Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4887/20.2T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
CONTRADIÇÃO
PERÍCIA MÉDICA
LIVRE APRECIAÇÃO
Nº do Documento: RP202306264887/20.2T8MTS.P1
Data do Acordão: 06/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO SOCIAL
Área Temática: .
Sumário: I - A nulidade da sentença (ou despacho), a que alude a alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, implica, por um lado, que haja uma contradição lógica na decisão, o que significa, para a sua ocorrência, que a fundamentação siga um determinado caminho e a decisão opte por uma conclusão completamente diversa, e, por outro, que tal fundamentação inculque sentidos diversos e/ou seja pouco clara ou impercetível.
II - Não estando o juiz adstrito às conclusões da perícia médica, por falta de habilitação técnica para o efeito, apenas dela deverá discordar em casos devidamente fundamentados, designadamente com base em opinião científica em contrário, em regras de raciocínio ou máximas da experiência que, no âmbito da sua prudente convicção, possa extrair ou por razões de natureza processual que possam inquinar tal prova.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação / processo n.º 4887/20.2T8MTS.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo do Trabalho de Matosinhos - Juiz 3

Autora: AA
Rés: A..., S.A., e B..., S.A.
______
Nélson Fernandes (relator)
Paula Leal de Carvalho
Teresa Sá Lopes
_______



Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório
1. Na presente ação emergente de acidente de trabalho, em que é Autora / sinistrada AA e Rés A..., S.A., e B..., S.A, decorrida a fase conciliatória sem que tenha sido obtido acordo, veio a primeira, dando início à fase contenciosa, a apresentar petição inicial, pedindo, na procedência da ação:
a) a Ré A..., S.A., para além daquilo que aceita no Auto de Tentativa de Conciliação, ou seja, o acidente dos autos como de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente sofrido e a transferência da responsabilidade da entidade patronal, ser condenada a reconhecer e aceitar a responsabilidade pelo pagamento do vencimento anual de 32.400,00€, ao invés de 25750,00€, a IPP de 6%, com Fator de Bonificação e consequente pagamento do capital da remição da pensão anual na quantia de 21 897,216€, devida desde o dia 23/10/2020, dia seguinte ao da alta.
a) Bem como a pagar a quantia essa fixada no valor de 0,40€ de diferenças por It’s e o pagamento da quantia de 20,00€, a título de despesas de deslocação a tribunal, acrescida de juros.
b) E a Ré B..., S.A, a ser condenada a reconhecer e aceitar a responsabilidade pela diferença relativa às indemnizações por incapacidade temporária e pensões devidas, bem como pelas despesas efetuadas com a hospitalização e assistência clínica, na respetiva proporção, caso se entenda que o contrato de seguro não cobre a totalidade da retribuição da A., ao abrigo do disposto no art.º 79º, nº5 da LAT e art.23.ª da Portaria 256/2011, de 05-07.
Contestou a Ré seguradora contestar, aceitando a dinâmica do sinistro e as sequelas descritas no exame médico, mas alegou estar a sua responsabilidade limitada ao salário transferido e ao valor das ajudas de custo concretamente transferidas, não sendo de admitir o cálculo destas a 12 meses.

Por sua vez, a Ré entidade empregadora, contestando, afirmou que sua responsabilidade se encontrava integralmente transferida para seguradora.

2. Saneados os autos, foram de seguida indicados os factos considerados assentes, constando de seguida:
“Constitui objeto do litígio determinar o valor anual a considerar da retribuição da autora, o grau e amplitude da incapacidade permanente que ficou a padecer e qual a indemnização que, por força daquela, a autora tem direito.
Inexistem temas de prova para julgamento, considerando que a única questão de facto em discussão é a determinação da IPP a atribuir à autora, o que terá de ser decidido em apenso de fixação de jurisprudência.
Nos termos do disposto nos arts. 131.º, n.º 1, alínea e) e 132.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, ordeno o desdobramento do processo e a consequente abertura do apenso de fixação da incapacidade.”

2.1. Instruído o apenso de fixação de incapacidade, desse consta designadamente o seguinte:
- Realizada a junta médica se realizou em 15 de março de 2022, resulta do respetivo auto nomeadamente o seguinte:
“(…) Prestado pelos Senhores peritos o compromisso de cumprimento consciencioso da função que lhes é cometida, os mesmos procederam de seguida ao exame ordenado nos autos.
Sinistrado / Doente
AA, (…).
SITUAÇÃO ACTUAL (Descrição das lesões e respetivas sequelas anatómicas e disfunções)"
Os peritos respondem ao quesito 3 da f. 4 do anexo, por maioria:
A examinada encontra-se afectada de IPP conforme quadro anexo, tendo sido dito pela perita da sinistrada que concorda com o enquadramento mas não com o valor proposto pelos peritos do Tribunal e da seguradora, entendendo que a diminuição da força ao nível dos últimos 3 dedos do pé esquerdo e as alterações de sensibilidade existentes para além da rigidez do tornozelo justificam a atribuição de valor 0,04 nesta sinistrada, pelo que concorda a com a atribuição proposta no relatório do INML.”
Da tabela que se segue consta: na “Rubrica de Tabelas a que correspondem as lesões ou doenças”, “1.14.2.2.1.a)”; na rubrica “Coeficientes de incapacidade Previstos na Tabela”, “0,02-0,04”; como “Desvalorização arbitrada”, “0,02” e “0,02 x 1,5 = 0,03”

- Tendo o referido auto sido notificado às partes em 22 de março de 2022, não foi apresentada qualquer pronúncia ou requerimento das partes;

- Com data de 18 de maio de 2022, foi proferida decisão final, com o teor seguinte:
“O presente apenso foi aberto por decisão proferida nos autos principais, nos termos do disposto nos arts. 132.º, n.º 1 e 131.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo do Trabalho.
Realizada a junta médica consideraram os Ex.mos peritos por maioria que por força do acidente sofrido, o sinistrado é portador de lesões que lhe determinam uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 3%.
Deste modo, tendo em conta o parecer maioritário dos peritos intervenientes na junta médica, as respostas aos quesitos e a respetiva fundamentação e atendendo aos demais elementos trazidos ao processo, nada há que habilite o tribunal a discordar da conclusão a que chegaram aqueles Srs. Peritos, pelo que é de subscrever o grau de incapacidade por eles arbitrado.
Assim, considero a sinistrada clinicamente curada, mas portadora da incapacidade permanente parcial (IPP) de 3% desde o dia imediato ao da alta.
Notifique.”

- Apresentou a Autora, em 13 de junho de 2022, requerimento de interposição de recurso, apresentando as respetivas alegações, contra-alegando no seguimento a Ré Seguradora, defendendo que o recurso não seria admissível.

- Com data de 29 de junho de 2022, depois de não se admitir o recurso, o Tribunal a quo proferiu despacho com o teor seguinte:
“Apesar da inadmissibilidade do recurso interposto, é certo que assiste razão à autora na contradição que apontou quanto à indicação da alínea que consideraram os Srs. Peritos integrar a sequela que apresenta e a moldura dos coeficientes que indicaram os Srs. Peritos corresponder-lhe.
Ora, admitindo a ocorrência de um qualquer lapso de escrita na elaboração do auto de junta médica, cumpre proceder a sua retificação (para, após, determinar se se impõe ou não a retificação da sentença).
Deste modo, e para esclarecimento da contradição apontada e do lapso de escrita que lhe estará subjacente, determino nova reunião de junta médica, a qual terá lugar no próximo dia 29 de setembro, pelas 9:30 horas.
Notifique.”

- No seguimento, reunida de novo a junta médica em 29 de setembro de 2022, consta do respetivo auto nomeadamente o seguinte:
“(…) SITUAÇÃO ACTUAL (Descrição das lesões e respetivas sequelas anatómicas e disfunções):
Analisando o auto do exame por Junta Médica datado de 15-03-2022, os Peritos verificam a existência de um lapso de escrita na consignação do artigo da TNI utilizado na fixação da IPP. Em concreto, foi indicada a utilização da alínea a) do artigo 1.14.2.2.1 quando na realidade se pretendia o uso da alínea b), como de resto se verifica pelo intervalo de valores indicado, correspondente à alínea b.
Rectificado o lapso, o restante conteúdo do auto de 15-03-2022 mantém-se. (…)”.
Consta de seguida “a tabela de desvalorização corrigida”, resultando dessa o seguinte: na “Rubrica de Tabelas a que correspondem as lesões ou doenças”, “1.14.2.2.1.b)”; na rubrica “Coeficientes de incapacidade Previstos na Tabela”, “0,02-0,04”; como “Desvalorização arbitrada”, “0,02” e “0,02 x 1,5 = 0,03”

- Notificada, apresentou a Autora reclamação, que conclui requerendo que “venham os Senhores Peritos Médicos dizer
a) qual o grau de mobilidade na flexão que a sinistrada ora Reclamante tem,
b) explicitando como o mesmo grau foi aferido.”

- Em 10 de novembro de 2022 foi proferido despacho com o teor seguinte:
“Os esclarecimentos agora pretendidos pela sinistrada são extemporâneos.
A junta médica foi realizada a 15/3/2022 e do respetivo laudo não foi pedido qualquer esclarecimento.
A autora apresentou recurso da sentença que fixou a incapacidade com fundamento na contradição no preenchimento do quadro de enquadramento das sequelas, entre os elementos contantes da rubrica da tabela indicada e o coeficiente que lhe corresponderia.
Não se tendo admitido o recurso, mas por reconhecer existir a contradição apontada, este Tribunal determinou que os Srs. Peritos a esclarecessem e retificassem, o que fizeram.
Deste modo, os esclarecimentos agora pretendidos são extemporâneos, considerando que nenhuma alteração ocorreu nos fundamentos e resultado da junta médica (tendo apenas ocorrido um mero lapso de escrita).
Assim, indefiro o requerido pela sinistrada.
Notifique.
*
Esclarecida a contradição que enfermava o auto da junta médica, e concluindo que se tratou de um mero lapso de escrita, mantenho a sentença de fixação de incapacidade proferida nos autos.
Notifique.”

3. Foi, por fim, proferida sentença, no processo principal, de cujo dispositivo consta:
“Nestes termos, e face ao exposto:
a) condeno a ré A..., S.A. no pagamento à autora AA, sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (art.º 135.º do Código de Processo do Trabalho) das seguintes quantias:
- do capital de remição correspondente à pensão anual, devida em 23/10/2020, no montante de €680,40;
- da quantia de €0,40, a título de diferenças de indemnização por períodos de incapacidade temporária; e
- da quantia de €20,00 a título de despesas de transportes;
b) absolvo a ré empregadora dos pedidos contra si formulados.
Fixo em €7.327,00 o valor da presente ação (art. 120º do Código de Processo de Trabalho).
Custas pela ré seguradora.
Registe e notifique.”

2. Notificada, apresentou a Autora requerimento de interposição de recurso, apresentando no final das alegações as conclusões seguintes:
“1-Tendo ao Auto de Exame por Junta medica, fixado a IPP, usado um valor diferente do previsto na lei, mormente na Rubrica I.14.2.2.1.al. a)
2-Inquinou definitivamente o valor final da Incapacidade, o qual,
3- Ao contrário do fixado na sentença deveria ser de 6% e não de 3%.
4- Aderindo a Sentença ao escrito no Auto de Exame na sua integralidade,
5 - Fica também ferida de NULIDADE, que ora se suscita, para todos efeitos legais.
6 - Com a sentença Recorrida ficando em causa a aplicação dos artº 615° n° 1 al. c) do 1º, nº a) CPC, e CPT, deve ser ao presente Recurso dado provimento, e consequentemente,
7 - Declarando-se NULA a sentença, deve a mesma ser substituída por outra onde se proceda corretamente a aplicação do previsto Rubrica I.14.2.2.1.al) a)
FAZENDO-SE JUSTIÇA!!!”

2.1. Contra-alegou a Ré Seguradora, concluindo que deve improceder o recurso.

2.2. O recurso foi admitido em 1.ª instância, como apelação e com efeito devolutivo.

3. Subidos os autos a esta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no parecer a que alude o n.º 3 do artigo 87.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho (CPT), pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso interposto, sendo que, notificadas as partes, não ocorreu pronúncia.
*
I - Questão prévia da junção de documento
Com as alegações, anexa a Recorrente um documento, limitando-se a dizer naquelas que “E admitindo-se que o valor a ponderar sendo o do limite mínimo do intervalo de 0,04%, consequentemente, IPP-0,04x1,5= 0,06, ou seja, 6% de Coeficiente Global de Incapacidade, como melhor resulta do Relatório Medico que ora se anexa enquanto documento n°1.”
Nas contra-alegações, refere a Recorrida que a Recorrente sequer tentou justificar a junção do documento nesta fase, devendo por essa razão ser ordenado o seu desentranhamento, “por processualmente inadmissível por manifesta e ostensiva extemporaneidade.”
Vejamos, então.
Como sabemos, devendo a junção de documentos deve ser feita em princípio com o articulado em que se alegam os factos que constituem fundamento da ação ou da defesa (n.º1, do art.º 423.º do CPC), a lei permite, também, que a junção seja feita até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo neste caso a parte condenada em multa exceto se provar que não os pode oferecer com o articulado (n.º 2, do mesmo artigo 423.º). No entanto, para além desses casos, permite ainda a lei, após o limite temporal estabelecido naquele n.º 2, a junção documentos, mas restringida àqueles cuja “apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior” (n.º3, do mesmo art.º 423.º). Por seu turno, como resulta do artigo 425.º do CPC, “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento”.
Resulta, pois, da conjugação destas disposições que a regra é a junção de documentos na 1.ª instância, com a amplitude permitida no referido artigo 423.º, sendo que, em conformidade com esse, o n.º 1 do artigo 651.º do CPC estabelece que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.
Deste modo, poderemos afirmar que a apresentação de documentos em sede de recurso assume natureza excecional, estando dependente da demonstração de que não foi possível a sua apresentação até esse momento (superveniência objetiva ou subjetiva) ou, numa segunda ordem de razões, se a sua junção se tornou revelado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, sendo que, quanto a esta última situação, tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência que a junção deve ser recusada quando os documentos visem provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não lhe servindo desde logo de pretexto válido invocar a surpresa quanto ao sentido da decisão[1]. No mesmo sentido, reportando-se ao regime anterior, concluíam Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ser “(..) evidente que (..) a lei não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1.ª instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes da decisão proferida”[2].
Por último, importa referir que é ao requerente que cabe justificar a apresentação dos documentos nesta fase, de modo a permitir o juízo sobre a respetiva admissibilidade, necessariamente enquadrada, como se disse, numa daquelas possibilidades, sendo que, no caso, porém, tal como o refere a Apelada, nenhuma justificação é apresentada, nos termos em que, como se disse era imposto.
Em face do exposto, não se admite a junção do referido documento, com a consequente condenação da Recorrente, por configurar a situação um incidente processual anómalo, nas respetivas custas, fixando-se a taxa de justiça no mínimo.
*
Cumpridas as formalidades legais, importa apreciar e decidir:

III – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC) - aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do CPT –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) invocadas nulidades; (2) integração na Tabela Nacional de Incapacidades/TNI.

IV - Fundamentação
A) Fundamentação de facto
Consta da sentença, no âmbito da pronúncia sobre a matéria de facto, o seguinte (transcrição):
“Estão provados os seguintes factos:
1. Mediante contrato de trabalho a termo incerto celebrado em 1 de março de 2019, a autora foi contratada, pela B..., S.A, para desempenhar as funções de Diretora de Fiscalização, passando a integrar a equipa da obra de “Prestação de Serviços de Fiscalização ... – expansão e modernização do Terminal de Contentores ..., incluindo novos edifícios e infraestruturas.
2. Da qual consta como dono da obra o C... (C..., S.A.) e como empreiteiro o D..., S.A..
3. No exercício de tais funções, no dia 13 de agosto de 2019, pelas 16:00h, quando procedia à tarefa de verificação do escoramento da laje em betão no parque subterrâneo do Edifício Administrativo, ao circular sobre uma viga de fundação com desnível em relação ao solo de cerca de 0.60m, para poder aceder ao interior do piso -1, a autora teve a necessidade de se apoiar numa escora metálica de suporte dos elementos de cofragem do piso superior.
4. Mas uma das escoras metálicas estava solta, tendo caído quando foi colocada tão-só nela a mão da autora, o que culminou, consequentemente, no desequilíbrio da autora, queda e posteriores lesões.
5. Ao cair desprotegida e de costas no solo, a autora fratura bimaleolar do pé esquerdo e rutura dos ligamentos do tornozelo do pé esquerdo.
6. Na sequência de tais lesões e dos tratamentos posteriores a que teve de se submeter, a autora padeceu de Incapacidade Temporária Absoluta de 14-07-2020 a 22-10-2020, Incapacidade Temporária Absoluta de 04-02-2020 a 10-03-2020, Incapacidade Temporária Parcial de 30% de 29-01-2020 a 03-02-2020, Incapacidade Temporária Absoluta de 14-08-2019 a 28-01-2020, cuja indemnização foi paga pela ré seguradora pelo montante de €19.064,14.
7. A consolidação médico-legal das lesões ocorreu a 22/10/2020.
8. À data do acidente, a autora auferia como contrapartida do seu trabalho a quantia de €1.500,00 por mês a título de vencimento e, nos meses de março a julho de 2019, a quantia mensal de €950,00 de ajudas de custo.
9. A seguradora reconheceu ser devido o pagamento à autora da quantia de €20,00 a título de reembolso de despesas de deslocação.
10. A autora nasceu a .../.../1958.
11. À data do acidente a ré entidade patronal havia transferido para a ré seguradora a responsabilidade por acidentes de trabalho por contrato de seguro na modalidade de prémio variável, titulado pela apólice nº ...39.
12. Nas folhas de férias remetidas pela ré entidade patronal à ré seguradora, no âmbito do seguro referido, foi por aquela declarada os valores de retribuição e ajudas de custo referidas em H..
13. Na sequência das lesões e sequelas sofridas, a autora ficou a padecer de uma IPP de 3% com fator de bonificação pela idade.
*
Não existem factos não provados.
*
Os factos supra descritos sob os pontos 1. a 12. estavam já assentes nos autos.
O facto constante do ponto 13. resulta da sentença proferida no apenso de fixação de incapacidade.”

B) Discussão
1. Invocadas nulidades
Nas suas alegações, o que transpôs depois para as suas conclusões, invoca a Apelante o seguinte:
“1-Tendo ao Auto de Exame por Junta medica, fixado a IPP, usado um valor diferente do previsto na lei, mormente na Rubrica I.14.2.2.1.al. a)
2-Inquinou definitivamente o valor final da Incapacidade, o qual,
3- Ao contrário do fixado na sentença deveria ser de 6% e não de 3%.
4- Aderindo a Sentença ao escrito no Auto de Exame na sua integralidade,
5 - Fica também ferida de NULIDADE, que ora se suscita, para todos efeitos legais.
6 - Com a sentença Recorrida ficando em causa a aplicação dos artº 615° n° 1 al. c) do 1°, n° a) CPC, e CPT, deve ser ao presente Recurso dado provimento, e consequentemente,
7 - Declarando-se NULA a sentença, deve a mesma ser substituída por outra onde se proceda corretamente a aplicação do previsto Rubrica I.14.2.2.1.al) a)”.
Por sua vez, nas contra-alegações, defende a Seguradora que todos os peritos, por unanimidade, “concordaram e deliberaram que a Rúbrica da T NI é: l. 14.2.2.1b), a que corresponde um Coeficiente de IPP entre 0,02-0,04”, “pois, manifesta a falta de razão da demandante”, pelo que deverão “ser julgadas improcedentes por não provadas as 7 conclusões do recurso apresentado pela demandante”.
Defendendo o Ministério Público no parecer emitido a improcedência do recurso, diremos o seguinte:
Como abordagem inicial, tendo em vista a apreciação das questões que nos são colocadas, no sentido de se perceber o respetivo enquadramento, importa ter presente que a fixação da incapacidade é regulada, na fase contenciosa do processo, nos artigos 138.º a 140.º do CPT, prevendo-se no artigo 139.º o seguinte: “1 - A perícia por junta médica, constituída por três peritos, tem carácter urgente, é secreta e presidida pelo juiz. 2 - Se na fase conciliatória a perícia tiver exigido pareceres especializados, intervêm na junta médica, pelo menos, dois médicos das mesmas especialidades. 3 - Fora das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, se não for possível constituir a junta nos termos dos números anteriores, a perícia é deprecada ao tribunal com competência em matéria de trabalho mais próximo da residência da parte, onde a junta possa constituir-se. 4 - Sempre que possível, intervêm na perícia peritos dos serviços médico-legais que não tenham intervindo na fase conciliatória. 5 - Os peritos das partes devem ser apresentados até ao início da diligência; se o não forem, o tribunal nomeia-os oficiosamente. 6 - É facultativa a formulação de quesitos para perícias médicas, mas o juiz deve formulá-los, ainda que as partes o não tenham feito, sempre que a dificuldade ou a complexidade da perícia o justificarem. 7 - O juiz, se o considerar necessário, pode determinar a realização de exames e pareceres complementares ou requisitar pareceres técnicos. 8 - É aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 1 do artigo 105.º”
Estipula-se, depois, no n.º 1 do artigo 140.º que, “Se a fixação da incapacidade tiver lugar no processo principal, o juiz profere decisão sobre o mérito, realizadas as perícias referidas no artigo anterior, fixando a natureza e grau de incapacidade e o valor da causa, observando-se o disposto no n.º 3 do artigo 73.º”
Por sua vez, a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (TNI) consta do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, referindo-se logo no n.º 1 das Instruções Gerais (Anexo I) que a mesma “(…) tem por objectivo fornecer as bases de avaliação do dano corporal ou prejuízo funcional sofrido em consequência de acidente de trabalho ou de doença profissional, com redução da capacidade de ganho”.
Resultando do n.º 3 que “A cada dano corporal ou prejuízo funcional corresponde um coeficiente expresso em percentagem, que traduz a proporção da perda da capacidade de trabalho resultante da disfunção, como sequela final da lesão inicial, sendo a disfunção total, designada como incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, expressa pela unidade”, estipula depois o ponto 8 que “O resultado dos exames é expresso em ficha apropriada, devendo os peritos fundamentar todas as suas conclusões”.
Pois bem, em face das questões que coloca, reage o Recorrente, no essencial, contra o enquadramento dado pelos Peritos na junta médica, dizendo que fixaram a IPP “usado um valor diferente do previsto na lei, mormente na Rubrica I.14.2.2.1.al. a)”, o que inquinou, diz, definitivamente, o valor final da Incapacidade, o qual, ao contrário do fixado na sentença deveria ser de 6% e não de 3%”, acrescentando que, “aderindo a Sentença ao escrito no Auto de Exame na sua integralidade, fica também ferida de NULIDADE, que ora se suscita, para todos efeitos legais”.
Se bem se percebe, a intenção da Recorrente passa por invocar em primeira linha a existência de vício de nulidade do referido auto, sendo que, então, porque tal invocação apenas foi feita nas alegações do presente recurso, dirigido à decisão final, importará em primeiro lugar verificar se é ou não tempestiva a invocação, pois que, assumindo-se o vício em causa imputado ao auto como nulidade processual secundária, já que apenas passível de ser integrada na fórmula genérica do n.º 1 do artigo 195.º do CPC, daí decorre que o seu conhecimento depende de arguição – posto que o tribunal só pode conhecer oficiosamente das nulidades principais[3] –, arguição essa a fazer no prazo estabelecido para tais efeitos (artigo 199.º). O mesmo regime se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de março de 2021[4], ao referir-se que “A nulidade da junta médica arguida pela recorrente não configura nem se integra em qualquer das nulidades da sentença aí contempladas” – mais se acrescentando, de seguida, que “Tal nulidade situa-se em momento anterior à decisão, a montante desta, não constituindo um vício (intrínseco) da sentença impugnada, mas uma nulidade secundária, sujeita à disciplina do artigo 195º do Código de Processo Civil, com as respectivas consequências. Deveria, assim, a recorrente ter observado o prescrito no artigo 199º, nº 1, do Código de Processo Civil (…)”.
O que referimos anteriormente tem a ver com a circunstância de, em face do que resulta dos autos, a junta médica se ter realizado no dia 15 de março de 2022, estando aliás presente a Sinistrada / agora recorrente, sendo que também se constata que o seu resultado foi notificado aos Mandatários das partes processuais no dia 22 do mesmo mês, sem que, então, no prazo legal para o efeito, qualquer delas, incluindo a agora Recorrente, tenham apresentado qualquer pronúncia ou requerimento, seja reclamação, seja, no que aqui importa, arguido qualquer nulidade, sendo que, proferida que foi depois a decisão final no apenso de fixação de incapacidade, constatando-se que mais tarde veio a ser determinada a convocação de novo da junta médica por se constatar existir contradição, que havia sido apontada aliás pela Sinistrada, quanto à indicação da alínea que consideraram os Peritos integrar a sequela que apresenta e a moldura dos coeficientes que indicaram corresponder-lhe, a verdade é que, no seguimento, reunida a junta, os Peritos vieram a afirmar que “verificam a existência de um lapso de escrita na consignação do artigo da TNI utilizado na fixação da IPP”, “em concreto, foi indicada a utilização da alínea a) do artigo 1.14.2.2.1 quando na realidade se pretendia o uso da alínea b), como de resto se verifica pelo intervalo de valores indicado, correspondente à alínea b”, mais afirmando que, “rectificado o lapso, o restante conteúdo do auto de 15-03-2022 mantém-se”, fazendo constar de seguida “a tabela de desvalorização corrigida”, resultando dessa, afinal, a correção no campo “Rubrica de Tabelas a que correspondem as lesões ou doenças”, que passou a ser “1.14.2.2.1.b)”, mantendo-se o mais. Ou seja, sendo verdade que a Autora/aqui recorrente apresentou então reclamação, que conclui requerendo que os Peritos viessem dizer “qual o grau de mobilidade na flexão que a sinistrada ora Reclamante tem”, “explicitando como o mesmo grau foi aferido”, no entanto, como aliás o salientou o Tribunal de 1.ª instância no despacho que proferiu em 10 de novembro de 2022, tal reclamação, vistas as questões que foram colocadas, pode ser tida como extemporânea, na consideração, como se afirmou, de que não teria ocorrido nenhuma alteração “nos fundamentos e resultado da junta médica (tendo apenas ocorrido um mero lapso de escrita)”.
Não obstante, afigura-se-nos que a questão sequer assume no caso real relevância, pois que, afinal, o que está em causa é a integração da lesão na TNI, sendo que, apesar da pronúncia que nesse âmbito seja emitida pelos Peritos, sempre cumprirá ao tribunal, incluindo em sede de recurso, até porque a questão nos é colocada, verificar dessa integração, em face dos elementos que resultam dos autos, questão sobre a qual nos pronunciaremos mais tarde.
No entanto, importa dizê-lo, não está em causa, no caso, em face da invocação, a ocorrência de nulidade da sentença que é indicada pela Recorrente, assim a prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC.
Na verdade, a propósito da previsão dessa alínea – Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível –, lembrando Alberto dos Reis[5], poderemos dizer que o pretenso vício acontece quando se patenteia que a sentença enferma de vício lógico que a compromete, ou seja, o juiz, escrevendo o que realmente quis escrever, fez todavia uma construção viciosa, já que os fundamentos que invocou conduziriam logicamente, não ao resultado expresso, mas ao oposto. A propósito, refere-se no acórdão do STJ de 26 de Janeiro de 2021, processo 2350/17.8T8PRT.P1.S2, acessível em www.dgsi.pt, que “O vício a que se reporta o apontado segmento normativo implica, por um lado, que haja uma contradição lógica no Aresto, o que significa, para a sua ocorrência, que a fundamentação siga um determinado caminho e a decisão opte por uma conclusão completamente diversa, e, por outro, que tal fundamentação inculque sentidos diversos e/ou seja pouco clara ou imperceptível.”
Ora, com o aludido âmbito, não se deteta, sendo que o Recorrente também não o evidencia, em que termos a decisão recorrida padece do referido vício, pois que, independentemente de outras razões, em que se inclui a questão de saber se a lesão foi ou não bem integrada na TNI – mas sobre essa questão nos pronunciaremos de seguida –, não se pode dizer que os seus fundamentos devessem conduzir a um resultado oposto ao decidido.
Pelo exposto, improcede o recurso nesta parte.

2. Integração na Tabela Nacional de Incapacidades / TNI
Não obstante a Recorrente ter integrado a questão no âmbito da nulidade da sentença, cujos argumentos como antes o afirmámos improcederam, importa, porém, verificar se ocorreu ou não erro na integração na TNI, assim o indicado pela Recorrente, ao defender que, em vez da alínea b), tal como, esclareça-se, o consideraram todos os Peritos que integraram a junta média (sobre esta questão houve unanimidade) e no seguimento a decisão que foi proferida no apenso de incapacidade, deve ser integrada, diversamente, na alínea a) do ponto 14.2.2.
Diverge a Apelada Seguradora, defendendo a adequação da integração realizada pelos Peritos e aceite na decisão que fixou a incapacidade, no que é acompanhada pelo Ministério Público no parecer que emitiu.
Cumprindo-nos pronúncia, importa desde já ter presente que, resultando da TNI, que o resultado dos exames é expresso em ficha apropriada, devendo os peritos fundamentar todas as suas conclusões, resulta depois do ponto 13.º das mesmas instruções que, “A fim de permitir o maior rigor na avaliação das incapacidades resultantes de acidente de trabalho e doença profissional, a garantia dos direitos das vítimas e a apreciação jurisdicional, o processo constituído para esse efeito deve conter obrigatoriamente os seguintes elementos: a) Inquérito profissional, nomeadamente para efeito de história profissional; b) Análise do posto de trabalho, com caracterização dos riscos profissionais e sua quantificação, sempre que tecnicamente possível (para concretizar e quantificar o agente causal de AT ou DP); c) História clínica, com referência obrigatória aos antecedentes médico-cirúrgicos relevantes; d) Exames complementares de diagnóstico apropriados”.
Transcreveremos de seguida o que dessa TNI possa resultar com relevância para o caso.
Consta do capítulo I (“Aparelho locomotor”, da TNI, como “Instruções específicas”:
O esqueleto serve de suporte de outras estruturas, órgãos, sistemas ou tecidos, sendo também influenciado por estes, como sucede, por exemplo na hipomobilidade resultante de dismorfias, internas ou externas, com prejuízos funcionais ou estéticos que condicionam a avaliação da capacidade de ganho do homem.
Neste sentido, reveste-se de especial importância a valorização da função, relativamente a um eventual compromisso morfológico. A perda ou limitação da função da mobilidade osteoarticular que ocorre, por exemplo, no caso das hipotonias ou das degenerescências miopáticas, não envolve, pelo menos de início, a afectação dos segmentos ósseos ou das superfícies articulares.
Daí reconhecer-se o primado do prejuízo funcional relativamente ao compromisso anatómico. Os diversos coeficientes de incapacidade atribuídos serão, sucessivamente, adicionados de acordo com o princípio da capacidade restante tendo, todavia presente que, a incapacidade segmentar de um membro nunca poderá ser equiparável à perda total do mesmo.
O estudo da mobilidade e da patologia osteoarticular possui semiologia específica cuja avaliação exige, como requisitos mínimos, um local para execução do exame pericial que permita a observação do sinistrado de pé, em decúbito e durante a marcha.
Como auxiliares da observação pericial, o médico deve dispor, no mínimo, para além de um catre de observação, negatoscópio, fita métrica, régua, goniómetro e dinamómetro.
Na avaliação dos coeficientes de incapacidade a atribuir nunca deverá ser esquecido o estudo da potência muscular, universalmente classificada em seis grupos: 0) Não se verifica qualquer contracção muscular; 1) Verifica-se contracção muscular mas esta não anula a acção da gravidade; 2) Verifica-se contracção muscular que anula mas não ultrapassa a força da gravidade (sem movimento possível); 3) A força da contracção muscular já consegue vencer a força da gravidade; 4) A força da contracção muscular já consegue vencer a resistência do médico; 5) Verifica-se força muscular normal
Aos coeficientes de incapacidade resultante das sequelas osteoarticulares e ligamentares, serão adicionados, quando for caso disso, os coeficientes de incapacidade de índole neurológica ou outra, sempre de acordo com o princípio da capacidade restante.
As próteses externas, consoante o seu grau de aperfeiçoamento, poderão conduzir a uma diminuição da incapacidade prevista na Tabela, que deve ser quantificada logo que seja atingida a estabilidade clínica [v. Instruções gerais, n.º 5, al. b)].
Por sua vez, integrado em “14” (“14. Tornozelo”), mais propriamente em “14.2.” – “Esqueleto (sequelas osteoarticulares). Nota: São fundamentalmente dois os movimentos dependentes da articulação tíbio-társica (flexão e extensão), que se devem pesquisar em posição neutra ou posição de repouso que se adquire quando o eixo do pé faz um ângulo de 90º com o eixo da perna: - A flexão vai de 0º a 20º - A extensão vai de 0º a 40º” – e neste depois em “14.2.2.” – “Limitação (rigidez) da articulação tibio-társica” –, a redação do ponto “14.2.2.1”, no que aqui importa, é a seguinte:
Na flexão:
a) Mobilidade entre 0º e 10º …….. 0,04-0,07
b) Mobilidade entre 0º e 18º … 0,02-0,04
(…)
Apreciando, então, diremos o seguinte:
O Tribunal recorrido, na decisão que fixou a incapacidade, fez constar apenas que, “tendo em conta o parecer maioritário dos peritos intervenientes na junta médica, as respostas aos quesitos e a respetiva fundamentação e atendendo aos demais elementos trazidos ao processo, nada há que habilite o tribunal a discordar da conclusão a que chegaram aqueles Srs. Peritos, pelo que é de subscrever o grau de incapacidade por eles arbitrado”. Ou seja, constatando-se que não ocorreu pronúncia expressa sobre a questão da integração das lesões na TNI, extrai-se, porém, que se aceitou a conclusão a que se chegou no laudo dos Peritos, antes emitido, pelo que, constando é certo da tabela constante desse laudo, na “Rubrica de Tabelas a que correspondem as lesões ou doenças”, “1.14.2.2.1.a)”, tal integração veio a ser assumida, assim quando reunida de novo a junta mais tarde, como decorrente de lapso, de modo claro, de resto de forma unânime por todos os Peritos – referindo expressamente que “analisando o auto do exame por Junta Médica datado de 15-03-2022, os Peritos verificam a existência de um lapso de escrita na consignação do artigo da TNI utilizado na fixação da IPP. Em concreto, foi indicada a utilização da alínea a) do artigo 1.14.2.2.1 quando na realidade se pretendia o uso da alínea b), como de resto se verifica pelo intervalo de valores indicado, correspondente à alínea b” –, pelo que integraram então, na tabela, na “Rubrica de Tabelas a que correspondem as lesões ou doenças”, precisamente no ponto “1.14.2.2.1.b)”, mantendo o mais, desde logo, na rubrica “Coeficientes de incapacidade Previstos na Tabela”, “0,02-0,04” e como “Desvalorização arbitrada”, “0,02” e “0,02 x 1,5 = 0,03”, sendo que, como aliás os Peritos o disseram, quanto a estas duas últimas rubricas, fizeram constar precisamente o que já tinham feito da tabela inicial, elaborada em 15 de março de 2022.
Ora, nestas circunstâncias, tanto mais que está em causa a mobilidade na flexão e contaram os Peritos com a possibilidade de tal constatarem também em face de análise por estar presente a Autora aquando da realização da junta médica, bem como, depois, a incapacidade que veio a ser pelos mesmos atribuída (neste caso por maioria), não descortinamos quaisquer razões, tanto mais que a Recorrente as não refere, para não considerarmos, por um lado, que ocorreu o lapso que mencionam e retificaram de modo unânime, assumindo-se deste modo como adequada a integração que, em face da sua retificação, que mencionaram, assim, não na alínea a) e sim na alínea b), do ponto em causa, e, por decorrência, pois que a pronúncia dos Peritos, como se disse, já havia sido considerada na decisão final que havia fixado a incapacidade, que o Tribunal recorrido essa tenha mantido. Como ainda, por outro lado, não obstante neste caso o laudo ter sido por maioria, a incapacidade que veio a ser atribuída.
É que, na falta de outros elementos, importa aqui ter presente que o julgador, na prolação da decisão de fixação da incapacidade, não pode deixar de servir-se da prova obtida por meios periciais, quer adira ou não ao laudo médico maioritário ou unânime, sendo que, ao estar em causa a natureza e força probatória do laudo pericial enquanto meio probatório – a prova pericial tem por objeto, como resulta do artigo 388.º do Código Civil (CC) a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem ou quando os factos relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial –, aos peritos médicos, por disporem para o efeito dos necessários conhecimentos médico-científicos, cabe-lhes a pronúncia sobre quais as sequelas que resultaram das lesões provocadas pelo acidente de trabalho, identificando-as e enquadrando-as nas regras estabelecidas na TNI, para depois concluírem pela atribuição de uma determinada incapacidade, cabendo depois ao julgador, realizadas essas perícias, proferir decisão sobre o mérito, fixando a natureza e grau de incapacidade”, sendo que, como o temos afirmado, estando em causa um meio de prova pericial, as considerações e as conclusões do exame, mesmo quando alcançadas por unanimidade, não vinculando é certo o juiz, ao estarem também sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova (artigos 389.º do CC e 607.º do CPC), no entanto, na decisão a proferir, deve “a eventual divergência ser devidamente fundamentada em outros elementos probatórios que, por si ou conjugadamente com as regras da experiência comum, levem a conclusão contrária”[6].
Se pode discordar-se?
Certamente que sim, como aliás se verifica em muitos outros casos e ocorre também agora por parte da Recorrente. Mas, sendo essa discordância legítima, a mesma não se traduz, no entanto, em qualquer menor adequação da decisão recorrida, ao ter-se baseado nos elementos que indicou, assim o laudo dos Senhores Peritos, que, não obstante não ser, como antes dito, vinculativo para o tribunal – encontra-se aqui também presente o princípio da livre apreciação da prova pelo tribunal (artigos 389.º, do Código Civil e 591.º, do CPC), no entanto, no caso, não pode dizer-se que a decisão do Tribunal, baseada nessa livre convicção, não se apresente como adequada.
Nos termos expostos, improcede o presente recurso, pois que outras questões foram colocadas.

As custas são da responsabilidade da Recorrente (artigo 527.º do CPC)
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Sumário, a que alude o artigo 663.º, n.º 7, do CPC, da responsabilidade exclusiva do relator:
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V – DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.
Porto, 26 de junho de 2023
(acórdão assinado digitalmente)
Nelson Fernandes
Jerónimo Freitas
Rita Romeira
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[1] António Abrantes Geraldes, Recursos No Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 185
[2] Manual de Processo Civil, 2.ª Ed. Revista e Atualizada, Coimbra Editora, 1985, pp. 531 a 534
[3] art.ºs 196.º e 197.º n.º1, do CPC
[4] Relatora Conselheira Leonor Cruz Rodrigues, in Colectânea de Jurisprudência / Acs STJ, n,º 310, Ano XXIX-Tomo 1/2021, pág. 233.
[5] Código de Processo Civil Anotado, 5º, pág. 143.
[6] Entre muitos, veja-se o acórdão desta Secção de 30.05.2018, Relatora Desembargadora Paula Leal de Carvalho.