Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
563/16.9GAALB.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ÉLIA SÃO PEDRO
Descritores: CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
CRIME DE OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
CONCURSO APARENTE
CONSUMPÇÃO
Nº do Documento: RP20180314563/16.9GAALB.P1
Data do Acordão: 03/14/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 12/2018, FLS 117-122)
Área Temática: .
Sumário: I – Não ocorre qualquer alteração para efeitos da comunicação prevista no artº 358º1 CPP, quando da audiência de julgamento resulta a prática do crime acusado, mas menos grave por afastamento por ausência de prova, do elemento qualificador ou agravativo que constava daquela.
II – A relação entre o crime de violência domestica e o crime de ofensa à integridade física é de consumpção, protegendo aquele mais intensamente a vítima, integrando-se este naquele.
III – Numa relação de concurso aparente, caindo (por falta de prova ou qualquer outra razão), o crime mais grave o agente é punido pelo crime menos grave sem que se justifique a comunicação da alteração da qualificação jurídica.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso Penal 563/16.9GAALB.P1

Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
1.1 No Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo de Competência Genérica de Albergaria-a-Velha, Juiz 1, foi julgado em processo comum e perante Tribunal Singular, o arguido B..., devidamente identificado nos autos acima referenciados, pela autoria dos factos constantes da acusação de fls. 105/7, integrantes da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, al. a) e n.ºs 2, 4 e 5 do C. Penal.
1.2 A ofendida C... deduziu pedido de indemnização cível contra o arguido, peticionando o pagamento da quantia de €15.000,00, correspondente aos danos morais sofridos, contados desde a notificação até efectivo e integral pagamento (cfr. fls. 114-119).
1.3. Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que decidiu:
“ (…)
1. Absolver o arguido B... da prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do Código Penal por que vinha acusado.
2. Absolver o arguido B... da prática de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º e 188º, ambos do C. Penal, por falta dos respectivos pressupostos de procedibilidade.
3. Condenar o arguido B... pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo artigo 143º, n.º 1 do C. Penal, na pena de 95 (noventa e cinco) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), o que perfaz a quantia de €570,00 (quinhentos e setenta euros).
4. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido, e condenar o arguido a pagar à ofendida a quantia de €500,00 (quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais.
5. Condenar o arguido nas custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 2 UCs (artigo 513º do Código de Processo Penal e artigo 8º, n.º 9 do Regulamento das Custas Judiciais, com referência à Tabela n.º III).
6. Sem custas pelo pedido cível, por as mesmas não serem devidas (artigo 4º, n.º 1, al. n) do R.C. Processuais).
Notifique.
(…) ”
1.4. Inconformado com tal decisão, o arguido recorreu para este Tribunal da Relação, arguindo, em suma, a nulidade da sentença (art. 379º, 1 al b) CPP), por ter alterado a qualificação jurídica do crime de que vinha acusado (violência doméstica) para o de ofensa à integridade física simples, sem prévio cumprimento do disposto no art. 358º 1 e 3 do CPP.
1.5. O MP junto do Tribunal a quo respondeu à motivação do recurso, pugnando pela sua improcedência, por entender que ocorreu apenas a imputação ao arguido do crime simplificado, ou seja, uma desqualificação da sua conduta, um “minus” relativamente ao crime imputado na acusação.
1.6. Nesta Relação, o Ex.º Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, por entender (também) que “apenas se verifica uma alteração, convolação, da qualificação jurídica a qual não carece de comunicação – art. 358º, 1 e 3 do CPP (…).
1.7. Deu-se cumprimento ao disposto no art. 417º, 2 do CPP.
1.8. Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.
2. Fundamentação
2.1 Matéria de Facto
A decisão recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto:
“(…)
Realizada a audiência de julgamento, dela resultaram provados os seguintes factos, com pertinência para a decisão da causa:
1. O arguido e a ofendida C... contraíram matrimónio católico em 30.09.1990.
2. Fixaram residência comum na Rua ..., n.º .., ..., Albergaria-a-Velha.
3. Dessa relação nasceram dois filhos, um deles actualmente menor de idade e residente com o casal, D... nascido em 13.03.2003.
4. Por factos idênticos perpetrados contra a ofendida C..., ocorridos durante o ano de 2016 até ao dia 7.09.2016, o arguido foi julgado e condenado por sentença datada de 21.12.2016, no p.c.s. 334/16.2GAALB, da instância local de Albergaria-a-Velha, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, n.ºs 1, al. a), 2 e 4 do C. Penal.
5. Desde data não concretamente apurada do mês de Setembro do ano de 2016, que o arguido tem vindo a agredir verbalmente a ofendida, dirigindo-lhe palavras como vaca.
6. O arguido diz que a ofendida tem amantes.
7. Assim, entre outros episódios, em 8.11.2016, entre as 19h30 e as 20h00, na residência comum do casal, na sequência de uma discussão entre ambos por causa do divórcio, sem que nada o previsse, o arguido colocou-se por detrás da ofendida e deu-lhe um forte apertão nas nádegas, dizendo ainda “vaca” e “porca”.
8. Em dia não concretamente apurado do mês de Novembro de 2016, no interior da residência do casal, na sequência de uma discussão entre ambos, o arguido dirigiu à ofendida as seguintes palavras “sua porca, és a culpada disto tudo”.
9. De seguida, dirigiu-se ao vidro da marquise e desferiu um murro, partindo-o, deslocando-se em seguida para a banca da louça onde estava a misturadora partindo-a com um murro.
10. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito conseguido de maltratar o corpo e a saúde da ofendida, provocando-lhe pelo menos dores, bem sabendo que as expressões supra aludidas eram susceptíveis de ofender a sua honra, apesar de bem saber que toda a sua conduta era ilícita e punida criminalmente por lei.
DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL [sem conceitos de direito ou factos conclusivos]:
11. A ofendida sofreu sentimento de instabilidade, insegurança, medo, revolta e humilhação.
12. A ofendida sentiu-se e sente-se muito envergonhada, humilhada e vexada com toda esta situação.
13. O comportamento do arguido faz com que a ofendida se sinta completamente anulada enquanto mulher e ser humano.
14. A ofendida é tida por quem a conhece como pessoa muito respeitável e honesta, respeitada no meio social em que se insere, pelo que tudo o que se passa a deixa profundamente angustiada.
15. A ofendida é tida por quem a conhece como pessoa séria e muito educada.
DA CONTESTAÇÃO [sem conceitos de direito ou factos conclusivos]:
16. O arguido anda desavindo com a ofendida, desavenças que culminaram com o divórcio do casal.
17. Por força dessas desavenças, eram frequentes as discussões entre os cônjuges.
O ARGUIDO:
18. É tido por quem o conhece e com o mesmo convive, como pessoa correcta, calma e pacífica.
19. É operário fabril, auferindo mensalmente cerca de €740,00 mensais.
20. Vive com os seus progenitores, em casa destes.
21. Tem dois filhos, de 21 e 14 anos de idade, pagando a título de pensão de alimentos a quantia de €120,00.
22. Tem o 6º ano de escolaridade.
23. Por sentença proferida em 21.12.2016, no processo comum singular n.º 334/16.2GAALB, foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, na pena de 2 anos e 8 meses, suspensa por igual período, e na pena acessória de proibição de contactos com a vítima, por factos praticados em 15.07.2016.
FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provou que:
a) nas circunstâncias descritas em 5., o arguido tenha dirigido à ofendida palavras como “vadia” e “suja”;
b) o ofendido tem ciúmes obsessivos da ofendida;
c) nas circunstâncias descritas em 7., o arguido tenha ainda dirigido à ofendida “andas-me a foder”, “isto não vai ficar assim! Aquele depoimento que foste fazer a Aveiro não é nada! Filha da puta, vadia, tu e aquela dra. E... não perdem pela demora.”;
d) no dia 14.11.2016, a hora não concretamente apurada, no interior da residência comum do casal, o arguido dirigiu-se à ofendida, dizendo novamente filha da puta, vaca, cabra, agarrando-a pelos braços, abanando-a por diversas vezes, provocando-lhe dores;
e) no dia 15.11.2016, cerca das 21h30, no interior da residência comum do casal, o arguido dirigiu-se à ofendida, dizendo-lhe novamente “filha da puta, vaca, cabra, agarrando-a pelos braços, abanando-a por diversas vezes, provocando-lhe dores;
f) nas circunstâncias descritas em 8., os factos tenham ocorrido dia 26.11.2016, pelas 13h30, e que o arguido tenha dirigido à ofendida as seguintes palavras “filha da puta, és uma cabra, não vais ser de ninguém”;
g) o arguido deixou a ofendida sempre em constante sobressalto pela segurança da sua integridade física e paz de espírito e lhe provocou permanente sentimento de instabilidade que se reflectia no seu estado psíquico.
Uma última nota apenas para realçar que os factos constantes nos pontos 5. a 15. da contestação não foram tomados em consideração, nem levados à factualidade apurada e/ou não apurada porque são essencialmente matéria de direito, considerações acerca do princípio “ne bis in idem”.
MOTIVAÇÃO
A convicção do tribunal formou-se com base na análise crítica dos depoimentos das testemunhas inquiridas, interpretados em função das regras da experiência comum, em conjugação com o que resulta do acervo documental junto aos autos.
Cumpre desde logo sublinhar que o arguido, no uso de um direito que lhe assiste, optou por não prestar declarações, remetendo-se ao silêncio.
Assim, tivemos desde logo em consideração as declarações da demandante C..., que num depoimento visivelmente emocionado, esclareceu quando contraiu matrimónio com o arguido e onde viveram desde então, e bem assim que dessa união nasceram dois filhos.
Mais adiantou que impropérios e expressões lhe são dirigidos pelo arguido e de que forma foi agredida naquele dia 8 de Novembro, no decurso de uma discussão motivada pelo divórcio, quando a família se encontrava reunida a jantar e que terminou assim que accionou a teleassistência.
Porque não conseguia ficar em casa, enviou uma mensagem à sua amiga E..., tendo então estado com aquela, a quem confidenciou tudo o que se havia passado.
Tal agressão deu origem a uma queixa junto da GNR, cuja notificação acabou por ser entregue por si ao arguido, dando origem a um outro episódio ainda no mês de Novembro, cuja data não soube precisar, mas que contextualizou, identificando que expressões lhe foram também dirigidas e que atitude tomou o arguido no interior da habitação, destruindo quer o vidro da marquise quer a misturadora.
Por fim, esclareceu de que forma se sentiu e sente mercê da conduta do arguido.
A testemunha E..., amiga da ofendida, que é sua cabeleireira desde os seus tempos de adolescente, depondo de forma espontânea e descomprometida, esclareceu que no início do mês de Novembro, mais concretamente no dia 8 de Novembro, a ofendida enviou-lhe uma mensagem, dizendo-lhe que não se sentia em condições de conduzir, motivo pelo qual foi ter com a mesma, que lhe relatou o que se tinha acabado de passar em sua casa com o arguido. Adiantou que no relato que fazia dos factos, aquela se apresentava muito nervosa, chorava compulsivamente e tremia, e em seguida foi levá-la a casa.
Posteriormente, cerca de 15/20 dias depois, recebeu nova mensagem da ofendida, dando-lhe conta que o arguido havia partido o vidro da marquise e a misturadora, motivo pelo qual acorreu logo a sua casa, onde também se situa o salão de cabeleireiro onde a ofendida exerce a sua actividade.
Precisou de que forma tais episódios abalaram a forma de ser e de estar da ofendida, como a mesma se sentiu e vem sentido e como é a mesma vista em sociedade.
De outra banda, a testemunha F..., colega de trabalho do arguido há cerca de 16 anos, esclareceu qual a maneira de se e de estar do arguido em sociedade.
Ajudaram ainda a formar a convicção do tribunal os documentos de fls. 32-33 [e-mail], 50-69 [cópia de sentença] e ainda o certificado de registo criminal de fls. 172 e v.º.
Quanto às condições sócio-económicas do arguido, a nossa convicção fundou-se nas suas declarações, que nos pareceram suficientemente consistentes e credíveis.
Quanto aos factos não provados, a nossa posição resultou do que supra já ficou dito e da ausência de prova minimamente credível e susceptível de nos convencer acerca da verificação dessa realidade, mormente porque nenhuma das testemunhas a eles se terá referido.
2.2 Matéria de direito
O arguido imputa à sentença recorrida a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 379º do CPP, por violação do disposto no art. 358º, 3 do mesmo código, isto é, por o ter condenado pelo crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º, 1 do C. Penal, sem prévio cumprimento do disposto no n.º 1 do art 358º, uma vez que tinha sido acusado da prática de um crime de violência doméstica.
É efectivamente verdade que o arguido tinha sido acusado da prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, 1 a) e n.º 2 do C.P e o Tribunal a quo alterou a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação e condenou o arguido pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, sem previamente lhe ter comunicado a referida alteração, nos termos do art. 358º, 1 e 3 do CPP.
A questão que se coloca é portanto a de saber se a referida alteração da qualificação jurídica dos factos da acusação e a consequente condenação do arguido por crime diverso importa, no caso, a arguida nulidade da sentença.
No caso em apreço, a alteração da qualificação jurídica ocorreu porque o Tribunal considerou que os factos da acusação, provados em audiência de julgamento, não atingiam a gravidade bastante para a sua qualificação no crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º C. Penal. Como expressamente referiu na respectiva fundamentação de direito, “(…) a conduta do arguido não traduz a prática de actos de maus-tratos físicos integradores do crime de violência doméstica. Tais factosnão assumem a danosidade que se pretende tutelar com o ilícito penal pelo qual vinha o arguido acusado, não evidenciando o seu comportamento que o arguido tivesse procurado agredir a mulher e sujeitá-la ao vexame e humilhação e não revelando tal conduta uma intensidade, ao nível do desvalor, da acção e do resultado, que seja suficiente para lesar o bem jurídico protegido.” Daí que tenha absolvido o arguido da prática do crime de violência doméstica de que era acusado e o tenha condenado pelo crime de ofensa à integridade física simples.
Importa assim saber se, nestas condições, em que os factos descritos na acusação e os que resultaram provados em julgamento não são suficientemente graves para o preenchimento do tipo de ilícito imputado ao arguido, é (ou não) exigível o cumprimento do art. 358º, 1 do CPP, para a condenação do arguido pelo crime menos grave.
O MP junto do Tribunal a quo (na resposta à motivação do recurso) invocou, a favor da desnecessidade da comunicação a que alude o art. 358º, 1 do CPP, o acórdão da Relação de Coimbra, de 14-05-2014, proferido num caso idêntico. O arguido, por seu turno, reconhecendo (na conclusão 7) que nem toda a jurisprudência considera necessária, em situações deste tipo, o cumprimento do art. 358º, 1 do CPP, invocou a favor da sua tese o acórdão da Relação de Coimbra, de 22-02-2017, e o acórdão da Relação de Évora, de 19-12-2013.
Vejamos então.
Adiantando a conclusão, julgamos que a tese defendida pelo arguido não é a melhor, nem representa a posição jurisprudencial dominante.
Note-se desde logo que o acórdão da Relação de Coimbra, citado pelo arguido, não se reporta a um caso de violência doméstica convolado para ofensa à integridade física e que o acórdão da Relação de Évora, também citado pelo arguido, tem um voto de vencido, citando, além do mais, o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ nº 7/2008, DR, Iª série, de 30/7/2008, do seguinte teor: para além da ressalva contida no n.º 2 do artigo 358º, segundo a qual a alteração não carece de ser comunicada ao arguido, o que bem se percebe, visto que a mesma é resultado de alegação por si produzida, vem-se entendendo que outros casos ocorrem em que é inútil prevenir o arguido da alteração da qualificação jurídica, razão pela qual se considera não dever ter lugar a comunicação (…).
Já o acórdão da Relação de Coimbra, de 14.05.2014, citado pelo MP na resposta ao recurso, apreciou uma questão idêntica e ponderou o seguinte:
“(…)
Neste caso, restou a punição por aplicação das normas penais gerais, que representam um “minus” em relação ao crime de que o arguido vinha acusado.
O arguido teve conhecimento de todos os elementos constitutivos do crime de ofensas à integridade física qualificada, designadamente dos relativos ao facto da ofendida ser seu cônjuge e à consciência da ilicitude, como se verifica dos pontos 1, 9, 11 e 12 da sentença recorrida, e teve possibilidade de os contraditar, pois todos esses factos constavam da acusação (cfr. factos 1, 13, 15 e 16 da acusação).
Por isso, e em relação ao crime de ofensa à integridade física qualificada por que o arguido veio a ser condenado, e na esteira dos já supra mencionados acórdãos do STJ de 03/04/1991, de 12/11/2003 e de 12 de Setembro de 2007, bem como do Acórdão da Relação de Coimbra de 23.11.2011 e do Acórdão da Relação do Porto de 12.01.2011 (ambos acessíveis através do site www.dgsi.pt), nem sequer tinha o arguido que ser notificado nos termos e para efeitos do artigo 358º nº 3 do Código de Processo Penal.
Não tendo, pois, a sentença recorrida condenado o arguido por factos diversos dos descritos na acusação e fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º do C.P.P., não se reconhece a invocada nulidade da sentença recorrida, nos termos do art.379.º, n.º1, al. b), do C.P.P.
(…).”
Também o acórdão da Relação do Porto, de 12.01.2011 (citado nesse acórdão), proferido num caso idêntico, justificou a desnecessidade de comunicação ao arguido, nos seguintes termos:
“(…)
Deste modo, aos casos ressalvados na própria Lei, tem a jurisprudência adicionado outros que com eles partilham a mesma irrelevância negativa para os direitos de defesa do arguido.
Referimo-nos, por exemplo, aos casos em que a alteração resulta da imputação de um crime simples, ou «menos agravado», quando da acusação ou da pronúncia resultava a atribuição do mesmo crime mas em forma mais grave, por afastamento do elemento qualificador ou agravativo inicialmente imputado [Ac. STJ de 7.11.2002]: entende-se que não há qualquer alteração relevante para o efeito em causa, uma vez que o arguido se defendeu em relação a todos os factos, embora venha a ser condenado por diferente crime (mas consumido pela acusação ou pronúncia).
21. O mesmo entendimento deve ser seguido no caso presente, em que o recorrente, acusado pela prática de um crime “composto” – na medida em que integra condutas que em si mesmo já são consideradas crime mas que obtêm uma cominação mais grave em resultado da qualidade especial do autor ou o dever que sobre ele impende [Maus-tratos] –, acaba condenado por um dos crimes integrantes [Ofensa à integridade simples].
(…)”.
Ainda nesta Relação do Porto, em acórdão de 09-03-2005, proferido no processo n.º 0411496 (da mesma Relatora do presente recurso), foi feita uma análise da questão onde se defendeu semelhante posição, nos termos seguintes:
“(…)
A ideia do legislador é pois, segundo pensamos, a de que o arguido não possa ser surpreendido, nem prejudicado na sua defesa, pela alteração da qualificação jurídica. Sempre que dessa alteração não surja qualquer surpresa, nem prejuízo na sua defesa, (por resultar de factos alegados pelo próprio arguido, ou de adesão do tribunal à qualificação jurídica pela qual o mesmo pugnou), não é necessária a comunicação ao arguido “para preparação da defesa” (art. 358,1 CPP).
Esta interpretação corresponde ao entendimento dominante da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e da doutrina, como se refere no sumário do Acórdão de 7-11-2002, recurso 02P3158:
“Resulta da jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça e da Doutrina que se a alteração resulta da imputação de um crime simples, ou «menos agravado», quando da acusação ou da pronúncia resultava a atribuição do mesmo crime, mas em forma mais grave, por afastamento do elemento qualificador ou agravativo inicialmente imputado, não há qualquer alteração relevante para este efeito, pois que o arguido se defendeu em relação a todos os factos, embora venha a ser condenado por diferente crime (mas consumido pela acusação ou pronúncia).
O mesmo se diga quando a alteração da qualificação jurídica é trazida pela defesa, pois que também aqui se não verifica qualquer elemento de surpresa que exija a atribuição ao arguido de maior latitude de defesa.”.
O Supremo Tribunal de Justiça explicita, no referido Acórdão, que este entendimento não põe em causa a menor garantia de defesa do arguido: “Com efeito, (argumenta o Acórdão) resulta da jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça e da Doutrina (2 cfr. Castanheira Neves, Sumários de Direito Criminal, Simas Santos, Alteração substancial dos factos, RMP, n.º 52, págs. 113 e BMJ 423-9, Frederico Isaac, Alteração Substancial dos Factos e Relevância no Processo Penal Português RPCC, 1, 2, 221, Duarte Soares, Convolações, CJ, Acs. STJ II, 3, 13, Marques Ferreira, Da Alteração Substancial dos Factos Objecto do Processo, Souto Moura, Notas sobre o Objecto do processo, RMP n.º 48, 41, Germano Marques da Silva, Objecto do Processo Penal. A Qualificação Jurídica dos Factos - Comentário ao «Assento» n.º 2/93 in Direito e Justiça, III, tomo 1 e Teresa beleza, Apontamentos de Direito Processual Penal, III, 93) que se a alteração resulta da imputação de um crime simples, ou «menos agravado», quando da acusação ou da pronúncia resultava a atribuição do mesmo crime, mas em forma mais grave, por afastamento do elemento qualificador ou agravativo inicialmente imputado, não há qualquer alteração relevante para este efeito, pois que o arguido se defendeu em relação a todos os factos, embora venha a ser condenado por diferente crime (mas consumido pela acusação ou pronúncia).
Ou seja, o arguido defendeu-se em relação a todos elementos de facto e normativos que lhe eram imputados, em julgamento, pelo que nada havia a notificar, uma vez que se verificou não uma adição de elementos, mas uma subtracção.
O mesmo se diga quando a alteração da qualificação jurídica é trazida pela defesa, pois que também aqui se não verifica qualquer elemento de surpresa que exija a atribuição ao arguido de maior latitude de defesa (cfr. Leal - Henriques e Simas Santos, CPP Anotado, II, pág. 415) (…) ”.
Deparamo-nos assim com um entendimento jurisprudencial dominante, no sentido de que a comunicação a que alude o art. 358º, 1 do CPP não é necessária nas situações em que da acusação ou da pronúncia “resultava a atribuição do mesmo crime, mas em forma mais grave e, por afastamento do elemento qualificador ou agravativo inicialmente imputado, não há qualquer alteração relevante para este efeito, pois que o arguido se defendeu em relação a todos os factos, embora venha a ser condenado por diferente crime (mas consumido pela acusação ou pronúncia).”
Julgamos ser este o entendimento correcto a seguir, traduzido na manifesta desnecessidade de uma comunicação inútil. Bem vistas as coisas, o tribunal entendeu que os factos provados não atingiam a gravidade inerente ao crime de violência doméstica. Como referiu o Ex.º PGA nesta Relação, “sendo certo que o crime base na violência doméstica é o de ofensas à integridade física e de injúrias, qualificado pelo estatuto das partes na relação conjugal e sendo a condenação pelo crime base mais favorável ao arguido e que em nada o prejudica na sua defesa, o que fez em julgamento”, apenas se verifica uma alteração, convolação, da qualificação jurídica a qual não carece de comunicação - art. 358º,1 e 3 do CPP.
Na verdade, a relação entre os crimes de ofensa à integridade física simples e violência doméstica é de consumpção, isto é, o crime de violência doméstica protege mais intensamente a vítima (dado o seu estatuto especial) e pune acções que cabem no tipo de ofensa à integridade física, de forma mais gravosa. O facto natural (agressão física) é também o facto natural (ou um dos factos naturais) que integra o crime de violência doméstica. O agente só não é punido pelo crime de ofensa à integridade física e violência doméstica porque ambos se encontram numa relação de concurso aparente e, portanto, o agente é punido pelo crime cuja punição garante a plena tutela jurídica penal. Dai que, numa relação de concurso aparente, caindo (por falta de prova ou por qualquer outra razão) o crime mais grave o agente seja punido pelo crime menos grave, sem que se justifique a comunicação da alteração da qualificação jurídica.
Na situação deste processo, o arguido, ao defender-se da imputação das ofensas à integridade física que integravam o crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º do CP, defendeu-se também, necessariamente, da imputação das ofensas à integridade física integrantes do crime p. e p. pelo art. 143º do C.P (ofensa à integridade física simples), pois o facto natural, ou seja, aquele de cuja autoria podia defender-se, era exactamente o mesmo.
Deste modo, o recurso deve ser julgado improcedente.
3. Decisão
Face ao exposto os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo arguido, fixando a taxa de justiça em 4 UC.

Porto, 14/03/2018
Élia São Pedro
Donas Botto