Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0346304
Nº Convencional: JTRP00036839
Relator: FRANCISCO DOMINGOS
Descritores: BURLA
CONSUMAÇÃO
Nº do Documento: RP200403100346304
Data do Acordão: 03/10/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J CHAVES
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: O crime de burla é um crime material ou de resultado, que apenas se consuma com a saída das coisas ou dos valores da "disponibilidade fáctica" do sujeito passivo ou da vítima, e, assim, quando se dá o "evento", que embora integre uma consequência da conduta do agente, se apresenta autónomo em relação a ele.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam em Audiência na Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

1. RELATÓRIO
1.1. No Tribunal Judicial de Comarca de Chaves o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido A.........., devidamente identificados nos autos, actualmente em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Chaves, imputando-lhe a prática, em autoria material e em concurso real, dos crimes de falsificação de cheques, da previsão do art. 256º nº 1 al. a) e nº 3 do Código Penal, e de burla qualificada da previsão conjunta dos arts. 217º nº 1 e 218º nº 2 al. a) do Código Penal.
1.2. Efectuado o julgamento foi julgada improcedente, por não provada, a excepção do caso julgado invocada pelo arguido na contestação, e foi a acusação julgada procedente por provada e, condenado o arguido A.........., pela prática de um crime de uso de cheques falsificados, da previsão do art. 256º nº 1 al. c) e nº 3 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão; pela prática de um crime de burla qualificada, da previsão conjunta dos arts. 217º nº 1 e 218º nº 2 al. a) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Nos termos do art. 1º da Lei nº 29/99 de 12/05, foi declarado perdoado 1 (um) ano da pena de prisão aplicada pelo crime de uso de documento falsificado, anteriormente referido sob a al. a), sob a condição resolutiva a que alude o art. 4º da dita Lei.
Em cúmulo jurídico do remanescente da pena de prisão aplicada pelo crime de uso de documento falsificado com a pena de prisão aplicada pelo crime de burla qualificada, nos termos do art. 77º do Código Penal, foi o arguido condenado na pena única de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão.
1.3. Inconformado com o acórdão dele interpôs recurso o arguido que motivou, concluindo nos seguintes termos:
1ª- O acórdão recorrido deveria ter dado como provados os seguintes factos:
a) No dia 10 de Novembro de 1995, por volta das 22 horas, o arguido foi interveniente num acidente de viação ocorrido na auto-estrada A3, no lugar de Pedrouços, do concelho da Maia.”
Facto este que consta da certidão de acidente 2861/95, emitida pela Brigada de Trânsito da Guarda Nacional Republicana, mediante solicitação do Tribunal Judicial de Chaves e junta aos autos a fls.... e que tem relevância, pois pode demonstrar a impossibilidade de o arguido ter praticado os restantes factos, conforme mais à frente se irá demonstrar.
b) O arguido não tem antecedentes criminais.”
Facto este que consta no certificado de registo criminal do arguido e que tem relevância para a determinação concreta da pena, pois depõe a favor do arguido.
Ao não dar como provados estes factos, o acórdão recorrido violou o disposto no art. 127º e 340º do CPP.
Como os presentes factos constam de meios de prova juntos aos autos, não é necessário proceder à renovação de qualquer meio de prova, podendo esta Relação proceder à incorporação destes factos nos factos dados como provados.
2ª- Foram indevidamente dados como provados pelo acórdão recorrido, os factos constantes das alíneas 10) a 15) e 18) a 20), pelas seguintes ordem de razões:
- Da impossibilidade do arguido ter cometido aqueles factos.
Era temporalmente impossível ao arguido ter praticado aqueles factos.
Na verdade, era impossível alguém acertar um negócio, via telefone, por volta das 14 horas e após visar um cheque em Guimarães, indo de seguida visar mais uns poucos a Vila Nova de Famalicão (atente-se que as agências bancárias encerram ao público às 15 horas e em 1995 não existia ligação entre Guimarães e Famalicão por auto-estrada), efectuar a operação de falsificação dos cheques e conseguir deslocar-se e chegar a Chaves entre as 17 e as 18 horas (atente-se que em 1995 as estradas para o interior estavam em pior estado do que actualmente e que os factos dizem respeito ao mês de Novembro, em que as condições climatéricas são bastantes adversas e que provavelmente nesse dia 10 de Novembro de 1995 choveu pois na participação do acidente consta que o piso estava molhado). Sendo igualmente impossível alguém, já posteriormente às 18 horas daquele dia 10 de Novembro e após concluído o referido negócio, conseguir deslocar-se de Chaves e chegar a Pedrouços, Maia por volta das 22 horas (atente-se que por volta das 20 e 21 horas é denominada hora de jantar).
Conforme se vê da alínea d) do ponto 6. do acórdão, aqueles factos foram dados como provados simplesmente com base nos depoimentos das testemunhas B.......... e C.........., ambos administradores da sociedade X.........., SA.
Além de não ter sido levado em consideração que o depoimento daquelas testemunhas, tinham aquela condicionante de serem administradores, pelo que tal depoimento não era isento, também não era suficiente para se poder dar como provado aqueles factos.
Na verdade, as agências de câmbio estão adstritas ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, nos termos do qual todas as suas operações estão sujeitas à fiscalização do Banco de Portugal e têm de estar sempre documentadas, nomeadamente para evitar fugas de divisas e branqueamento de capitais. Assim como aqueles factos dizem respeito a uma operação de câmbios, para serem dados como provados era necessário que tivessem sido juntos aos autos os documentos onde conste aquela operação de câmbio. Como dos autos não consta qualquer documento que demonstre ter sido efectuada uma operação de câmbio, pelo que não existe fundamento bastante para aqueles factos serem dados por provados.
Ao dar como provados estes factos o acórdão recorrido violou o disposto no art. 127º do CPP.
Tais factos têm que ser dados como não provados, pois era à acusação que competia demonstrar que tais factos eram possíveis e solicitar a junção dos elementos necessários à prova de tais factos, não podendo de qualquer forma ser ordenada a repetição do julgamento sob pena de se violar o disposto no nº 5 do art. 29 da Constituição da República Portuguesa.
3ª- Foram indevidamente dados como provados pelo acórdão recorrido, os factos constantes das alíneas 21) a 24) e 27) a 29), pelas seguintes ordem de razões:
- Conforme se vê da alínea d) do ponto 6. do acórdão, aqueles factos foram dados como provados simplesmente com base nos depoimentos das testemunhas B.......... e C.........., ambos administradores da sociedade X.........., SA.
Além de não ter sido levado em consideração que o depoimento daquelas testemunhas, tinham aquela condicionante de serem administradores, pelo que tal depoimento não era isento, também não era suficiente para se poder dar como provado aqueles factos.
Na verdade, as agências de câmbio estão adstritas ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, nos termos do qual todas as suas operações estão sujeitas à fiscalização do Banco de Portugal e têm de estar sempre documentadas, nomeadamente para evitar fugas de divisas e branqueamento de capitais. Assim como aqueles factos dizem respeito a uma operação de câmbios, para serem dados como provados era necessário que tivessem sido juntos aos autos os documentos onde conste aquela operação de câmbio. Como dos autos não consta qualquer documento que demonstre ter sido efectuada uma operação de câmbio, pelo que não existe fundamento bastante para aqueles factos serem dados por provados.
Existe contradições entre alguns desses factos, pois nuns o B.......... aparece figurando como administrador da X.......... e noutros como pessoa individual, sendo certo que como pessoa individual o B.......... não podia efectuar operações de câmbio, e para ser pela X.......... não se coaduna com os cheques que foram endossados ao B.......... a nível individual, conforme se vê dos próprios cheques.
Ao dar como provados estes factos o acórdão recorrido violou o disposto no art. 127º do CPP.
Tais factos têm que ser dados como não provados, pois era à acusação que competia solicitar a junção dos elementos necessários à prova de tais factos e consta dos autos os elementos necessários para demonstrar a contradição entre os factos, não podendo de qualquer forma ser ordenada a repetição do julgamento sob pena de se violar o disposto no nº 5 do artº 29 da Constituição da República Portuguesa.
4ª- Foram indevidamente dados como provados os factos constantes das alíneas 30) a 33) e 36) a 41), pelas seguintes ordem de razões:
Conforme se vê da alínea d) do ponto 6. do acórdão, aqueles factos foram dados como provados simplesmente com base nos depoimentos das testemunhas B.......... e C.........., ambos administradores da sociedade X.........., SA.
Além de não ter sido levado em consideração que o depoimento daquelas testemunhas, tinham aquela condicionante de serem administradores, pelo que tal depoimento não era isento, também não era suficiente para se poder dar como provado aqueles factos.
Na verdade, as agências de câmbio estão adstritas ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, nos termos do qual todas as suas operações estão sujeitas à fiscalização do Banco de Portugal e têm de estar sempre documentadas, nomeadamente para evitar fugas de divisas e branqueamento de capitais. Assim como aqueles factos dizem respeito a uma operação de câmbios, para serem dados como provados era necessário que tivessem sido juntos aos autos os documentos onde conste aquela operação de câmbio. Como dos autos não consta qualquer documento que demonstre ter sido efectuada uma operação de câmbio, pelo que não existe fundamento bastante para aqueles factos serem dados por provados.
Existe contradições entre alguns desses factos, pois o B.......... aparece figurando como administrador da X.......... e os cheques foram endossados ao próprio B.......... e não àquela X.........., conforme se vê dos próprios cheques, não existindo qualquer titulo para os mesmos estarem contabilizados na X...........
Ao dar como provados estes factos o acórdão recorrido violou o disposto no art. 127º do CPP.
Tais factos têm que ser dados como não provados, pois era à acusação que competia solicitar a junção dos elementos necessários à prova de tais factos e consta dos autos os elementos necessários para demonstrar a contradição entre os factos, não podendo de qualquer forma ser ordenada a repetição do julgamento sob pena de se violar o disposto no nº 5 do art. 29 da Constituição da República Portuguesa.
5ª Foi indevidamente dado como provado o facto constante da alínea 44), pois o mesmo não foi invocado pela acusação, nem pela defesa e o mesmo não tem qualquer relevância para os crimes imputados ao recorrente, nem para a boa decisão da causa.
Ao dar como provado este facto o acórdão recorrido violou o disposto no art. 127º e 340º do CPP.
Tal facto tem que deixar de constar do acórdão recorrido, pois não tem qualquer relevância para a decisão a proferir.
Sem prescindir,
6ª O recorrente foi notificado para contestar a acusação deduzida pelo Digno Magistrado do Ministério Público e constante de fls.... dos autos.
Face a essa acusação o recorrente gizou a sua defesa.
Comparando os factos dados como provados no acórdão e que aqui se dão como reproduzidos para todos os efeitos legais, os mesmos não correspondem à transcrição dos factos constantes da acusação.
Assim fica-se por saber se a actuação do recorrente, caso a acusação tivesse sido formulada nos precisos termos dos constantes dos factos dados como provados no acórdão, teria sido a mesma ou não, existindo sempre a possibilidade do recorrente poder apresentar contraprovas para aqueles factos e até confessar, o que teria relevância na decisão final.
Ora do exposto, é notório que os factos dados como provados no acórdão recorrido consubstanciam uma alteração não substancial dos factos descritos na referida acusação sem, porém disso ter sido dada comunicação ao recorrente nos termos do disposto no artº 358º do CPP, para dessa alteração se defender,
pelo que o acórdão recorrido está ferido da nulidade prevista na alínea b) do nº1 do art. 379º do CPP.
A interpretar-se de forma diversa o constante do art. 358º do CPP, o mesmo é inconstitucional, por violação do disposto no nº 1 do art. 32º da Constituição da República Portuguesa.
Assim, o acórdão recorrido violou o disposto no art. 358º do CPP.
Nestes termos, deve a invocada nulidade ser julgada procedente, com a consequente expurgação da matéria de facto dada como provada, pois não foi dado o direito de defesa ao recorrente quanto àquela matéria e a referida nulidade já não pode ser sanada, pois o recorrente não pode ser submetido a novo julgamento sob pena de violação do disposto no nº5 do art. 29º da Constituição da República Portuguesa.
Sem prescindir,
7ª os factos constantes, nomeadamente, das alíneas 8), 16), 17), 18), 25), 26) e 27), nem sequer constam da acusação,
pelo que tais factos consubstanciam uma alteração não substancial dos factos descritos na referida acusação sem, porém disso ter sido dada comunicação ao recorrente nos termos do disposto no art. 358º do CPP, para dessa alteração se defender,
logo o acórdão recorrido está ferido da nulidade prevista na alínea b) do nº1 do art. 379º do CPP.
A interpretar-se de forma diversa o constante do art. 358º do CPP, o mesmo é inconstitucional, por violação do disposto no nº 1 do art. 32º da Constituição da República Portuguesa.
Assim, o acórdão recorrido violou o disposto no art. 358º do CPP.
Nestes termos, deve a invocada nulidade ser julgada procedente, com a consequente expurgação da matéria de facto dada como provada naquelas alíneas, pois não foi dado o direito de defesa ao recorrente quanto àquela matéria e a referida nulidade já não pode ser sanada, pois o recorrente não pode ser submetido a novo julgamento sob pena de violação do disposto no nº5 do art. 29º da Constituição da República Portuguesa.
Sem prescindir,
8ª Da falta de factos para preencher os elementos constitutivos do crime de falsificação de documento na subespécie descrita na alínea c) do nº 1 do artº 256º do Código Penal:
Art. 256º
“1. Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa beneficio ilegítimo:
a)...
b)...
c) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores, FABRICADO OU FALSIFICADO POR OUTRA PESSOA;
é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2....
3....
4....”
Ora do disposto naquela alínea c) do art. 256º do Código Penal resulta que não basta ficar como não provado que foi o recorrente a produzir as alterações dos elementos dos cinco cheques, era também necessário que ficasse provado que não foi o recorrente que produziu as alterações aos cheques, tendo sido outra pessoa a produzir aquelas alterações.
Assim, como dos factos dados por provados no acórdão recorrido não consta que não foi o recorrente que produziu as alterações aos cheques e que essas alterações foram produzidas por outra pessoa, não estão preenchidos os elementos constitutivos do tipo de crime de falsificação de documento, na subespécie da alínea c) do art. 256º do Código Penal.
Face ao exposto, o acórdão recorrido violou o disposto na alínea c) do art. 256º do Código Penal,
pelo que deve o recorrente ser absolvido quanto à prática desse crime.
Sem prescindir,
9ª Um dos elementos constitutivos do crime de burla é o erro ou engano sobre factos astuciosamente provocados pelo agente.
Ora, no caso dos autos esse elemento seria preenchido com as alterações efectuadas nos cheques, não tendo ficado provado que foi o recorrente que procedeu àquelas alterações, não se encontra preenchido este elemento constitutivo de crime.
Mesmo que se considere que a conduta do recorrente preenche a alínea c) do art. 256º do Código Penal, também assim não está preenchido aquele elemento constitutivo do crime de burla, pois o simples uso de cheques falsificados não consubstancia nenhum facto astuciosamente provocado pelo recorrente.
Face ao exposto, o acórdão recorrido violou o disposto no nº 1 do art. 217º do Código Penal,
pelo que deve o recorrente ser absolvido da prática do crime de burla.
Sem prescindir,
10ª O recorrente invocou a excepção do caso julgado como questão prévia e como tal a mesma obteve decisão, da qual o recorrente já interpôs o devido recurso e que mantém interesse na sua subida.
Assim, o acórdão não tinha que se pronunciar sobre esta questão, uma vez que não é permitido ao tribunal responder às motivações do recorrente.
De qualquer forma o acórdão recorrido esquece-se do facto que deu por provado com relevância para esta questão e que demonstra a conexão entre este processo e o processo de Espinho.
Na alínea 23) o acórdão recorrido deu como provado que o recorrente entregou ao B.......... um cheque do D.......... com o nº 01, cheque emitido pelo Casino de Espinho e relativo ao cheque que consta do Proc. N .../98 do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Espinho.
Assim o acórdão recorrido violou o disposto no art. 414º do CPP.
Face ao exposto, para os efeitos do disposto no nº5 do art. 412º deve aquele recurso retido subir conjuntamente com o presente.
Sem prescindir,
11ª Conforme se vê do acórdão recorrido, o mesmo na determinação da medida concreta da pena não teve em consideração que o recorrente é primário e que desde a data da prática dos factos já decorreram praticamente 9 anos, encontrando-se muito perto dos 10 anos que é o prazo de prescrição dos crimes imputados ao recorrente.
Estes factos, são factos que depõe a favor do recorrente, pelo que as penas concretas deverão ser fixadas em 1 ano para o crime de uso de cheque falsificado e em 2 anos e 6 meses para o crime de burla qualificada, as quais em cúmulo jurídico deverão ser fixadas na pena única de 2 anos e 8 meses, ao qual deverá ser aplicado o perdão de 1 ano pelo crime de falsificação e suspensa na sua execução.
Assim, o acórdão recorrido violou o disposto no art. 71º e na alínea d) do nº 2 do art. 72º do Código Penal,
pelo que na procedência da presente conclusão, deverão as penas aplicadas ao recorrente ser reduzidas para aqueles precisos termos.
Sem prescindir,
12ª Contrariamente à operação efectuada no acórdão recorrido o perdão da Lei nº 29/99 de 12 de Maio só se aplica após o efectuação do cúmulo jurídico, nos termos do nº 4 do art. 1º da Lei nº 29/99 de 12 de Maio.
No mesmo sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 2002,
“Em concurso de penas em que umas beneficiem de perdão e outras não, o cúmulo intermédio em que se englobem só as penas que beneficiam de perdão, servirá tão só para determinar a extensão do perdão; determinado este, efectuar-se-á o cúmulo de todas as penas aplicadas, sendo à pena única de tal cúmulo “global” que se desconta o perdão previamente determinado.” (cfr. ac. do STJ de 17/01/2002, CJ/STJ/2002/I/173).
Assim, tendo-se fixado no acórdão recorrido a pena única de 3 anos e 8 meses, à mesma se deverá declarar perdoada 1 ano da pena de prisão aplicada pelo crime de uso de documento falsificado, nos termos do artº 1º da Lei Nº 29/99 de 12 de Maio,
devendo de seguida ser a pena de 2 anos e 8 meses de prisão suspensa na sua execução.
Pelo exposto o acórdão recorrido violou o disposto no nº4 do artº 1º e nº3 do art. 2º da Lei nº 29/99 de 12 de Maio, face ao que deverá aquele perdão ser aplicado à pena única fixada ao recorrente».
1.4. No Tribunal recorrido houve Resposta do Ministério Público, o qual depois de rebater toda a argumentação do recorrente, conclui pela improcedência total do recurso.
1.5. O Exmº Procurador-Geral Adjunto nesta Relação apôs o seu “Visto”
1.6. Procedeu-se à documentação dos actos da audiência.
1.7. Foram colhidos os vistos legais.
1.8. Procedeu-se á audiência de julgamento com observância do legal formalismo.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. No acórdão recorrido deram-se como provados os seguintes factos:
2.1.1 O arguido é titular da conta nº 0001 da agência do Banco E.......... em Guimarães.
2.1.2 É também titular da conta nº 0002 da agência do Banco F.......... em Guimarães.
2.1.3 No dia 10 de Novembro de 1995, o arguido dirigiu-se à agência do Banco F.......... referida em 2) e solicitou que, entre outros, lhe fosse visado o cheque nº 02, sacado sobre a conta também referida em 2), por si assinado, e emitido no valor de 3.900$00 (três mil e novecentos escudos).
2.1.4. A referida agência bancária visou aquele cheque, pelo valor nele inscrito de 3.900$00, nele apondo o respectivo carimbo a óleo com a designação de “CHEQUE VISADO” e autenticando esse visto com as assinaturas de dois funcionários para o efeito competentes, conforme dele consta a fls. 167.
2.1.5 No mesmo dia, o arguido dirigiu-se à agência do Banco E.......... de Vila Nova de Famalicão e solicitou que lhe fossem visados, entre outros, os cheques com os nºs 03, 04, 05 e 06, todos por si assinados e sacados sobre a sua conta referida em 1).
2.1.6. Então, os quatro referidos cheques estavam preenchidos com os seguintes valores:
o cheque nº 03 estava preenchido com o valor de 10.000$00 (dez mil escudos);
o cheque nº 04 estava preenchido com o valor de 8.500$00 (oito mil e quinhentos escudos);
o cheque nº 05 estava preenchido com o valor de 7.700$00 (sete mil e setecentos escudos);
e o cheque nº 06 estava preenchido com o valor de 7.300$00 (sete mil e trezentos escudos).
2.1.7 A agência bancária referida em 5) visou os quatro cheques aí mencionados, pelos valores indicados na al. 6), nele apondo o respectivo carimbo a óleo com a designação de “CHEQUE VISADO” e autenticando esses vistos com as assinaturas de dois funcionários para o efeito competentes, conforme deles consta a fls. 166 e 167.
2.1.8. Após terem sido visados nos termos referidos nas als. 4) e 7), os cinco cheques foram restituídos ao arguido ainda no mesmo dia 10/11/95.
2.1.9. Depois de terem sido restituídos ao arguido, ainda no mesmo dia 10/11/1995, em circunstâncias que não foi possível determinar, foram produzidas alterações, através de meios mecânicos, em cada um desses cinco cheques, designadamente nos respectivos valores inscritos, tanto em numerário como por extenso. Assim, no cheque nº 02, sacado sobre a conta do arguido referida em 2), no lugar da indicação do valor em numerário, onde constava o valor de “3.900$00” foi alterado para o valor de “4.908.000$00”, e no lugar da indicação do valor por extenso, onde constava “três mil e novecentos escudos” foi alterado para “Quatro Milhões Novecentos e Oito Mil Escudos”; no cheque nº 03, sacado sobre a conta do arguido referida em 1), no lugar da indicação do valor em numerário, onde constava o valor de “10.000$00” foi alterado para o valor de “5.000.000$00”, e no lugar da indicação do valor por extenso, onde constava “dez mil escudos” foi alterado para “Cinco Milhões de Escudos”; no cheque nº 04, também sacado sobre a conta do arguido referida em 1), no lugar da indicação do valor em numerário, onde constava o valor de “8.500$00” foi alterado para o valor de “1.500.000$00”, e no lugar da indicação do valor por extenso, onde constava “oito mil e quinhentos escudos” foi alterado para “Um Milhão e Quinhentos Mil Escudos”; no cheque nº 05, também sacado sobre a conta do arguido referida em 1), no lugar da indicação do valor em numerário, onde constava o valor de “7.700$00” foi alterado para o valor de “4.500.000$00”, e no lugar da indicação do valor por extenso, onde constava “sete mil e setecentos escudos” foi alterado para “Quatro Milhões e Quinhentos Mil Escudos”; finalmente, no cheque nº 06, também sacado sobre a conta do arguido referida em 1), no lugar da indicação do valor em numerário, onde constava o valor de “7.300$00” foi alterado para o valor de “5.000.000$00”, e no lugar da indicação do valor por extenso, onde constava “sete mil e trezentos escudos” foi alterado para “Cinco Milhões de Escudos”.
2.1.10. Por volta das 14 horas do mesmo dia 10 de Novembro de 1995, alguém que se identificou com o nome do arguido A.........., contactou telefonicamente com B.........., administrador da sociedade “X.........., SA”, com sede na Rua......., nº ...., em Chaves, e dizendo-se interessado na compra de uma quantidade elevada de moeda estrangeira, designadamente pesetas espanholas, perguntou-lhe se tinha possibilidades de lhe vender essa quantidade de moeda estrangeira e como pretendia o pagamento, se em dinheiro ou em cheques visados.
2.1.11 O referido B.......... respondeu que tinha possibilidades de arranjar certa quantidade de pesetas espanholas e que aceitava receber cheques visados em pagamento da venda dessa moeda.
2.1.12 Ao fim da tarde desse mesmo dia, entre as 17 e as 18 horas, compareceram no estabelecimento de câmbios da referida sociedade, na cidade de Chaves, o arguido e um outro indivíduo do sexo masculino que se identificou com o nome de G.........., para realizarem a operação de compra de moeda estrangeira.
2.1.13. No interior do referido estabelecimento de câmbios, o arguido e o seu acompanhante propuseram-se comprar 4.000.000 pesetas espanholas, que foram entregues em mão ao arguido pelo administrador da sociedade “X.........., SA”, B...........
2.1.14. Em pagamento dessa quantidade de pesetas espanholas, o arguido entregou ao referido B.......... o cheque visado nº 02, sacado sobre a conta do arguido referida em 2), depois de manipulado e alterado nos termos descritos sob a al. 9), e ainda a quantia de 20.000$00 em dinheiro, para acerto de contas.
2.1.15. No momento em que foi entregue ao B.........., o referido cheque estava preenchido, assinado e visado nos preciso termos que consta a fls. 167.
2.1.16. Então, o arguido sabia que o dito cheque tinha sido emitido e visado pelo valor de 3.900$00 e que, após o visto, tinha sido viciado por alteração do respectivo valor para 4.908.000$00 (quatro milhões novecentos e oito mil escudos).
2.1.17. Também sabia que não tinha fundos em dinheiro depositados na conta sacada para cobrir o pagamento da quantia que nele figurava de 4.908.000$00 (quatro milhões novecentos e oito mil escudos).
2.1.18. Não obstante, entregou voluntariamente ao administrador da sociedade X.........., SA, para induzi-lo, como induziu, a que este lhe entregasse a moeda estrangeira de 4.000.000 de pesetas espanholas.
2.1.19. No momento em que lhe foi entregue pelo arguido, o administrador da sociedade X.........., SA, B.........., examinou o referido cheque e, não obstante a sua experiência bancária de mais de 20 anos, não detectou nele qualquer rasura, viciação ou outra anomalia e aceitou-o como verdadeiro.
2.1.20. E só por isso entregou ao arguido e acompanhante a quantia de 4.000.000 pesetas que estes lhe compraram.
2.1.21. No dia seguinte, 11/11/1995, o arguido, acompanhado do mesmo indivíduo referido em 12), voltaram ao mesmo estabelecimento de câmbios e solicitaram ao B.......... que lhes vendesse 11.000 (onze mil) dólares dos USA., 110.000 (cento e dez mil) francos franceses e 1.700.000 (um milhão e setecentas mil) pesetas, operação que importava no custo total de 7.137.900$00 (sete milhões cento e trinta e sete mil e novecentos escudos).
2.1.22. O B.......... aceitou vender-lhes essa quantidade de moeda estrangeira.
2.1.23. Em pagamento do preço dessa quantidade de moeda estrangeira, que receberam do B.........., na qualidade de administrador da sociedade X.........., SA, o arguido entregou a este o cheque visado nº 03, sacado sobre a conta do arguido referida em 1), depois de manipulado e alterado nos termos descritos sob a al. 9), dele constando o valor de 5.000.000$00, ainda um outro cheque do D.......... com o nº 01 e a quantia em dinheiro de 138.000$00 (cento e trinta e oito mil escudos).
2.1.24. No momento em que foi entregue ao B.........., o cheque nº 03 estava preenchido, assinado e visado nos preciso termos que consta a fls. 166, tendo então sido endossado àquele pelo acompanhante do arguido que assinou o endosso com o nome de G.........., como consta do respectivo verso.
2.1.25. Então, o arguido sabia que o dito cheque tinha sido emitido e visado pelo valor de 10.000$00 e que, após o visto, tinha sido viciado por alteração do respectivo valor para 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos).
2.1.26. Também sabia que não tinha fundos em dinheiro depositados na conta sacada para cobrir o pagamento da quantia que nele figurava de 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos).
2.1.27. Não obstante, entregou-o voluntariamente ao B.......... para induzi-lo, como induziu, a que este lhe entregasse a quantidade de moeda estrangeira referida em 21).
2.1.28. No momento em que lhe foi entregue pelo arguido, o B.........., examinou o referido cheque e também não detectou nele qualquer rasura, viciação ou outra anomalia e aceitou-o como verdadeiro.
2.1.29. Só por isso entregou ao arguido e acompanhante aquela quantidade de moeda estrangeira que estes lhe compraram.
2.1.30. No dia imediatamente a seguir, 12/11/1995, também após prévio contacto telefónico com o B.........., o arguido, novamente acompanhado do mesmo indivíduo referido em 12), deslocou-se mais uma vez ao estabelecimento de câmbios da sociedade X.........., S.A., em Chaves, para comprar mais moeda estrangeira.
2.1.31. Então, o B.......... disse ao arguido e acompanhante que lhes podia arranjar francos suíços, pesetas e francos franceses em montantes que perfaziam o valor em escudos de 9.568.240$00 (nove milhões quinhentos e sessenta e oito mil duzentos e quarenta escudos), o que o arguido e acompanhante aceitaram.
2.1.32. Em pagamento do valor dessa moeda estrangeira, o arguido entregou ao B.........., agindo este na qualidade de administrador da sociedade X............, SA, os três cheques visados com os nºs 04, 06 e 05, sacados sobre a conta do arguido referida em 1), depois de manipulados e alterados nos termos descritos sob a al. 9), deles constando os valores de 1.500.000$00 (um milhão e quinhentos mil escudos), 5.000.000$00 (cinco mil escudos) e 4.500.000$00 (quatro mil e quinhentos escudos), respectivamente.
2.1.33. No momento em que foram entregues ao B.........., os três referidos cheques estavam preenchidos, assinados e visados nos precisos termos que consta a fls. 166 e 167, tendo então sido endossados àquele pelo acompanhante do arguido que assinou os endossos com o nome de G.........., como consta do respectivo verso.
2.1.34. Então, o arguido sabia que os três referidos cheques tinham sido emitidos e visados pelos valores de 8.500$00, 7.700$00 e 7.300$00, respectivamente, e que, após os vistos, tinham sido viciados por alteração dos respectivos valores para 1.500.000$00 (um milhão e quinhentos mil escudos), 5.000.000$00 (cinco mil escudos) e 4.500.000$00 (quatro mil e quinhentos escudos), respectivamente.
2.1.35. Também sabia que não tinha fundos em dinheiro depositados na conta sacada para cobrir o pagamento das quantias que nele figuravam de 1.500.000$00 (um milhão e quinhentos mil escudos), 5.000.000$00 (cinco mil escudos) e 4.500.000$00 (quatro mil e quinhentos escudos).
2.1.36. Não obstante, entregou-os voluntariamente ao B.......... para induzi-lo, como induziu, a que este lhe entregasse a quantidade de moeda estrangeira referida em 31).
2.1.37. No momento em que lhe foram entregues pelo arguido, o B.......... examinou os três referidos cheques e também não detectou neles qualquer rasura, viciação ou outra anomalia e aceitou-os como verdadeiros.
2.1.38. Só por isso entregou ao arguido e acompanhante aquela quantidade de moeda estrangeira referida na al. 31) e ainda, para acerto de contas, um cheque que emitiu da sua conta pessoal da agência de Chaves da União de Bancos Portugueses, no valor de 1.431.759$00 (um milhão quatrocentos e trinta e um mil setecentos e cinquenta e nove escudos), correspondente à diferença entre o valor da transação/operação cambial e a soma dos valores constantes dos três cheques visados entregues pelo arguido.
2.1.39. Em qualquer das três operações cambiais, o administrador da sociedade X.........., SA, B.........., foi induzido pelo visto bancário constante dos cheques, que o convenceram de que as quantias mencionadas nesses cheques estavam aprovisionadas no respectivo banco.
2.1.40. No dia 13/11/1995, os cinco cheques visados referidos em 9) foram apresentados a pagamento, o qual, porém, foi recusado, relativamente a todos esses cheques, com dois fundamentos: falsificação e falta de provisão.
2.1.41. Com a actuação descrita do arguido, a sociedade X.........., SA, sofreu um prejuízo de 20.908.000$00.
2.1.42. À data dos factos, em Novembro de 1995, o arguido estava desempregado, após ter sido despedido do Hipermercado Continente de Guimarães, onde trabalhou como pasteleiro, e vivia com os seus pais, desde que se separou do seu cônjuge, em 1991.
2.1.43. Nessa altura, em consequência daquela situação de desemprego e de dificuldades financeiras que lhe advieram, manteve ligações com indivíduos referenciados no meio por assumirem comportamentos anti-sociais ou mesmo ilícitos, designadamente ligados ao consumo e tráfico de estupefacientes.
2.1.44. Na sequência dessa sua ligação a esses indivíduos, veio a ser detido em Espanha na posse de produtos estupefacientes e foi condenado por esse facto em pena de prisão que cumpriu entre 1996 e 1999.
2.1.45. É caracterizado como aparentando limitações de ordem intelectual, associadas a um défice de competências pessoais e sociais, que o tornam muito impulsivo e influenciável e pouco assertivo e ponderado, denotando grande dificuldade em perspectivar o futuro e em desenvolver projectos de vida consistentes e realistas, com problemas de integração nos diversos contextos da sua vida.
2.1.46. Paralelamente, apresenta sinais depressivos, que provocam nele atitudes de protecção e desculpabilização, o que parece constituir como uma estratégia interactiva que poderá conduzir à manipulação dos outros e da realidade.
2.1.47. À data em que foi detido na Suíça para ser extraditado à ordem deste processo, estava ali a trabalhar no sector da construção civil (construção de estradas), auferindo um salário que o próprio disse ser da ordem de € 2.000,00 (400 contos) por mês, e vivia em união de facto com uma companheira.
2.1.48. Tem uma filha com 18 anos de idade.
2.1.49. Fez a 4ª classe.
2.1.50 Na sequência de acusação deduzida pelo Magistrado do Ministério Público na comarca de Espinho, certificada a fls. 219 a 222, o arguido foi julgado no processo com o nº .../98 do 2º Juízo daquela comarca, como autor de um crime de falsificação de documento, referida à falsificação do cheque nº 07, sacado sobre a conta do arguido nº 0001 da agência do Banco E.......... em Guimarães, e de um crime de burla agravada que teria sido praticada através do uso do referido cheque falsificado, tendo sido absolvido por falta de prova sobre a sua autoria quanto a esses dois crimes.
2.2. No acórdão recorrido deram-se como não provados os seguintes factos:
Relativamente à factualidade descrita na acusação, apenas não se provou:
2.2.1. que tenha sido o arguido quem preencheu os cinco cheques identificados nas anteriores als. 3) e 5), com os elementos dactilografados que dele constavam originariamente, quando foram apresentados para o visto bancário, designadamente os elementos relativos à data e ao lugar da emissão, ao valor em numerário e por extenso e ao nome do beneficiário;
2.2.2. que tenha sido o arguido quem, após o visto bancário, fez ou mandou fazer nesses cheques as alterações que neles foram produzidas, designadamente as alterações relativos aos respectivos valores, em numerário e por extenso, descritas na anterior al. 9).
2.3. Na motivação probatória da decisão de facto consta o seguinte:
«A convicção sobre os factos provados foi formada com base nos seguintes meios de prova produzidos em audiência de julgamento:
a) Os factos descritos sob as als. 1), 5), 6), 7) e 8), relativos à conta bancária de que o arguido é titular na agência de Guimarães do Banco E.......... (......), à apresentação pelo arguido, na agência do mesmo banco de Vila Nova de Famalicão, dos cheques aí identificados para serem visados, bem como sobre a aposição dos vistos bancários, os elementos que então constavam dos cheques e a sua restituição ao arguido depois de visados, basearam-se nos documentos bancários que constam a fls. 93 a 96, complementados pelos depoimentos da testemunha Miguel.........., que era, à data, o sub-gerente da agência do Banco E.......... em Vila Nova de Famalicão e nessa qualidade esteve ligado à operação bancária do visto nestes cheques.
b) Os factos descritos sob as als. 2), 3), 4) e 8), relativos à conta bancária de que o arguido é titular na agência de Guimarães do Banco F.......... (.....), à apresentação pelo arguido, na mesma agência bancária, de vários cheques para serem visados, incluindo o cheque identificado nestas alíneas, bem como sobre a aposição do visto bancário no dito cheque, os elementos que então constavam do mesmo cheque e a sua restituição ao arguido depois de visado, basearam-se nos documentos bancários que constam a fls. 24, 130, 131, 132 e 228 a 232, complementados pelos depoimentos das testemunhas Maria....... e Albino......, que eram, à data, respectivamente, sub-gerente e gerente da agência do Banco F.......... de Guimarães e nessa qualidade estiveram ligados à operação bancária do visto nestes cheques.
c) Os factos descritos sob a al. 9), relativos à viciação dos cheques, após os vistos, mediante alteração dos seus elementos, designadamente dos respectivos valores originariamente inscritos, basearam-se no teor do relatório pericial a fls. 168 a 179, que concluiu pela falsificação dos referidos cheques quanto a vários dos seus elementos, incluindo o relativo aos seus valores, complementado pela análise comparativa das cópias dos cheques originariamente preenchidos que constam a fls. 93 a 96 com os mesmos cheques, depois de falsificados, que constam a fls. 166 e 167.
d) Os factos descritos nas als. 10) a 15), 18) a 24), 27) a 33) e 36) a 41) basearam-se nos depoimentos prestados pelas testemunhas:
B.........., administrador da sociedade X.........., SA, que, nesta qualidade, interveio directamente nesses factos, tendo sido a pessoa que atendeu o arguido e acompanhante e quem com eles realizou directamente as três operações de câmbio aí descritas, reconhecendo em audiência, sem hesitações e sem margem para dúvidas, o arguido como tendo sido a pessoa que, nessas três operações, com ele contactou pessoalmente e se identificou com o nome de A.........., a pessoa que lhe entregou em mão os cheques falsificados para pagamento da moeda estrangeira transaccionada e a pessoa a quem ele também entregou em mão toda a moeda estrangeira comprada;
C.........., accionista da mesma sociedade, que declarou que, na tarde do dia 10/11/95 (sexta-feira), quando se encontrava na porta de entrada do escritório de uma outra empresa pertencente às mesmas pessoas, com a designação de I.........., do ramo imobiliário, situado na mesma Rua, precisamente do lado oposto ao dito estabelecimento de câmbios, viu entrar no estabelecimento de câmbios, acompanhados pelo B.........., duas pessoas, que sabia, por lhe ter sido dito previamente pelo mesmo B.........., que ali iam realizar uma operação avultada de câmbio, reconhecendo a pessoa do arguido como sendo uma dessas pessoas, esclarecendo ainda que essa operação era muito importante para a sociedade X.........., SA, e foi comentada entre os accionistas, na sequência do telefonema previamente feito, por se tratar de uma operação que envolvia valores elevados e a sociedade estar no seu início de vida, assim justificando a sua presença naquele lugar e a sua atenção às pessoas que chegaram.
Acerca destes factos, o arguido negou que tivesse vindo a Chaves em qualquer das três vezes aqui mencionadas, dizendo que, após terem sido visados, entregou os cheques a dois indivíduos que o acompanhavam, como contrapartida de 100.000$00 que lhe emprestaram, e nunca mais viu os cheques nem as ditas pessoas.
Para além da ilogicidade desta versão, em termos de razoabilidade – não é comportamento vulgar alguém emprestar 100.000$00 a outrem que não conhece e receber como garantia vários cheques visados, de pequenas quantias, cuja soma não vai além de 1/3 daquele valor (comportamento vulgar seria que, quem emprestou os 100.000$00, exigisse receber um cheque emitido por aquele valor ou valor superior) – a versão do arguido choca ainda com outras contrariedades, tais como:
não foi minimamente suportada, em qualquer aspecto ou facto, por outro meio de prova;
tanto o relatório dos exames médico-psiquiátrico e de personalidade feitos ao arguido como o relatório social que constam dos autos, a fls. 551 a 556 e 810 a 813, caracterizam o arguido como assumindo atitudes de protecção e desculpabilização dos seus actos e de manipulação da realidade e suscitam dúvidas sérias quanto à sua credibilidade;
é contrariada por duas testemunhas presenciais, de conhecimento directo dos factos, idóneas e credíveis, que o reconheceram em audiência, cara a cara, e afirmaram, sem hesitações e sem dúvidas, de que o arguido foi uma das duas pessoas que se deslocou a Chaves e quem realizou as operações de câmbio com os cheques falsificados;
foi também contrariada, quanto a outros factos, pelas três outras testemunhas que são funcionários bancários, relativamente à apresentação dos cheques para visar e à justificação então dada sobre a necessidade do visto, quando interpelado nesse sentido pelos funcionários das agências bancárias, perante dúvidas que os próprios então levantaram, dado o número elevado de cheques a visar e as pequenas quantias, a qual leva a concluir que o arguido, quando mandou visar os cheques, já sabia que iam ser usados para fins ilícitos.
Perante estes elementos de prova, a versão do arguido não pode ser aceite.
e) Os factos descritos sob as als. 16), 17), 25), 26), 34) e 35), relativos ao conhecimento que o arguido teve da viciação dos cheques, após o visto, e da falta de provisão naquelas suas contas bancárias para cobrir o pagamento das quantias inscritas após os vistos, resultaram do conjunto dos depoimentos das cinco testemunhas identificadas anteriormente, considerando, por um lado, a participação directa do arguido na apresentação dos cheques originários a visar, e, por outro lado, a sua posterior participação directa nas operações de câmbio, em que apresentou os mesmos cheques com valores inscritos diferentes e consideravelmente superiores.
f) Os factos descritos sob as als. 42) a 46), relativos à personalidade do arguido e sua ligação a pessoas referenciadas por comportamentos anti-sociais e ilícitos, basearam-se no relatório das perícias médico-psiquiátrica e de personalidade que foram realizadas à sua pessoa, que constam de fls. 551 a 556 (original a fls. 560 a 564), bem como no relatório social que consta de fls. 810 a 813, complementados em parte desses factos pelos depoimentos prestados em audiência pelo próprio arguido e pelo seu pai, a testemunha Manuel......, designadamente quanto aos factos das als. 42), 43) e 44).
g) Os factos constantes das als. 47) a 49) foram declarados pelo arguido em audiência e também constam do relatório social a fls. 810 a 813.
h) Os factos da al. 50) estão certificados a fls. 219 a 222 e 273 a 278.
Relativamente aos factos não provados, nenhuma testemunha soube esclarecer nem revelou saber quem tinha preenchido os cheques originários com os elementos que estavam dactilografados e quem, posteriormente aos vistos, alterou esses elementos, não havendo, por isso, provas de que tenha sido o arguido.
Tendo havido referências de prova credíveis que apontam no sentido de que o arguido esteve acompanhado neste caso com outras pessoas, suscita a dúvida séria se terá sido ele o autor desses factos ou, no caso de neles ter participado, em que medida e a que título o terá feito.
Perante essa dúvida, tais factos são considerados como não provados».

3. O DIREITO
3.1. De harmonia com o disposto no art. 428º, nº 1, do CPP, “As Relações conhecem de facto e de direito”.
No caso subjudice este tribunal conhece de facto e de direito, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 364º nº 1 e 428º, nºs 1 e 2, este “a contrario”, todos do CPP.
No âmbito desta cognição cabe, ainda, conhecer, também oficiosamente, dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do CPP, mas tão só quando os mesmos resultem do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum, no seguimento do decidido no Ac. do STJ nº 07/95, em interpretação obrigatória.
Das conclusões da motivação de recurso resulta que o recorrente pretende impugnar a matéria de facto e a matéria de direito.
O recorrente especificou os pontos que no seu entender considera incorrectamente julgados, bem como quais os elementos de prova que no seu entender impõem decisão diversa da recorrida, pelo que este Tribunal está apto a conhecer da matéria de facto, uma vez que a prova se mostra integralmente transcrita. (art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP).
3.1.1. Vejamos, pois a matéria de facto:
O objecto do presente recurso em sede de matéria de facto, face às conclusões da respectiva motivação, prende-se com as seguintes questões:
O acórdão recorrido deveria ter dado como provados os seguintes factos:
a) «No dia 10 de Novembro de 1995, por volta das 22 horas, o arguido foi interveniente num acidente de viação ocorrido na auto-estrada A3, no lugar de Pedrouços, do concelho da Maia»
b) «O arguido não tem antecedentes criminais».
Ao não dar como provados estes factos, o acórdão recorrido violou o disposto no art. 127º e 340º do CPP;
Foram indevidamente dados como provados pelo acórdão recorrido, os factos constantes das alíneas 10) a 15) e 18) a 20), da alíneas 21) a 24) e 27) a 29), das alíneas 30) a 33) e 36) a 41), bem como da alínea 44)
O acórdão recorrido enferma da nulidade prevista no art. 379º, nº1, al. b), do CPP, por violação do art. 358º, do mesmo diploma, porquanto houve alteração não substancial dos factos descritos na acusação, não tendo o sido comunicada ao recorrente tal alteração, para dela se defender, bem como houve alteração não substancial relativamente aos factos dados como provados nas alíneas 8), 16), 17), 18), 25), 26) e 27), que nem sequer constam da acusação.
3.1.2. Relativamente aos factos que o recorrente pretende que sejam dados como provados, ou seja, que «No dia 10 de Novembro de 1995, por volta das 22 horas, o arguido foi interveniente num acidente de viação ocorrido na auto-estrada A3, no lugar de Pedrouços, do concelho da Maia», e que «o arguido não tem antecedentes criminais», alicerça-se o recorrente, quanto ao primeiro facto que consta da certidão de acidente 2861/95, emitida pela Brigada de Trânsito da Guarda Nacional Republicana, mediante solicitação do Tribunal Judicial de Chaves e junta aos autos a fls.... e que tem relevância, pois pode demonstrar a impossibilidade de o arguido ter praticado os restantes factos, e quanto ao segundo, que o mesmo consta no certificado de registo criminal do arguido e que tem relevância para a determinação concreta da pena, pois depõe a favor do arguido.
Vejamos, pois, se assiste razão ao recorrente, começando pelo primeiro facto.
Alega o recorrente que era temporalmente impossível ao arguido ter praticado aqueles factos, era impossível alguém acertar um negócio, via telefone, por volta das 14 horas e após visar um cheque em Guimarães, indo de seguida visar mais uns poucos a Vila Nova de Famalicão (atente-se que as agências bancárias encerram ao público às 15 horas e em 1995 não existia ligação entre Guimarães e Famalicão por auto-estrada), efectuar a operação de falsificação dos cheques e conseguir deslocar-se e chegar a Chaves entre as 17 e as 18 horas (atente-se que em 1995 as estradas para o interior estavam em pior estado do que actualmente e que os factos dizem respeito ao mês de Novembro, em que as condições climatéricas são bastantes adversas e que provavelmente nesse dia 10 de Novembro de 1995 choveu pois na participação do acidente consta que o piso estava molhado). Sendo igualmente impossível alguém, já posteriormente às 18 horas daquele dia 10 de Novembro e após concluído o referido negócio, conseguir deslocar-se de Chaves e chegar a Pedrouços, Maia por volta das 22 horas (atente-se que por volta das 20 e 21 horas é denominada hora de jantar).
No acórdão sob sindicância não se deu como provado que o arguido tenha acertado um negócio, por via telefone, por volta das 14 horas do dia 10NOV95.
Com efeito, da factualidade dada como provada no acórdão recorrido resultou provado no ponto 3. dos factos provados que «No dia 10 de Novembro de 1995, o arguido dirigiu-se à agência do Banco F.......... (...)», e no ponto 5. que «No mesmo dia, o arguido dirigiu-se à agência do Banco E.......... de Vila Nova de Famalicão (...)»; no ponto 10 dos factos provados deu-se como provado que: «Por volta das 14 horas do mesmo dia 10 de Novembro de 1995, alguém que se identificou com o nome do arguido A.........., contactou telefonicamente com B.......... (...)».
Relativamente ao tempo percorrido entre as localidades de Guimarães ou Vila Nova de Famalicão e Chaves ou de Chaves a Pedrouços, Maia, não obstante à data dos factos não estarem ligadas por auto-estrada, no entanto, considerando a distância entre tais localidades, é notório que, mesmo com tempo de chuva, como alega o recorrente é facilmente possível percorrida, nos períodos de tempo referidos pelo recorrente.
Assim sendo, tal facto é irrelevante para a decisão da causa.
Quanto ao segundo facto que o recorrente pretende que seja dado como provado, isto, é, que o «arguido não tem antecedentes criminais».
Consta dos autos (fls. 178) que o Juzgado de Instruccion Numero Dos de Vigo informou que o arguido estava «estava interno na Prisión de VILLABONA – AVILES».
No auto de interrogatório judicial de fls. 354, o arguido declarou ao Mmº Juiz de Instrução Criminal ter já sido condenado em Espanha por tráfico de estupefacientes em pena de prisão que cumpriu, afirmação essa que foi reafirmada ao perito que o examinou que esteve preso em Espanha por tráfico de estupefacientes, conforme consta do relatório de fls. 560 e segs.
Assim sendo, não obstante no CRC do arguido nada constar, quanto a tais factos, no entanto, perante os elementos constantes dos autos não podia o Tribunal «a quo» dar como provado a ausência de antecedentes criminais.
3.1.3. Analisando agora os facto que no entender do recorrente foram indevidamente dados como provados pelo acórdão recorrido, ou seja, os factos constantes das alíneas 10) a 15) e 18) a 20), das alíneas 21) a 24) e 27) a 29), das alíneas 30) a 33) e 36) a 41), bem como da alínea 44).
Alega o recorrente a impossibilidade temporal da prática de tais factos pelo recorrente, bem como terem sido dados como provados simplesmente com base nos depoimentos das testemunhas B.......... e C.........., ambos administradores da sociedade X.........., SA., que no seu entender não foi levado em consideração que o depoimento daquelas testemunhas, tinham a condicionante de serem administradores, pelo que tal depoimento não era isento, também não era suficiente para se poder dar como provado aqueles factos.
Por outro lado, alega ainda que tais factos dizem respeito a uma operação de câmbios, pelo que para serem dados como provados era necessário que tivessem sido juntos aos autos os documentos onde conste aquela operação de câmbio. Como dos autos não consta qualquer documento que demonstre ter sido efectuada uma operação de câmbio, pelo que não existe fundamento bastante para aqueles factos serem dados por provados.
Ao dar como provados estes factos o acórdão recorrido violou o disposto no art. 127º do CPP.
Relativamente á impossibilidade temporal alega pelo recorrente, como vimos no ponto 3.1.2., deste acórdão não colhe aqui a argumentação do recorrente, atenta a factualidade dada como provada no acórdão recorrido.
Quanto aos elementos de prova nos quais se baseou o Tribunal Colectivo para formar a sua convicção, consta da motivação probatória da decisão de facto que «A convicção sobre os factos provados foi formada com base nos seguintes meios de prova produzidos em audiência de julgamento:
(...)
d) Os factos descritos nas als. 10) a 15), 18) a 24), 27) a 33) e 36) a 41) basearam-se nos depoimentos prestados pelas testemunhas:
B.........., administrador da sociedade X.........., SA, que, nesta qualidade, interveio directamente nesses factos, tendo sido a pessoa que atendeu o arguido e acompanhante e quem com eles realizou directamente as três operações de câmbio aí descritas, reconhecendo em audiência, sem hesitações e sem margem para dúvidas, o arguido como tendo sido a pessoa que, nessas três operações, com ele contactou pessoalmente e se identificou com o nome de A.........., a pessoa que lhe entregou em mão os cheques falsificados para pagamento da moeda estrangeira transaccionada e a pessoa a quem ele também entregou em mão toda a moeda estrangeira comprada;
C.........., accionista da mesma sociedade, que declarou que, na tarde do dia 10/11/95 (sexta-feira), quando se encontrava na porta de entrada do escritório de uma outra empresa pertencente às mesmas pessoas, com a designação de I.........., do ramo imobiliário, situado na mesma Rua, precisamente do lado oposto ao dito estabelecimento de câmbios, viu entrar no estabelecimento de câmbios, acompanhados pelo B.........., duas pessoas, que sabia, por lhe ter sido dito previamente pelo mesmo B.........., que ali iam realizar uma operação avultada de câmbio, reconhecendo a pessoa do arguido como sendo uma dessas pessoas, esclarecendo ainda que essa operação era muito importante para a sociedade X........., SA, e foi comentada entre os accionistas, na sequência do telefonema previamente feito, por se tratar de uma operação que envolvia valores elevados e a sociedade estar no seu início de vida, assim justificando a sua presença naquele lugar e a sua atenção às pessoas que chegaram».
Acrescenta-se ainda na motivação probatória da decisão de facto que «Acerca destes factos, o arguido negou que tivesse vindo a Chaves em qualquer das três vezes aqui mencionadas, dizendo que, após terem sido visados, entregou os cheques a dois indivíduos que o acompanhavam, como contrapartida de 100.000$00 que lhe emprestaram, e nunca mais viu os cheques nem as ditas pessoas.
Para além da ilogicidade desta versão, em termos de razoabilidade – não é comportamento vulgar alguém emprestar 100.000$00 a outrem que não conhece e receber como garantia vários cheques visados, de pequenas quantias, cuja soma não vai além de 1/3 daquele valor (comportamento vulgar seria que, quem emprestou os 100.000$00, exigisse receber um cheque emitido por aquele valor ou valor superior) – a versão do arguido choca ainda com outras contrariedades, tais como:
não foi minimamente suportada, em qualquer aspecto ou facto, por outro meio de prova;
tanto o relatório dos exames médico-psiquiátrico e de personalidade feitos ao arguido como o relatório social que constam dos autos, a fls. 551 a 556 e 810 a 813, caracterizam o arguido como assumindo atitudes de protecção e desculpabilização dos seus actos e de manipulação da realidade e suscitam dúvidas sérias quanto à sua credibilidade;
é contrariada por duas testemunhas presenciais, de conhecimento directo dos factos, idóneas e credíveis, que o reconheceram em audiência, cara a cara, e afirmaram, sem hesitações e sem dúvidas, de que o arguido foi uma das duas pessoas que se deslocou a Chaves e quem realizou as operações de câmbio com os cheques falsificados;
foi também contrariada, quanto a outros factos, pelas três outras testemunhas que são funcionários bancários, relativamente à apresentação dos cheques para visar e à justificação então dada sobre a necessidade do visto, quando interpelado nesse sentido pelos funcionários das agências bancárias, perante dúvidas que os próprios então levantaram, dado o número elevado de cheques a visar e as pequenas quantias, a qual leva a concluir que o arguido, quando mandou visar os cheques, já sabia que iam ser usados para fins ilícitos.
Perante estes elementos de prova, a versão do arguido não pode ser aceite.
e) Os factos descritos sob as als. 16), 17), 25), 26), 34) e 35), relativos ao conhecimento que o arguido teve da viciação dos cheques, após o visto, e da falta de provisão naquelas suas contas bancárias para cobrir o pagamento das quantias inscritas após os vistos, resultaram do conjunto dos depoimentos das cinco testemunhas identificadas anteriormente, considerando, por um lado, a participação directa do arguido na apresentação dos cheques originários a visar, e, por outro lado, a sua posterior participação directa nas operações de câmbio, em que apresentou os mesmos cheques com valores inscritos diferentes e consideravelmente superiores.
f) Os factos descritos sob as als. 42) a 46), relativos à personalidade do arguido e sua ligação a pessoas referenciadas por comportamentos anti-sociais e ilícitos, basearam-se no relatório das perícias médico-psiquiátrica e de personalidade que foram realizadas à sua pessoa, que constam de fls. 551 a 556 (original a fls. 560 a 564), bem como no relatório social que consta de fls. 810 a 813, complementados em parte desses factos pelos depoimentos prestados em audiência pelo próprio arguido e pelo seu pai, a testemunha Manuel......, designadamente quanto aos factos das als. 42), 43) e 44)».
Por outro lado, não obstante os factos postos em crise pelo recorrente constituírem uma operação de câmbio, sujeito ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, tendo que estar sempre documentadas, sendo que in casu, não se mostram juntos aos autos os documentos onde conste tal operação de câmbio, no entanto não impede que não possam ser provados por outros meios de prova, como o foram no caso em apreço, já que a lei não impõe que tenham que ser provados com documento autêntico ou autenticado. A finalidade da documentação obrigatória das operações de câmbio, como o próprio recorrente bem refere, destina-se à possibilidade de fiscalização do Banco de Portugal, designadamente, para evitar fugas de divisas e branqueamento de capitais.
Quanto ao facto dado como provado no número 44. da matéria de facto provada, ou seja, «Na sequência dessa sua ligação a esses indivíduos, veio a ser detido em Espanha na posse de produtos estupefacientes e foi condenado por esse facto em pena de prisão que cumpriu entre 1996 e 1999».
3.1.4. Alega o recorrente que tal facto não foi invocado pela acusação, nem pela defesa e o mesmo não tem qualquer relevância para a decisão da causa.
Contudo, também aqui não assiste razão ao recorrente.
Com efeito, tal como resulta do interrogatório judicial de fls. 354, na sequência da sua prisão preventiva, foi o próprio arguido que deu conhecimento desse facto ao Tribunal, e em momento posterior à acusação, já que até então, apenas havia nos autos a informação constante de do documento de fls. 178 que o Juzgado de Instruccion Numero Dos de Vigo informou que o arguido estava «estava interno na Prisión de VILLABONA – AVILES».
Tal facto tem relevância para a decisão da causa, designadamente para a determinação da medida da pena.
3.2. Relativamente à violação do princípio da livre apreciação da prova, a que alude o art. 127º, do CPP.
3.2.1. Como é sabido em processo penal vigora o princípio da livre apreciação da prova inserto no art. 127º, do CPP, segundo o qual “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”
No caso subjudice, correlacionando e conjugando todos os elementos de prova constantes dos autos, resulta que, quer da prova testemunhal produzida em audiência, documentada e transcrita, quer dos documentos juntos aos autos, não existem elementos que permitam a este Tribunal concluir de forma diferente daquela a que chegou o Tribunal Colectivo, ao dar como provada a matéria de facto que considerou assente.
Com efeito, importa salientar, relativamente ao recurso da matéria de facto, em segunda jurisdição, que o princípio da imediação respeita predominantemente à audiência de julgamento. E, não há dúvida que os factos, quando ocorrem, esgotam-se em si mesmos, sendo sempre impossível a sua reconstituição natural e o que se pretende fazer na audiência é reconstituir o que se passou, na base que ficou retido a quem a eles assistiu e teve conhecimento. A verdade que surge ao tribunal é a verdade que decorre da audiência. Ora, não há dúvida que, não obstante a prova ter sido documentada, não tem este Tribunal da Relação, nem pode ter, a mesma percepção que o juiz do julgamento na primeira instância, porque lhe está vedada a imediação.
É sabido que as testemunhas “são os auxiliares do juiz, são os olhos e os ouvidos da justiça” (Pietro Ellero, citando Mittermaier, “De certidumbre en los juicios criminales o Tratado de La Puebra em materia penal, 7ª edição, Reus, 1980, pág. 114).
3.2.2. Sobre a apreciação da matéria de facto, pelo Tribunal de segunda instância, cabe aqui referir, enfim, que «O Tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (…), mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (…) pode exibir perante si (vide Ac da RC de 03OUT00, in CJ 2000, Tomo IV, pág. 28). E, tal como se afirma no Ac da RC de 09FEV00, in CJ 2000, Tomo I, pág. 55, «Na verdade, não podemos esquecer que, ao apreciar a matéria de facto, este tribunal está condicionado pelo facto de não ter com os participantes do processo aquela relação de proximidade comunicante que lhe permite obter uma percepção própria do material que há-de ter como base da sua decisão. Conforme refere Figueiredo Dias, in (Princípios Gerais do Processo Penal, pág. 160), só os princípios da oralidade e da imediação permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais contritamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. Tal relação estabeleceu-se com o Tribunal de primeira instância e daí que a alteração da matéria de facto fixada em decisão colegial, deverá ter como pressuposto a existência de elemento que, pela sua irrefutabilidade, não possa ser afectado pelo funcionamento do princípio da imediação. E, acrescenta, o mesmo aresto, «Conforme refere Marques da Silva o juízo sobre a valoração da prova tem vários níveis. Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionais explicáveis. Num segundo nível inerente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e, agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correcção do raciocínio que há-de fundamentar-se nas regras da lógica, princípio da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão, regras da experiência. Porém, o facto de também relativamente á prova indirecta funcionar a regra da livre apreciação não quer dizer que na prática não definam regras que, de forma alguma se poderão confundir com a tarifação da prova. Assim, os indícios devem ser sujeitos a uma constante verificação que incida não só sobre a sua demonstração, como também sobre a capacidade de fundamentar uma lógica dedutiva, devem ser dependentes e concordantes entre si».
3.2.3. A convicção a que o Tribunal Colectivo chegou para dar como provados os factos postos em crise pelo recorrente, tal como acima referimos, mostra-se devidamente fundamentada, de forma minuciosa, exaustiva, com enumeração dos elementos probatórios em que se baseou para formar a sua convicção, com indicação dos depoimentos das testemunhas prestados em audiência, e do porquê da relevância/credibilidade que lhe foi atribuída, com critérios lógicos e objectivos, e alicerçada nos elementos de prova obtidos em audiência, bem como nos documentos juntos aos autos e invocados na motivação da matéria de facto, encontrando-se a matéria de facto fixada de acordo com um raciocínio lógico e coerente, de acordo com a regra da livre apreciação da prova inserta no art. 127º, do CPP, “…a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”, que não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova, nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova, mas tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica (vide Ac. do STJ de 09MAI96, in proc. nº 48690/3ª).
O recorrente faz uma diferente apreciação da prova produzida em audiência, impugnando dessa forma a convicção adquirida pelo tribunal “a quo” e pondo em causa a regra da livre apreciação da prova. Contudo, a motivação expressa pelo Tribunal “a quo” é suficiente para habilitar os sujeitos processuais, bem como o Tribunal “ad quem”, a concluir que as provas a que o Tribunal “a quo” atendeu são todas permitidas por lei de acordo com o preceituado no art. 355º, do CPP, e que o julgador seguiu um processo lógico e racional na formação da sua convicção, desta não resultando uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou claramente violadora das regras experiência comum na apreciação da prova.
Assim sendo, os factos dados como provados no acórdão recorrido têm-se por assentes, nada havendo a alterar, improcedendo, nesta parte o recurso.
3.3. Vejamos, agora se o acórdão recorrido enferma da nulidade prevista no art. 379º, nº1, al. b), do CPP, por violação do disposto no art. 358º, do mesmo compêndio normativo, na medida em que condenou a arguida por factos diversos dos descritos na acusação, ou seja, se houve alteração não substancial dos factos
3.3.1. O art. 1º, al. f), do CPP define o conceito de “alteração substancial dos factos”, como “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”.
Por seu turno, o art. 359º, nº 1, do CPP, consagra que “uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso (…)”.
Da citada al. f), do art. 1º, do CPP, resulta pois, que “haverá alteração substancial dos factos quando da alteração resulte que a razão da qualificação como ilícitos dos factos não é a mesma da qualificação dos factos apurados. Os crimes são então diversos. Haverá ainda alteração substancial dos factos quando a razão da qualificação como ilícitos dos factos acusados e apurados for a mesma, mas da alteração resultar agravamento dos limites máximos das sanções aplicáveis (vide Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Ed. Verbo, 1999, Vol. I, pág. 361).
O art. 358º, nº1, do CPP, prevê os casos de alteração não substancial, ou seja, aquela que, representando embora uma modificação dos factos que constam da acusação ou da pronúncia, não tem por efeito a imputação de um crime diverso, nem tão-pouco a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis (vide, Ac. do STJ, de 31JAN90, in Proc. nº 40 413/3ª; Maia Gonçalves, in Cód. Proc. Penal, Anot, 1999, pág. 636).
Com efeito, «o crime não será materialmente diverso, desde que o bem jurídico tutelado seja essencialmente o mesmo. E será essencialmente o mesmo quando os seus elementos constitutivos essenciais não divergirem. Se os factos novos puderem ainda integrar a hipótese de facto histórico descrita na acusação, podem ainda alterar-se as modalidades da acção, pode o evento material não inteiramente coincidente como o modo descrito, podem alterar-se as circunstâncias e a forma de culpabilidade que o crime não será materialmente diverso, desde que a razão da ilicitude permaneça a mesma. O crime não será também materialmente diverso quando apenas variarem as formas de execução do crime ou as modalidades de autoria e comparticipação, desde que os actos acusados e apurados possam ainda reconduzir-se ao mesmo facto histórico» (vide Prof. Germano Marques da Silva, in ob. cit., pág. 360).
3.3.2. Analisando a acusação pública verifica-se que ao arguido A .......... era-lhe imputada a prática de um crime de falsificação de cheques, da previsão do art. 256º nº 1 al. a) e nº 3 do Código Penal, e de um crime de burla qualificada da previsão conjunta dos arts. 217º nº 1 e 218º nº 2 al. a) do Código Penal.
Por seu turno no acórdão recorrido foi o arguido A.......... condenado pela prática de um crime de uso de cheques falsificados, da previsão do art. 256º nº 1 al. c) e nº 3 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão; pela prática de um crime de burla qualificada, da previsão conjunta dos arts. 217º nº 1 e 218º nº 2 al. a) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.
O Tribunal Colectivo procedeu ao enquadramento jurídico-penal, relativamente ao crime de uso de cheques falsificados além do mais, com os seguintes fundamentos: «No que respeita ao crime de falsificação de cheque, preceitua o art. 256º nº 1 al. a) do Código Penal que comete o crime de falsificação de documento “quem, com a intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, fabricar documento falso, falsificar ou alterar documento ou abusar da assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso”.
São, assim, elementos típicos do crime de falsificação de documento, na subespécie descrita na al. a) do nº 1 do art. 256º do Código Penal:
o fabrico de documento falso, aqui se referindo a criação ex novo de documento falso, ou a falsificação de documento já existente por alteração ou viciação do seu conteúdo, ou ainda a elaboração de documento falso mediante o abuso de assinatura alheia;
a intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou a intenção de obter para si ou para outrem um benefício ilegítimo (fim ou dolo específico);
o dolo, consubstanciado na vontade de produzir o documento falso e na consciência de causar com isso prejuízo a outrem ou de obter uma vantagem ilícita.
Se a falsidade incidir sobre cheques, o crime adquire a forma agravada prevista no nº 3 do mesmo artigo.
Um documento é falso quando é total ou parcialmente forjado (falsidade material) ou quando não reproduz com verdade o evento que refere, isto é, quando apresenta uma desconformidade entre o que nele se fez constar e a realidade (falsidade intelectual). (cfr. O Código Penal de 1982, de Leal-Henriques e Simas Santos, vol. 3, p. 144, e o Código Penal Português, Anotado e Comentado, de Maia Gonçalves, 8ª edição, 1995, p. 820).
Apreciando o conjunto dos factos descritos como provados à luz destas considerações legais, dúvidas não há de que os cinco cheques aqui em causa, supra identificados sob as als. 3) e 5) do nº 4, sacados sobre as contas do arguido referenciadas nas als. 1) e 2) também do nº 4, foram alterados, depois de visados, em alguns dos seus elementos originários, designadamente quantos aos respectivos valores.
Tratam-se de alterações substancialmente relevantes, produzidas através de meios mecânicos, que alteraram profundamente os dizeres e o valor jurídico dos documentos em causa, daí resultando documentos materialmente diferentes dos originariamente produzidos.
Donde se conclui que os cinco cheques foram viciados por alteração dos seus elementos.
Não se provou, porém, que tenha sido o arguido a produzir essas alterações e, portanto, não pode ser-lhe imputado o crime de falsificação da subespécie da al. a) do art. 256º do nº 1 do Código Penal.
Não obstante, provou-se que o arguido utilizou esses cinco cheques depois de falsificados e com conhecimento dessas falsificações, e que o fez com a intenção de levar outrem a entregar-lhe determinados valores que sabia não terem correspondência aos valores que deles passaram a figurar, em seu proveito ilegítimo e de terceiros e em prejuízo daquele.
Mostram-se, assim, integralmente preenchidos todos os elementos constitutivos do crime de falsificação de documento, na subespécie descrita na al. c) do nº 1 do art. 256º do Código Penal (uso de documento falsificado), com a agravação do nº 3 do mesmo artigo por se tratarem de cheques.
Esta alteração da qualificação jurídica do crime não resultou de factos novos, relativamente aos descritos na acusação, mas apenas da circunstância de se terem provados menos factos que os que estavam ali descritos, e, por isso, não configura uma alteração substancial ou não substancial da acusação, segundo os conceitos constantes dos arts. 1º, nº 1 al. f), 358º nº 1 e 359º nº 1 do Código de Processo Penal.
Com efeito, da acusação já constava quer o facto relativo à falsificação pelo arguido dos cheques, quer o facto relativo ao uso pelo arguido dos cheques falsificados. Não se tendo provado o primeiro facto (da falsificação dos cheques pelo arguido), ficou a subsistir o segundo (do uso dos cheques falsificados), com a inerente consequência ao nível da caracterização da subespécie do crime no âmbito das als. do nº 1 do art. 256º do Código Penal, sem todavia, afectar a qualificação jurídica do tipo de crime».
3.3.3. Como acima se disse, citando Germano Marques da Silva, «o crime não será materialmente diverso, desde que o bem jurídico tutelado seja essencialmente o mesmo. E será essencialmente o mesmo quando os seus elementos constitutivos essenciais não divergirem, Se os factos novos puderem ainda integrar a hipótese de facto histórico descrita na acusação, podem ainda alterar-se as modalidades da acção, pode o evento material não inteiramente coincidente como o modo descrito, podem alterar-se as circunstâncias e a forma de culpabilidade que o crime não será materialmente diverso, desde que a razão da ilicitude permaneça a mesma. O crime não será também materialmente diverso quando apenas variarem as formas de execução do crime ou as modalidades de autoria e comparticipação, desde que os actos acusados e apurados possam ainda reconduzir-se ao mesmo facto histórico»
3.3.4. In casu, não há dúvida que o Tribunal «a quo» não procedeu a uma alteração substancial ou não substancial dos factos descritos na acusação, porquanto não obstante ter procedido a uma qualificação jurídica diversa dos factos, daquela que era imputada ao arguido na acusação, dessa alteração não resultou um diverso juízo de valor, nem resultou uma agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis .
Senão vejamos:
De harmonia com o disposto do nº1, do art. 256º, do CP “Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo:
a) Fabricar documento falso, falsificar ou alterar documento ou abusar da assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso;
b) ...
c) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores, fabricado ou falsificado por outra pessoa;
é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.
Por seu turno dispõe o nº3, do citado normativo que “Se os factos referidos no nº1 disserem respeito a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale de correio, a letra de câmbio, a cheque ou outro documento comercial transmissível por endosso ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no art. 267º, o agente é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias”.
O tipo delituoso da falsificação visa primacialmente assegurar a protecção da fé pública dos documentos, a genuinidade dos mesmos.
O crime de falsificação pressupõe, quanto ao elemento objectivo, que a conduta do agente integre uma das situações previstas nas alíneas a), b) e c), do nº 1, do art. 256º, do CP, e quanto ao elemento subjectivo pressupõe como requisito essencial do delito, a intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo.
O crime de falsificação tem a natureza de crime de perigo abstracto ou presumido (o perigo que resulta para terceiros e para o Estado da potencial utilização do documento com força probatória que lhe é própria), não sendo portanto necessário que em concreto se verifique o perigo.
Neste sentido diz a Doutrina (vide Helena Moniz, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, págs. 681 e 682, 684 e 685) «Porém o crime de falsificação de documentos exige uma certa actividade por parte do agente, no sentido fabricar, modificar ou alterar o documento: é necessário uma modificação do mundo exterior, neste caso a modificação do documento, modificação que esta que ocorre logo aquando da criação do documento ou posteriormente. Podemos assim considerar que se trata de um crime material de resultado, isto é, «um crime formal considerado o resultado final que se pretende evitar [violação da segurança no tráfico jurídico em virtude da colocação neste do documento falso], mas um crime material considerado o facto (modificação exterior) que o põe em perigo» (Eduardo Correia I 288). Assim, se considerarmos, por um lado, a actividade e os interesses que este tipo legal visa proteger estamos perante um crime formal; se por outro lado, considerarmos a actividade do agente, isto é o acto de falsificar o documento – já estamos perante um crime material».
Diz ainda a doutrina, o crime de falsificação de documentos é um crime intencional, isto é, o agente necessita de actuar com «a intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo». (…) Aquando da prática do crime de falsificação (onde se integra, por força deste tipo legal, o uso de documento falso por terceiro), o agente deverá ter conhecimento que está a falsificar um documento ou que está a usar um documento falso, e apesar disto quer falsificá-lo ou utilizá-lo. Ou seja, para que o agente actue dolosamente, tem que ter conhecimento e vontade de realização do tipo, o que implica um conhecimento dos elementos normativos do tipo».
Semelhantemente, ao que ocorre num grande número de legislações, o tipo de ilícito do art. 256º, do CP Português exige como elemento integrante da falsificação de documento, a concorrência de um dolo especial, qual seja, a intenção de causar prejuízo a outrem ou de obter benefício ilegítimo para si ou para outrem (vide Eugenio Cuello Calón, in Derecho Penal, Tomo II, Parte Especial, V.1º, 14º edicion, Bosch, págs. 272, falsificação de documentos públicos, nota 1, 284 e 285, falsificação de documentos privados).
Temos, assim como elementos integrantes deste tipo de ilícito, primeiro a alteração da verdade por um dos três procedimentos descritos nas alíneas a), b) ou c), do nº1, do art. 256º; segundo: a intenção de causar prejuízo ou a intenção de obter para si ou para terceiro um benefício ilegítimo.
«No entanto ao nível do tipo objectivo previsto no art. 256º, não se encontra apenas previsto o acto de falsificação. Na verdade, o tipo comporta diversas modalidades de conduta, diversas modalidades de falsificação. Constituem modalidades de falsificação: a) fabricar documento falso; b) falsificar ou alterar documento; c) abusar da assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso; d) fazer constar falsamente facto juridicamente relevante; e, por fim e) usar documento falso (nos termos anteriores fabricado ou falsificado por outra pessoa.
O uso de documento falso apenas é punido no caso de se tratar de uso de documento por pessoa distinta da que falsificou; o que vem aliás no seguimento da doutrina que considerava que entre o crime de falsificação e o de uso de documento falso existia um concurso aparente de normas (Eduardo Correia, A Teoria do Concurso em Direito Criminal 1983-138). Deverá integrar-se dentro do uso de documento falso não só o uso de documento falsificado (por falsificação material ou falsificação intelectual, bem como o caso de falsidade em documento), como também os casos de documento falsificado por abuso de assinatura de outra pessoa». (vide Helena Moniz, in ob. cit., pág. 682 e 684).
3.3.5. Ora, no caso subjudice, na acusação pública já constava a imputação ao arguido do uso de cheques falsificados, irrelevante para a qualificação jurídico-penal dos factos, porquanto lhe era imputada a falsificação desses cheques, conforme acima referimos, citando Helena Moniz, «O uso de documento falso apenas é punido no caso de se tratar de uso de documento por pessoa distinta da que falsificou; o que vem aliás no seguimento da doutrina que considerava que entre o crime de falsificação e o de uso de documento falso existia um concurso aparente de normas (Eduardo Correia, A Teoria do Concurso em Direito Criminal 1983-138)».
Conforme resulta dos factos não provados, «Relativamente à factualidade descrita na acusação, apenas não se provou: «que tenha sido o arguido quem preencheu os cinco cheques identificados nas anteriores als. 3) e 5), com os elementos dactilografados que dele constavam originariamente, quando foram apresentados para o visto bancário, designadamente os elementos relativos à data e ao lugar da emissão, ao valor em numerário e por extenso e ao nome do beneficiário; nem que tenha sido o arguido quem, após o visto bancário, fez ou mandou fazer nesses cheques as alterações que neles foram produzidas, designadamente as alterações relativos aos respectivos valores, em numerário e por extenso, descritas na anterior al. 9)», provando-se apenas por parte do arguido o uso de dos cheques falsificados.
Daí que não se tenham provado factos novos, diferentes dos descritos na acusação pública, mas tão só, provaram-se parcialmente os factos constantes da acusação, os quais integram a previsão normativa do art. 256º, nº1, al. c), e nº3, do CP.
Neste sentido, ao condenar pelo crime de uso de documento falso, p. e p. pelo art. 256º, nº1, al. c) e nº3, do CP, O Tribunal “a quo” não procedeu a qualquer alteração substancial ou não substancial dos factos descritos na acusação, não havendo, por isso que fazer uso do disposto no art. 358º, do CPP, pelo que o acórdão recorrido não enferma da nulidade prevista no art. 379º, nº1, al. b), do CPP.
3.3.6. Alega ainda o recorrente que «os factos constantes, nomeadamente, das alíneas 8), 16), 17), 18), 25), 26) e 27), nem sequer constam da acusação», pelo que tais factos consubstanciam uma alteração não substancial dos factos descritos na referida acusação sem, porém disso ter sido dada comunicação ao recorrente nos termos do disposto no art. 358º do CPP, para dessa alteração se defender.
Retomando a factualidade dada como provada no acórdão recorrido relevante para este tópico da decisão:
«2.1.3. No dia 10 de Novembro de 1995, o arguido dirigiu-se à agência do Banco F.......... referida em 2) e solicitou que, entre outros, lhe fosse visado o cheque nº 02, sacado sobre a conta também referida em 2), por si assinado, e emitido no valor de 3.900$00 (três mil e novecentos escudos).
2.1.4. A referida agência bancária visou aquele cheque, pelo valor nele inscrito de 3.900$00, nele apondo o respectivo carimbo a óleo com a designação de “CHEQUE VISADO” e autenticando esse visto com as assinaturas de dois funcionários para o efeito competentes, conforme dele consta a fls. 167.
2.1.5 No mesmo dia, o arguido dirigiu-se à agência do Banco E.......... de Vila Nova de Famalicão e solicitou que lhe fossem visados, entre outros, os cheques com os nºs 03, 04, 05 e 06, todos por si assinados e sacados sobre a sua conta referida em 1).
2.1.6. Então, os quatro referidos cheques estavam preenchidos com os seguintes valores:
o cheque nº 03 estava preenchido com o valor de 10.000$00 (dez mil escudos);
o cheque nº 04 estava preenchido com o valor de 8.500$00 (oito mil e quinhentos escudos);
o cheque nº 05 estava preenchido com o valor de 7.700$00 (sete mil e setecentos escudos);
e o cheque nº 06 estava preenchido com o valor de 7.300$00 (sete mil e trezentos escudos).
2.1.7 A agência bancária referida em 5) visou os quatro cheques aí mencionados, pelos valores indicados na al. 6), nele apondo o respectivo carimbo a óleo com a designação de “CHEQUE VISADO” e autenticando esses vistos com as assinaturas de dois funcionários para o efeito competentes, conforme deles consta a fls. 166 e 167.
2.1.8. Após terem sido visados nos termos referidos nas als. 4) e 7), os cinco cheques foram restituídos ao arguido ainda no mesmo dia 10/11/95.
2.1.9. Depois de terem sido restituídos ao arguido, ainda no mesmo dia 10/11/1995, em circunstâncias que não foi possível determinar, foram produzidas alterações, através de meios mecânicos, em cada um desses cinco cheques, designadamente nos respectivos valores inscritos, tanto em numerário como por extenso. (...)
2.1.10. Por volta das 14 horas do mesmo dia 10 de Novembro de 1995, alguém que se identificou com o nome do arguido A.........., contactou telefonicamente com B.........., administrador da sociedade “X.........., SA”, com sede na Rua.........., nº ..., em Chaves, e dizendo-se interessado na compra de uma quantidade elevada de moeda estrangeira, designadamente pesetas espanholas, perguntou-lhe se tinha possibilidades de lhe vender essa quantidade de moeda estrangeira e como pretendia o pagamento, se em dinheiro ou em cheques visados.
2.1.11 O referido B.......... respondeu que tinha possibilidades de arranjar certa quantidade de pesetas espanholas e que aceitava receber cheques visados em pagamento da venda dessa moeda.
2.1.12 Ao fim da tarde desse mesmo dia, entre as 17 e as 18 horas, compareceram no estabelecimento de câmbios da referida sociedade, na cidade de Chaves, o arguido e um outro indivíduo do sexo masculino que se identificou com o nome de G.........., para realizarem a operação de compra de moeda estrangeira.
2.1.13. No interior do referido estabelecimento de câmbios, o arguido e o seu acompanhante propuseram-se comprar 4.000.000 pesetas espanholas, que foram entregues em mão ao arguido pelo administrador da sociedade “X.........., SA”, B...........
2.1.14. Em pagamento dessa quantidade de pesetas espanholas, o arguido entregou ao referido B.......... o cheque visado nº 02, sacado sobre a conta do arguido referida em 2), depois de manipulado e alterado nos termos descritos sob a al. 9), e ainda a quantia de 20.000$00 em dinheiro, para acerto de contas.
2.1.15. No momento em que foi entregue ao B.........., o referido cheque estava preenchido, assinado e visado nos preciso termos que consta a fls. 167.
2.1.16. Então, o arguido sabia que o dito cheque tinha sido emitido e visado pelo valor de 3.900$00 e que, após o visto, tinha sido viciado por alteração do respectivo valor para 4.908.000$00 (quatro milhões novecentos e oito mil escudos).
2.1.17. Também sabia que não tinha fundos em dinheiro depositados na conta sacada para cobrir o pagamento da quantia que nele figurava de 4.908.000$00 (quatro milhões novecentos e oito mil escudos).
2.1.18. Não obstante, entregou voluntariamente ao administrador da sociedade X.........., SA, para induzi-lo, como induziu, a que este lhe entregasse a moeda estrangeira de 4.000.000 de pesetas espanholas.
(...)
2.1.21. No dia seguinte, 11/11/1995, o arguido, acompanhado do mesmo indivíduo referido em 12), voltaram ao mesmo estabelecimento de câmbios e solicitaram ao B.......... que lhes vendesse 11.000 (onze mil) dólares dos USA., 110.000 (cento e dez mil) francos franceses e 1.700.000 (um milhão e setecentas mil) pesetas, operação que importava no custo total de 7.137.900$00 (sete milhões cento e trinta e sete mil e novecentos escudos).
2.1.22. O B.......... aceitou vender-lhes essa quantidade de moeda estrangeira.
2.1.23. Em pagamento do preço dessa quantidade de moeda estrangeira, que receberam do B.........., na qualidade de administrador da sociedade X.........., SA, o arguido entregou a este o cheque visado nº 03, sacado sobre a conta do arguido referida em 1), depois de manipulado e alterado nos termos descritos sob a al. 9), dele constando o valor de 5.000.000$00, ainda um outro cheque do D.......... com o nº 01 e a quantia em dinheiro de 138.000$00 (cento e trinta e oito mil escudos).
2.1.24. No momento em que foi entregue ao B.........., o cheque nº 03 estava preenchido, assinado e visado nos preciso termos que consta a fls. 166, tendo então sido endossado àquele pelo acompanhante do arguido que assinou o endosso com o nome de G.........., como consta do respectivo verso.
2.1.25. Então, o arguido sabia que o dito cheque tinha sido emitido e visado pelo valor de 10.000$00 e que, após o visto, tinha sido viciado por alteração do respectivo valor para 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos).
2.1.26. Também sabia que não tinha fundos em dinheiro depositados na conta sacada para cobrir o pagamento da quantia que nele figurava de 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos).
2.1.27. Não obstante, entregou-o voluntariamente ao B.......... para induzi-lo, como induziu, a que este lhe entregasse a quantidade de moeda estrangeira referida em 21).
Dos factos não provados consta que:
«Relativamente à factualidade descrita na acusação, apenas não se provou:
2.2.1. que tenha sido o arguido quem preencheu os cinco cheques identificados nas anteriores als. 3) e 5), com os elementos dactilografados que dele constavam originariamente, quando foram apresentados para o visto bancário, designadamente os elementos relativos à data e ao lugar da emissão, ao valor em numerário e por extenso e ao nome do beneficiário;
2.2.2. que tenha sido o arguido quem, após o visto bancário, fez ou mandou fazer nesses cheques as alterações que neles foram produzidas, designadamente as alterações relativos aos respectivos valores, em numerário e por extenso, descritas na anterior al. 9)».
3.3.7. Confrontando, pura e simplesmente, a acusação com o acórdão, relativamente aos factos descritos nos pontos 8), 16), 17), 18), 25), 26) e 27) estes apenas reflectem a imputação subjectiva da modificação operada no acórdão recorrido, por não se terem dado como provados os factos em que assentava o crime de falsificação dos cheques por parte do arguido.
No entanto, não há violação do art. 358º, já que não há nenhuma alteração, ainda que não substancial de factos – integração fáctica parcial dos factos descritos na acusação -, de que aliás, o arguido tinha prévio conhecimento, em respeito pelo princípio do contraditório, ou seja, a previsão deste normativo e as consequências apontadas no art. 379º, não chegam a estar em causa.
Assim sendo, não houve alteração não substancial (art. 358º, nº 1, do CPP), ou seja, aquela que, representando embora uma modificação dos factos que constam da acusação ou da pronúncia, não tem por efeito a imputação de um crime diverso, nem tão-pouco a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
O que ocorreu é que a sentença, na fixação da matéria de facto provada, se ficou aquém da totalidade dos factos constantes da acusação, ou seja, ao dar-se como não provada a falsificação dos cheques por parte do arguido, a acusação procedeu parcialmente, sendo certo que os factos que levaram ao enquadramento jurídico-penal já constavam da acusação, ficando apenas provado o uso dos cheques falsificados, e não a sua falsificação pelo arguido, sem que de tal procedência parcial produzisse alguma repercussão sobre as consequências jurídicas do crime, nomeadamente a nível da natureza e medida da pena.
Isto é, tal circunstância não teve qualquer reflexo na determinação concreta da medida da pena, nos termos do art. 71º, do CP, sendo que a alteração só releva processualmente quando tenha relevo para a discussão da causa, ou seja, quando puder ter repercussões agravativas na medida da punição, ou na estratégia de defesa do arguido.
Assim sendo, não houve violação do disposto no art. 359º, nº 1, do CPP, na medida em que não ocorreu uma alteração substancial de factos da acusação, que tivessem por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, nem sequer uma alteração não substancial de factos resultantes da discussão da causa, que tivessem relevado na medida concreta da pena, sem que ao arguido tivesse sido dada a oportunidade de sobre eles preparar a sua defesa (art. 358º, nº 1, do CPP).
3.4. Vejamos a matéria de direito
O objecto do presente recurso em sede de matéria de direito prende-se com as seguintes questões, invocadas nas conclusões da respectiva motivação:
- não se mostram preenchidos os elementos constitutivos do tipo de crime de falsificação de documento, na subespécie da alínea c) do art. 256º do Código Penal.
- não se mostra preenchido o elemento constitutivo do crime de burla – erro ou engano sobre factos astuciosamente provocados pelo agente, a que alude o art. 217º, nº1, do CP
- verifica-se a excepção do caso julgado
- a medida concreta da pena aplicada ao arguido
- o perdão previsto no art. 1º, nº4 e 2º, nº3, da lei nº 29/99, de 12MAI, deverá ser aplicado à pena única fixada ao recorrente.
- a execução da pena deve ser suspensa
3.4.1. Analisando a primeira questão suscitada pelo recorrente em sede de matéria de direito, ou seja, se se mostram ou não preenchidos os elementos constitutivos do tipo de crime de falsificação de documento, na subespécie da alínea c) do art. 256º do Código Penal.
Alega o recorrente que «do disposto naquela alínea c) do art. 256º do Código Penal resulta que não basta ficar como não provado que foi o recorrente a produzir as alterações dos elementos dos cinco cheques, era também necessário que ficasse provado que não foi o recorrente que produziu as alterações aos cheques, tendo sido outra pessoa a produzir aquelas alterações.
Assim, como dos factos dados por provados no acórdão recorrido não consta que não foi o recorrente que produziu as alterações aos cheques e que essas alterações foram produzidas por outra pessoa, não estão preenchidos
Como acima assinalámos temos como elementos integrantes do crime de falsificação de documento, primeiro a alteração da verdade por um dos três procedimentos descritos nas alíneas a), b) ou c), do nº1, do art. 256º; segundo: a intenção de causar prejuízo ou a intenção de obter para si ou para terceiro um benefício ilegítimo.
«No entanto ao nível do tipo objectivo previsto no art. 256º, não se encontra apenas previsto o acto de falsificação. Na verdade, o tipo comporta diversas modalidades de conduta, diversas modalidades de falsificação. Constituem modalidades de falsificação: a) fabricar documento falso; b) falsificar ou alterar documento; c) abusar da assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso; d) fazer constar falsamente facto juridicamente relevante; e, por fim e) usar documento falso (nos termos anteriores) fabricado ou falsificado por outra pessoa.
O uso de documento falso apenas é punido no caso de se tratar de uso de documento por pessoa distinta da que falsificou; o que vem aliás no seguimento da doutrina que considerava que entre o crime de falsificação e o de uso de documento falso existia um concurso aparente de normas (Eduardo Correia, A Teoria do Concurso em Direito Criminal 1983-138). Deverá integrar-se dentro do uso de documento falso não só o uso de documento falsificado (por falsificação material ou falsificação intelectual, bem como o caso de falsidade em documento), como também os casos de documento falsificado por abuso de assinatura de outra pessoa». (vide Helena Moniz, in ob. cit., pág. 682 e 684).
Ora, in casu, conforme resulta da factualidade dada como provada, o cheque nºs 02, estava preenchido pelo valor de 3 900$00, e como tal foi visado pelo Banco F.........., o cheques nº 03 estava preenchido com o valor de 10.000$00, o cheque nº 04 estava preenchido com o valor de 8.500$00, o cheque nº 05 estava preenchido com o valor de 7.700$00, e o cheque nº 06 estava preenchido com o valor de 7.300$00 (sete mil e trezentos escudos), e como tal foram visados pelo Banco E...........
Depois de terem sido restituídos ao arguido, ainda no mesmo dia 10/11/1995, em circunstâncias que não foi possível determinar, foram produzidas alterações, através de meios mecânicos, em cada um desses cinco cheques, designadamente nos respectivos valores inscritos, tanto em numerário como por extenso.
Posteriormente, o arguido, não obstante saber que os mesmos tinham sido emitidos e visados pelo valor inicialmente neles constantes, e que vieram a ser alterados e viciados, nos respectivos valores, quer em numerário, quer por extenso, foram utilizados pelo arguido para pagamento das operações de compra de moeda estrangeira que efectuou nos estabelecimentos de câmbio.
Com efeito, não se provou que o arguido tivesse sido o autor da falsificação dos aludidos cheques, mas provou-se que os usou sabendo que estavam falsificados, não havendo insuficiência de factos para o preenchimento do tipo de ilícito de uso de documento falso.
Neste sentido, mostram-se pois, preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do tipo de crime de uso de documento falso, p. e p. pelo art. 256º, nº1, al. c), e nº2, do CP.
3.4.2. Relativamente ao crime de burla, invoca o recorrente que não se mostra preenchido o elemento constitutivo do crime de burla – erro ou engano sobre factos astuciosamente provocados pelo agente, a que alude o art. 217º, nº1, do CP.
Para o efeito, alega que, no caso dos autos esse elemento seria preenchido com as alterações efectuadas nos cheques, não tendo ficado provado que foi o recorrente que procedeu àquelas alterações, não se encontra preenchido este elemento constitutivo de crime, e mesmo que se considere que a conduta do recorrente preenche a alínea c) do art. 256º do Código Penal, também assim não está preenchido aquele elemento constitutivo do crime de burla, pois o simples uso de cheques falsificados não consubstancia nenhum facto astuciosamente provocado pelo recorrente.
Como vimos a conduta do arguido integra a previsão normativa da prática do crime de uso de documento falso, p. e p. pelo art. 256º, nº1, al. c) e nº2, do CP.
Para a verificação do crime de burla, é essencial que o agente, astuciosamente, induza em erro ou engano outrem, para obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo – “Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos, que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial …” (art. 217º, nº1, do CP).
Assim, para a verificação do crime de burla há a considerar, num primeiro momento, a verificação de uma conduta astuciosa que induza directamente ou mantenha em erro ou engano o lesado, e num segundo momento deverá verificar-se um enriquecimento ilegítimo de que resulte prejuízo patrimonial do sujeito passivo ou de terceiro. Por outro lado, deverá existir uma sucessiva relação de causa-efeito entre os meios empregues e o erro ou engano e entre estes e os actos que vão directamente defraudar o património do terceiro ou do lesado (vide neste sentido, o Ac. do STJ de 08FEV96, in CJ, Acs. do STJ, 1996, Tomo I, 208).
Na determinação do enriquecimento ilegítimo importa considerar o conceito civilístico do enriquecimento sem causa: o enriquecimento de alguém, com o consequente empobrecimento de outrem, o nexo causal entre a primeira e a segunda destas situações e a falta de causa justificativa de tal empobrecimento (vide Ac. do STJ de 23JAN97, in BMJ, 463, 276).
Astúcia no sentido semântico do termo, é a habilidade em exercer fraude, em enganar alguém, sem que este se aperceba, para daí obter benefício (vide “Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea”, Academia das Ciências de Lisboa, Ed. Verbo).
O crime de burla é um crime material ou de resultado, que apenas se consuma com a saída das coisas ou dos valores da “disponibilidade fáctica” do sujeito passivo ou da vítima, e, assim, quando se dá o “evento”, que embora integre uma consequência da conduta do agente, se apresenta autónomo em relação a ele.
Por outro lado, a burla integra um delito de execução vinculada, em que a lesão do bem jurídico tem de ocorrer como consequência de uma muito forma particular forma de comportamento. Traduz-se na utilização de um meio enganoso tendente a induzir outra pessoa num erro que, por seu turno, a leva a praticar actos de que resultam prejuízos patrimoniais próprios ou alheios.
Para que se esteja em face de um crime de burla, não basta, porém, o simples emprego de um meio enganoso: torna-se necessário que ele consubstancie a causa efectiva da situação de erro em que se encontra o indivíduo. De outra parte, também não se mostra suficiente a simples verificação do estado de erro: requer-se ainda, que nesse engano resida a causa da prática, pelo burlado, dos actos de que decorrem os prejuízos patrimoniais (...) Tratando-se de um crime material ou de resultado, a consumação da burla passa, assim por um duplo nexo de imputação objectiva: entre a conduta enganosa do agente e a prática pelo burlado, de actos tendentes a um diminuição do património (próprio ou alheio)1), e, depois entre os últimos a efectiva verificação do prejuízo patrimonial (vide A. M. Almeida Costa, in Comentário Conimbrinsense ao Código Penal, Parte Especial, tomo II, pág. 292-293)
Como refere JESCHECK, in Tratado de Derecho Penal, Vol. I, pág. 360-361, «Dentro dos delitos de multiplicidade de actos e de resultado, constituem grupos específicos dos delitos imperfeitos de dois actos e dos delitos de resultado cortado (de resultado parcial ou cortado). Por vezes, o legislador transpõe o segundo momento do acto do facto punível ao tipo subjectivo com o objectivo de prevenir a protecção típica. Nos delitos imperfeitos de dois actos basta que no momento da primeira acção concorra a intenção do agente de realizar mais adiante a segunda acção que todavia inexiste, assim, na falsificação de documentos basta a intenção de enganar o comércio jurídico no momento da falsificação. Diferente é o caso dos delitos de resultado parcial ou cortado – caracterizando-se por uma “descontinuidade” ou falta de congruência entre os correspondentes tipos subjectivo e subjectivo -, antes da verificação do resultado - Nestes a verificação do resultado não faz parte do tipo de ilícito, pelo contrário, basta a intenção do agente dirigida ao resultado; por exemplo na burla, a intenção do lucro. Enquanto que no primeiro grupo a intenção se dirige a um comportamento ulterior do próprio sujeito, no segundo a produção do resultado pretendido é independente da própria actuação do agente».
«No plano dos factos, a conduta do agente comporta a manipulação de outra pessoa, caracterizando-se por uma sagacidade ou penetração psicológica que combina a antecipação das reacções do sujeito passivo com a escolha dos meios idóneos para conseguir o objectivo em vista. Por outro lado, a experiência de todos os dias revela que, longe de envolver, de forma inevitável, a adopção de processos rebuscados ou engenhosos, aquela sagacidade comporta uma regra de “economia de esforço”, limitando-se o burlão ao que se mostra necessário em função das características e da situação da vítima. Numa tal adequação de meios – adequação essa que, atentas as particularidades do caso, pode encontrar o “ponto óptimo” no menos sofisticado dos procedimentos – radica em suma, a inteligência ou astúcia que preside ao estereotipo social da burla e, sob pena de um divórcio perante as realidades da vida, tem de subjazer à fattispecie do nº1 do art. 217º. Refira-se, por último que só nesta perspectiva se harmoniza com o entendimento, hoje pacífico, de que a idoneidade do meio enganador utilizado pelo agente se afere tomando em consideração as características do concreto burlado». (vide A. M. Almeida Costa, in Comentário Conimbrinsense ao Código Penal, Parte Especial, tomo II, pág. 298).
«Na imputação objectiva, subjacente aos pressupostos da chamada teoria da adequação, tendo em atenção a particular credulidade ou falta de resistência do burlado (v.g. mercê da fragilidade intelectual, de inexperiência, ou de especiais relações de confiança com o agente), admite-se a possibilidade de concluir pela idoneidade de um meio enganador via de regra incapaz de persuadir a generalidade das pessoas» (vide A. M. Almeida Costa, in ob. cit., pág. 294-295)
«No quadro da compreensão da burla como um delito contra o património, exige-se a verificação de um genuíno domínio-do-erro, como pressuposto da responsabilização do agente pelo crime consumado, nesse domínio-do-erro terá de ancorar o fundamento da imputação do resultado à conduta. De harmonia com a exposição anterior, na medida em que se exprime a adequação do comportamento do agente às características do caso concreto, aquele domínio-do-erro esgota o conteúdo útil da inclusão do advérbio “astuciosamente” no nº1, do art. 217º, enquanto nota caracterizadora do modus operandi da burla :por referência ao art. 10º, nº1, do CP, ele exprime, no contexto de um iter criminis que comporta, de permeio, a intervenção de outra pessoa (= sujeito passivo), a exigência de um rigor intensificado – o mesmo que se coloca na esfera da autonomia mediata fundada no domínio-do-erro – ao nível da aplicação dos critérios gerais da imputação objectiva.(vide A. M. Almeida Costa, in ob. cit., pág. 299-301)
Aplicando os princípios e conceitos supra enunciados ao caso subjudice, a astúcia não consistiu na alteração dos cheques, mas precisamente pelo uso que o arguido feito pelo arguido dos cheques que sabia estarem falsificados.
Com efeito, tendo apresentado ao lesado os cheques como sendo verdadeiros, o arguido induziu em erro ou engano o lesado, levando a que este lhe entregasse a moeda estrangeira que o arguido pretendia comprar, causando-lhe prejuízo patrimonial correspondente precisamente ao valor da moeda estrangeira, que o arguido pagou com cheques que sabia serem falsificados, e cujo valor não correspondia ao valor pelo qual haviam sido visados.
Ou seja, o uso feito pelo arguido dos cheques falsificados constitui a astúcia utilizada pelo arguido, e foi esta o meio, provocado pelo arguido, que induziu em erro e engano o lesado, sobre a validade dos cheques, e que levou a que este lhe entregasse a moeda estrangeira, aceitando os cheques como válidos como meio de pagamento dos respectivos valores, nas operações de câmbio efectuadas.
Neste sentido, mostram-se, pois, preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime de burla, p. e p. pelos arts. 217º, nº1 e 218º, nº2, al. a), do CP.
3.4.3. Invoca, ainda o recorrente a excepção do caso julgado.
Alega o recorrente que invocou a excepção do caso julgado como questão prévia e como tal a mesma obteve decisão, da qual o recorrente já interpôs o devido recurso e que mantém interesse na sua subida. Assim, o acórdão não tinha que se pronunciar sobre esta questão, uma vez que não é permitido ao tribunal responder às motivações do recorrente.
De qualquer forma o acórdão recorrido esquece-se do facto que deu por provado com relevância para esta questão e que demonstra a conexão entre este processo e o processo de Espinho.
Na alínea 23) o acórdão recorrido deu como provado que o recorrente entregou ao B.......... um cheque do D.......... com o nº 01, cheque emitido pelo Casino de Espinho e relativo ao cheque que consta do Proc. nº .../98 do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Espinho.
Assim o acórdão recorrido violou o disposto no art. 414º do CPP.
Antes do mais, importa ter presente que o arguido, tal como se refere no acórdão recorrido, alegou na sua contestação que já foi julgado por estes mesmos crimes, no processo comum colectivo nº .../98 do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Espinho, e foi absolvido por sentença transitada em julgado, e, por efeito do caso julgado, não pode voltar a ser julgado pelos mesmos crimes, sob pena de violação do princípio “non bis in idem” previsto no nº 5 do art. 29º da Constituição da República Portuguesa.
Ora, não podia o Tribunal “a quo” deixar de se pronunciar sobre tal questão sob pena de nulidade de sentença, a que alude o art. 379º, nº1, al. c), do CPP, por omissão de pronúncia:
«É nula a sentença:
a)...
b) ...
c) Quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar....»
Assim sendo, podia e devia o Tribunal “a quo” conhecer da alegada excepção do caso julgado.
Quanto à verificação de tal excepção, é certo que no ponto 23 da matéria de facto provada se faz referência ao cheque o nº 01 do D.......... «Em pagamento do preço dessa quantidade de moeda estrangeira, que receberam do B.........., na qualidade de administrador da sociedade X.........., SA, o arguido entregou a este o cheque visado nº 03, sacado sobre a conta do arguido referida em 1), depois de manipulado e alterado nos termos descritos sob a al. 9), dele constando o valor de 5.000.000$00, ainda um outro cheque do D.......... com o nº 01 e a quantia em dinheiro de 138.000$00 (cento e trinta e oito mil escudos)».
Por outro lado, resulta das certidões de fls. 219 a 222 e 273 a 278, que o arguido foi julgado no processo comum colectivo com o nº .../98 do 2º Juízo da comarca de Espinho como autor de um crime de falsificação de documento e de um crime de burla qualificada, e foi absolvido desses crimes por acórdão de 06JUL00 transitado em julgado.
Contudo, os factos pelos quais o arguido foi julgado no proc. nº .../98, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Espinho, não são os mesmos a que se reportam os presentes autos. Naquele processo estavam em causa as actuações levadas a cabo em 09NOV95 e 10NOV95, referentes ao cheque nº 07, também sacado sobre a conta do arguido nº 0001 da agência do Banco E.......... em Guimarães, enquanto nos presentes autos os factos reportam-se a comportamentos levados a cabo em 10NOV95, 11NOV95 e 12NOV95, e relativos ao cheque nº 02, do Banco F.........., e os cheques nºs 03, 04, 05 e o 06 do Banco E.........., sendo diferentes ainda as pessoas visadas com a conduta destes autos.
Enquanto que naquele proc. nº .../98 do 2º Juízo do tribunal Judicial de Espinho o lesado era o Casino Solverde de Espinho, nos presentes autos a lesada é a sociedade X.........., SA.
Neste sentido, não se verifica in casu, a excepção do caso julgado, como aliás, já se salientou no Ac. desta Relação de 01OUT03, a fls. 1030 a 1031.
3.4.4. Insurge-se o recorrente quanto à medida concreta da pena aplicada ao arguido, porquanto como se vê ;do acórdão recorrido, o mesmo na determinação da medida concreta da pena não teve em consideração que o recorrente é primário e que desde a data da prática dos factos já decorreram praticamente 9 anos, factos estes depõem a favor do recorrente, pelo que as penas concretas deverão ser fixadas em 1 ano para o crime de uso de cheque falsificado e em 2 anos e 6 meses para o crime de burla qualificada, as quais em cúmulo jurídico deverão ser fixadas na pena única de 2 anos e 8 meses, ao qual deverá ser aplicado o perdão de 1 ano pelo crime de falsificação e suspensa na sua execução.
Assim, o acórdão recorrido violou o disposto no art. 71º e na alínea d) do nº 2 do art. 72º do Código Penal.
No acórdão recorrido foi o arguido condenado pela prática de um crime de uso de cheques falsificados, da previsão do art. 256º nº 1 al. c) e nº 3 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, e pela prática de um crime de burla qualificada, da previsão conjunta dos arts. 217º nº 1 e 218º nº 2 al. a) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, tendo sido nos termos do art. 1º da Lei nº 29/99 de 12/05, declarado perdoado 1 (um) ano da pena de prisão aplicada pelo crime de uso de documento falsificado, sob a condição resolutiva a que alude o art. 4º da dita Lei, e em cúmulo jurídico do remanescente da pena de prisão aplicada pelo crime de uso de documento falsificado com a pena de prisão aplicada pelo crime de burla qualificada, nos termos do art. 77º do Código Penal, foi o arguido condenado na pena única de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão.
A moldura penal abstracta prevista para o crime de uso de documento falso, p. e p., pelo art. 256º, nº1, al. c) e nº3, do CP é 6 meses a 5 anos de prisão ou de multa de 60 a 600 dias, e para o crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º, nº1 e 218º, nº2, al. a), do CP, é de 2 a 8 anos de prisão.
Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art. 70, do CP).
A escolha da pena, nos termos do art. 70º, do CP, depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial, e será mediante uma apreciação dos elementos de prova disponíveis, que se legitimará uma escolha entre as penas detentivas e não detentivas.
A determinação da medida da pena, dentro dos limites da lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (arts. 71º, nº1 e 40º, nº 2, do CP).
E, na determinação concreta da medida da pena, como impõe o art. 71º, nº 2, do CP, o tribunal tem de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do agente ou contra ele, designadamente as que a título exemplificativo estão enumeradas naquele preceito. Por outro lado, a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art. 40º, nº 1, do CP).
Como é sabido, na determinação da medida da pena, decorrem duas regras centrais: a primeira, que é explícita, consiste em que a culpa é o fundamento para a concretização da pena; a segunda, que está implícita, é que deverá ter-se em conta os efeitos da pena na vida futura do arguido na sociedade e da necessidade desta defender-se do mesmo, mantendo a confiança da comunidade na tutela da correspondente norma jurídica que foi violada.
No caso subjudice, o Tribunal Colectivo optou pela pena de prisão, considerando «o arguido repetiu a mesma conduta ilícita, ainda que no âmbito da mesma decisão criminosa (pressuposto subjacente à acusação por um só crime de cada tipo, sem que em audiência se tenha provado que tivesse havido renovação plúrima dessa decisão), por três vezes, em três dias consecutivos, aumentando de cada vez o prejuízo patrimonial causado à pessoa lesada, que foi a mesma dessas três vezes. Foram em número de cinco os cheques falsificados por si usados, qualquer deles por valores muito elevados, a que acresce a circunstância agravativa de se tratarem de cheques visados, facto que lhes conferia maior grau de credibilidade relativamente aos cheques não visados. O arguido apresenta uma personalidade caracterizada por ser muito impulsivo e influenciável e pouco assertivo e ponderado, com dificuldades em desenvolver projectos de vida consistentes e realistas e com problemas de integração nos diversos contextos da vida».
Em face de tal circunstancialismo, o critério escolhido no acórdão recorrido, relativamente á opção pela pena de prisão, mostra-se adequado.
Tendo-se optado pela pena de prisão, em face das exigências de prevenção especial e geral, em conformidade com o disposto no art. 70º, do CP, importa determinar a medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (art. 71º, nº 1, do CP), e na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, as circunstâncias enumeradas exemplificativamente, nas alíneas a) a f), do nº 2, do citado art. 70º, do CP.
A medida da pena tem como primeira referência a culpa, e quanto a esta o facto ilícito praticado é prevalentemente decisivo, devendo antes do mais ser valorado em função do seu efeito externo (ataque ao objecto em particular, designadamente os danos ocasionados, a extensão dos efeitos produzidos). Quanto à prevenção, constitui um fim, relevando para a determinação da pena necessária, em função da maior ou menor exigência do ponto de vista preventivo, acabando, por fornecer, em último termo, a medida da pena. Havendo conflito entre a pena da culpa e a pena necessária, por as exigências de prevenção serem mais extensas do que a culpa, prevalece ainda a medida desta, por força do art. 40º, nº 2, do CP. (vide Ac. da RC de 17JAN96, in CJ 1996, Tomo I, pág. 38).
Conforme salienta o Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Ed. Notícias, pág., 241-244, a propósito do critério da prevenção geral positiva, «A necessidade de tutela dos bens jurídicos – cuja medida óptima, relembre-se, não tem de coincidir sempre com a medida culpa – não é dada como um ponto exacto da pena, mas como uma espécie de «moldura de prevenção»; a moldura cujo máximo é constituído pelo ponto mais alto consentido pela culpa do caso e cujo mínimo resulta do «quantum» da pena imprescindível, também no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias. É esta medida mínima da moldura de prevenção que merece o nome de defesa do ordenamento jurídico. Uma tal medida em nada pode ser influenciada por considerações seja de culpa, seja de prevenção especial. Decisivo só pode ser o quantum da pena indispensável para se não ponham irremediavelmente em causa a crença da comunidade na validade de uma norma e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais».
E, relativamente ao critério da prevenção especial, escreve o ilustre mestre, «Dentro da «moldura de prevenção« acabada de referir actuam irrestritamente as finalidades de prevenção especial. Isto significa que devem aqui ser valorados todos os factores de medida da pena relevantes para qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza, seja a função primordial de socialização, seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual ou de segurança ou inocuização. (...).
A medida das necessidades de socialização do agente é pois em princípio, o critério decisivo das exigências de prevenção especial para efeito de medida da pena».
Conforme salienta o Ac. do STJ de 11MAI2000, in CJ Acs. do STJ, de 2000, Tomo II, pág. 188., “A função primordial da pena consiste na protecção de bens jurídicos, ou seja, consiste na prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos, sem prejuízo da prevenção especial positiva, sempre com o limite imposto pelo princípio da culpa – nulla poena sine culpa.
E, citando o Ac. do STJ de 01MAR2000, in Proc. nº 53/200 – 3ª Secção, afirma-se no citado aresto, «A culpa, salvaguarda da dignidade humana do agente, não sendo o fundamento último da pena, define em concreto, o seu limite mínimo absolutamente intransponível, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir. A prevenção especial positiva, porém, subordinada que está à finalidade principal de protecção dos bens jurídicos, já não tem virtualidade para determinar o limite mínimo; este, logicamente, não pode ser outro que não o mínimo de pena que, em concreto, ainda realiza, eficazmente, aquela protecção».
Devendo proporcionar ao condenado a possibilidade de optar por comportamentos alternativos ao criminal, a pena tem de responder, sempre positivamente, às exigências de prevenção geral de integração.
Continuando a citar, o mesmo Ac. do STJ de 01MAR2000, «Se, por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, esta nunca pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que – dentro, claro está, da moldura legal – a moldura da pena aplicável ao caso concreto (‘moldura de prevenção’) há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente; entre tais limites, encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social».
Considerando, pois, os critérios norteadores a que aludem os arts. 71º, nºs 1 e 2, e 40º, nº 1 e 2, do CP, ponderando as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime depõem contra o arguido A.......... temos - o elevado grau de ilicitude dos factos e o seu modo de execução, de forma elaborada, consubstanciado no facto de o arguido, fazendo uso de cinco cheques visados, falsificados após os vistos, que lhe conferiram maior credibilidade, já que o visto bancário é pressuposto de garantia de maior fidelidade do cheque, porque já foi submetido a um controle prévio do banco, e da existência de provisão cativa no banco sacado, e por esse meio induzindo em erro a lesada quanto à validade dos cheques, logrou obter desta moeda estrangeira que se propunha comprar, no montante global de 20.000.000$00 (€ 104.288,66) - a intensidade do dolo - na sua forma mais elevada de dolo directo - a gravidade das suas consequências – causou à lesada um prejuízo patrimonial no montante de 20.000.000$00 (€ 104.288,66).
Considerando, por outro lado as suas condições pessoais e a sua situação económico-social – á data dos factos, em Novembro de 1995, o arguido estava desempregado, após ter sido despedido do Hipermercado Continente de Guimarães, onde trabalhou como pasteleiro, e vivia com os seus pais, desde que se separou do seu cônjuge, em 1991; nessa altura, em consequência daquela situação de desemprego e de dificuldades financeiras que lhe advieram, manteve ligações com indivíduos referenciados no meio por assumirem comportamentos anti-sociais ou mesmo ilícitos, designadamente ligados ao consumo e tráfico de estupefacientes; na sequência dessa sua ligação a esses indivíduos, veio a ser detido em Espanha na posse de produtos estupefacientes e foi condenado por esse facto em pena de prisão que cumpriu entre 1996 e 1999; é caracterizado como aparentando limitações de ordem intelectual, associadas a um défice de competências pessoais e sociais, que o tornam muito impulsivo e influenciável e pouco assertivo e ponderado, denotando grande dificuldade em perspectivar o futuro e em desenvolver projectos de vida consistentes e realistas, com problemas de integração nos diversos contextos da sua vida; paralelamente, apresenta sinais depressivos, que provocam nele atitudes de protecção e desculpabilização, o que parece constituir como uma estratégia interactiva que poderá conduzir à manipulação dos outros e da realidade; à data em que foi detido na Suíça para ser extraditado à ordem deste processo, estava ali a trabalhar no sector da construção civil (construção de estradas), auferindo um salário que o próprio disse ser da ordem de € 2.000,00 (400 contos) por mês, e vivia em união de facto com uma companheira; tem uma filha com 18 anos de idade; fez a 4ª classe; na sequência de acusação deduzida pelo Magistrado do Ministério Público na comarca de Espinho, certificada a fls. 219 a 222, o arguido foi julgado no processo com o nº .../98 do 2º Juízo daquela comarca, como autor de um crime de falsificação de documento, referida à falsificação do cheque nº 07, sacado sobre a conta do arguido nº 0001 da agência do Banco E.......... em Guimarães, e de um crime de burla agravada que teria sido praticada através do uso do referido cheque falsificado, tendo sido absolvido por falta de prova sobre a sua autoria quanto a esses dois crimes.
A seu favor milita o facto de circunstância que o arguido terá sido envolvido nestes crimes por outros indivíduos com quem se relacionou nesse período de tempo, em que ficou desempregado e tinha problemas financeiros, nos quais se terão aproveitado daquela situação de debilidade económica e psicológica do arguido e do seu carácter ingénuo e facilmente influenciável. Ponderando em conjunto os factos e a personalidade do arguido, bem como as exigências de prevenção geral e especial, a gravidade da sua conduta, a sua personalidade, e enfim a segurança da sociedade em geral, e tendo em atenção a que a medida da concreta da pena, assenta na «moldura de prevenção», moldura cujo máximo é constituído pelo ponto mais alto consentido pela culpa do caso e cujo mínimo resulta do «quantum» da pena imprescindível, também no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias», dentro da moldura penal abstracta prevista para o crime de uso de cheques falsificados, p. e p. pelo art. 256º nº 1 al. c) e nº 3 do Código Penal, e para o crime de burla qualificada, da p. e p., pelos arts. 217º nº 1 e 218º nº 2 al. a) do Código Penal, mostram-se justas, necessárias e adequadas, as penas aplicadas ao arguido A .........., a pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, para o crime de uso de documento falso, de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, para o crime de burla qualificada em que foi condenado no acórdão recorrido.
3.4.5. Finalmente vejamos, se o perdão previsto no art. 1º, nº4 e 2º, nº3, da Lei nº 29/99, de 12MAI, deverá ser aplicado à pena única fixada ao recorrente.
Alega o recorrente que contrariamente à operação efectuada no acórdão recorrido o perdão da Lei nº 29/99 de 12 de Maio só se aplica após a efectuação do cúmulo jurídico, nos termos do nº 4 do art. 1º da Lei nº 29/99 de 12 de Maio, citando o Ac. do STJ de 17JAN2002, in CJ/STJ/2002/I/173).
Conforme determina o art. 2º, nº, 2, al. e) da Lei nº 29/99, de 12MAI, «Não beneficiam, ainda do perdão, previsto no artigo anterior: Os condenados pela prática de crimes (...) de burla (...), quando cometidos através de falsificação de documentos...», dispondo o nº3, do mesmo normativo que «A exclusão do perdão previstos nos nºs 1 e 2 não prejudica a aplicação do perdão previsto no artigo anterior em relação a outros crimes cometidos, devendo, para o efeito, proceder-se a adequado cúmulo jurídico».
No caso dos autos o Tribunal «a quo» aplicou o perdão de um ano de prisão previsto no art. 1º, da Lei nº 29/99, de 12MAI, relativa ao crime de falsificação de documento.
Porém, a pena de prisão relativa ao crime de burla, porque praticada através do uso de documento falsificado, está excluída desse perdão, nos termos da al. e) do nº 2 do art. 2º da mesma Lei, pelo que a pena única a aplicar em cúmulo jurídico, não pode ser inferior a 3 anos e 6 meses de prisão, que é a pena parcelar mais elevada (art. 77º nº 2, parte final, do Código Penal), o arguido não pode beneficiar da suspensão da execução da pena, nos termos do art. 50º nº 1 do Código Penal.
Ora, não há dúvida que é este o entendimento que melhor se coaduna com a letra da lei, aliás em conformidade com o decidido no Ac. do STJ de 03JUL03, citado pelo Exmº Magistrado do MºPº, em 1ª Instância, no qual se decidiu que «No caso do concurso incidir sobre crimes que beneficiam de perdão de penas e sobre outros que não beneficiam, deve-se efectuar um cúmulo jurídico provisório das penas parcelares que são favorecidas pelo perdão, para sobre a pena única intercalar aplicar os perdões e, posteriormente, efectuar-se o cúmulo jurídico entre o remanescente dessa pena única intercalar com as restantes penas parcelares que não beneficiam de perdões.
2 - No cúmulo final de penas que beneficiam de perdão e de outras que não têm esse benefício, a moldura abstracta da pena única varia, nos termos do art.º 77.º, n.º 2, do CP, entre o mínimo que é igual à pena parcelar mais grave e um máximo que é a soma de todas as penas. 3 - Mas, por uma questão de pura lógica, tal pena final nunca pode ser inferior à pena intercalar que se formou e que foi reduzida pelo perdão, pois o todo é sempre maior do que uma das partes.
4 - Por isso, e só para o efeito de cálculo, considera-se que a pena intercalar reduzida do perdão entra no cúmulo final "como se fosse uma pena parcelar" A, pelo que constituirá o mínimo abstracto da pena única, caso não haja uma outra pena parcelar mais grave.
5- No caso do indulto constituir um perdão ou uma atenuação da pena, parece-nos fora de dúvida de que, sendo concedido em determinado processo onde se aplicaram penas que posteriormente devem ser cumuladas com outras de processos diferentes, o tempo de indulto deve incidir sobre a pena única final, pois o agraciamento Presidencial deve ser levado em conta por inteiro e não deve ficar diluído nas operações do cúmulo.
6 - Na altura em que se consumaram os crimes ainda estava em vigor o C. Penal na sua versão originária de 1982, que determinava que a pena de prisão tinha a duração máxima de 20 anos, mesmo em caso de concurso de infracções, devendo aplicar-se essa lei por ser a mais favorável aos arguidos.
7 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar, neste caso, 20 anos de prisão e tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, donde que o somatório das penas «menores» - a menos que a pena única seja fixada no seu máximo - deva sofrer, na sua adição à «maior», determinada «compressão».
8 - Será razoável que esse «factor de compressão» seja tanto maior quanto maior o somatório das penas «menores», pois que, de outro modo, tenderiam a fixar-se no máximo (ou muito próximo dele) penas únicas decorrentes de penas parcelares de valor consideravelmente diverso.
9 - Se um limite mínimo elevado concita uma especial compressão das demais (compressão tanto maior, como já se viu, quanto maior o seu somatório), um limite mínimo baixo já consentirá, pois que mais afastado o limite «máximo dos máximos», que a compressão das outras consinta uma maior distensão.
10 - Tomando estes ensinamentos, considera-se como razoável um factor de compressão até reduzir a cerca de 1/5 a soma das penas parcelares restantes, a acrescer à pena mais elevada, critério este que parece mais ajustado aos crimes de pequena/média gravidade que os arguidos cometeram, à sua grande quantidade e às circunstâncias favoráveis entretanto apuradas».
Neste sentido improcede, pois na totalidade o recurso do arguido, tendo o acórdão recorrido feito uma correcta interpretação e aplicação da lei, não a violando em qualquer ponto.

4. DECISÃO
Termos em que
acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em
negar provimento ao recurso interposto pelo arguido A.........., e, em consequência, confirmar o douto acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 6UC.
Honorários ao Exmº Defensor Oficioso nos termos do ponto 6. da tabela anexa à Portaria nº 150/02, de 19FEV, sem prejuízo do art. 4º, nº1.
A taxa de conversão em euros prevista no art. 1º do Regulamento CE nº 2 866/98 do Conselho a todas as referências feitas anteriormente em escudos, é aplicada automaticamente, como decorre do art. 1º, nº 2, do DL nº 323/01, de 17DEZ.

Porto, 10 de Março de 2004
Francisco Gonçalves Domingos
Francisco José Brízida Martins
António Gama Ferreira Gomes
José Casimiro O da Fonseca Guimarães