrato consta: “O motivo pelo qual este contrato é celebrado assenta no aumento do número de potenciais clientes que visitam o ..., provocado em grande medida pelo incremento exponencial do turismo na cidade do Porto e Vila Nova de Gaia. Importa referir que historicamente constata-se maior afluência de pessoas neste centro comercial no período entre abril e outubro, altura em que se prevê que esta necessidade temporária possa estar terminada. Não obstante este mercado é altamente sazonal, não se podendo prever o fim, não sendo, contudo, previsível que se estenda para além de 12 meses”.
10. No dia 06/10/2019 a R1..., por sua iniciativa, fez cessar o contrato referido em 1.
11. No dia 07 de outubro de 2019, a Autora celebrou com a Ré[5] “R... Lda.” um contrato individual de trabalho a termo incerto para desempenhar no Centro Comercial ..., sito em Vila Nova de Gaia, num horário de 40 horas semanais, sob as ordens da empresa utilizadora B..., SL, mediante a retribuição mensal de € 800,00 acrescida de subsídio de alimentação diário no valor de € 4,77, as funções inerentes à categoria de operadora de loja, a saber: atendimento e aconselhamento a potenciais clientes, funções de caixa, organizar e arrumar espaço da loja, outras tarefas inerentes ao bom funcionamento.
12. Consta deste contrato, como motivo justificativo (Cláusula Quinta) o seguinte: “O contrato de trabalho é celebrado tendo em consideração a necessidade da empresa R..., no âmbito da prestação de serviços entre a R... e a B... para o atendimento e aconselhamento a potenciais clientes, funções de caixa, organizar e arrumar espaço da loja e outras tarefas inerentes ao bom funcionamento do espaço. Face ao aumento do número de potenciais clientes que visitam o ..., provocado em grande medida pelo incremento exponencial do turismo na cidade do Porto e Vila Nova de Gaia e zona norte em geral.”
13. A sociedade R1..., S.A., é, desde 23/12/2015, a única acionista da Ré, detendo a totalidade das suas quotas (cf. 59 vs), tendo o domínio integral e efetivo, sobre a Ré, dos votos, do órgão de administração, bem como do de fiscalização, sendo os mesmos para ambas as sociedades.
14. O website disponibilizado pela Ré pertence à sociedade R1..., S.A., sendo que o seu utilizador aceita os termos e condições definidos pela última.
15. A Ré e a R1..., S.A. têm a mesma sede.
16. A Ré e a sociedade R1..., S.A. partilham entre si as infraestruturas disponíveis, bem como os seus trabalhadores, cujos números de identificação são os mesmos independentemente da entidade que figure como “primeira outorgante” no contrato de trabalho.
17. A Autora sempre exerceu as mesmas funções, com a mesma categoria, no mesmo local de trabalho.
18. Em 18 de março de 2020 foi decretado o estado de emergência em Portugal, na sequência da pandemia COVID-19.
19. Em 26 de março de 2020, a Ré enviou um correio eletrónico à Autora, de forma a “formalizar o que falamos telefonicamente” do mesmo constando que a data do contrato entre ambas era “07/10/2019”, os “dias de aviso prévio” 7, e o “termo do contrato” 01/04/2020, mais constando que “Modelo que requerer o subsídio de desemprego será enviado dia 01/04 por email. Qualquer questão não hesite em contactar. Muito Obrigado por todo o contributo e dedicação à empresa”.
20. Após o descrito em 18., a Autora teve que pedir dinheiro emprestado aos seus pais para comprar alguns bens e deles tendo recebido alimentação.
21. A Autora sentiu-se angustiada e ansiosa, com receio de não poder suprir as necessidades da sua família, tendo chorado.
22. A Ré R... é uma pessoa coletiva que integra o universo de empresas do grupo económico R2... que se dedica à prestação de serviços a empresas dos sectores primário, secundário e terciário, incluindo sem limites as áreas de contabilidade, auditoria, outsourcing, consultoria fiscal, informática, estudos de mercado e recrutamento de pessoal e formação profissional, entre outras.
23. Em 07 de outubro de 2019, foi celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Ré e a Sociedade B..., SL, por força do qual a última adjudicou à primeira os serviços de atendimento e aconselhamento a potenciais clientes, funções de caixa, organizar e arrumar espaço da loja e outras tarefas inerentes ao bom funcionamento do espaço.
24. Nos termos da cláusula oitava o termo do contrato era a 06/10/2020, renovando-se por igual período, “salvo se qualquer uma das partes se opuser à renovação mediante comunicação escrita à contraparte com a antecedência de 30 dias” e “A denúncia do presente contrato por qualquer das partes, está sujeito a aviso prévio de 30 dias”.
25. No dia 26 de março de 2021 a Ré enviou à Autora uma carta registada com a/r, com o seguinte teor “Serve a presente para comunicar a V/ª Exª que o Contrato de Trabalho a termo incerto que celebrou com a R... Lda. cessará por caducidade no próximo dia 01/04/2020, de harmonia com o estipulado no mesmo contrato, na al. a) do art.º 343.º e nos números 1 a 3 do art.º 345.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, em virtude de se tornar desnecessária a sua prestação de trabalho em função do motivo que justificou a sua contratação”.
26. A Autora recebeu as seguintes quantias:
− em 09/2020, € 144,17 a título de equivalência por prestação de desemprego total;
− em 08/2020, € 1.081,28 a título de equivalência por prestação de desemprego total;
− em 07/2020, € 1.081,28 a título de equivalência por prestação de desemprego total;
− em 06/2020, € 1.081,28 a título de equivalência por prestação de desemprego total;
− em 05/2020, € 1.081,28 a título de equivalência por prestação de desemprego total;
− em 04/2020, € 1.045,24[6] a título de equivalência por prestação de desemprego total;
− em 06/2021, € 29,90 e € 282,62 a título, respetivamente, de comissões e remuneração base ao serviço de Y..., S.A.

E foram considerados como NÃO PROVADOS os seguintes factos, que igualmente se reproduzem:
1. O contrato referido em 23., gerou um acréscimo de atividade de duração incerta, o que determinou o recurso à contratação de mais trabalhadores a termo, nomeadamente a Autora.
2. Em 31 de março de 2020 cessou o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a B....
3. Tudo o supra exposto causou vergonha social à Autora.
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Do erro de julgamento sobre a matéria de facto:
Na sequência do supra exposto, como “questão prévia”, importa começar por ver se os factos provados são aqueles que foram considerados como tal em 1ª instância, ou se se impõe a alteração do decidido a esse respeito como defende a Recorrente.
Vamos começar por enquadrar os termos em que tem lugar a impugnação da decisão sobre matéria de facto, de modo a, por um lado se ver se a Recorrente cumpriu os ónus estabelecidos pelo legislador para a parte recorrente, e por outro lado ficar claro como é feita a apreciação da mesma pelo tribunal ad quem (este Tribunal da Relação).
No caso de impugnação da decisão sobre matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, é necessário que se indiquem elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal a quo quando deveriam tê-lo sido; ou assinalar que não deveriam ter sido considerados certos meios de prova por haver alguma proibição a esse respeito; ou ainda que se ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal a quo, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou assinalando a insuficiência dos elementos considerados para as conclusões tiradas.
É que, a reapreciação pelo Tribunal da Relação da decisão da matéria de facto proferida em 1ª instância não corresponde a um segundo (novo) julgamento da matéria de facto, apenas reapreciando o Tribunal da Relação os pontos de facto enunciados pelo interessado (que circunscrevem o objeto do recurso).
Porém, embora não se trate de um novo julgamento, tendo presente o disposto no art.º 662º do Código de Processo Civil, vem-se entendendo que o Tribunal da Relação na apreciação da impugnação da decisão sobre matéria de facto usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (art.º 607º, nº 5, do Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efetivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efetiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece[7].
Daí referir o nº 1 do art.º 662º do Código de Processo Civil que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa” (sublinhou-se), ou seja, não basta que os meios de prova admitam, permitam ou consintam uma decisão diversa da recorrida.
Assim, a parte recorrente não pode simplesmente invocar um generalizado erro de julgamento tendente a uma reapreciação global dos meios de prova, não podendo a censura do recorrente quanto ao modo de formação da convicção do tribunal a quo assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, simplesmente em defender que a sua valoração da prova deve substituir a valoração feita pelo julgador; antes tal censura tem que assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente por não existirem os dados objetivos que se apontam na motivação ou por se terem violado os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou ainda por não ter existido liberdade de formação da convicção.
Em conformidade, o legislador impõe à parte recorrente, que pretenda impugnar a decisão de facto, um ónus de impugnação, devendo o recorrente expor os argumentos que, extraídos de uma apreciação crítica dos meios de prova, determinem, em seu entender, um resultado diverso do decidido pelo tribunal a quo.
Com efeito, o art.º 640º, nº 1 do Código de Processo Civil, impõe ao recorrente, na impugnação da matéria de facto, a obrigação de especificar, sob pena de rejeição, o seguinte:
a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (tem que haver indicação clara dos segmentos da decisão que considera afetados por erro de julgamento);
b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (tem que fundamentar as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios de prova constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, implicam uma decisão diversa); e
c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Quanto ao ónus referido na alínea b), manda o legislador (nº 2 do art.º 640º do Código de Processo Civil) que se observe o seguinte:
a) quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
Decorre do exposto que o recorrente deverá também (a par da indicação dos concretos pontos de facto e concretos meios probatórios) relacionar ou conectar cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que, em seu entender, sustentaria diferente decisão, designadamente, caso a discordância se fundamente em depoimentos que hajam sido gravados, identificando as testemunhas por referência a cada um dos factos que impugna.
No entanto, ainda que a modificação da decisão da matéria de facto se deva limitar aos pontos de facto especificamente indicados, cumprindo os requisitos que se expuseram, o Tribunal da Relação não está limitado à reapreciação dos meios de prova indicados por quem recorre, devendo atender a todos os que constem do processo[9].
Importa ter presente que a generalidade das provas produzidas na audiência de julgamento está sujeita à livre apreciação do tribunal (como é o caso da prova testemunhal e da prova por declarações de parte – art.º 396º do Código Civil e art.º 466º, nº 3 do Código de Processo Civil).
Com efeito, dispõe o nº 5 do art.º 607º do Código de Processo Civil que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, ou seja, a apreciação da prova pelo juiz é pautada por regras da ciência e do raciocínio e em máximas de experiência, sendo a estas conforme, o que não se confunde com uma apreciação arbitrária (consiste numa conscienciosa ponderação dos elementos probatórios e circunstâncias que os envolvem)[10].
Importa ainda ter presente que é pacífico que a apreciação a fazer é da questão posta, de saber se houve erro de julgamento sobre a matéria de facto, sem que haja o dever de responder, ponto por ponto, a cada argumento que seja apresentado pela parte recorrente[11].

Sintetizando o acima exposto, temos que, acompanhando António Santos Abrantes Geraldes[12], a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se no caso de:
• falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
• falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados;
• falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados;
• falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
• falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.

Feitas estas considerações, vejamos, então, se in casu a Recorrente no recurso apresentado cumpre os referidos ónus estabelecidos pelo legislador.
A Recorrente apresentou conclusões sobre a impugnação sobre a matéria de facto, sendo que quanto a concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados – alínea a) do nº 1 do art.º 640º do Código de Processo Civil –, indica a Recorrente o ponto e 16) dos factos provados e enuncia três pontos a aditar aos factos provados.
Como concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da recorrida – alínea b) do nº 1 do art.º 640º do Código de Processo Civil – indica a Recorrente os recibos de vencimento juntos como documento nº 1 com a contestação (da Interveniente) e como documento nº 5 com a petição inicial, as declarações de parte da Autora e os depoimentos das testemunhas BB e CC (dos quais indica passagens da gravação).
Relativamente à decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas – alínea c) do nº 1 do art.º 640º do Código de Processo Civil –, a Recorrente enuncia três pontos a aditar aos factos provados, mas em relação ao ponto 16) dos factos provados, a Recorrente não diz o que devia ter sido decidido (não provado? não provado em parte?).
Temos então que, não estando cumpridos os ónus estabelecidos pelo legislador, o mesmo é dizer não estando fornecidos pela Recorrente a este tribunal ad quem os elementos necessários para apreciação da impugnação do decidido sobre matéria de facto no que diz respeito ao ponto 16) dos factos provados, como impõe o legislador, este tribunal ad quem não pode apreciar a impugnação do decidido quanto a esse ponto dos factos provados.
No entanto, para impugnar este ponto da matéria de facto (cuja redação alternativa proposta se desconhece, como se disse), vem a Recorrente alegar ter havido lapso ao ser indicado nos contratos celebrados entre, por um lado a Autora, e por outro lado a Ré e a Interveniente, o mesmo número de colaboradora, referindo que os recibos de vencimento contêm números diferentes (remetendo para os juntos como documento nº 1 com a contestação da Interveniente e como documento nº 5 com a petição inicial), pelo que não podia ser valorada a circunstância de o número de colaboradora coincidir naqueles contratos [cita ainda excerto das declarações da Autora em que refere que a “pessoa que tratava connosco as folhas de ponto” passou a ser outra quando celebrou contrato com a Ré, mas que não releva].
Sendo assim, vejamos se existe lapso que determine a alteração do decidido, pois que o tribunal de recurso deverá, mesmo oficiosamente, por via do disposto no art.º 662º do Código de Processo Civil, alterar a decisão sobre matéria de facto quando tal se imponha.
O tribunal a quo justificou a prova deste ponto 16) da seguinte forma:
O ponto III. 15 resulta das certidões permanentes de fls. 38 vs e seguintes e 90 e seguintes, sendo que o ponto III. 16. decorre do ponto anterior, sendo notório e por todos conhecido e ainda dos contratos de fls. 9 e 10. e seguintes onde a Autora se identifica como “Colaborador nº: ...” sendo que o primeiro contrato foi celebrado com a R1... e o segundo com a R....
Como se vê, o tribunal a quo suportou o segmento final do ponto em causa, no qual consta que na Ré e na Interveniente os números de identificação dos trabalhadores [em geral, não se referindo apenas à Autora]) é feita com o mesmo número – recorde-se o teor do segmento final deste ponto: cujos números de identificação são os mesmos independentemente da entidade que figure como “primeira outorgante” no contrato de trabalho –, suportou, repete-se, no facto de nos contratos referidos nos pontos 1) e 11) dos factos provados a Autora estar identificada com o mesmo número.
Todavia, vistos os recibos de vencimento indicados pela Recorrente, emitidos pela Ré e pela Interveniente, confirma-se que o número de identificação da Autora não coincide.
Assim, tenha ou não existido lapso [o que se desconhece], o certo é que não existe suporte para o segmento final do ponto 16) dos factos provados, pelo que se altera a sua redação, de modo que passa a ser a seguinte:
16. A Ré e a sociedade R1..., S.A. partilham entre si as infraestruturas disponíveis, bem como os seus trabalhadores.

Passemos, então, aos três pontos cujo aditamento a Recorrente pretende, sendo o seu teor o seguinte:
1. Desde o início da celebração do contrato de trabalho temporário com a Interveniente, a Autora tinha consciência de que as funções que iria exercer eram de carácter temporário e não duradouro.
2. A Autora quando cessou o contrato de trabalho temporário com a Interveniente e assinou contrato de trabalho com a Ré, sabia que estava a assinar um contrato com outra empresa, contrato esse que lhe daria maior estabilidade uma vez que não contratava com uma empresa de trabalho temporário.
3. Quando os Centros Comerciais retomaram atividade, a trabalhadora não aceitou regressar ao seu posto de trabalho.
Há que começar por dizer que não refere a Recorrente em que articulado(s) foi alegada essa matéria, e não se alcança que tivesse sido alegada (designadamente no articulado da Interveniente, agora Recorrente).
Decorre daqui que para se considerar a factualidade seria/será fazendo apelo ao disposto no art.º 72º do Código de Processo do Trabalho, o qual dispõe no nº 1 que, sem prejuízo do disposto no nº 2 do artigo 5º do Código de Processo Civil, se no decurso da produção da prova surgirem factos essenciais que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve o juiz, na medida do necessário para o apuramento da verdade material, ampliar os temas da prova enunciados no despacho mencionado no artigo 596.º do Código de Processo Civil ou, não o havendo, tomá-los em consideração na decisão, desde que sobre eles tenha incidido discussão.
Por sua vez, o nº 2 do art.º 5º do Código de Processo Civil, dispõe o seguinte:
2- Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
Ora, o nº 1 do art.º 72º do Código de Processo do Trabalho é aplicável aos factos essenciais (stricto senso ou principais) mas já não aos factos complementares e instrumentais, aos quais se refere o art.º 5º, nº 2 do Código de Processo Civil (que aquela norma expressamente ressalva).
Os factos essenciais são os factos integradores da causa de pedir, constitutivos do direito alegado à luz do quadro legal (substantivo) invocado[13] [ou integradores das exceções perentórias], enquanto os factos instrumentais não integram a causa de pedir; já os factos complementares concretizam os integradores da causa de pedir sem alterar o objeto do processo [14].
Quanto aos primeiros dois pontos transcritos (1 e 2), refere a Recorrente que a sua prova resultou das declarações de parte da Autora e depoimento da testemunha BB (citando excertos), mas sem explicar a sua relevância.
Sucede que, vistos os excertos citados pela Recorrente, não se pode dizer que a matéria em questão (a consciência por parte da Autora de que o contrato celebrado com a Interveniente era temporário e que o contrato celebrado com a Ré lhe daria maior estabilidade) tivesse sido discutida em julgamento, pelo que, mesmo que se admitisse poderem agora ser considerados esses factos, estaria inviabilizada a sua apreciação por ser pressuposto ter havido discussão sobre os mesmos.
Quanto ao último ponto transcrito (3), refere a Recorrente que a sua prova resultou dos depoimentos das testemunhas BB e CC (citando excertos), dizendo que é essencial para a determinação da indeminização por danos morais pelos quais a Recorrente foi condenada.
Também aqui, vistos os excertos citados, não se alcança que o dito pelas testemunhas (no sentido de que mais tarde voltaram a celebrar contrato) se reportasse ao momento em que “os Centros Comerciais retomaram atividade” (momento esse que não está concretizado no tempo, note-se), pelo que, mesmo que se admitisse poderem agora ser considerados esses factos, estaria inviabilizada a sua aceitação.
Assim, sem necessidade de considerações mais desenvolvidas, não se aditam os factos que a Recorrente pretendia aos factos provados.
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Do enquadramento jurídico:
O tribunal a quo condenou a Interveniente/Recorrente a reconhecer a existência de contrato de trabalho sem termo entre si e a Autora desde 06/10/2018, porquanto considerou que o contrato de trabalho temporário referido no ponto 1) dos factos provados é nulo nos termos do nº 5 do art.º 177º do Código do Trabalho [por violar o disposto na alínea b) do nº 1 e no nº 2 do mesmo art.º 177º do Código do Trabalho], considerando que nessa medida a Autora esteve sempre vinculada à Interveniente, apesar do contrato de trabalho a termo incerto celebrado com a Ré, referido no ponto 11) dos factos provados [dizendo que não se confunde a celebração do contrato de prestação de serviços referido no ponto 23) dos factos provados com qualquer relação de trabalho temporário].
Argumenta a Recorrente que o contrato de trabalho temporário é dependência do contrato de utilização [o referido nos pontos 7) a 9) dos factos provados], não cabendo à Interveniente [enquanto outorgante do contrato de trabalho e do contrato de utilização] aferir “da real e objetiva motivação” invocada pela empresa utilizadora, sendo esta a responsável pelos elementos que fornece à empresa de trabalho temporário, acrescentando que se assim não for, e ambos os contratos forem nulos (como considera o tribunal a quo), sempre será de considerar que o trabalho foi prestado ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo como consta do nº 3 do art.º 180º do Código do Trabalho.
O tribunal a quo considerou nulo, não só o contrato de trabalho temporário celebrado entra Autora e Interveniente, como também o contrato de utilização celebrado entre a Interveniente e a empresa utilizadora [sem o declarar, porque não pedido e não presentes todos os intervenientes nesse contrato[15]].
Com efeito, considerou e concluiu o tribunal a quo o seguinte:
Analisando a motivação expressa em ambos os contratos, desde logo não se faz referência à atividade que irá ser desempenhada pela trabalhadora, parecendo-nos ostensiva a utilização de termos absolutamente vagos e genéricos e não minimamente demonstrados (e eventualmente não demonstráveis), relativamente à invocada natureza ocasional e não duradoura dessa mesma atividade.
Na verdade, fica-se sem saber o motivo da “maior afluência de pessoas neste centro comercial no período entre abril e outubro”, termos utilizados para justificar a “sazonalidade” da atividade aliás não descrita (para além da referência vaga e genérica à maior afluência de potenciais clientes ao Centro Comercial). Mas, mais relevante, é ficarmos sem porque é que outubro é altura prevista para que a “necessidade temporária possa estar terminada” (notando-se, desde logo, que, consabidamente, é natural que os meses de novembro e dezembro registem maior afluência a este tipo de espaços, em virtude das compras de Natal) e porque é que “este mercado é altamente sazonal” incerteza, aliás, plasmada na última parte do motivo justificativo, a saber “não se podendo prever o fim, não sendo, contudo, previsível que se estenda para além de 12 meses”.
Cremos, assim, que os “motivo” justificativo de ambos os contratos, nos precisos termos que deles constam, para além de dificilmente percetíveis, não assegura, minimamente, o esclarecimento dos trabalhadores e a segurança jurídica, ficando, pois, definitivamente comprometidos na sua validade, não dando cumprimento ao preceituado nos supracitados artigos do Código do Trabalho.
Assim, forçoso é concluir que os contratos mencionados são nulos, como preceitua o artigo 177º/5 do Código do Trabalho e, como tal, ter-se-á de considerar que, a partir de outubro de 2018, a Autora prestou o seu trabalho para a interveniente R1..., em regime de contrato de trabalho sem termo.
As considerações feitas pelo tribunal a quo sobre a nulidade do contrato de trabalho temporário a termo certo [o referido nos pontos 1) a 4) dos factos provados] e o contrato de utilização de trabalho temporário [o referido nos pontos 7) a 9) dos factos provados] estão corretas, pois tem sido entendimento pacífico na jurisprudência que se têm que mencionar com clareza e concretamente as circunstâncias que o justificam (dentro do possível segundo o legislador), como pacífico é que a necessidade de fundamentação do motivo justificativo da celebração do contrato a termo constitui formalidade ad substanciam (ou seja, releva o que consta do contrato, sendo irrelevante o alegado depois para motivar a contratação)[16].
Na verdade, aquilo que ficou a contar nos contratos para justificar a contratação temporária [pontos 3) e 9) dos factos provados] não é concreto, sendo vago e genérico referir “aumento de número de potenciais clientes que visitam o ..., provocado em grande medida pelo incremento exponencial do turismo”, podendo até questionar-se porque ocorreu a contratação em outubro se no contrato está também referido que “historicamente constata-se maior afluência de pessoas neste centro comercial no período entre abril e outubro”.
E não colhe o argumento de que a Interveniente não tem que aferir dos motivos invocada pela empresa utilizadora, pois, ainda que haja articulação de contratos (art.º 180º do Código do Trabalho), sendo a Interveniente a outorgante com a Autora do contrato de trabalho temporário, apenas o pode celebrar nos casos em que o legislador permite, pelo que se a situação não se enquadrar nessas situações impõe-se-lhe não contratar.
Sendo ambos os contratos nulos, a consequência seria considerar-se a Autora como trabalhadora da empresa utilizadora [no caso, a B..., SL] – art.º 180º, nº 3 do Código do Trabalho.
Todavia, estando nós apenas no domínio da relação empresa de trabalho temporário (Interveniente) ↔ trabalhadora (Autora), sem estar a empesa utilizadora, não se podem extrair consequências para esta empresa, não demandada, podendo quando muito improceder a ação em relação à empresa de trabalho temporário demandada.
De todo o modo, sucede que depois de a Interveniente fazer cessar o contrato de trabalho temporário [ponto 10) dos factos provados] foi celebrado outro contrato, no caso apelidado de contrato de trabalho a termo incerto, o referido nos pontos 11) e 12) dos factos provados.
O tribunal a quo chamou à colação o art.º 179º do Código do Trabalho, relativo à sucessividade de contratos, para concluir que a Autora é titular de um contrato de trabalho por tempo indeterminado com a Interveniente, escrevendo o seguinte:
Por outro lado, há que ter em consideração o disposto no artigo 179.º/1 do Código do Trabalho, nos termos do qual “no caso de se ter completado a duração máxima de contrato de utilização de trabalho temporário, é proibida a sucessão no mesmo posto de trabalho de trabalhador temporário ou de trabalhador contratado a termo, antes de decorrer um período de tempo igual a um terço da duração do referido contrato, incluindo renovações”, valendo isto por dizer que é ilícita a celebração de contratos sucessivos.
Como escreveu Joana Nunes Vicente, [A fuga à relação de trabalho (típica): em torno da simulação e da fraude à lei, Coimbra Editora, 2008, páginas 234-251] – em qualquer das hipóteses se estará a ultrapassar os prazos máximos de duração do contrato de utilização, e como tal, a frustrar a intencionalidade da norma.
Ora, foi esta a situação que se verificou no caso presente, uma vez que a Autora foi novamente contratado (através de contrato de trabalho a termo certo por uma sociedade da qual a R1... é a única sócia) para exercer exatamente as mesmas funções que desempenhava anteriormente, no mesmo local e horário de trabalho).
Ou seja, de tudo o que até aqui fica dito, resulta inequivocamente que todas as possíveis formas de enquadrar juridicamente os factos dados como provados remetem para uma única e mesma conclusão: a Autora sempre exerceu as suas funções para a Interveniente, ao abrigo de um contrato de trabalho sem termo, o que fez ininterruptamente desde outubro de 2018 a 01 de abril de 2020, altura em cessou definitivamente o dito contrato de trabalho (sem termo) através de declaração unilateral da Ré, o que configura, naturalmente, um despedimento ilícito, sem justa causa.
Como está dito na sentença recorrida, é irrelevante que a celebração deste “novo” contrato de trabalho a termo incerto seja na sequência de contrato de prestação de serviços que a empregadora celebrou com a empresa utilizadora no contrato anterior [o contrato referido no ponto 23) dos factos provados].
Mas já não pode acompanhar a afirmação da sentença recorrida de que “ter-se-á de considerar que, a partir de outubro de 2018, a Autora prestou o seu trabalho para a Interveniente R1..., em regime de contrato de trabalho sem termo”, e a conclusão de que “a Autora sempre exerceu as suas funções para a Interveniente, ao abrigo de um contrato de trabalho sem termo, o que fez ininterruptamente desde outubro de 2018 a 01 de abril de 2020, altura em cessou definitivamente o dito contrato de trabalho (sem termo) através de declaração unilateral da Ré”, como se nenhum contrato fosse celebrado em outubro de 2019, e como se Interveniente e Ré fossem um mesmo sujeito [afinal é a segunda contratante que não pode contratar sucessivamente, ou é a primeira contratante que não podia ter contratado porque sucessivamente foi celebrado por outra sociedade novo contrato?]
O Código do Trabalho não impõe a nulidade do contrato de trabalho celebrado depois de o trabalhador adquirir a qualidade de trabalhador permanente [ao contrário do que acontecia com o nº 3 do art.º 41º-A do regime aprovado pelo DL nº 69-A/89, de 27 de fevereiro[17]], proibindo sim a celebração de contratos sucessivos nos termos do art.º 179º do Código do Trabalho.
Mas certo é que temos esta realidade: depois de a Interveniente fazer cessar o contrato celebrado consigo (sem cuidar agora se licita ou ilicitamente) foi celebrado contrato de trabalho com a Ré, sociedade distinta daquela que antes contratara, pois as duas sociedades, ainda que exista coligação societária na medida em que existe uma relação de domínio [cfr. art.º 486º do CSC e ponto 13) dos factos provados][18], têm personalidade jurídica distinta, passando a haver contrato com a Ré sendo essa “nova contratante” que promoveu o fim desse contrato.
Com efeito, como refere Jorge Ribeiro Mendonça[19], [a] problemática inerente ao reconhecimento dos grupos de empresas encontra especial enfoque na figura do empregador. A independência jurídica das sociedades pertencentes a um grupo, existe e deve ser respeitada. Desta forma, a figura do empregador é assumida por quem se encontra vinculado contratualmente, não podendo assumir o grupo “em si” o papel de empregador, uma vez que é destituído de personalidade jurídica.
Note-se que nos factos que ficaram provados nada permite dizer que a posição de empregador se diluísse, materialmente, pelas duas sociedades em causa (Ré e Interveniente).
Ora, lendo a motivação para a contratação [ponto 12) dos factos provados], poderemos dizer que a Ré terá contratado a Autora enquadrando essa contratação na situação excecional da alínea b) do nº 2 do art.º 179º do Código do Trabalho (acréscimo excecional de necessidade de mão-de-obra em atividade sazonal).
Sendo assim, não podemos arredar essa nova contratação e dizer que existiu um único contrato, e temos que ver da validade deste “novo” contrato celebrado, o referido nos pontos 11) e 12) dos factos provados.
A contratação com aposição de termo resolutivo, em face daquilo que consta do ponto 12) dos factos provados, leva-nos ao encontro das alíneas e) e f) do nº 2 do art.º 140º do Código do Trabalho.
Só que, está essencialmente referido no contrato, para justificar a contratação com termo, o “incremento exponencial do turismo”, pelo que valem as considerações expostas a propósito do contrato referido nos pontos 1) a 4) dos factos provados, porquanto o escrito no contrato é vago para justificar uma necessidade temporária, mesmo para um termo incerto.
Ou seja, e recordando o acima referido no sentido de que estamos perante formalidade ad substanciam, temos que este contrato de trabalho [o referido nos pontos 11) e 12) dos factos provados] não obedece claramente ao estipulado pelo legislador para admissibilidade de contratação a termo resolutivo, o que implica considerar-se um contrato de trabalho sem termo [art.ºs 141º, nº 1, al. e) e nº 3, e 147º, nº 1, al. c) do Código do Trabalho].
Em síntese: a Ré contratou a Autora apondo termo resolutivo no contrato, aparentemente com respeito da proibição de contratar sucessivamente (à Interveniente), mas afinal esse contrato tem que considerar sem termo, por ser inválido o termo.
E sendo assim, não podia a Ré promover a cessação do contrato (por tempo indeterminado) como fez, com a comunicação referida no ponto 19) dos factos provados, estando-se perante despedimento ilícito porque não promovido através de procedimento disciplinar [cfr. art.º 381º, al. c) do Código do Trabalho].
Isto é, as considerações da sentença recorrida sobre a existência de despedimento ilícito têm pertinência mas por referência à Ré.
A conclusão a retirar é então que, ainda que antes tivesse existido contrato inválido com a Interveniente, em outubro de 2018 foi celebrado contrato com a Ré, sociedade com personalidade jurídica, e a Ré promoveu o despedimento ilícito da Autora, porque pretendeu fazer operar a caducidade do contrato como se fosse a termo incerto, mas esse contrato tem que considerar sem termo, não podendo cessar dessa forma (impondo-se a existência de procedimento disciplinar, que não teve lugar).
Ora, a Autora inicialmente demandou a Ré, porém a mesma foi absolvida em 1ª instância, mas, em face, do que se acabou de concluir, dir-se-ia que haveria agora que ponderar a condenação da Ré.
Sucede que o objeto do recurso, como se disse supra, é delimitado pelas conclusões [cfr. art.º 635º, nº 3 do Código de Processo Civil], o que quer dizer que o objeto deste recurso é a reapreciação da responsabilidade da Interveniente, só havendo fundamento para reapreciar a responsabilidade da Ré [alegada na petição inicial e que não teve vencimento em 1ª instância], se a Recorrida/Autora tivesse acautelado a possibilidade de provimento do recurso da Interveniente, e suscitasse a reapreciação da questão da responsabilidade da Ré [por recurso subordinado – art.º 633º do Código de Processo Civil (ou pelo menos com ampliação do âmbito do recurso – art.º 636º do Código de Processo Civil)].
Mas se não pode haver, em fase de recurso (tendo em conta o seu objeto), condenação da Ré, em face do concluído supra há que absolver a Interveniente?
Como é consabido o enquadramento jurídico dos factos cabe ao tribunal, não estando vinculado ao alegado pelas partes (cfr. art.º 5º, nº 3 do Código de Processo Civil).
Vejamos então.
Sendo a Interveniente sociedade dominante da empregadora (sociedade dita dependente), como se presume em face do constante do ponto 13) dos factos provados [cfr. art.º 486º, nº 1 e nº 2, al. a) do CSC], há que fazer apelo ao disposto no art.º 334º do Código do Trabalho[20], que dispõe, com a epígrafe «responsabilidade solidária de sociedade em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo», que: [p]or crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencido há mais de três meses, respondem solidariamente o empregador e a sociedade que com este se encontre em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, nos termos previstos nos artigos 481.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais.
Dúvidas não há, porque resulta da letra do artigo, da sua aplicação às coligações societárias caracterizadas por uma relação de domínio (art.º 486º do CSC).
Como refere Catarina de Oliveira Carvalho [a propósito do art.º 378º do Código do Trabalho/2003, mas com atualidade dada a similitude da redação de ambos os artigos][21], não se trata de identificar a coligação societária com o próprio empregador, mas apenas de assegurar a responsabilização das outras sociedades como mecanismo de reforço da garantia de cumprimento dos créditos laborais; o escopo da norma identifica-se com a necessidade de reforçar a garantia creditícia dos trabalhadores de sociedades inseridas em certas configurações empresariais em que a manutenção da individualidade jurídica é acompanhada de uma dependência económica promotora de riscos adicionais para os respetivos credores.
E como refere Joana Vasconcelos[22], a responsabilidade das sociedades coligadas com a sociedade-empregadora prevista neste artigo é uma responsabilidade patrimonial ou de garantia, cuja finalidade é essencialmente preventiva e cautelar: do que se trata é de fazer, em geral, recair sobre tais sociedades (e não já sobre os trabalhadores daquela), o risco da eventual falta de consistência do seu património. Por isso esta responsabilidade se funda na mera existência de uma relação de coligação intersocietária relevante, sem necessidade de alegação e prova, pelo trabalhador, de qualquer situação irregular ou patológica ocorrida no seu contexto[23].
Ou seja, bastará a prova da existência de uma relação societária relevante, da existência de créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, e do decurso do prazo de 3 meses desde o vencimento dos mesmos.
Quanto à existência desta moratória de 3 meses passa-se o seguinte: o crédito laboral ter-se-á vencido em determinada data relativamente à sociedade empregadora (v.g. com a cessação do contrato de trabalho por despedimento ilícito), e a partir desse momento contam-se 3 meses para o trabalhador poder interpelar qualquer uma das sociedades coligadas[24].
Ora, no caso em sub judice temos que a ação foi proposta para lá dos 3 meses seguintes à cessação do contrato / vencimento dos créditos [a petição inicial deu entrada em 09/10/2020, mas o pedido da intervenção da “R1...” até foi posterior, quando, pode-se dizer, a Autora viu em perigo os seus créditos, em face da alegação pela Ré na contestação da sua ilegitimidade], pelo que estão reunidas as condições para a Interveniente ser condenada, como responsável solidária da Ré, nos termos do art.º 334º do Código do Trabalho.
No entanto, esta responsabilidade das sociedades coligadas, como refere Pedro Romano Martinez[25], respeita tão só a créditos pecuniários devidos pela empregadora, não abrangendo outras prestações, ou seja, a uma sociedade coligada com a sociedade empregadora não pode ser exigida a integração do trabalhador ilicitamente despedido no seu quadro de pessoal.
Tem interesse, para ficar esclarecido regime de solidariedade estabelecido no art.º 334º do Código do Trabalho, transcrever o referido por Pedro Romano Martinez[26] a esse propósito: neste caso, em que a solidariedade foi instituída com finalidade de garantia de cumprimento, poder-se-á entender que, como ocorre na situação tradicional de garantia, a sociedade coligada é chamada a pagar uma dívida alheia – da sociedade empregadora. Independentemente desta questão, que tem particular relevância no campo do direto de regresso, na relação externa – perante o trabalhador –, as várias sociedades coligadas, juntamente com a sociedade empregadora, ficam adstritas à realização de uma prestação: a obtenção de um resultado que corresponde ao pagamento (integral) do crédito pecuniário do trabalhador.
Em suma, a ação procede contra a Interveniente como decidido em 1ª instância, mas com fundamentação jurídica diferente, e com exclusão da reintegração da Autora por estar em causa responsabilidade solidária por créditos pecuniários.
De notar ainda, que estando em causa responsabilidade solidária, está em causa o devido pela Ré, e como tal a questão da prescrição suscitada pela Recorrente não se põe (tinha subjacente a consideração da Interveniente como empregadora, com cessação do contrato um ano antes daquele que subjaz à condenação).

Resumindo, o recurso procede parcialmente, não havendo lugar à reintegração da trabalhadora por estar em causa responsabilidade solidária da Interveniente com a Ré.
*
Quanto a custas, havendo procedência parcial do recurso, as custas do mesmo ficam a cargo da Recorrente e Recorrida (Autora) na proporção do decaimento, que se fixa em 50% para cada uma – art.º 527º do Código de Processo Civil.
***
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, decide-se:
I) Alterar a redação do ponto 16) dos factos provados, de modo que passa a ser a seguinte:
16. A Ré e a sociedade R1..., S.A. partilham entre si as infraestruturas disponíveis, bem como os seus trabalhadores.
II) Manter a absolvição da Ré “R... Lda.” e manter a condenação da Interveniente “R1..., S.A.”, mas nos seguintes termos:
a) é declarada a existência de contrato de trabalho sem termo entre a Ré, “R... Lda.”, e a Autora desde 07/10/2019, bem como é declarada a ilicitude do despedimento da Autora promovido pela Ré em 26/03/2020;
b) consequentemente é condenada a Interveniente, como responsável solidária nos termos do art.º 334º do Código do Trabalho, a pagar à Autora:
− as retribuições que a Autora deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declara a ilicitude do despedimento, sendo que a tal montante terão que ser deduzidas as quantias mencionadas no ponto 26) dos factos provados, sendo que as quantias recebidas a título de subsídio de desemprego terão que ser entregues pelo empregador à Segurança Social, bem como a retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da ação, sendo o valor a apurar em liquidação posterior nos termos dos art.ºs 609º, nº 2 e 358º, nº 2 do Código de Processo Civil;
− o montante de € 500,00 (quinhentos euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Custas em 1ª instância e do recurso pela Recorrente e Recorrida/Autora na proporção de 50%, com taxa de justiça conforme tabela I-B anexa ao RCP (cfr. art.º 7º, nº 2 do RCP), sem prejuízo do apoio judiciário concedido à Autora.
Valor do recurso: o da ação (art.º 12º, nº 2 do RCP).
Notifique e registe.
(texto processado e revisto pelo relator, assinado eletronicamente)

Porto, 07 de novembro de 2022
António Luís Carvalhão
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
____________
[1] As transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo correção de gralhas evidentes e realces/sublinhados que no geral não se mantêm (porque interessa o texto em si), consignando-se que quanto à ortografia utilizada se adota o Novo Acordo Ortográfico.
[2] A insuficiência para decisão da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem – absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. – e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista a sua importância para a decisão, tendo que resultar do próprio texto da sentença.
[3] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 156 e págs. 545/546 (estas no apêndice I: “recursos no processo do trabalho”).
[4] Seguindo a ordem da precedência lógica, sendo que a solução de alguma pode prejudicar o conhecimento de outra(s) – art.ºs 608º e 663º, nº 2 do Código de Processo Civil (cfr. art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho).
[5] Na sentença consta «interveniente principal», mas essa referência (em vez de “Ré”) só pode tratar-se de lapso, pois “R... Lda.” foi demandada logo na petição inicial, sendo a Ré e não a Interveniente, donde se ter corrigido.
[6] Na sentença consta «€ 1.045,24 € 1.081,28», mas o valor “€ 1.081,28” só pode tratar-se de lapso, muito provavelmente decorrente do uso de meios informáticos (“copiar” e “colar”) dado nas linhas precedentes constar esse valor, pois visto o documento que lhe serviu de suporte (“extrato de remunerações” junto no processo pelo CDSS ... em 21/07/2021) apenas consta o primeiro valor (“€ 1.045,24”), donde se ter corrigido o lapso, eliminando o segundo valor.
[7] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 286.
Também o acórdão da 1ª Secção Cível do TRG de 31/03/2022, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 294/19.8T8MAC.G1.
[8] É que, de outra forma ocorreria uma inversão da posição das personagens do processo, mediante a substituição da convicção de quem tem de julgar pela convicção de quem espera a decisão [assim tem também referido o Tribunal Constitucional – vd. por exemplo, o acórdão nº 198/2004, publicado no DR II série nº 129, de 02/06/2004 (na pág. 8546), e também acessível em www.tribunalconstitucional.pt].
[9] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, págs. 292/293.
[10] Vd. Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 2ª edição (Lisboa 1997), pág. 347.
[11] In “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 116.
[12] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 168.
[13] O facto não é por natureza constitutivo, sendo-o consoante a sua função no quadro de uma concreta pretensão invocada pela parte, o que se afere à luz do arquétipo legal aplicável ao caso, ou, dito de outra forma, pela interpretação do direito substantivo aplicável.
[14] Sobre a distinção entre factos essenciais (principais e complementares) e instrumentais, vd. com interesse o acórdão desta Secção Social do TRP de 31/03/2020, processo nº 1372/19.9T8VFR-A.P1.
[15] Na verdade a empresa utilizadora [B..., SL] não foi demandada, não estando pedida a declaração de nulidade do contrato de utilização celebrado entre a Interveniente e a empresa utilizadora [o contrato referido no ponto 7) dos factos provados].
[16] Cfr., por exemplo, o acórdão desta Secção Social do TRP de 04/11/2019, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 4700/18.0T8VNG.P1.
[17] O regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo, revogado pela Lei nº 99/2003, de 27 de agosto, que aprovou o Código do Trabalho.
[18] O Código das Sociedades Comerciais não apresenta uma definição de grupo de sociedades, mas apresenta uma classificação em sentido amplo correspondente às sociedades coligadas, fazendo a seguinte distinção:
a) Sociedades em relação de participação:
i) Sociedades em relação de simples participação (art.º 483º do CSC);
ii) Sociedades em relação de participações recíprocas (art.º 485º do CSC);
iii) Sociedades em relação de domínio (art.º 486º do CSC);
b) Sociedades em relação de grupo stricto sensu:
i) Grupo constituído por domínio total: inicial (art.º 488º do CSC) ou superveniente (art.º 489º do CSC);
ii) Grupo constituído por contrato de grupo paritário (art.º 492º do CSC);
iii) Grupo constituído por contrato de grupo de subordinação (art.º 493º do CSC).
[19] “A responsabilidade solidária das sociedades em relação de grupo e garantia dos créditos laborais”, in Revista de Direito das Sociedades, Almedina, Ano VI (2014), nº 2, pág. 490.
[20] “Inspirado” no art.º 501º do CSC.
[21] “Algumas Questões Sobre a Empresa e o Direito do Trabalho no Novo Código do Trabalho”, in “A Reforma do Código do Trabalho”, Coimbra Editora, 2004, págs. 449/450.
[22] In “Código do Trabalho Anotado” por Pedro Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos, Pedro Madeira de Brito, Guilherme Dray e Luís Gonçalves da Silva, Almedina, 10ª edição - 2016, pág. 760 (em anotação do art.º 334º do Código do Trabalho).
[23] No mesmo sentido, Rita Garcia Pereira, “A Garantia dos Créditos Laborais no Código do Trabalho: breve nótula sobre o art.º 378º (responsabilidade solidária das sociedades em relação de domínio ou de grupo), in Questões Laborais, 24, Ano XI – 2004, Coimbra Editora, pág. 207 [também no e-book do CEJ “O Contrato de Trabalho no Contexto da Empresa, do Direito Comercial e do Direito das Sociedades Comerciais” – consultável em www.cej.justica.gov.pt» E-books » Direito do Trabalho e da Empresa –, pág. 100].
[24] Vd. a propósito Pedro Romano Martinez, “Garantia dos Créditos Laborais – a responsabilidade solidária instituída pelo Código do Trabalho, nos artigos 378º e 379º”, in “Revista de Direito e de Estudos Sociais”, Ano XLVI (XIX da 2ª série), abril-dezembro 2005, pág. 250.
[25] “Garantia dos Créditos Laborais – a responsabilidade solidária instituída pelo Código do Trabalho, nos artigos 378º e 379º”, in “Revista de Direito e de Estudos Sociais”, Ano XLVI (XIX da 2ª série), abril-dezembro 2005, pág. 246.
[26] Ibidem, pág. 247.