Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0820716
Nº Convencional: JTRP00041880
Relator: MARQUES DE CASTILHO
Descritores: REDUÇÃO
NEGÓCIO JURÍDICO
ÓNUS DA PROVA
ESTATUTOS
Nº do Documento: RP200811120820716
Data do Acordão: 11/12/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: ALTERADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: LIVRO 288 FLS 127.
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 292º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - Com a redução do negócio jurídico procura-se conservar o negócio, na parte não viciada por alguma invalidade, desde que a sua manutenção no contrarie a vontade das partes. Sacrifico-se a parte doente do negócio para salvar a restante, como manifestação do princípio utile per inutile non viciatur .
II - Em princípio, na redução voluntária, cabe à parte interessada actuar a redução (potestiva) prevista rio artigo 292° do CC. O negócio só não será reduzido quando se mostrar que, sem a parte viciada, não teria sido concluído, cabendo a quem pretende a nulidade ou anulação de todo o negócio demonstrar que não teria celebrado o negócio sem a parte viciada.
III - Assim, se a invalidade se reporta apenas a um ponto sectorial dos estatutos, que não ponha em causa a subsistência coerente do conjunto, apenas é declarada a invalidade desse parte, salvando-se a parte não inquinada, e em sua substituição recorrer-se ao regime legal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rel.09-08-895
Proc 716-08-2ª
Apelação
Porto- .ªV - P …/06.8TVPRT


Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

Relatório
O Exmº Magistrado do Ministério Público
instaurou acção para declaração de extinção de associação, com processo ordinário, contra
B……….
pedindo que seja declarada a nulidade dos estatutos da Ré e decretada a sua extinção.
Para tanto alegou, em síntese, o seguinte:
Por escritura pública de 02 de Maio de 2005, lavrada no Cartório Notarial de C………., foi constituída a associação “B……….”, com sede na Rua ………., …, ………. – Porto (doc. nº 1).
A associação ora Ré tem como objecto “o apoio ao desenvolvimento cultural; apoio ao desenvolvimento económico e social; solidariedade social e educacional” e rege-se pelos estatutos constantes do documento complementar elaborado nos termos do artigo 64º nº 2 do Código do Notariado, que integra a mencionada escritura (doc. nº 1).
O artigo 19º dos estatutos prescreve que “salvo disposição em contrário, as deliberações da assembleia são tomadas por maioria absoluta dos votos dos associados presentes”.
Os estatutos são omissos quanto ao funcionamento do Conselho Fiscal, designadamente quanto ao seu “quorum deliberativo”.

O artigo 25º dos estatutos dispõe que em caso de dissolução da associação, a assembleia geral determinará o destino a dar a todos os seus bens.
Concluiu pela nulidade das referidas disposições dos Estatutos da Ré, pelas razões seguintes: o Artigo 19º dos Estatutos viola o disposto no Artigo 172º, nºs 2 e 5, do Código Civil; a omissão do funcionamento do Conselho Fiscal e do seu quorum deliberativo viola o disposto no Artigo 167º, nº 1, do Código Civil; o Artigo 25º dos Estatutos viola o disposto no Artigo 166º, nº 1, do Código Civil.
Mais conclui que a falta de especificação da forma de funcionamento do Conselho Fiscal impede o funcionamento desse órgão e, em consequência, da própria associação, o que determina a nulidade da própria constituição desta.
A Ré, apesar de regularmente citada não contestou.
Foi proferida decisão na qual se julgou totalmente improcedente a acção absolvendo do pedido a Ré.
Inconformado veio o Exmº Magistrado do Ministério Público interpor o presente recurso tendo para o efeito nas alegações oportunamente apresentadas aduzido a seguinte matéria conclusiva que passamos a reproduzir:
I – Os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei – artigo 294º do Código Civil;
II – A nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada – artigo 292º do Código Civil;
III – Nos termos do artigo 280º nº 1 do Código Civil “é nulo o negócio jurídico cujo objecto seja…. Contrário à lei…”;
IV - o que, visto o disposto no artigo 158º A é aplicável à constituição de pessoas colectivas, devendo o Ministério Público promover a declaração da nulidade.
V - o artigo 19º dos estatutos ao referir “salvo disposição em contrário” as deliberações da assembleia geral são tomadas por maioria absoluta dos votos dos associados presentes.
VI - admite a possibilidade de tais deliberações serem tomadas por maioria simples ou relativa, contrariando o disposto no artigo 175º nº 2 e 5 do Código Civil;
VII – Não compete à assembleia geral, em caso de dissolução, dar o destino a todos os seus bens;
VIII – Há determinados bens, constantes do artigo 166º nº 1 do Código Civil, cujo destino não pode ser determinado pela assembleia geral.
IX - Consequentemente, a expressão “de acordo com a legislação aplicável” inculca a ideia de que, em caso de dissolução da associação, cabe à assembleia geral dar destino a todos os seus bens;
X - Os estatutos regulam apenas a composição e competência do Conselho Fiscal, sendo completamente omissos quanto ao respectivo “quórum deliberativo
XI - Devendo os estatutos especificar a forma do funcionamento da associação e integrando tal matéria (“quórum deliberativo”) o referido funcionamento;
XII – a omissão viola o disposto no artigo 167º nº 1 do Código Civil, porquanto sem se saber como delibera o conselho fiscal, a associação não poderá funcionar validamente.
XIII – E constituindo tal matéria o conteúdo mínimo obrigatória a constar dos estatutos,
XIV - não pode ser suprido por outra forma nem há previsão legal destinada a substituir a falta de previsão estatutária.
XV - Consequentemente, os estatutos são inválidos no seu todo, o que acarreta a extinção da associação.
XVI – A douta sentença recorrida não fez uma correcta aplicação da lei aos factos dado como provados, violando o estatuídos nos artigos 175º nº 2, 166 nº 1, 167º nº 1, 158º A, 280º nº 1 e 294º, todos do Código Civil.
Termina pedindo que seja concedido provimento ao recurso, devendo a douta sentença recorrida ser revogada e, em consequência, ser declarada a nulidade dos estatutos da Ré, decretando-se a sua extinção.
Não foram apresentadas contra alegações.
Mostram-se colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Adjuntos pelo que importa apreciar e decidir.

THEMA DECIDENDUM
A delimitação objectiva do recurso é feita pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal decidir sobre matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam do conhecimento oficioso, art. 684 nº3 e 690 nº1 e 3 do Código Processo Civil, como serão todas as outras disposições legais infra citadas de que se não faça menção especial.
As questões que estão subjacentes no âmbito de apreciação do presente recurso traduzem-se no que se mostra apreciado na decisão como mérito da causa designadamente.
a) Da legitimidade activa do Ministério Público
b) violação do disposto nos artigos 175º nº 2 166º nº 1, 167º nº 1 e 158-A, 280º nº 1 e 294º, todos do Código Civil face ao teor da redacção constante dos artigos 19º e 25º dos Estatutos da Ré e omissão dos mesmos no que concerne ao funcionamento do Conselho Fiscal da Associação

DOS FACTOS E DO DIREITO
Para melhor facilidade expositiva e de compreensão do objecto do presente recurso vamos passar a reproduzir a factualidade considerada assente e provada sobre a qual se estruturou a decisão proferida que é do seguinte teor limitando-se à reprodução da factualidade não contestada da petição inicial e a todo o conteúdo do documento junto aos autos e que consubstancia os estatutos da Ré:
“Nos termos do disposto no Art. 484º, nº 1, do C.P.C., consideram-se confessados, por falta de contestação (bem como pelo teor do referido documento junto aos autos a fls. 9 e seguintes, não impugnado), todos os factos articulados pelo Autor, acima referidos (e que, por isso, aqui me dispenso de os repetir).”
A primeira questão suscitada pelo Mmº Juiz na decisão traduziu-se na apreciação da falta de legitimidade do Ministério Público para a propositura da acção nos termos e com os fundamentos que consignou como causa de pedir e pedido e que todavia apesar de o declarar no sentido da sua falta terminou por não concluir em consonância com a fundamentação articulada dado que não declarou a absolvição da instância da Ré como se imporia, mas pelo contrario conhecendo das demais questões de nulidade dos estatutos articuladas, determinou sim a absolvição da mesma perante os pedidos formulados julgando improcedente a acção.
O Exmº Magistrado a nosso ver com razão opõe-se ao decidido nesta matéria invocando que tal legitimidade de lhe advém não só das disposições contidas no Código Civil nos artigos 168º e 185º no que concerne à constituição da pessoa colectiva bem como relativamente ao demais de regulamentação dos seus estatutos e da sua extinção nos termos dos normativos citados e ainda nos artigo 182º nº 2 e 183º nº 2 do mesmo diploma.

É para nós inquestionável tal como resulta da redacção conferida pelo artigo 3º nº 1 alínea e) e l) e 5º nº 1 alínea g) da Lei 60/98 de 27/8 – Estatuto do Ministério Público que assim se deve considerar concretamente in casu na defesa dos interesses colectivos e difusos bem como intervir em todos os processos que envolvam interesse público.
Mas mais ainda nos termos do artigo 4º do Decreto-Lei 594/74 de 7 de Novembro que regulamenta e reconhece o direito de associação com a nova redacção conferida pelo Decreto-Lei 71/77 de 25/2 se refere que:
Art. 4.º - 1. As associações adquirem personalidade jurídica pelo depósito, contra recibo, de um exemplar do acto de constituição e dos estatutos, no governo civil da área da respectiva sede, após prévia publicação, no Diário da República e num dos jornais diários mais lidos na região, de um extracto, autenticado por notário, do seu título constitutivo, que deverá mencionar a denominação, sede social, fins, duração e as condições essenciais para a admissão, exoneração e exclusão de associados.
2. Dentro de oito dias a contar da data do depósito deve ser remetida, em carta registada com aviso de recepção, uma cópia do título constitutivo, autenticada por notário, ao agente do Ministério Público junto do tribunal da comarca da sede da associação, para que este, no caso de os estatutos ou a associação não serem conformes à lei ou à moral pública, promova a declaração judicial de extinção.
Art. 5.º - 1. As alterações do acto de constituição e dos estatutos só produzem efeitos em relação a terceiros depois de depositadas nos termos indicados no artigo anterior.
Foi todavia pelo Decreto-Lei 496/77 de 25/11 alterado o artigo 158º que aboliu relativamente às associações o princípio do reconhecimento da personalidade por concessão.
A nova redacção do nº 1 do artigo 158º consolida a liberdade de associação, atribuindo personalidade jurídica a todas as associações que se constituam por escritura pública, desde que nela constem as menções do artigo 167º do Código Civil independentemente de qualquer autorização ou reconhecimento de autoridade administrativa.
Mas mais, no legislativamente regulado inerente à forma e funcionamento das associações consignado no artigo 168º do Código Civil nos seus nºs 1 a 3 na redacção conferida pelo Decreto-lei 496/77 além do mais dispõe-se:
2. O notário deve, oficiosamente, a expensas da associação, comunicar a constituição e estatutos, bem como as alterações destes, à autoridade administrativa e ao Ministério Público e remeter ao jornal oficial um extracto para publicação.

3. O acto de constituição, os estatutos e as suas alterações não produzem efeitos em relação a terceiros, enquanto não forem publicados nos termos do número anterior.
Isto é o Ministério Público tem no âmbito da sua competência que verificar e analisar se os estatutos ou a associação não estão conformes com a lei e a moral pública por forma a que, caso tal não ocorra, promova a declaração judicial da sua extinção.
Ou seja, não se trata como se invoca na decisão proferida, de o Ministério Público apenas ter legitimidade para prosseguir a extinção das associações nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 280º do Código Civil entendo-se por tal a legalidade do objecto do negócio jurídico e a sua conformidade à ordem pública e bons costumes como resulta do nº2.
Na verdade aí se refere:
“É de notar que o disposto no Artigo 280º do Código Civil respeita à legalidade do objecto do negócio jurídico (nº 1) e à sua conformidade com a ordem pública e os bons costumes (nº 2). Aliás, os casos de extinção de associação, previstos no nº 2 do Artigo 182º do Código Civil, dizem respeito, precisamente, ao fim da associação (als. a) a c)) e à conformidade da sua existência com a ordem pública (al. d)).
No que concerne ao objecto da associação, consiste no seu escopo ou fim – neste sentido V. Prof. Mota Pinto (in Teoria Geral do Direito Civil, 2ª ed., pág. 270, in fine). Deste modo, relativamente à associação, a verificação da legalidade do seu objecto (a efectuar à luz do disposto no Artigo 280º do Código Civil) corresponde à verificação da legalidade do seu fim (pois é esse, afinal, o objecto da associação).
No caso dos autos, apesar de invocar a aplicação, entre outros, do Artigo 280º, nº 1, do Código Civil, o Ministério Público não alegou (e muito menos demonstrou) que o objecto da associação ora Ré, isto é, que o seu escopo ou fim, seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável (nem sequer sendo questionado que o fim da associação seja contrário à ordem pública ou ofensivo dos bons costumes – cfr. o nº 2 do referido Artigo 280º).
Com efeito, há que não confundir a ilicitude do objecto do negócio (neste caso, tratando-se de uma associação, do seu fim) – prevista no referido Artigo 280º do Código Civil – com outras causas de nulidade, tal como a celebração de negócios contra disposição legal de carácter imperativo – previstas no Artigo 294º do Código Civil. Sendo certo que foram apenas estas causas de nulidade, previstas no Artigo 294º, que o Ministério Público invocou.
Ora, o Ministério Público não tem legitimidade para invocar a nulidade dos negócios jurídicos em geral, com fundamento no disposto no referido Artigo 294º do Código Civil.”

A nosso ver e com o devido respeito por tal forma interpretativa consideramos que o âmbito de abrangência dos normativos em causa não é só e aquele que se lhe imputa na decisão mas sim e também o que permite e acolhe o que é “contrário à lei” ou seja, por violação de normas que a mesma consagra e que sejam imperativas é esse o sentido que expressa e objectivamente está além do mais exarado no texto e necessariamente assim sendo, o resultante dos estatutos, que não poderão ter eficácia em relação a terceiros como se determina no artigo 168º do Código Civil, que têm de ser transmitidos e comunicados e que podem eventualmente contrariar disposições normativas de carácter imperativo.
Assim somos a concluir que neste segmento não colhe razão a argumentação e fundamentação aduzida pelo Mmº Juiz tendo o Ministério Publico pelas razões expostas e textos legais em causa legitimidade para propor a presente acção com invocação de violação de textos legais imperativos e não consignados e admitidos ou previstos nos estatutos da Ré que lhe incumbe ex vi tais disposições legais verificar e controlar se estão de acordo com a lei.
Mas importa prosseguir e para facilidade expositiva vamos reproduzir os artigos dos estatutos que se invoca estarem eivados dos aludidos vícios.
Artigo 19º:
“Salvo disposição em contrário, as deliberações da assembleia são tomadas por maioria absoluta dos votos dos associados presentes”.
Os estatutos são omissos quanto ao funcionamento do Conselho Fiscal, designadamente quanto ao seu “quorum deliberativo”.
O artigo 25º:
“Em caso de dissolução da associação, a assembleia geral determinará o destino a dar a todos os seus bens, de acordo com a legislação em vigor”
No que concerne ao primeiro dos mencionados artigos o 19º importa dizer que se trata sobretudo de uma questão interpretativa do texto em causa face à redacção que o mesmo contém.
Na verdade estando em sede e no âmbito da regulamentação dos estatutos da associação poderia num primeiro sentido colher-se a ideia que na verdade tal como se argumenta e fundamenta na posição assumida pelo MP existindo como existem na lei comandos imperativos designadamente no seu artigo 175º nº2 do Código Civil que remete para os nºs 3 a 5 em que se prevêem situações de maiorias qualificadas para as matérias aí consignadas então a expressão “salvo disposição em contrario” poderia permitir a simples maioria absoluta dos votos para a deliberação sobre aquelas outras questões para as quais impõe outro tipo de votação qualificada que não aquela prevista.
Mas tal como dizíamos já a expressão “salvo disposição em contrário”, referindo-se à lei às disposições legais vigentes e não a qualquer outra dos estatutos que aliás não se encontra na globalidade de todo o seu texto, então o sentido a colher apenas e só pode ser aquele que resulta do normativo do Código Civil invocado ficando salvaguardas as disposições que aquele mesmo preceito imperativamente determina e que prevê o tipo de votação com maiorias qualificadas diferente da maioria absoluta para as referidas matérias.
Foi aliás este de alguma forma se bem interpretamos o sentido e conteúdo da decisão proferida quando se remete para o disposto e redacção do texto legislativo ínsito no artigo 175º que como se diz não impede nem prejudica a aplicação dos seus números 3 e 4 antes a permite ao ser praticamente coincidente com o mesmo normativo que estatui “salvo o disposto nos números seguintes” e assim resultar que a expressão usada nos estatutos ainda termina por ser mais abrangente ao exarar como se verifica “salvo disposição em contrário” que tanto pode ser as dos números 3 e 4 do mencionado artigo 175º como qualquer outra.
Assim tal como o entendimento sufragado na decisão do Tribunal a quo não se encontra neste segmento qualquer vício.
No que tange ao artigo 25º “Em caso de dissolução da associação, a assembleia geral determinará o destino a dar a todos os seus bens, de acordo com a legislação em vigor” importa dizer o seguinte:
Estatui o artigo 166º do Código Civil na redacção dada pelo Decreto-Lei 496/77 de 25/11 já aludido que:
(Destino dos bens no caso de extinção)
1. Extinta a pessoa colectiva, se existirem bens que lhe tenham sido doados ou deixados com qualquer encargo ou que estejam afectados a um certo fim, o tribunal, a requerimento do Ministério Público, dos liquidatários, de qualquer associado ou interessado, ou ainda de herdeiros do doador ou do autor da deixa testamentária, atribui-los-á, com o mesmo encargo ou afectação, a outra pessoa colectiva.
2. Os bens não abrangidos pelo número anterior têm o destino que lhes for fixado pelos estatutos ou por deliberação dos associados, sem prejuízo do disposto em leis especiais; na falta de fixação ou de lei especial, o tribunal, a requerimento do Ministério Público, dos liquidatários, ou de qualquer associado ou interessado, determinará que sejam atribuídos a outra pessoa colectiva ou ao Estado, assegurando, tanto quanto possível, a realização dos fins da pessoa extinta.

Os bens referidos no nº 1 deste preceito (bens que lhe tenham sido doados ou deixados com qualquer encargo ou que estejam afectados a um certo fim ) por força da imperatividade do mesmo são obrigatoriamente atribuídos pelo tribunal.
Os bens não compreendidos no nº 1, relativamente aos quais não seja dado destino (pelo estatuto ou por deliberação dos associados), são igualmente atribuídos pelo tribunal (norma supletiva).
Ora a ressalva tanto se poderá referir à legitimidade de a assembleia geral deles dispor, caso em que violaria a citada norma, por tal destino não ser da sua competência mas sim do tribunal relativamente aos bens compreendidos no nº 1 daquela norma e sobre os quais a assembleia não pode dispor mas importa dizê-lo também em sede interpretativa abarcando a previsão e aplicação da norma legal contida no nº 1 do artigo 166º - de acordo com a legislação em vigor -.
Assim a ressalva final não prejudica nem impede a aplicação do nº 1 do Artigo 166º do Código Civil, permite-a.
Como a disposição estatutária em causa não se refere especificamente aos bens referidos no nº 1 do Artigo 166º do Código Civil, tem de ser interpretada a nosso ver e salvo melhor entendimento no sentido de os poder compreender por se referir a todos os bens, indiscriminadamente, mas o que é facto é que a ressalva está feita para a disposição legal, ou “de acordo com a legislação em vigor”.
Assim a disposição estatutária em causa visou apenas afastar o regime supletivo estabelecido pelo nº 2 do referido Artigo 166º do Código Civil e não sobrepor-se à norma imperativa do nº 1 do mesmo artigo.
Através da ressalva, torna-se suficientemente perceptível que a expressão todos os bens apenas visou evitar que ficassem bens por destinar e não, propriamente, abranger bens que a associação não pudesse livremente destinar.
Quanto a estes vale a ressalva final, que impõe a solução imperativa consagrada no nº 1 do Artigo 166º do Código Civil relativamente aos bens aí referidos.
Mas mesmo que assim se não entenda pode retirar-se ou não permitir tal artigo dos estatutos e já apreciaremos infra se implica a sua retirada ou não a pretendida declaração de extinção da associação.

Quanto à omissão dos Estatutos da Ré no que concerne ao funcionamento do Conselho Fiscal e do seu quórum deliberativo cabe dizer o seguinte seguindo aliás o entendimento proferido na decisão da 1ª instância:
Assim importa dizer que o artigo 167º, nº 1, do Código Civil, exige que o acto de constituição da associação especifique, para além do mais, a forma do seu funcionamento.
A exigência legalmente imposta refere-se à forma de funcionamento da própria associação e não à forma de funcionamento dos órgãos que obrigatoriamente a compõem, cujo funcionamento está estabelecido na lei designadamente nos artigos 170º, 171º e 172º do citado normativo que prevê e estatui:
ARTIGO 170º
(Titulares dos órgãos da associação e revogação dos seus poderes)
1. É a assembleia geral que elege os titulares dos órgãos da associação, sempre que os estatutos não estabeleçam outro processo de escolha.
(…)
ARTIGO 171º
(Convocação e funcionamento do órgão da administração e do conselho fiscal)
1. O órgão da administração e o conselho fiscal são convocados pelos respectivos presidentes e só podem deliberar com a presença da maioria dos seus titulares.
2. Salvo disposição legal ou estatutária em contrário, as deliberações são tomadas por maioria de votos dos titulares presentes, tendo o presidente, além do seu voto, direito a voto de desempate.”
São obrigatórios um órgão da administração, o conselho fiscal e a assembleia geral sendo todos eles, órgãos necessariamente colegiais cujo modo de funcionamento está, em termos básicos, estabelecido nos mencionados preceitos e prevendo os estatutos sobre a sua constituição, podendo além do mais existir outros órgãos, cujo modelo de funcionamento, esse sim, por não constar da lei, deve ser obrigatoriamente definido no acto de constituição da associação.
Refere-se na decisão o seguinte que passamos a transcrever e que se sufraga como dissemos supra:
“Aliás, não deixa de ser curioso que o artigo estatutário sobre o Conselho Fiscal (o Artigo 22º) regula a matéria que sobre a Direcção é regulada no nº 1 do Artigo 21º dos Estatutos.

Pelo que, não sendo invocado qualquer vício a propósito deste último órgão, conclui-se que o vício respeitante ao Conselho Fiscal consiste, na prática, na ausência das disposições correspondentes aos nºs 2 e 3 do Artigo 20º dos Estatutos, que regulam a Direcção.
Ora, o nº 2 do Artigo 20º dos Estatutos é manifestamente supérfluo, uma vez que repete a solução consagrada (supletivamente) no nº 2 do Artigo 171º do Código Civil (quer para a Direcção quer para o Conselho Fiscal).
O nº 3 do Artigo 20º dos Estatutos regula quer a periodicidade da reunião da Direcção quer a legitimidade de quem a pode convocar. Sucede que estas matérias também se encontram reguladas quanto ao Conselho Fiscal, resultando das als. b) e c) do Artigo 23º dos Estatutos que o Conselho Fiscal reúne obrigatoriamente anualmente (para dar o parecer referido na al. b)) e sempre que lhe seja solicitado um parecer pela Direcção (al. c)).
Assim e perante este entendimento que vem de ser exposto na verdade tal como se conclui na decisão não se vislumbra que ocorra a imputada omissão do funcionamento do Conselho Fiscal e do seu quorum deliberativo e, muito menos, que tal omissão, a existir, fosse ilícita dado que não se nos afigura que a lei em qualquer dos seus normativos de carácter imperativo obrigue ou imponha que se defina o modo de funcionamento e quórum deliberativo do Conselho Fiscal que, aliás, se encontram regulados pelo Artigo 171º do Código Civil), nem, por conseguinte, que esse suposto vício impedisse o funcionamento desse órgão (e, em consequência, da própria associação, o que determinaria a nulidade da própria constituição desta) – cuja constituição, aliás, se encontra definida no Artigo 22º dos Estatutos.
Assim nesta parte considera-se não colher fundamento a tese sufragada nas conclusões recursivas do Exmº Magistrado do M.P.
Mas avancemos.
No que concerne aos artigos 19º e 25º dos estatutos, tais disposições mesmo interpretadas no sentido propugnado e como tal consideradas nulas, que já vimos não se nos afigurar poderem como tal ser qualificadas, importarão a extinção da associação Apelada/Ré?
Cremos que não e assim se decidirá pela seguinte ordem de razões:
Dispõe o artigo 292º do Código Civil que:

“A nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada.” norma também aplicável aos actos jurídicos que não sejam negócios jurídicos Cfr. artigo 295° do CC).
A redução pressupõe, "para além da existência de nulidade ou anulabilidade parcial que não haja uma conexão intrínseca entre a parte válida e inválida, sob pena de ficar sem sentido o objectivo que as partes pretenderam com o negócio" e que o negócio teria sido concluído sem a parte viciada [1]
Com a redução do negócio jurídico procura-se conservar o negócio, na parte não viciada por alguma invalidade, desde que a sua manutenção não contrarie a vontade das partes. Sacrifica-se a parte doente do negócio para salvar a restante, como manifestação do princípio utile per inutile non viciatur [2]
Em princípio, na redução voluntária, cabe à parte interessada actuar a redução (potestiva) prevista no artigo 292° do CC. O negócio só não será reduzido quando se mostrar que, sem a parte viciada, não teria sido concluído cabendo a quem pretende a nulidade ou anulação de todo o negócio demonstrar que não teria celebrado o negócio sem a parte viciada.
Assim, se a invalidade se reporta apenas a um ponto sectorial dos estatutos, que não ponha em causa a subsistência coerente do conjunto, apenas é declarada a invalidade desse parte, salvando-se a parte não inquinada, e em sua substituição, recorrer-se-ia ao regime legal [3]
Ora no caso afigura-se-nos que pode haver lugar a tal redução considerando mesmo a redacção dos artigos 19º e 25º e qualificando tais disposições estatutárias de nulas por violação dos imperativos legais o que se elabora por mero exposição fundamentadora.
Assim é, porque mesmo retirando dos estatutos por nulidade as clausulas mencionadas necessariamente resulta que elas teriam que ser preenchidas na sua falta pelo regime consagrado na lei ou seja respectivamente o disposto no artigo 175º e seus números 1 a 5 e artigo 166º nºs 1 e 2.

Ou seja, a invalidade dos estatutos decorrentes das omissões detectadas e vícios não é total.
Podem subsistir sem a parte viciada.
Por forma a evitar qualquer interpretação não consonante com o regime defendido e propugnado decide-se ad cautelam por considerar nula a norma estatutária contida no artigo 25º
Não é reportado vicio algum às demais cláusulas estatuárias aprovadas, e têm préstimo quanto às demais matérias omitidas.
Há forma de preencher as "lacunas" por recurso a regime legal.
As matérias mencionadas não contendem como já vimos mesmo pela omissão do regime de funcionamento e quórum deliberativo do Conselho Fiscal com o conteúdo mínimo obrigatório a constar dos estatutos constante do artigo 167º do Código Civil.
Os estatutos tal como se apresentam quanto a matérias que deles têm de constar não contêm cláusulas proibidas para além do invocado, que, declaradas nulas ou anuladas, não possam substituir-se pela previsão legal (supletiva), e que assim se impeça a redução do negócio ou acto jurídico.
Consequentemente, estando nessa situação os estatutos impugnados, a pretensão do recorrente não merece provimento.

DELIBERAÇÃO
Nestes termos em face do que vem de ser exposto julgando parcialmente procedentes as conclusões recursivas do Recorrente revoga-se a decisão proferida no que concerne ao artigo 25º dos estatutos da Ré que se declara nulo por violação da norma contida no nº 1 do artigo 166º do Código Civil e concede-se a Apelação nesses termos mantendo-se ainda que com diversa fundamentação em parte a decisão proferida pelo Tribunal a quo de não decretação da sua extinção face ao estatuído no artigo 292º do mesmo diploma legal.
Sem custas

Porto, 12 de Novembro de 2008
Augusto José Baptista Marques de Castilho
Henrique Luís de Brito Araújo
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha

_______________________
[1] Ac. STJ, de 09/05/2006, em ITIJ/net, proc. 06A1003).
[2] Ol. Ascensão Direito Civil - Teoria geral, 11, 356
[3] Vide neste sentido Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, 1, 659