Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
400/15.1TXPRT-K.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO VAZ PATO
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
DOIS TERÇOS DA PENA
PROGNOSE DE QUE O CONDENADO
UMA VEZ EM LIBERDADE
CONDUZIRÁ A VIDA DE MODO RESPONSÁVEL
NIVEL SOCIAL
SEM COMETER CRIMES
Nº do Documento: RP20200115400/15.1TXPRT-K.P1
Data do Acordão: 01/15/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A circunstância de o recorrente cumprir pena de prisão pela prática de crime de tráfico de estupefacientes depois de ter sido condenado noutra pena de prisão também pela prática de crime de tráfico de estupefacientes suscita acrescidas exigências de prevenção especial. Ao condenado é, nesse caso, exigível uma acentuada e inequívoca demonstração da sua vontade de não cometer crimes no futuro para que seja possível a formulação de um juízo de prognose favorável a esse respeito.
II - Mas daí não pode decorrer a impossibilidade de concessão de liberdade condicional em caso de uma segunda condenação em pena de prisão, mesmo que esteja em causa a prática do mesmo crime; não é isso que decorre da lei e ao juiz falece legitimidade para proceder como se tal decorresse da lei; esse facto não é, por isso, motivo para, por si só, impedir a concessão da liberdade condicional.
III - O juízo sobre se o condenado ele interiorizou suficientemente o desvalor da sua conduta é um juízo sobre um facto interno que, na sua integralidade, escapa ao conhecimento de qualquer juiz. Este poderá atender apenas a factos objetivos, como o discurso verbal ou o comportamento que possa refletir essa disposição interior de arrependimento, ou, pelo contrário, com ela contrastar; para além desses factos objetivos, qualquer juízo que se funde noutros aspetos entra no domínio do arbitrário.
IV – A circunstância de o local onde o condenado irá residir, depois de libertado, estar conotado com problemáticas sociais e criminais, de onde pode resultar o agravamento do risco de reincidência, não é fator decisivo para impedir a concessão da liberdade condicional, sob pena de violação do princípio da igualdade e discriminação em razão da condição social.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 400/15.1TXPRT-K.P1
Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I – B… vem interpor recurso da douta decisão do 1º Juízo do Tribunal de Execução das Penas do Porto que não lhe concedeu o regime de liberdade condicional.

Da motivação do recurso constam as seguintes conclusões:
«1 - O arguido preenche os requisitos, formais e materiais, para obter o regime de adaptação à liberdade condicional, como melhor se demonstrará.
2 - A concessão do regime de liberdade condicional tem que ser aferida em concreto, ponderando as circunstâncias pessoais do recluso em causa, designadamente, terá o julgador que aferir, em primeiro lugar se a sua libertação se revela compatível com a defesa da ordem e da paz social, em segundo lugar, se face à evolução que registou durante o cumprimento da pena imposta, sugere, a emissão de um juízo de prognose favorável, no sentido de não voltar a cometer crimes, uma vez restituído a liberdade antes do tempo.
3 - No caso concreto, a argumentação da decisão recorrida, que suporta a condição de que a libertação do recorrente não é possível face à necessidade de acautelar as necessidades prevenção especial que o caso impõe, carece na perspectiva da defesa de fundamento.
4 - E, fundamenta a sua discordância, no facto da decisão ser sustentada essencialmente no CRC do condenado, e em concreto no facto do mesmo ter sofrido condenação por crime da mesma natureza tendo nessa data beneficiado de liberdade condicional.
5 - Com isto, não se pretende dizer que tal factualidade não podia ser valorada, o que se entende é que não poderá sobrepor-se a outros factores, tais como, o tempo que decorreu entre a data da condenação pela prática desse crime e a data da condenação pelos quais cumpre a pena. Qual a janela temporal entre a data da sua libertação definitiva e a prática dos crimes pelos quais agora se afere da sua possibilidade de ser restituído à liberdade.
6 - Tanto mais que, todos esses factores foram tidos em conta, pelo tribunal de condenação, aquando da determinação da pena concreta que lhe foi aplicada, nos termos dos arts 70 e 71 do C.P.
7 - Por outro, porque, o comportamento adoptado pelo recluso, durante o período do cumprimento da pena tem que ser avaliado, no sentido de se em concreto regista uma evolução capaz de fazer o tribunal acreditar, que restituído à liberdade não voltará a cometer crimes.
8 - Ora, o condenado, regista um comportamento positivo quer em relação aos crimes cometidos, quer em relação ao cumprimento dos deveres que lhe foram impostos, com particular relevo para o empenho demonstrado na aprendizagem escolar que fez, no sentido de lhe proporcionaram maior conhecimento académico e o comportamento ajustado no interior do E.P.P, não tendo sofrido qualquer tipo de sanção disciplinar. Confiança que foi reforçada, após a decisão recorrida com a concessão de RAI.
9 - Na comunidade, não existe qualquer sinal de rejeição, o arguido cumpriu mais de 2/3 da pena.
10 - Circunstancialismo que deveria ser conjugado, com o aproveitamento das medidas de flexibilização de que dispôs, colocação laboral e um projecto de vida ao lado da companheira e filha menor, factores que se revelam como elemento importante e protector no seu processo de reinserção social. Na verdade, o tribunal não faz menção à declaração emitida pela entidade patronal, porém, a mesma revela-se compatível com as competências que o mesmo regista e importante no processo de reintegração do condenado.
11 - Entende por isso, que, face às razões supra aduzidas, deverá considerar-se plenamente cumprido o fim das penas, quer de prevenção geral, quer a especial e, conceder ao arguido/ recluso ora recorrente, a liberdade condicional.
12 - Violou-se o disposto nos arts 61, 62 do C.P Nestes termos e nos mais de direito, que V. Exa doutamente melhor suprirão, deve ser dado provimento ao recurso e, por via disso, ser revogada a, aliás douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que contemple as conclusões atrás aduzidas, concedendo ao recluso/recorrente a liberdade condicional.»

O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento do recurso.

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando pelo não provimento do recurso.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

II – A questão que importa decidir é, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, saber se se verificam, quanto ao recorrente, os pressupostos de concessão do regime de liberdade condicional.

III - É o seguinte o teor da douta decisão recorrida:

«I. Corre o presente processo de liberdade condicional referente ao condenado B…, identificado nos autos.
Foram elaborados os pertinentes relatórios.
Reuniu o Conselho Técnico, que emitiu parecer desfavorável (por maioria) à concessão da liberdade condicional, e procedeu-se à audição do recluso, que consentiu na aplicação de tal regime.
O Ministério Público pronunciou-se pela não concessão da liberdade condicional.
Cumpre decidir, nada obstando.
II. Com interesse para a decisão a proferir, consigna-se a seguinte factualidade, resultante do exame e análise crítica do teor da(s) certidão(ões) proveniente(s) do(s) processo(s) da condenação, do CRC do condenado, dos relatórios elaborados em cumprimento do preceituado no artigo 173.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CEP, da ficha prisional remetida pelo estabelecimento prisional, da reunião do Conselho Técnico e da audição do recluso, tudo elementos documentados nos autos: O condenado nasceu em 01.10.1981. Cumpre a pena única de 8 anos de prisão, à ordem do processo n.º 59/13.0GGVNG, da Comarca do Porto – Juízo Central Criminal de Vila Nova de Gaia – Juiz 1, no âmbito do qual foram cumuladas penas parcelares atinentes à autoria de um crime de detenção de arma proibida, um crime de tráfico de estupefacientes e um crime de comércio ilícito de material de guerra (Processo comum colectivo n.º 59/13.0GGVNG: Pelo menos desde o início de 2014 até 10 de Fevereiro desse ano que, pelo menos parte da cocaína e heroína vendidas pelos arguidos C… eram fornecidas pelo arguido B…. Este arguido, normalmente, era contactado pelo arguido C… quer pessoalmente quer pelo telefone, para combinarem a data e o local do encontro, onde acertavam os pormenores quanto às quantidades a transaccionar. Tais transacções ocorreram, pelo menos, nos dias 2, 3, 5 e 9 de Fevereiro. No dia 27 de maio de 2014, cerca das 23h10, no interior da residência do arguido B…, sita na Travessa …, nº .., …, …, Vila Nova Gaia, este detinha: Na sua posse, na roupa que trazia vestida: Um telemóvel de marca “Nokia”, modelo …, IMEI ……………, com o cartão SIM n.º ………; um telemóvel de marca “Nokia”, IMEI ……………, com o cartão SIM n.º ………; um pedaço de canábis (resina), com o peso líquido de 0,503 gramas. No interior da residência tinha: um telemóvel de marca “Samsung”, IMEI ……………, com o cartão SIM n.º ………. Dentro de uma caixa de sapatilhas, colocada dentro de um móvel suspenso: Uma balança digital, de cor cinzenta, sem marca, contendo vestígios de cocaína; uma saqueta plástica contendo diversos pedaços em estado bruto de cocaína, com o peso bruto de 14,367 gramas; uma saqueta plástica contendo cocaína, com o peso bruto de 5,635 gramas. Dentro do móvel suspenso: Dois pedaços de papel quadriculado, contendo apontamentos relacionados com a actividade de tráfico de estupefacientes. Dentro do forro da parte de baixo do sofá: Dezoito notas de quinhentos euros (€500,00) e seis (06) notas de duzentos euros (€200,00), perfazendo um total de dez mil e duzentos euros (€10.200,00). Na cozinha: Na bancada, em cima do micro-ondas: Um pedaço de canábis (resina), com o peso líquido de 1,290 gramas. Numa prateleira dentro do móvel da banca: Um moinho de marca “Becken”, contendo resíduos de heroína. Numa cavidade do fogão, por detrás do mesmo: Um saco plástico contendo no seu interior uma substância de cor branca, em pó, denominada fenacetina, com o peso bruto de 92,599 gramas, utilizada para misturar/adulterar produto estupefaciente. Na gaveta do móvel da bancada: Uma caixa contendo no seu interior uma saca plástica com bicarbonato de sódio, com o peso bruto de 400,545 gramas, utilizada para misturar/adulterar produto estupefaciente. No quarto do arguido: Em cima da prateleira suspensa, da TV: Um pedaço de papel quadriculado, contendo apontamentos relacionados com a actividade de tráfico de estupefacientes. Dentro da gaveta de cima da mesinha de cabeceira: Vinte munições de arma de fogo, concretamente cartuchos metálicos carregados com carga propulsora de pólvora, escorva e um projéctil metálico (bala), de calibre 6,35 mm., acondicionadas na respectiva caixa, em bom estado de conservação, em condições de serem utilizadas. A canábis (resina) detida pelo arguido B… destinava-se ao seu consumo pessoal. O arguido B… efectuou vendas de heroína e cocaína sendo que, pelo menos, no que concerne ao arguido C… sabia que o mesmo destinava tais substâncias à revenda directa a consumidores em pequenas doses. As outras substâncias que o arguido B… tinha na sua posse - fenacetina e bicarbonato de sódio - destinavam-se a ser, por ele, utilizadas para serem misturadas com o produto estupefaciente e assim obter uma maior quantidade deste. O dinheiro detido pelo arguido B… era produto de vendas de estupefacientes que tinha realizado. Os telemóveis e cartões detidos pelo arguido eram por este utilizados na actividade de compra e venda de produto estupefaciente. Os restantes objectos apreendidos eram utilizados pelo arguido na actividade de venda de estupefacientes. À data dos factos o arguido B… não exercia actividade profissional remunerada, vivendo exclusivamente da venda de produtos estupefacientes. O arguido B… agiu bem sabendo que a aquisição, detenção ou transporte do produto estupefaciente, bem como a sua ocultação, entrega a qualquer título, ou venda a outra pessoa, não lhe era legalmente permitida e era punida por lei. O arguido conhecia as características das munições que detinha e sabia que não as podia ter na sua posse, por não ser titular da respectiva licença. Agiu o arguido de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. Processo comum colectivo (crimes militares) n.º 9704/14.0TDPRT: Desde data não concretamente apurada e até 27 de maio de 2014, detinha no interior da sua então residência, sita na travessa …, n.º .., …, …, em Vila Nova de Gaia, designadamente num roupeiro do seu quarto, um cartucho de transporte de granada que continha uma granada de exercício. Trata-se de uma granada de mão ofensiva, de instrução/exercício M/321E, em excelente estado de conservação, com corpo cilíndrico em plástico com 126,5mm de comprimento, carga inerte constituída por 190 gramas de areia e detonador em espoleta activos. Foi fabricada na “SPEL”, sendo modelo utilizado nas Forças Armadas Portuguesas. Encontrava-se completa e, como material explosivo, possuía apenas a espoleta com detonador do tipo C131, não contendo qualquer carga explosiva no corpo da granada. A granada encontrava-se na posse e disponibilidade do arguido o qual podia livremente aceder e com a mesma fazer o que bem entendesse, sabendo onde se encontrava. A granada foi-lhe entregue uns meses antes por um amigo e o arguido nunca teve intenção de a utilizar. O arguido conhecia as características da granada que lhe foi apreendida e tinha conhecimento da sua natureza de material de guerra, cuja posse implica risco de dano para as pessoas se manuseada por pessoal não credenciado como o arguido, que não prestou serviço militar. O arguido sabia ainda que não podia utilizar nem deter a referida granada, para o efeito não tendo qualquer autorização, licença ou permissão. O arguido actuou livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.).
Atingiu a metade da pena em 27.05.2018, os dois terços da mesma em 27.09.2019, os cinco sextos serão alcançados em 27.01.2021, estando o seu termo previsto para 27.05.2022.
O condenado encontra-se recluído pela segunda vez em cumprimento de pena de prisão efectiva. Beneficiou, em anterior reclusão, no decurso da execução de uma pena de 10 anos de prisão, de liberdade condicional, a qual foi convertida em liberdade definitiva com efeitos reportados a 25.05.2009.
No CRC junto figuram três condenações anteriores, a primeira das quais proferida em 22.09.1998 (factos desse mesmo dia), relativas à prática de crimes de condução de veículo sem habilitação legal (duas condenações por este tipo de crime), detenção de arma proibida (duas condenações por este tipo de crime), tráfico de estupefacientes e branqueamento de capitais.
Consta também uma outra condenação, proferida em 18.02.2016 (factos de 30.05.2012), relativa à prática de crimes de condução de veículo sem habilitação legal, ofensa à integridade física simples e injúria, pelos quais lhe foi imposta pena de multa, a qual foi, em 24.05.2018, declarada extinta pelo cumprimento (v. fls. 110 e 125-126).
Ouvido, declarou que: a granada que lhe apreenderam era de um seu amigo que foi trabalhar para França, tendo-a guardado por favor e amizade; envolveu-se no tráfico de droga devido aos consumos de cocaína que iniciou depois de ter sido libertado, com vista a sustentá-los; reconhece que fez mal a si próprio, à sua família e aos consumidores a quem vendeu a droga; não consome drogas desde que preso, sem ter tido necessidade de tratamento; no estabelecimento prisional está há quatro anos na escola, estando a completar o 9.º ano do ensino; pretende ir residir, numa primeira fase, com o seu pai; logo que possível, pretende passar a viver em comum com a sua companheira e a filha de ambos; vai trabalhar num estabelecimento de restauração situado em Matosinhos, pertencente a um casal conhecido da sua companheira; consente na aplicação da liberdade condicional.
Ao longo do cumprimento da pena não foi alvo da aplicação de medidas disciplinares.
Concluiu o 6.º ano de escolaridade, sendo avaliado como motivado para a aquisição de melhor qualificação escolar, à qual pretende dar continuidade; presentemente frequenta o 3.º ciclo do ensino, na área da informática; frequenta a biblioteca com regularidade e pratica actividades que envolvam exercício físico.
Beneficiou de duas licenças de saída jurisdicional, as quais decorreram em condições de normalidade.
O ambiente familiar do agregado de origem do condenado foi perturbado pelo alcoolismo paterno, figura violenta, que impôs um relacionamento maltratante e ofensor; a mãe assumiu-se como uma figura confortante afectiva e protectora, alvo do investimento emocional do condenado e da prestação de cuidados até à ocorrência da sua morte, em 1996.
A realização amorosa, o estabelecimento de união de facto com a companheira e a ampliação de agregado familiar com o nascimento da filha do casal constituíram-se como suportes afectivos gratificantes e de realização pessoal do condenado.
O agregado da companheira do condenado é constituído por aquela, de 33 anos de idade, pela filha do casal, de 8 anos de idade, estudante, e pelos pais da companheira, reformados, de 63 e 62 anos de idade, o relacionamento familiar é determinado pela existência de laços afectivos, pela cordialidade e pela manutenção dos laços afectivos de entreajuda e de interesse de realização conjunta como família de modo independente; também a irmã da companheira e respectivo agregado mantêm proximidade relacional com o recluso.
A companheira e a filha do condenado continuam integradas no agregado dos progenitores daquela, sito Rua …, Bloco .., Entrada .., …, …. - … …, Porto; o agregado reside em apartamento social de tipologia 1, com condições suficientes de para albergar aquele núcleo, integrado em espaço habitacional camarário conotado com problemáticas sociais e criminais e na proximidade de outros com idênticas problemáticas.
Determinado por propósitos de agregação, o casal projecta, assim que possível, concretizar a autonomização habitacional, atendendo às diminutas dimensões da habitação dos pais da companheira do condenado; pretendem arrendar um espaço ou conseguir, através da casa onde reside o pai do recluso, porque este faz parte do agregado, fazer pedido de atribuição de nova habitação; a família da companheira menciona total disponibilidade para apoiar o casal nestes seus intentos.
Habilitado com o 5.º ano de escolaridade antes de preso, o condenado desempenhou funções profissionais como instalador de sistemas de segurança, conjuntamente com venda de automóveis, conforme as pequenas oportunidades de negócio; desde 2009, esta passou a ser a sua actividade principal legítima.
Relativamente à sua ocupação socialmente útil, o condenado não tem assegurado qualquer projecto nem dispõe de perspectivas de emprego.

III. Apreciando.
Verificados que estão os pressupostos formais para a concessão da liberdade condicional (aquisição temporal e consentimento do condenado, este último imposto pelo artigo 61.º, n.º 1, do Código Penal), cumpre avaliar o preenchimento dos respectivos requisitos de natureza material, os quais, dada a presente fase da execução da pena, são os estabelecidos no artigo 61.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal.
Em primeira linha, no que se prende com as circunstâncias do caso sub judice (artigo 61.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal), cumpre considerar que o desvalor objectivo dos factos subjacentes ao crime aparece como muito acentuado, manifestado, nomeadamente, no seu prolongamento no tempo (foi cometido ao longo vários meses, movimentando apreciáveis quantias monetárias), o que revela um muito firme e renovado propósito de tráfico; anota-se, também, a natureza dos estupefacientes envolvidos (de acentuado poder destrutivo).
Cumpre, também, considerar que o condenado já beneficiou, em anterior reclusão, no quadro de uma longa pena de prisão, de liberdade condicional, regime que, como se vê, não foi suficiente para o afastar, definitivamente, da criminalidade.
Ao invés, retomou a actividade criminosa, novamente no domínio do tráfico de estupefacientes, notando-se, assim, uma propensão para a prática desse tipo de crime, com concomitante indiferença perante o bem jurídico merecedor de tutela penal.
Sofreu, para além disso, as demais condenações acima referidas.
Deste modo, visto todo o descrito quadro, afiguram-se muito acentuadas as necessidades de prevenção especial que operam no caso em análise, as quais demandam acrescido período de prisão efectiva, de forma a ser possibilitada, por parte do condenado, uma melhor interiorização do desvalor das condutas assumidas e dos fundamentos da condenação.
Certo que o condenado alude aos danos causados a terceiros através da sua actividade criminosa. Contudo, afigura-se que tudo aquilo que verbaliza deveria ter já sido por si assimilado de forma consequente no quadro da sua primeira condenação/reclusão, momento a partir do qual, acrescidamente, se lhe impunha outra autodeterminação pessoal.
Diferentemente, evidencia-se uma personalidade que não se detém perante a possibilidade de acesso a rendimentos fáceis ilícitos, concretamente os provenientes do tráfico de estupefacientes, o que faz ressaltar marcada indiferença pelo bem jurídico protegido.
Por isso, entendo que o seu declarado posicionamento perante a gravidade do crime não convence, em termos de se constituir como factor de prevenção de futuros crimes, antes surgindo como um discurso socialmente expectável, sem verdadeira interiorização.
Tal conclusão resultou, primacialmente, das declarações que o condenado prestou de forma espontânea e livre perante o tribunal, tendo sempre presente o princípio da imediação – que permite não só ouvir o que é dito, mas também a forma como é expressado, a linguagem corporal e facial –, muito importante nestas situações.
Para além disso, o condenado não apresenta um projecto sólido e estruturado de vida futura, concretamente no que se prende com o exercício de actividade laboral, pelo que, também por essa via, se suscitam fundadas dúvidas sobre o seu comportamento futuro.
No acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28.10.2015, proferido no processo n.º 3716/10.0TXPRT-C.P1, considerou-se que “importante para se aquilatar da evolução da personalidade do recluso e, consequentemente, para o prognóstico quanto ao sucesso do objectivo da liberdade condicional é a existência de um projecto de vida credível. Concretamente, importa saber o que se propõe e projecta fazer o recluso quando for libertado, sobretudo no que respeita à sua ocupação profissional, aspecto que consideramos decisivo para uma reinserção bem sucedida”.
Todas estas circunstâncias desaconselham a aplicação do regime da liberdade condicional nesta fase do cumprimento da pena, não obstante o restante trajecto prisional evidenciado pelo recluso (que já beneficiou, com êxito, de licenças de saída, tem procurado valorizar-se pessoalmente, através do estudo, e não foi alvo de medidas disciplinares) e as condições objectivas favoráveis (familiares e habitacionais) existentes em meio livre – condições que, de resto, também já existiam aquando da anterior concessão de liberdade condicional, não tendo sido, contudo, impeditivas de recidiva criminal (cf. a decisão de fls. 126-127 do apenso n.º 3367/02.2TXPRT).
Registe-se, ainda, que o meio social de inserção do condenado está conotado com problemáticas sociais e criminais e na proximidade de outros com idênticas problemáticas, realidades susceptíveis de incrementar o risco de reincidência, já em si elevado no caso.
Anota-se também que o registado trajecto prisional deve, contudo, ser enquadrado no seu conhecimento e adaptação ao modo de funcionamento do meio prisional, adquirido ao longo das reclusões que lhe têm sido impostas, não podendo, por isso, ser sobrevalorizado.
Conforme se considerou no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14.07.2010, proferido no processo n.º 7783/06.2TXLSB (recurso n.º 7783/06.2TXLSB-a.P1), do 1.º Juízo deste TEP do Porto, “nos casos de segunda condenação em pena de prisão efectiva somos do parecer que os índices de perigosidade criminal surgem acentuados e como tal os graus de exigência da probabilidade séria de que o condenado em liberdade adopte o comportamento socialmente responsável e de não reincidência criminal devem ser mais acentuados” (note-se que este acórdão foi proferido no quadro de um recluso em regime aberto no exterior que já havia cumprido mais de dois terços da pena em execução).
No acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17.10.2012, proferido no processo n.º 2119/10.0TXCBR-H.P1, anotou-se que os antecedentes criminais e prisionais “levam a que se exija da parte do recluso a manifestação de um propósito muito claro, firme e inequívoco de mudança dos seus comportamentos, de ruptura com o passado e de inversão definitiva da sua propensão para a prática de crimes (e que se verifiquem condições objectivas para que esse propósito seja concretizado)”.
Por seu turno, no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29.09.2010, proferido no processo n.º 2750/07.1TXPRT-A.P1, entendeu-se que, “em matéria de factos materiais de avaliação do percurso prisional do recluso é quase impossível que ele venha a igualar, em execuções de penas futuras, aqueles que, em dada altura, convenceram os elementos do sistema prisional e o juiz do TEP – com concordância expressa ou tácita do respectivo MP – de que aquele recluso se encontrava numa via segura de ressocialização e era capaz de se integrar socialmente de forma útil e sem cometer crimes. Depois disto, numa futura condenação, o olhar optimista e confiante, que preside à decisão solidária de conceder a liberdade condicional, será sempre muito mais difícil de conseguir” (este acórdão foi deliberado no contexto de um recluso em regime aberto no interior que havia cumprido mais de um ano contado sobre a data dos dois terços da pena, tendo já beneficiado de liberdade condicional no decurso do cumprimento de anterior pena de prisão).
E no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05.01.2011, proferido no processo n.º 2722/10.9TXPRT-C.P1, considerou-se que “o que se espera do beneficiário da liberdade condicional não é apenas um comportamento positivo enquanto dure aquele período. A aposta vai muito mais além: pretende-se e exige-se do condenado que consiga reflectir, no presente e no futuro, um modo de vida socialmente responsável” e que a anterior “liberdade condicional não passou de mero benefício do encurtamento da pena sem a contrapartida do benefício da prevenção especial que se espera na concessão de tal liberdade antecipada” (este acórdão foi deliberado no contexto de um recluso em regime aberto no interior que havia cumprido mais de dois terços da pena, tendo já beneficiado de liberdade condicional no decurso do cumprimento de anterior pena de prisão).
Ademais, no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08.01.2014, proferido no processo n.º 2167/10.0TXPRT-L.P1, defendeu-se que “necessariamente o bom comportamento em meio livre e sem heterocontrolo, pois o bom comportamento prisional (no sentido de respeito pelas normas vigentes) não assegura o meio prisional – enquanto organização de vida imposta ao recluso – não emula perfeitamente o meio social livre, em que, para além do auto-sustento, o indivíduo tem que auto-controlar todas as componentes da sua actividade e os impulsos que lhe subjazem”; “não obstante o comportamento prisional do condenado seja adequado às normas regulamentares vigentes, o certo é que a sua conduta anterior, bem como a personalidade nela revelada não são de molde a impor um juízo de prognose favorável; antes pelo contrário; de facto o arguido já cumpriu pena de reclusão pela prática de crime de tráfico de estupefacientes e, tendo beneficiado de liberdade condicional concedida ao meio do cumprimento da pena, logo após o termo desta, reiniciou a sua conduta criminosa”, sendo “o seu ‘percurso criminal’ suficientemente revelador da sua incapacidade objectiva de readaptação, da incapacidade de se reger pelas normas, para se deixar sensibilizar pelo direito, revelando forte desrespeito pelos valores sociais vigentes, não sendo possível configurar um prognóstico favorável à respectiva reinserção social, assente, essencialmente, na probabilidade séria de que o mesmo, em liberdade, adopte um comportamento socialmente responsável, sob o ponto de vista criminal”; “não dando a conduta anterior do condenado garantias e convicção de que o mesmo pautará a sua conduta futura de acordo com as regras mais responsáveis, então não pode nem lhe deve ser aplicada a pretendida liberdade condicional por uma segunda vez consecutiva”; “não obstante os pareceres favoráveis emitidos nos autos, o certo é que ao apreciar a possibilidade de concessão de liberdade condicional ao condenado, o juiz não está vinculado aos pareceres elaborados pelas entidades competentes”, “podendo deles divergir” (este acórdão foi deliberado no contexto de um recluso em regime aberto no interior que havia cumprido mais de dois terços da aplicada pena de 4 anos e 3 meses de prisão por tráfico de estupefacientes, tendo já beneficiado de liberdade condicional no decurso do cumprimento de anterior pena de prisão, também relativa a tráfico de estupefacientes).
Por fim, no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11.11.2015, proferido no processo n.º 2658/10.3TXPRT-U.P1, ajuizou-se que “o recorrente, tendo tido sempre bom comportamento prisional, demonstrou já anteriormente que ao mesmo não correspondia uma interiorização do desvalor da sua conduta, incorrendo em reincidência homótropa”.

IV. Por todo o exposto, no confronto de todas as realidades descritas e analisadas, entendo não resultarem preenchidos os pressupostos previstos no artigo 61.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, razão pela qual decido não colocar o condenado B…, com os demais sinais dos autos, em liberdade condicional.»

IV. – Cumpre decidir.
Vem o recorrente alegar que se verificam os pressupostos que determinam que beneficie do regime de liberdade condicional.
Vejamos.
Nos termos do artigo 61.º, n.º 2, do Código Penal, o tribunal coloca o condenado em prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se: a) for fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e b) a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
E, nos termos do n.º 3 desse artigo, o tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.
Nos termos do n.º 1 desse mesmo artigo 61.º, a aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.
Foram já atingidos (em 27 de Setembro de 2019) dois terços da pena de prisão em que o recorrente foi condenado.
Este prestou consentimento à concessão do regime de liberdade condicional.
Estão, assim, verificados os pressupostos formais de concessão do regime de liberdade condicional, de acordo com os citados nº 1, 2 e 3 do artigo 61.º do Código Penal: já ocorreu o cumprimento pelo condenado de dois terços da pena de prisão (período que foi superior a seis meses) e o condenado manifestou a sua concordância.
Constitui pressuposto substancial (ou material) da concessão de liberdade condicional, porque foram já atingidos dois terços da pena de prisão em que o recorrente foi condenado, de acordo com os citado n.ºs 2 e 3 do artigo 61.º do Código Penal, que seja de esperar fundadamente que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes, tendo-se para tanto em atenção as circunstâncias do caso, a sua vida anterior, a respetiva personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão. Exige-se, pois, a viabilidade de um juízo de prognose favorável em relação ao condenado, no sentido de que este, caso seja colocado em liberdade condicional, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
A decisão recorrida considerou, sobretudo, a circunstância de o recorrente cumprir pena de prisão pela prática de crime de tráfico de estupefacientes depois de ter sido condenado noutra pena de prisão também pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, sendo que, no âmbito do cumprimento dessa pena de prisão anterior, já lhe havia sido concedida liberdade condicional.
É verdade que esta circunstância não pode ser ignorada. Ela suscita acrescidas exigências de prevenção especial. Podemos dizer que ao condenado é exigível uma mais acentuada e inequívoca demonstração da sua vontade de não cometer crimes no futuro para que seja possível a formulação de um juízo de prognose favorável a esse respeito.
No entanto, daí não pode decorrer a impossibilidade de concessão de liberdade condicional em caso de uma segunda condenação em pena de prisão, mesmo que esteja em causa a prática sucessiva do mesmo crime. Não é isso que decorre da lei e ao juiz falece legitimidade para proceder como se tal decorresse da lei. Não podemos esquecer, por outro lado, que a gravidade acrescida que resulta da condenação anterior (ou da eventual reincidência) foi já, certamente, tida em consideração na determinação da medida concreta da pena em causa. Não pode ser, por isso, motivo para, por si só, impedir a concessão da liberdade condicional. Esta depende dos requisitos enunciados no artigo 61.º, n.ºs 2 e 3, do Código Penal, não da gravidade do crime e da pena em causa.
Ora, não se vislumbram motivos, para além da condenação anterior do recorrente (que, por si só, não pode, como vimos, servir para tal de obstáculo), que impeçam a formulação do juízo de prognose favorável a respeito do comportamento futuro do recorrente.
Ele, durante o cumprimento da pena de prisão, revelou motivação e empenho na aprendizagem escolar, não praticou infrações disciplinares e beneficiou de duas licenças de saída jurisdicional que decorreram em condições de normalidade, Declarou-se consciente da gravidade dos crimes que cometeu e deles arrependido. Goza de apoio familiar. Declara ter possibilidade de obter emprego. Não se vislumbra que outras circunstâncias sejam exigíveis para formular esse juízo de prognose favorável.
Afirma a douta decisão recorrida que não considera que o recorrente tenha interiorizado de forma suficiente o desvalor da sua conduta, invocando a imediação, que permitirá atender a modos de expressão que vão para além da verbalização.
Estamos perante um juízo sobre um facto interno que, na sua integralidade, escapa ao conhecimento de qualquer juiz. Este poderá atender apenas a factos objetivos, como o discurso verbal ou o comportamento que possa refletir uma disposição interior de arrependimento, ou, pelo contrário, com ela contrastar. Afigura-se-nos que, para além desses factos objetivos, qualquer juízo que se funde noutros aspetos entra no domínio do arbitrário.
Não se nos afigura, pois, que possamos afirmar, com a necessária certeza, que o recorrente não interiorizou suficientemente o desvalor da sua conduta.
Alude ainda a decisão recorrida à circunstância de o local onde o recorrente irá residir depois de libertado «estar conotado com problemáticas sociais e criminais», de onde resulta o agravamento do risco de reincidência. Também não pode ser este um fator decisivo para impedir a concessão da liberdade condicional, sob pena de inaceitável violação do princípio da igualdade e discriminação em razão da condição social.
Afigura-se-nos, pois, que estão verificados os pressupostos substanciais da concessão de liberdade condicional que decorrem dos citados nºs 2 e 3 do artigo 61.º do Código Penal.
Deve, pois, ser dado provimento ao recurso.

Não há lugar a custas (artigo 153º, a contrario, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade).

V - Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso, determinando que ao recorrente B… seja concedida liberdade condicional, com as seguintes condições: residir em morada certa (a indicada nos autos); aceitar a tutela da equipa de reinserção social; abster-se do consumo de estupefacientes; dedicar-se à procura ativa de emprego e, uma vez este obtido, dedicar-se ao trabalho com regularidade; e manter boa conduta, com observância dos padrões normativos vigentes.

Notifique.

Passe mandados de libertação, de imediato.

Porto, 15/1/2020
(processado em computador e revisto pelo signatário)
Pedro Vaz Pato
Eduarda Lobo