Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4071/16.0T8VFR-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA SÁ LOPES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
DESCARACTERIZAÇÃO
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA
ÓNUS DE PROVA
Nº do Documento: RP202204044071/16.0T8VFR-B.P1
Data do Acordão: 04/04/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - “não basta a mera violação das regras de segurança para que o acidente seja descaraterizado, sendo ainda necessário essa infração ocorra por culpa grave do trabalhador e que este tenha consciência da violação”;
II - “cabe à entidade responsável o ónus da prova dos factos descaracterizadores do acidente, porque constituem factos impeditivos do direito invocado pelo sinistrado”;
III - Não tendo a Entidade Empregadora demonstrado ter facultado ao Sinistrado o equipamento de proteção individual, nem ter o mesmo desobedecido a ordens/instruções a seguir no exercício da sua atividade – ainda que tenha sido dito pelo Chefe de equipa ao Sinistrado e a outro trabalhador para aguardarem a chegada dele com os equipamentos linha de vida, os arneses e a ferramenta, uma vez que não deixou aquele assim explícito que tal espera implicava não aceder ao telhado, o que aliás ambos os trabalhadores fizeram, ou apenas não retirar de lá as telhas danificadas -, não pode proceder a invocada descaracterização do acidente nos termos do artigo 14º da Lei 98/2009, de 4 de setembro, não podendo o mesmo ser imputado à conduta do Sinistrado.
(Sumário em parte extraído do Acórdão do STJ de 13 de outubro de 2021, referenciado no texto)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 4071/16.OT8VFR-B.P1
Tribunal da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira
Relatora: Teresa Sá Lopes
1º Adjunto: Desembargador António Luís Carvalhão
2º Adjunto: Desembargador Domingos Morais

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório (reproduzindo o relatório efetuado na sentença):
Na presente ação declarativa com processo especial emergente de acidente de trabalho, em que é Autor AA e Rés G..., SA e F..., SA teve oportunamente lugar tentativa de conciliação no âmbito da fase conciliatória, que se frustrou, não aceitando a Companhia de Seguros e a Entidade Empregadora qualquer responsabilidade pelo acidente em apreço, por considerarem que o acidente ocorreu por violação das regras de segurança por parte do sinistrado, o que consubstancia negligência grosseira, e bem assim por inexistência de nexo de causalidade entre as lesões do acidente e a morte, dado o lapso de tempo decorrido.
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Instaurada ação e alegada a existência de um evento caracterizável como acidente de trabalho, peticiona o Autor:
I. Seja o acidente sofrido pelo sinistrado reconhecido como acidente de trabalho estabelecendo-se o nexo de causalidade entre o acidente, as lesões sofridas e as sequelas apresentadas pelo sinistrado e que estas foram causa objetiva, necessária e direta da sua morte;
II. Fixar-se que de tal acidente de trabalho resultou para o sinistrado Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) desde 30/11/2015 até 08/06/2017, isto é, num período de 557 dias.
III. Fixar-se que de tal acidente de trabalho resultou para o sinistrado Incapacidade Permanente Absoluta (IPA) para todo e qualquer trabalho.
IV. Fixar-se que em consequência de tal acidente o sinistrado carecia de ajuda permanente de terceira pessoa para a realização de todas as atividades de vida diária;
V. Fixar-se que em consequência de tal acidente o A. carecia de seguimento clínico regular.
VI. Serem as RR. condenadas, na medida das respetivas responsabilidades, a pagar ao Autor (a título sucessório e pessoal):
I. A título sucessório:
a) A quantia de € 12.109,33 [€ 7.935.20:365 dias x 557 dias), conforme CCT, a título de indemnização pelo referido período de Incapacidade Temporária Absoluta (ITA), conforme relatado em 64.º, a), da p.i., nos termos do disposto nos artigos 19º, n.º 2º, 23º b), 47º n.º 1 a) 48º, nºs 1), e 50º, nº1, 18º n.º 4 a), da Lei n.º 98/2009 de 04/SET;
b) A quantia de € 30,00, a título de despesas de transporte, nos termos dos artigos 39º e 40º da Lei n.º 98/2009 de 04/SET;
c) A pensão anual de € 7.141,68 calculada com base na retribuição anual de € 7.935,20 [€ 520,00 x 14 + € 2,60 x 252] e por ter um filho de menor idade, atualizável anualmente, pela Incapacidade Permanente Absoluta para todo e qualquer trabalho, com vencimento no dia seguinte ao da alta de acordo com o disposto nos artigos 19º, n.º 3, 20º, 21º, 23º b), 47º n.º 1 c) 48º, nºs 2 e 3, al. a), e 50º, nº 2, da Lei n.º 98/2009 de 04/SET, a liquidar até à data da morte do sinistrado, em 25/02/2019.
d) A prestação suplementar para assistência de terceira pessoa, no montante de € 479,33 (1.1 IAS) nos termos do disposto 19º, n.º 3, 20º, 21º, 23º b),67, n.º 1 e 2 e 53º, da Lei n.º 98/2009 de 04/SET, a liquidar até à data da morte do sinistrado, em 25/02/2019;
e) Subsídio por situação de elevada Incapacidade Permanente, no montante de € 5.752,03 [1.1 IAS = € 479,33 x 12) nos termos do disposto 19º, n.º 3, 20º, 21º, 23º b), 67º, n.º 1 e 2 e 47º, n.º 3 da Lei n.º 98/2009 de 04/SET.
II. A título pessoal:
a) A pensão anual e vitalícia de € 1.587,04, correspondente a 20% da retribuição do sinistrado de € 7.935,20 [€ 520,00 x 14+€ 2,60x 252], devida desde o dia 26/02/2019, dia seguinte ao da morte, nos termos do art.º 60.º, n.º 2, da Lei 98/2009, de 04 de Setembro;
b) Subsídio por morte, no montante de € 5.752,03 [1.1 IAS = € 479,33 x 12), nos termos do art.º 65.º, n.º 2, al. b) da Lei 98/2009, de 04 de Setembro;
c) Despesas de transporte, relativas às suas deslocações de e para o Tribunal, com referência ao seu domicílio, no montante de € 30,00.
d) Os sobreditos quantitativos monetários cujo pagamento é devido ao A., a título sucessório ou pessoal, vencem juros de mora, à taxa legal de 4%, por todas as pensões e indemnizações em atraso, a contar do respetivo vencimento das obrigações (artigos 135º do Código de Processo de Trabalho, 559º e 805º do Código Civil, e Portaria n.º 291/03, de 8/ABR).
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A Ré F..., SA deduziu contestação a fls. 265 e ss, alegando, em síntese, que o Autor agiu com negligência grosseira, porquanto qualquer trabalhador medianamente sagaz e diligente, colocado nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, deveria ter consciência, diante da ordem ministrada pela entidade patronal e da chamada de atenção da mesma quanto à necessidade de utilização de meios de segurança que ela ainda iria providenciar, que não podia iniciar um trabalho do género do que estava em causa antes de estarem garantidas condições de segurança para tal, sem que os riscos inerentes ao mesmo fossem extremamente elevados.
Termina, assim, concluindo que o referido comportamento do autor constitui causa de descaracterização do acidente, nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 14.º da Lei nº 98/2009, de 4 de setembro.
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A Ré G..., SA deduziu contestação nos termos que constam a fls. 277 e ss, alegando, em síntese, que o acidente ocorreu exclusivamente por violação, pelo sinistrado, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora e previstas na lei, pelo que se encontra descaracterizado, nos termos da al. a9 do nº 1 do art. 14.º da Lei nº 98/2009, de 4 de setembro.
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A fls. 281 e ss, foi proferido despacho saneador e fixados os factos assentes e os Temas de Prova, tendo sido julgada improcedente a exceção de caso julgado invocada.

Veio a realizar-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Pelo exposto, decide-se julgar procedente a presente ação e, em consequência:
I. Reconhecer que o sinistrado BB sofreu um acidente de trabalho no dia 30/11/2015, do qual veio a resultar a sua morte no dia 25.02.2019.
II. Declarar que, em consequência do acidente de trabalho, o sinistrado esteve em situação de Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) desde 30/11/2015 até 08/06/2017 e, após esta data, sendo reconhecida uma Incapacidade Permanente Absoluta (IPA) para todo e qualquer trabalho.
III. Declarar que, em consequência de tal acidente, o sinistrado carecia de ajuda permanente de terceira pessoa para a realização de todas as atividades de vida diária e necessitava de seguimento clínico regular.
IV. Condenar a Ré G..., SA, a pagar ao Autor AA, a título sucessório e pessoal, as seguintes quantias:
i) Pensão por Incapacidade Permanente Absoluta para todo e qualquer trabalho, referente ao período de 09.06.2017 a 25.02.2019, no valor de € 12.532,64;
ii) Indemnização por Incapacidade Temporária absoluta no valor de € 12.109,33;
iii) Subsídio por situação de elevada incapacidade no valor de € 5.533,70;
iv) Prestação suplementar para assistência a terceira pessoa no valor de € 9.553,43;
v) Reembolso de despesas de transporte do sinistrado no valor de € 30,00;
vi) Pensão por morte no valor anual de € 1.587,04 sendo atualizável de acordo com as Portarias em vigor a partir do dia seguinte ao da morte (26.02.2021) até à maioridade ou, em caso de prosseguimento dos estudos, até ao limite previsto no art. 60.º, nº 1, b) e c) da LAT;
vii) Subsídio por morte no valor de € 5.752,03;
viii) Reembolso de despesas de transporte do beneficiário - € 30,00.
Tudo sem prejuízo do direito de regresso eventualmente a exercer contra a entidade empregadora.
V. Condenar a Ré F..., SA, a pagar ao Autor AA, a título sucessório e pessoal, as seguintes quantias:
i) Pensão por Incapacidade Permanente Absoluta para todo e qualquer trabalho, referente ao período de 09.06.2017 a 25.02.2019, no valor de € 1.392,51;
ii) Pensão por morte no valor anual de € 6.348,16 sendo atualizável de acordo com as Portarias em vigor, a partir do dia seguinte ao da morte (26.02.2021) até à maioridade ou, em caso de prosseguimento dos estudos, até ao limite previsto no art. 60.º, nº 1, b) e c) da LAT;
São devidos juros de mora, à taxa de 4%, sobre o valor da pensão por Incapacidade Permanente Absoluta e da prestação suplementar para assistência de terceira pessoa, devidos desde o vencimento de cada mensalidade da pensão, nos termos dos art.s 50º, nº2, da Lei 98/2009, de 04/09, e 805º, nº2, alínea a), 806º e 559º do C. Civil, conjugados com a Portaria nº 291/2003, de 08/04 até integral pagamento.
Sobre o subsídio de elevada incapacidade são devidos juros de mora desde 08/06/2017 (dia seguinte ao da alta), à taxa legal de 4%, até integral pagamento.
Sobre o valor de € 30,00 são devidos juros de mora desde a data em que a requerida foi interpelada ao pagamento (art. 805º, nº1, do C. Civil), ou seja, desde a data da realização da diligência de não conciliação, até integral pagamento.
Sobre o valor das diferenças salariais (ITA), os juros de mora são devidos desde a data do seu vencimento - art. 72º, nº3, da LAT.
Sobre o valor das pensões por morte são devidos juros de mora à taxa de 4%, desde o vencimento de cada mensalidade da pensão.
Sobre o valor do subsídio por morte são devidos juros de mora desde a data da interpelação, ou seja, data da realização da tentativa de conciliação, até integral pagamento.
Custas a cargo das Rés.
Notifique.
Valor da ação para efeitos de custas: a determinar nos termos do art. 120.º, nº 1, do CPT.”.

Não se conformando com o assim decidido, apelou a Ré Entidade empregadora finalizando com as seguintes conclusões:
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Termos em que, com o douto suprimento que expressamente se invoca, julgando-se procedentes:
a) a invocada nulidade quanto ao nexo de causalidade que determinou a condenação no agravamento da responsabilidade da recorrente;
b) alterando-se a matéria de facto, passando para não provados, os factos provados sob 22 e 23; e passando para provados, os factos não provados 2 a 7, seja a douta Sentença recorrida revogada e substituída por outra que declare nula a decisão sobre o agravamento da responsabilidade e reconheça a descaracterização do acidente, absolvendo a entidade patronal do pedido; ou quando assim se não entenda;
seja declarado que inexistiu culpa da recorrente, nomeadamente por não se verificar a violação de quaisquer normas de segurança, e apenas haja condenação da seguradora para quem a entidade patronal transferiu a sua responsabilidade, o que será expressão de JUSTIÇA”.

O Autor contra alegou nos seguintes termos:
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Termina referindo que não se deverá dar provimento ao presente recurso.

Pronunciou-se o Exm.º Procurador Geral Adjunto, lendo-se no respetivo parecer:
“(…)
1 – Por despacho foi decidido, que a discordância relativamente à decisão proferida, nomeadamente à matéria de facto que foi dado como provada e à sua qualificação jurídica, não constitui causa de nulidade da sentença.
Por isso, foi indeferida a invocada nulidade, por inexistir fundamento legal para o efeito.
2 – No mais, ressalvado o respeito devido por diferente e melhor opinião em contrário, não merece reparo ou censura a douta sentença em recurso, que, deverá ser confirmada, atento o rigor dos fundamentos que nela foram consignados e que determinaram a sua procedência.
Cremos que faz uma correta apreciação dos factos bem como qualificação jurídica dos mesmos.
E dando-se como provado que (25)“O sinistrado não usava quaisquer equipamentos de proteção individual para trabalhos em altura, nomeadamente, capacetes, arneses e linhas de vida.
E (26) que “A queda do sinistrado ocorreu em consequência do referido em 18.º a 25.º”., mostra-se correta a condenação.
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Assim, emite-se parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.”

2. Objeto do recurso:
O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635º, nº4 e 639º, nº1 do Código de Processo Civil), salvo as questões de conhecimento oficioso não transitadas (artigo 608º, nº2, in fine, e 635º, nº5, do Código de Processo Civil), consubstancia-se nas seguintes questões:
- impugnação da matéria de facto;
- nulidade da sentença;
- descaracterização do acidente como acidente de trabalho.

3. Fundamentação:
3.1. Fundamentação de facto:
3.1.1. Factos provados (inclui-se em realce a matéria aditada na sequência da decisão infra sobre a impugnação da matéria de facto):
1. O sinistrado BB faleceu em 25/02/2019, no estado de solteiro.
2. Tendo deixado como herdeiro e sucessor universal o seu filho, ora Autor, nascido em .../.../2006.
3. Mediante acordo escrito intitulado “contrato de trabalho a termo certo”, celebrado em 2 de novembro de 2015, entre F..., SA, na qualidade de primeira outorgante, e BB, na qualidade de segundo outorgante, aquela admitiu este “ao seu serviço para lhe prestar a atividade correspondente à categoria de Serviço de Apoio, prevista no CCT aplicável”, nos termos que constam a fls. 164 vs e 165 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
4. De acordo com a «cláusula terceira» do contrato, “como retribuição ajustada entre a Primeira e o Segundo Outorgantes, pagará a Primeira ao Segundo, mensalmente, a quantia de € 520,00 (…) ilíquida, como retribuição base, acrescida de um subsídio de alimentação no valor de € 2,60 (…) por cada dia útil de trabalho”.
5. De acordo com a «cláusula oitava» do contrato, “O presente contrato fica sujeito a período experimental de 30 dias, no decurso do qual qualquer das partes poderá pôr livremente termo ao contrato sem necessidade de aviso prévio nem invocação de justa causa, não havendo lugar a qualquer indemnização”.
6. Ao aludido contrato de trabalho aplicava-se a CCT celebrada entre a ANIPC e a FIEQUIMETAL, publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 35, de 22 de Setembro de 2008, com alterações publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º29, de 8 de Agosto de 2010 e n.º 25, de 8 de Julho de 2013, nomeadamente o art.º 65.º, n.º 1, da CCT, “Em caso de acidente de trabalho ou doença profissional, o trabalhador tem direito a indemnização por incapacidade temporária, correspondente à retribuição mensal efetiva, onde se incluem todas as prestações recebidas com carácter de regularidade, bem como aos subsídios de férias e de Natal e outras prestações anuais, se existirem”.
7. F..., SA e G..., SA celebraram contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, titulado pela apólice nº ....., abrangendo a transferência da responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho que envolvessem o Autor, pela remuneração de € 7.935,20.
8. No dia 30/11/2015, cerca das 10:00h, nas instalações da 2.ª R. sitas no lugar ..., ..., freguesia ..., concelho de Espinho, quando laborava sob as ordens, direção e fiscalização da 2.ª Ré, o sinistrado BB sofreu uma queda em altura, quando se encontrava na cobertura do pavilhão de expedição.
(Temas de prova)
9. Após a admissão do sinistrado na Ré Entidade Empregadora, o sinistrado apenas participou numa sessão de acolhimento no posto de trabalho, em que foram abordadas algumas questões de segurança relativas ao seu posto de trabalho. (petição inicial – resposta restritiva)
10. Em dia não concretamente apurado, antes de 30.11.2015, o Administrador da Ré Entidade Empregadora, CC, deu instruções para que fossem substituídas as telhas na cobertura do armazém designado pavilhão de expedição. (petição inicial)
11. O pé direito daquele pavilhão é de cerca de 6 a 7 metros. (petição inicial – resposta restritiva)
12. Na data dos factos, quem efetuou a organização dos trabalhos de manutenção foi o chefe de equipa, DD, que por volta das 08:00h da manhã fez a distribuição e organização de tarefas da sua equipa, da qual fazia também parte o trabalhador EE. (contestação)
13. O chefe de equipa referiu-lhes que depois do trabalho que estavam a executar, e que respeitava ao restauro de umas escadas, iriam executar uma outra tarefa, que consistia na substituição de telhas translúcidas do pavilhão de expedição da demandada contestante. (contestação)
14. Cerca das 10:00h, o chefe de equipa DD indicou-lhes o local onde se encontravam as telhas e o local para onde deviam ser transportadas. (facto instrumental)
15. O trabalhador EE e o sinistrado transportaram as telhas até junto da cobertura, utilizando o terreno contíguo. (facto instrumental)
15-B - Foi dito pelo Chefe de equipa ao Sinistrado e ao EE para aguardarem a chegada dele com os equipamentos linha de vida, os arneses e a ferramenta.
16. A dada altura, o sinistrado avançou sobre a rede separadora do terreno contíguo e colocou-se em cima da cobertura do pavilhão. (facto instrumental)
17. O trabalhador EE seguiu-o e alertou o Sinistrado para ter cuidado com as telhas translúcidas que quebraram. (facto instrumental e contestação)
18. Nessa altura, quando o sinistrado já se encontrava em cima do telhado, pisou uma telha translúcida que se partiu, caindo desamparado no solo. (petição inicial)
19. O telhado tem partes onde se pode andar sem risco iminente de queda e tem as telhas translúcidas, em material quebrantável, de forma a permitir a entrada da luz para o pavilhão. (contestação)
20. Os painéis acrílicos encontravam-se visivelmente danificados, até pela sua antiguidade. (contestação)
21. Ficou acertado com os trabalhadores que, no local, iriam ensinar ao trabalhador sinistrado a forma de colocar os arneses, e as linhas de vida, e rever todos esses procedimentos com o trabalhador EE. (contestação)
22. O sinistrado foi incumbido da realização da tarefa descrita em 10.º e 13.º sem que a Entidade Empregadora tivesse diligenciado pelo planeamento prévio da tarefa a executar, nomeadamente pela elaboração de fichas de procedimento de segurança. (facto essencial apurado no decurso da audiência de julgamento)
23. E sem que a Entidade Empregadora cuidasse de implementar previamente quaisquer meios de proteção coletiva ou individual contra o risco de queda. (petição inicial)
24. A Ré não proporcionou ao sinistrado formação específica de segurança e proteção para a execução de trabalhos em altura, nem assegurou a informação adequada para o exercício em condições de segurança do seu trabalho. (petição inicial)
25. O sinistrado não usava quaisquer equipamentos de proteção individual para trabalhos em altura, nomeadamente, capacetes, arneses e linhas de vida. (petição inicial).
26. A queda do sinistrado ocorreu em consequência do referido em 18.º a 25.º. (petição inicial e facto essencial apurado no decurso da audiência de julgamento)
27. Em consequência, da queda, o sinistrado sofreu grave traumatismo crânio-encefálico, com perda de consciência (conforme relatório de avaliação de dano junto aos autos primitivos). (petição inicial)
28. Consequente e diretamente, foram detetados “Múltiplos focos de contusão; Apagamentos das cisternas da base; Hemorragia subdural frontal esquerda, sem condicionar desvio da linha média; fraturas diastáticas da lambdoide esquerda e temporo-parietal esquerda, com irradiação ao rochedo”. (petição inicial)
29. Foi transportado para o Serviço de Urgência do Centro Hospitalar ... onde foi avaliado pela especialidade de Neurocirurgia e operado de urgência e no mesmo dia para “realização de craniectomia, tendo sido colocado o retalho ósseo na espessura da parede abdominal” tendo sido feita “craniectomia, descompressiva hemisférica esquerda e drenagem do hematoma subdural agudo.” (petição inicial)
30. Tendo então ficado internado na Unidade de Cuidados Intensivos, em coma até 25/12/2015. (petição inicial)
31. “Durante o internamento apresentou intercorrência com infeção do sistema nervoso central (SNC)/meningite…”.(petição inicial)
32. Em 07/01/2016, foi novamente operado para realização de cranioplastia. (petição inicial)
33. Em 22 /02/2016 foi transferido para a Santa Casa de Misericórdia ..., onde ficou em isolamento e mantido o tratamento antibiótico. (petição inicial)
34. Posteriormente, em 31/03/2016, foi internado no Hospital ... onde iniciou programa de reabilitação. (petição inicial)
35. Em 25/05/2016, foi observado em consulta externa de Neurocirurgia do Centro Hospitalar ..., “Apresentava discurso pouco percetível desorientação temporo-espacial; sem capacidade mental/psíquica para reger de forma adequada a sua pessoa e ou os seus bens”. (petição inicial)
36. O acidente supra descrito foi causa direta, das lesões e dores sofridos pelo sinistrado, bem como das seguintes sequelas: “desorientação no tempo e no espaço, discurso desorganizado, lentificado e impercetível, sialorreia; evidência défices cognitivos severos com comprometimento das funções executivas e alterações de memória; mantém períodos de heteroagressividade verbal e física; encontra-se totalmente dependente para as atividades da vida diária; deambula para curtas distâncias com auxílio bilateral, com desequilíbrio na marcha; risco acrescido de queda”. (petição inicial)
37. Em consequência direta do acidente supra descrito, à data dos factos, sinistrado “não consegue colocar-se em pé ou caminhar; apresenta disartria importante, pelo que não consegue comunicar corretamente; não consegue manter qualquer conversação; usa fralda descartável.” (petição inicial)
38. Em consequência direta do acidente supra descrito, à data dos factos, o sinistrado “encontra-se totalmente dependente de terceira pessoa para a realização de todas as atividades da vida diária, alimentação, vigilância e administração de medicamentos; não consegue gerir as suas economias; não consegue desempenhar qualquer atividade profissional”. (petição inicial)
39. Em consequência direta do acidente supra descrito, o sinistrado apresentava as seguintes lesões e ou sequelas: “Consciente, desorientado, é transportado em cadeira de rodas com necessidade de tensão a nível de tórax e punhos. Cicatriz de craniotomia, curvilínea, de concavidade inferior, parieto-temporo-frontal esquerda, medindo 23 cm de comprimento; área de elevação óssea na região fontal esquerda, em provável relação com a craniotomia; Disartria acentuada, sendo a fala impercetível, não conseguindo estabelecer qualquer discurso; Irritável; Discreto desvio da comissura labial à esquerda, com sialorreia; Apenas executa ordens simples: fechar os olhos, apertar as mãos, abrir a boca; Hipotrofia muscular generalizada; Preensão das mãos com força muscular grau 4(+)/5; Mobiliza ativamente os membros inferiores, evidenciando força muscular grau 4/5, e rigidez articular moderada dos joelhos; Reflexos rotulianos simétricos e normorrefléxicos; Atitude postural do pescoço em flexão e lateralização à esquerda; Abdómen: Cicatriz com vestígios de pontos de sutura, transversal, no quadrante inferior direito da região umbilical, medindo 11 cm de comprimento.” (petição inicial)
40. Em consequência do acidente, o sinistrado esteve totalmente impedido de realizar a sua atividade profissional desde 30/11/2015 até 08/06/2017. (petição inicial)
41. Tendo ficado com incapacidade permanente e absoluta para todo e qualquer trabalho até à data da sua morte. (petição inicial)
42. O sinistrado carecia de ajuda permanente de terceira pessoa para a realização de todas as atividades da vida diária, cumprimento de terapêutica, gestão das suas economias, acompanhamento em consultas. (petição inicial)
43. O sinistrado carecia ainda de manter acompanhamento clínico regular, nomeadamente, pelas especialidades de medicina Física e Reabilitação, Terapia da fala, Psiquiatria e Neurocirurgia. (petição inicial)
44. Paralelamente, face à total dependência do sinistrado, ao sinistrado foi decretada a sua interdição, com carácter definitivo, por anomalia psíquica, com início em 30/11/2015, ou seja, a data seu acidente de trabalho dos autos. (petição inicial)
45. Como igual consequência direta e necessária das sequelas de que o sinistrado padecia, este veio a falecer em 25/02/2019, no Hospital 1..., por pneumonite de aspiração em consequência da disfagia grave por “status pós politrauma com TCE”, nos termos do certificado de óbito n.º ...... (petição inicial)
Factos não provados:
1. O sinistrado desconhecia se nas instalações da Ré Entidade Empregadora existiam ou não equipamentos individuais de proteção e segurança para trabalhos em altura.
2. O chefe de equipa DD disse ao sinistrado e a EE que, enquanto estivessem a terminar a tarefa de reparação das escadas, o mesmo iria buscar os equipamentos de segurança/proteção necessários para, em seguida, se deslocarem ao telhado.
3. Tendo o mesmo, de forma inequívoca, dado ordens aos trabalhadores - incluindo ao sinistrado - para aguardar que o mesmo chegasse com os equipamentos de segurança que iria buscar, designadamente capacetes, arneses e linhas de vida, pois os mesmos eram indispensáveis para a segurança de quem executasse tal tipo de tarefas.
4. Sendo que, só após a análise da situação e a localização das telhas, o mesmo chefe de equipa iria verificar se, ainda assim, seria seguro fazerem tal trabalho, ou se seria melhor o mesmo ser executado com recurso a grua móvel.
5. O Autor, por sua livre iniciativa, contra as ordens do seu chefe de equipa, e antes que este tivesse regressado, decidiu subir ao telhado do pavilhão da expedição sem utilizar quaisquer dos equipamentos de segurança e proteção necessários para o efeito.
6. E, apesar de o trabalhador EE o ter advertido para não subir para o telhado, já que o mesmo aventurando-se assim agiu, pelo menos que se colocasse em cima da parte segura do telhado.
7. Facto é que o trabalhador nada disto acatou e, da sua única atuação, o acidente ocorreu.
Foi esta a motivação do tribunal a quo:
“Os factos descritos em 9.º e 24 .º (1ª parte) da matéria de facto provada resultaram apurados com base no teor das declarações de FF, chefe de Departamento de Recursos Humanos da Ré F..., SA, desde 1998, e responsável pelo acompanhamento do processo de admissão dos trabalhadores, que explicitou os procedimentos internos instituídos aquando da entrada de novos trabalhadores, referindo que, entre outras diligências, é efetuado um contacto com o departamento de higiene e segurança no trabalho no sentido de avaliar o tipo de formação o funcionário necessita, são reunidos os elementos necessários para o processamento salários e efetuadas as necessárias comunicações à Segurança Social. No primeiro dia da admissão, é realizada uma visita acompanhada do trabalhador à empresa, são entregues os EPI adequados à função a desempenhar pelo trabalhador, e é ministrada uma breve formação sobre o uso destes. Inicialmente é entregue o equipamento básico, e, à medida que outros serviços vão sendo atribuídos, novos EPI são entregues (designadamente, fardamento, botas ou auriculares). Após esta abordagem inicial, que habitualmente demora cerca de uma hora, o trabalhador é conduzido para junto da equipa, onde são explicadas as suas funções.
No caso do trabalhador sinistrado, que havia sido admitido há menos de um mês para efetuar serviços de apoio, pequenos de trabalhos de limpeza e manutenção (apesar de lhe ter sido atribuída a categoria de papeleiro, a mais básica da CCT), foi seguido este procedimento inicial, não tendo realizado, durante o período experimental, qualquer outro tipo de formação.
Do teor das suas declarações, resultou, assim, provado que o trabalhador não teve formação específica em trabalhos em altura, antes da execução da tarefa ordenada, nem recebeu quaisquer EPI adequados a esta (nomeadamente arnês e cinto de segurança), tendo, porém, recebido uma formação breve (de cerca de uma hora) em matéria de segurança e saúde no trabalho, tendo em vista as funções para que havia sido contratado (que, em todo o caso, não substitui a formação em matéria de segurança e saúde no trabalho que a entidade empregadora está obrigada a organizar relativamente a cada trabalhador por referência ao seu posto de trabalho).
Os factos descritos em 10.º a 23.º e 25.º e 26.º do elenco de factos provados (dinâmica do acidente e características do telhado e do local da intervenção) e os factos descritos em 1.º a 6.º da matéria de facto não provada resultaram apurados com base no teor das declarações da testemunha EE, Papeleiro na F..., SA há cerca de 7 anos, que descreveu as circunstâncias em que ocorreu a queda do sinistrado BB no dia 30 de novembro de 2015, nas instalações fabris da entidade empregadora, referindo que, cerca das 10:00h, foram abordados pelo responsável pela equipa de manutenção, DD (a testemunha e o sinistrado, que naquele momento efetuavam o restauro de umas escadas) que lhes comunicou que após o lanche da manhã iriam efetuar a substituição de umas telhas de claraboia no pavilhão de expedição (local destinado a cargas e descargas). Cerca das 10:00h, o responsável DD indicou-lhes o local onde se encontravam as telhas e o sítio para onde deviam ser transportadas. A testemunha e o sinistrado procederam assim ao transporte das telhas para o local previsto, acedendo ao terreno de cima, que se encontrava nivelado com o telhado em chapa do pavilhão, local a partir de onde se fariam os trabalhos de substituição. Tratavam-se de três telhas translúcidas com cerca de 4 metros, que foram assim depositadas junto à rede separadora do telhado e do terreno de cima. Nessa altura, o responsável ordenou-lhes que aguardassem ali, uma vez que ia buscar as ferramentas, a linha de vida e o arnês. Porém, o sinistrado passou a rede divisória do terreno e começou a circular em cima da cobertura. A testemunha seguiu-o (“foi atrás dele”) tendo-lhe dito “(…) tem cuidado não te esqueças que isso é de plástico”. Entretanto, ouviu um ruído e só visualizou o corpo do sinistrado a cair por entre as telhas da cobertura. Mais referiu que a testemunha e o sinistrado estiveram cerca de 5 a 10 minutos em cima do telhado e que o telhado era composto por uma estrutura sólida em chapa e vigas de ferro que oferecia segurança, exceto na parte em que se encontravam colocadas telhas translúcidas, que se encontravam velhas e ressequidas.
Ponderou-se ainda o teor das declarações de DD, papeleiro na Ré F..., SA, há cerca de 37 anos, que exerce funções como chefe da equipa de manutenção, na parte em que referiu que, no dia do acidente, informou o sinistrado e a testemunha EE de que iriam efetuar um trabalho de substituição de telhas translúcidas.
Esclareceu que a necessidade de realização de tal tarefa havia sido aflorada pelo administrador CC, alguns dias antes do acidente, porquanto as telhas estavam ressequidas, apresentavam fraturas (permitindo a infiltração da água sobre o material depositado no armazém) e estavam opacas, não deixando passar a claridade. A testemunha encetou então, nessa altura, as medidas necessárias com vista à realização do serviço, nomeadamente diligenciando pela encomenda das telhas junto do chefe de arrecadação, e, no dia do acidente, falou com o sinistrado (BB) e o trabalhador EE para iniciar-se a execução do serviço.
Não se mostraram credíveis, as suas declarações, porém, na parte em que referiu que, após a conversa que teve com o sinistrado e o trabalhador EE, no início da manhã, lhes referiu que deviam esperar por si ali, no local onde se encontravam (a restaurar umas escadas), até terminar o seu trabalho, e que, depois das 10:00h, quando se deslocou à parte interior do pavilhão, a fim de verificar as condições para a execução do serviço, já a queda do sinistrado tinha ocorrido, encontrando-se este no chão do pavilhão.
Na verdade, nesta parte, as suas declarações foram infirmadas pelo depoimento da anterior testemunha, que asseverou que lhes foi indicado o local onde deveriam levantar as telhas novas e o local para onde deviam ser transportadas, tendo o chefe de equipa DD referido que deveriam esperar ali, até que fossem trazidos os equipamentos necessários (linha de vida e arnês), declarações que se nos afiguram credíveis, atendendo a que não nos parece verosímil que o sinistrado (que se encontrava na empresa há pouco tempo) e a testemunha EE tomassem iniciativa de subir ao telhado para deixar aí as telhas, sem qualquer indicação nesse sentido, além de que a versão desta testemunha foi também corroborada pelo depoimento da testemunha GG, Técnica superior ... na V... – empresa prestadora de serviços de segurança e saúde no trabalho, que havia celebrado um contrato com a Ré Entidade Empregadora nos anos de 2014 e 2015 – que referiu que, aquando da deslocação ao local da empresa, a fim de elaborar o relatório de acidente de trabalho, verificou que as telhas a substituir já se encontravam colocadas junto ao telhado.
Resultaram, assim provados os factos a este propósito alegados na petição inicial, com o esclarecimento de que o chefe de equipa indicou ao sinistrado e ao seu colega de trabalho (EE) o local onde se encontravam as telhas e o local para onde deviam ser transportadas e que o sinistrado avançou sobre a rede separadora do terreno e da cobertura, o mesmo fazendo a testemunha EE (factos instrumentais, apurados no decurso da audiência de julgamento, incluídos na matéria de facto provada ao abrigo do disposto no art. 5.º, nº 2, a), do C. de Processo Civil).
Quanto às concretas causas do acidente, ponderou-se o teor do Relatório de acidente de trabalho elaborado por S..., junto a fls. 306 e ss dos autos (incorporado no relatório elaborado pela Companhia de Seguros), e declarações da testemunha GG (subscritora do referido relatório), que referiu que esta tarefa (trabalhos em altura) envolvia um risco especial, pressupondo o planeamento prévio e a elaboração de fichas de procedimentos de segurança, sendo que a mesma não lhes foi comunicada, tendo sido realizada sem o seu conhecimento e a sua intervenção. Além disso, o planeamento prévio da tarefa, do ponto de vista da segurança dos trabalhadores, não poderia ser efetuado por qualquer pessoa, mas teria de ser realizado por um técnico qualificado.
Assim, e de acordo com as conclusões que verteu no seu relatório, “2. Ações preventivas e corretivas: Todos os trabalhadores envolvidos na execução de trabalhos em altura deverão possuir formação adequada e específica; Dotar os trabalhadores de competências práticas (formação prática) para a execução segura dos trabalhos; planear escrupulosamente todas as intervenções que impliquem a realização de trabalhos em altura; selecionar previamente os equipamentos de trabalho mais adequados à natureza dos trabalhos a realizar; implementar programas de manutenção e conservação dos equipamentos utilizados nos trabalhos em altura; ensaios periódicos dos equipamentos de trabalhos; antes do início dos trabalhos, verificação dos equipamentos após montagem e instalação, por pessoa competente; a realização dos trabalhos em altura deverá ser supervisionada e vigiado o cumprimentos dos procedimentos de segurança; os trabalhos em altura deverão ser realizados por uma equipa de trabalho constituída no mínimo por dois trabalhadores; Garantir que apenas trabalhadores aptos física e mentalmente realizam trabalhos em altura; Garantir procedimentos de resgate em caso de emergência. 3. Se tivessem sido cumpridos os procedimentos de segurança aplicáveis a trabalhos em altura (trabalhos em superfícies frágeis) possivelmente o acidente de trabalho não teria ocorrido, ou em caso de ocorrência, os efeitos e consequências do acidente de trabalho poderiam ser minorados de forma considerável”).
De relevante, acrescentou ainda que esta tarefa não estava prevista no Relatório de Avaliação de Riscos nos postos de trabalho, efetuado a pedido da empresa, tendo apenas sido comunicada, no capítulo dos trabalhos em altura, a necessidade de mudança de lâmpadas (para o que foi indicado um andaime específico).
Provou-se ainda que o trabalhador não tinha tido qualquer tipo de formação em matéria de trabalhos em altura e que não usava quaisquer equipamentos de proteção individual. Mais se provou que não foram prestadas quaisquer informações de segurança, nomeadamente quanto a técnicas de prevenção de risco e quanto à perigosidade do local da intervenção.
As omissões referidas – sobretudo as que se prendem com a falta de planeamento, de previsão e comunicação de procedimentos de segurança, falta informação sobre técnicas de prevenção de risco, falta de formação para trabalhos em altura e falta de atribuição de equipamentos de proteção individual antes do início da execução da tarefa – são de molde a concluir que o acidente ocorreu em consequência da conduta omissiva da Ré Empregadora em matéria de obrigações segurança e saúde no trabalho, ou seja, que a sua omissão foi causa adequada da sua ocorrência.
Com efeito, caso tivesse sido planeado o trabalho em altura – incluindo a indicação das concretas pessoas que deviam intervir na operação e as tarefas que individualmente estavam atribuídas, a ponderação e escolha do equipamento de proteção coletiva dos trabalhadores em face do tipo de serviço a realizar e das condições existentes no local (equipamento elevatório em tesoura, munido de cesto, colocado no interior do pavilhão ou acesso exterior pelo telhado, com montagem prévia de linha de vida e utilização de arnês), indicação do equipamento de proteção individual adequado (dotado de mecanismo retrátil ou com dois pontos de ancoragem), solicitação de presença de técnico especializado que prestasse esclarecimentos sobre a forma mais segura de proceder à respetiva ascensão dos trabalhadores, indicação dos trabalhadores que deveriam prestar assistência no solo, forma de descensão das telhas danificadas e ascensão das telhas novas ao telhado –, e caso o trabalhador sinistrado tivesse tido informação e formação em matéria de segurança e saúde no trabalho (incluindo formação para realização de trabalhos em altura e informação sobre os riscos associados ao local da intervenção) e dispusesse de EPI e EPC idóneos e eficazes, o acidente não se teria produzido.
Refira-se, aliás, que o trabalhador DD, que assumiu espontaneamente a tarefa de organização do trabalho, não só não dispõe de formação como técnico de segurança e saúde no trabalho, como sustentou que neste caso não se afigurava necessária a utilização de um equipamento de tesoura – que a empresa, aliás, dispunha nas suas instalações –, quando este tipo de equipamento é habitualmente aconselhado para a realização deste tipo de operações, uma vez que permite ao trabalhador elevar-se num compartimento protegido (ligando-se inclusivamente aos seus EPI) e a partir daí executar todas as operações de remoção das telhas e colocação de novas.
Deverá também referir-se, que, de acordo com as declarações das testemunhas e com o relatório de Acidente de Trabalho mandado elaborar pela Companhia de Seguros Ré, a cobertura do armazém estava a cerca de 6 a 7 metros de altura do chão, o que tornava a operação de alto risco, com consequências previsivelmente fatais em caso de queda, como se veio a verificar.
E apesar de as testemunhas DD e EE terem sustentado que nunca tinha sido equacionado fazer intervir o sinistrado BB na execução dos trabalhos em altura (devendo este apenas auxiliar os restantes trabalhadores a partir do chão), não é essa a versão que consta do articulado de contestação apresentado pela Ré Entidade Empregadora nestes autos (cf. art. 10.º deste articulado, facto que equivale a confissão – art. 21.º do elenco de factos provados). A Entidade Empregadora não só incluiu o sinistrado na equipa que iria fazer a intervenção no telhado, como manifestou intenção de lhe dar formação, no momento, explicando-lhe como devia usar o arnês e a linha de vida, o que não cumpre as suas obrigações legais em matéria de formação.
A tarefa foi, pois, iniciada, sem qualquer planeamento em matéria de segurança no trabalho, sem intervenção de uma entidade qualificada para a avaliação dos riscos, sem elaboração de fichas de procedimento de segurança, sem informação aos trabalhadores sobre os riscos associados à tarefa (nomeadamente os que se prendiam com o estado da cobertura a intervencionar e sobre o correto uso dos EPI), sem quaisquer equipamentos de proteção, individuais ou coletivos que tivessem sido disponibilizados previamente aos trabalhadores que foram chamados para executar a tarefa e sem formação específica para a realização de trabalhos em altura.
Aqueles factos (falta de planeamento e de elaboração de fichas de procedimentos de segurança - que deverão ser qualificados como essencial, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 72.º, nº 1, do Código do Processo do Trabalho), foram apurados no decurso da audiência de julgamento, devendo ser considerados provados e incluídos na matéria de facto apurada, nos termos do disposto no referido normativo, atento o teor do despacho de reabertura da audiência de julgamento.
No que concerne aos factos não provados, quer os que estão em contradição com a versão apurada, quer os restantes factos alegados para além desta, deverá referir-se que não se produziu prova de que o chefe da equipa de manutenção tenha dado ordens expressas ao sinistrado (e ao outro trabalhador) de proibição de acesso ao telhado, e bem assim que o colega de trabalho EE tenha advertido o Autor para não aceder ao telhado. De facto, aquilo que se apurou – em sentido coincidente, aliás, com o apurado no Relatório de Acidente de Trabalho mandado elaborar pela Companhia de Seguros (cf. fls. 294 vs dos autos) – foi simplesmente que o chefe de equipa informou os trabalhadores que iriam, após a pausa, proceder à substituição de umas telhas translúcidas no pavilhão de expedição, lhes indicou o local onde se encontravam as telhas a substituir e o local para onde deviam ser transportadas e que então lhes disse para aguardarem, que iria buscar a linha de vida e o arnês – não tendo feito referência a ordens expressas de proibição de acesso ao telhado na sua ausência. Quanto ao trabalhador EE, não se apurou que tenha advertido o sinistrado para não subir para o telhado – ele próprio, na verdade, também o fez – mas que apenas o avisou para ter cuidado com as telhas de plástico translúcidas. Não pode, pois, concluir-se no sentido sustentado pela Ré Entidade Empregadora na sua contestação, de que o Autor desobedeceu a ordens expressas do seu superior hierárquico, tendo incumprido normas de segurança na execução do seu trabalho, sendo em consequência dessa desobediência que se produziu o acidente.
Por último, deverá referir-se que a decisão proferida no processo de contraordenação nº 3801/17.7T8VFR não só não forma caso julgado (conforme fundamentos já explanados no despacho proferido em sede de saneamento), como inexiste fundamento para aplicar o disposto no art. 624.º do C. de Processo Civil por analogia, na medida em que estamos perante processos de natureza diversa (processo contraordenacional e processo penal) e com limitações de prova distintas. De todo o modo, e ainda que se sustentasse posição contrária, sempre a presunção estaria ilidida em face da prova produzida, nos termos sobreditos.
Quanto às consequências do acidente – arts. 27.º a 45.º da matéria de facto provada – ponderou-se o teor dos seguintes documentos:
- Diário Clínico de 25.05.2016 (fls. 8);
- Relatório de neurocirurgia de 29.02.2016 (fls. 9); - Relatório de neurocirurgia de 25.05.2016 (fls. 10);
- Relatório Clínico do Hospital do ..., datado de 31.03.2016 (fls. 48); - Relatório Clínico de 8 de junho de 2017 (fls. 49 vs);
- Exame Médico-legal de 26 de junho de 2017 (fls. 34 vs);
- Relatório hospitalar de 20 de janeiro de 2016 (fls. 75);
- Relatório de Neurocirurgia de 29 de fevereiro de 2016 (fls. 81); - Sentença de interdição de fls. 98 e ss;
- Relatório de Junta Médica elaborado no apenso, que conclui que “do acidente em análise (queda em altura) resultou TCE grave; apresentava sequelas graves de TCE grave, com perda de capacidade cognitiva, desorientação espacial, disartria grave, dificuldade de locomoção marcada; (…) o sinistrado manteve-se sempre em ITA (01.12.2015 a 08.06.2017), data da consolidação. (…) Após a alta, foi-lhe atribuída IPA”. Mais concluiu que o sinistrado faleceu em 25.02.2019, no Hospital 1..., por pneumonite de aspiração em consequência da disfagia grave por “status pós politrauma com TCE, nos termos do certificado de óbito nº ..... e que é de admitir a existência de um nexo de causalidade entre a causa da morte referida no aludido certificado de óbito e as sequelas resultantes do acidente de trabalho em apreço.”, (realce e sublinhado nossos).

3.1.2. De harmonia com o disposto no artigo 662º, nº1 do Código de Processo Civil (ex vi do artigo 1º, nº 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho), o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Os poderes da Relação sobre o julgamento da matéria de facto foram reforçados na atual redação do Código de Processo Civil.
Abrantes Geraldes, (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, pág. 230) refere que, “… a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”. Apesar de (obra citada, pág. 245), “... a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º não poder confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”.
Na reapreciação da força probatória das declarações de parte, dos depoimentos das testemunhas e dos documentos, importa ter presente o princípio da livre apreciação, como resulta do disposto nos artigos 607º, nº5 e 466º, nº3, ambos do Código de Processo Civil e 396º e 366º.
Dito de outro modo, cabe à Relação, enquanto tribunal de 2ª instância, reapreciar, não apenas se a convicção expressa pelo tribunal de 1ª instância tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os restantes elementos constantes dos autos revelam, mas, também, avaliar e valorar, de acordo com o princípio da livre convicção, toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objeto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto.
Preceitua ainda o artigo 640º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil:
«1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
(…)».
Como se lê no Acórdão do STJ de 01.10.2015, in www.dgsi.pt, “Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão. (…)”, (sublinhado nosso).
Servindo-nos também do texto do acórdão desta secção de 22.10.2018, proferido no processo 246/16.OT8VLG.P1, (Relatora Desembargadora Rita Romeira, no qual foi 1ª adjunta a aqui relatora):
«Verifica-se, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação da decisão de facto, não se satisfaz com a mera indicação genérica da prova que na perspetiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal “a quo”, impõe-lhe a concretização quer dos pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância como a especificação das provas produzidas que, por as considerar como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, quanto a cada um dos factos que impugna sendo que, quando se funde em provas gravadas se torna, também, necessário que indique com exatidão as passagens da gravação em que se baseia, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.
Além disso, nas palavras, (…) de (Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, págs. 132 e 133), “O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto;”.
Sobre este assunto, no (Ac.STJ de 27.10.2016) pode ler-se: “…Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPC, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto.”…(…).».
Ainda a este propósito, lê-se no Acórdão desta secção de 15.04.2013 (relatora Paula Leal de Carvalho, in www.dgsi.pt, também citado no acórdão de 22.10.2018), “Na impugnação da matéria de facto o Recorrente deverá, pois, identificar, com clareza e precisão, os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda, o que deverá fazer por reporte à concreta matéria de facto que consta dos articulados (em caso de inexistência de base instrutória, como é a situação dos autos).
E deverá também relacionar ou conectar cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que, em seu entender, sustentaria diferente decisão, designadamente, caso a discordância se fundamente em depoimentos que hajam sido gravados, identificando as testemunhas por referência a cada um dos factos que impugna (para além “de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.”».
Entende a Apelante que se justifica a alteração da matéria de facto, passando para não provados, os factos provados sob os nºs 22 e 23; e passando para provados, os factos não provados 2 a 7.
É este o teor do item 22º dos factos provados:
- O sinistrado foi incumbido da realização da tarefa descrita em 10º e 13.º sem que a Entidade Empregadora tivesse diligenciado pelo planeamento prévio da tarefa a executar, nomeadamente pela elaboração de fichas de procedimento de segurança.
Conclui a Apelante, em suma que este facto é contrariado pelos factos provados 13, 14 e 15, dos quais resulta que ao trabalhador foi indicado para em conjunto com o Sr. EE levar as telhas para junto do telhado.
Também que da prova testemunhal produzida, não pode resultar outra conclusão que não seja a de que nunca foi dada qualquer ordem ao Sinistrado para ele ir mudar as telhas, nunca o mesmo foi incumbido de tal tarefa - não podendo considerar-se que do facto de o trabalhador ter subido ao telhado resulta que ao mesmo foi atribuída a tarefa de mudar as telhas translúcidas- e resulta que a tarefa iria ser planeada e analisada pelo Chefe de Equipa Sr. DD
Ainda que não é pela mera falta de elaboração de fichas prévias de procedimentos de segurança, que se pode dar como verificado que a entidade patronal não planeou a tarefa.
Invoca o depoimento das testemunhas DD e EE e bem assim os documentos nºs 1 e 2 juntos com a contestação e Sentença do Tribunal do Trabalho de Santa Maria da Feira, Juiz 1, processo n.º 3801/17.7T8VFR, junta como doc. 4 com o mesmo articulado.
Conclui ainda que deveria ter sido dado como provado que a tarefa do Sinistrado se limitava a auxiliar o chefe de equipa Sr. DD e o Sr. EE, uma vez que estes eram detentores de formação e habilitações para trabalhos em altura.
Vejamos:
Antes de mais, importa referir que não consideramos contraditória a matéria do item 22º relativamente à matéria dos itens 13º, 14º e 15º.
Na verdade, o planeamento prévio da tarefa a executar, nomeadamente a elaboração de fichas de segurança, não se confunde com as indicações dadas no momento em que foi comunicada a tarefa e se iniciou a mesma.
Por outro lado, o que consta do teor do item 22º não é que ao Sinistrado foi dada ordem para ele ir mudar as telhas, antes sim que o Sinistrado foi incumbido da substituição das telhas translúcidas do pavilhão de expedição, mas não só ele, como resulta claro dos itens 13º, 14º e 15º – tal como o trabalhador EE e o chefe de equipa DD.
Dito de outro modo, incumbir alguém de uma tarefa não quer dizer que a faça sozinho, como não foi o caso.
E se é certo que a elaboração de fichas prévias de procedimentos de segurança não corresponde ao planeamento da tarefa, inclui-se neste.
Aliás a Apelante em nada contesta a ponderação efetuada na motivação da decisão de facto efetuada na sentença recorrida a este propósito:
- das declarações de DD, das quais resulta, ali se lê, que a necessidade de realização de tal tarefa havia sido aflorada pelo administrador CC apenas alguns dias antes do acidente, referenciando ter encetado nessa altura as medidas necessárias com vista à realização do serviço, nomeadamente diligenciando pela encomenda das telhas e no dia do acidente falou com o Sinistrado e o trabalhador EE para iniciar-se a execução do serviço;
- das declarações da testemunha GG que subscreveu o relatório do acidente de trabalho (incorporado no relatório elaborado pela Companhia de Seguros) e que referiu, ali se lê, que esta tarefa envolvia um risco especial, pressupondo o planeamento prévio e a elaboração de fichas de procedimentos de segurança, sendo que a mesma não lhes foi comunicada, acrescentando que esta tarefa não estava prevista no relatório de Avaliação de riscos nos postos de trabalho, efetuado a pedido da empresa, tendo apenas sido comunicada, no capítulo dos trabalhos em altura, a necessidade de mudança de lâmpadas (para o que foi indicado um andaime específico).
De resto, a matéria ‘a tarefa do Sinistrado limitava-se a auxiliar o chefe de equipa Sr. DD e o Sr. EE` é matéria conclusiva.
Já relativamente à matéria ´o chefe de equipa Sr. DD e o Sr. EE serem detentores de formação e habilitações para trabalhos em altura’, não resulta dos meios de prova indicados pela Apelante.
Improcede assim nesta parte a pretensão da Apelante.
É este o teor do item 23º dos factos provados:
- E sem que a Entidade Empregadora cuidasse de implementar previamente quaisquer meios de proteção coletiva ou individual contra o risco de queda.
Conclui a Apelante, em suma:
- Da prova produzida, resulta que a tarefa iria ser planeada e analisada pelo Chefe de Equipa Sr. DD
Invoca o depoimento da testemunha DD, a qual, refere, indicou ao Tribunal que a entidade patronal era detentora de grua/cesto/tesoura e ainda o depoimento da testemunha EE, tendo ambas declarado que o encarregado da manutenção ia buscar os meios de proteção individual e que eram detentores de arnês e linha de vida.
Ainda que o telhado é vedado com rede que tinha de ser avançada para se chegar à parte perigosa (telhas translúcidas), e apenas parte do telhado representa perigo de queda, tendo esta ocorrido quanto o Chefe de Equipa ainda se estava a munir com os equipamentos individuais de proteção para se dirigir ao telhado.
O Tribunal deu mesmo como provado que os trabalhadores iriam ensinar o Sinistrado a forma como usar a linha de vida e o arnês, para tal o Sr. DD teria de previamente os ter consigo.
Termina concluindo que implementou previamente os meios de proteção individual e coletiva contra o risco de queda em altura.
Também nesta parte sem razão.
Com efeito, o que resultou provado foi a falta de implementação prévia de quaisquer meios de proteção coletiva ou individual contra o risco de queda por parte da Entidade empregadora, não que esta não os detivesse já (ainda que não implementados no local onde a tarefa seria executada e antes do início dos trabalhos que a mesma implicaria).
Dito de outra forma, o que é dado como provado é que antes (previamente) do início dos trabalhos que a tarefa de substituição das telhas translúcidas do pavilhão de expedição implicaria – aí se incluindo o transporte das telhas item 14º), a Entidade Empregadora não tratou de implementar quaisquer meios de proteção coletiva ou individual contra o risco de queda.
Valem aqui as considerações efetuadas supra, a propósito da impugnação da matéria do item 22º, na confirmação da ponderação efetuada na sentença recorrida, no que da mesma se indicou. Ainda o excerto que se transcreve novamente aqui:
“A tarefa foi, pois, iniciada, sem qualquer planeamento em matéria de segurança no trabalho, sem intervenção de uma entidade qualificada para a avaliação dos riscos, sem elaboração de fichas de procedimento de segurança, sem informação aos trabalhadores sobre os riscos associados à tarefa (nomeadamente os que se prendiam com o estado da cobertura a intervencionar e sobre o correto uso dos EPI), sem quaisquer equipamentos de proteção, individuais ou coletivos que tivessem sido disponibilizados previamente aos trabalhadores que foram chamados para executar a tarefa e sem formação específica para a realização de trabalhos em altura.
Aqueles factos (falta de planeamento e de elaboração de fichas de procedimentos de segurança - que deverão ser qualificados como essencial, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 72.º, nº 1, do Código do Processo do Trabalho), foram apurados no decurso da audiência de julgamento, devendo ser considerados provados e incluídos na matéria de facto apurada, nos termos do disposto no referido normativo, atento o teor do despacho de reabertura da audiência de julgamento”, (realce nosso).
Improcede assim igualmente nesta parte a pretensão da Apelante.
Como referido, entende outrossim a Apelante que se justifica a alteração da matéria de facto, passando para provados os factos não provados 2 a 7.
É este o teor do item 2º dos factos não provados:
- O chefe de equipa DD disse ao sinistrado e a EE que, enquanto estivessem a terminar a tarefa de reparação das escadas, o mesmo iria buscar os equipamentos de segurança/proteção necessários para, em seguida, se deslocarem ao telhado;
Invocou a Apelante os depoimentos das testemunhas DD e EE, indicando os minutos da gravação onde ficaram registados os excertos dos respetivos depoimentos tidos por relevantes e procedendo à transcrição dos mesmos.
Ora lidos os mesmos excertos, não aferimos que foi enquanto o Sinistrado e o HH estavam a terminar a tarefa de reparação das escadas que DD lhes disse que iria buscar os equipamentos de segurança/proteção necessários para, em seguida, se deslocarem ao telhado.
A testemunha EE disse tão só que ainda não estavam em cima do telhado quando o Sr. DD foi à beira do mesmo e do Sinistrado dizer para esperarem porque ia buscar a linha de vida, os arneses e a ferramenta mas não que foi quando ainda estavam a terminar a tarefa de reparação das escadas ou a levar as telhas para junto do telhado que o chefe da equipa lhes disse que ia buscar os equipamentos de segurança.
A testemunha DD referiu ter dito ao Sinistrado e ao EE por mim aqui que eu vou acabar o meu trabalho, e depois vamos ver a maneira de as substituir’.
Nada temos a apontar à ponderação efetuada na decisão recorrida, reportando-se às declarações de DD, no excerto que novamente se transcreve:
Não se mostraram credíveis, as suas declarações, porém, na parte em que referiu que, após a conversa que teve com o sinistrado e o trabalhador EE, no início da manhã, lhes referiu que deviam esperar por si ali, no local onde se encontravam (a restaurar umas escadas), até terminar o seu trabalho, e que, depois das 10:00h, quando se deslocou à parte interior do pavilhão, a fim de verificar as condições para a execução do serviço, já a queda do sinistrado tinha ocorrido, encontrando-se este no chão do pavilhão.
Na verdade, nesta parte, as suas declarações foram infirmadas pelo depoimento da anterior testemunha, que asseverou que lhes foi indicado o local onde deveriam levantar as telhas novas e o local para onde deviam ser transportadas, tendo o chefe de equipa DD referido que deveriam esperar ali, até que fossem trazidos os equipamentos necessários (linha de vida e arnês), declarações que se nos afiguram credíveis, atendendo a que não nos parece verosímil que o sinistrado (que se encontrava na empresa há pouco tempo) e a testemunha EE tomassem iniciativa de subir ao telhado para deixar aí as telhas, sem qualquer indicação nesse sentido, além de que a versão desta testemunha foi também corroborada pelo depoimento da testemunha GG, Técnica superior ... na V... – empresa prestadora de serviços de segurança e saúde no trabalho, que havia celebrado um contrato com a Ré Entidade Empregadora nos anos de 2014 e 2015 – que referiu que, aquando da deslocação ao local da empresa, a fim de elaborar o relatório de acidente de trabalho, verificou que as telhas a substituir já se encontravam colocadas junto ao telhado.”
Improcede assim nesta parte a pretensão da Apelante.
Porém, entendemos que ficou demonstrado ter o chefe de equipa dito ao Sinistrado e ao EE para aguardarem a chegada dele com os equipamentos linha de vida, os arneses e a ferramenta, o que constitui um facto restritivo relativamente ao que foi inicialmente alegado pela Entidade empregadora no artigo 7º da contestação (ponto 14 dos temas da prova).
Procede assim nesta parte parcialmente a pretensão da Apelante, aditando-se aos factos provados:
15-B - foi dito pelo Chefe de equipa ao Sinistrado e ao EE para aguardarem a chegada dele com os equipamentos linha de vida, os arneses e a ferramenta.
É este o teor dos itens 3º e 4º dos factos não provados:
- Tendo o mesmo, de forma inequívoca, dado ordens aos trabalhadores - incluindo ao Sinistrado - para aguardar que o mesmo chegasse com os equipamentos de segurança que iria buscar, designadamente capacetes, arneses e linhas de vida, pois os mesmos eram indispensáveis para a segurança de quem executasse tal tipo de tarefas;
- Sendo que, só após a análise da situação e a localização das telhas, o mesmo chefe de equipa iria verificar se, ainda assim, seria seguro fazerem tal trabalho, ou se seria melhor o mesmo ser executado com recurso a grua móvel;
Invoca a Apelante os depoimentos das testemunhas DD e EE, remetendo para os excertos transcritos a propósito da demais impugnação da matéria de facto, já analisada.
Conclui que deve ser dado como provado que:
– Foi dada ordem ao Sr. EE e ao Sinistrado, que deveriam aguardar pela chegada do Sr. DD com os equipamentos de proteção individual;
- Só após a análise da situação e localização das telhas, o chefe da equipa iria verificar se, ainda assim, seria seguro fazerem tal trabalho ou se seria melhor o mesmo ser executado com recurso a grua móvel.
Lemos os excertos dos depoimentos DD e EE, transcritos pela Apelante e a convicção a que chegamos não difere da do Tribunal a quo.
Nenhuma das testemunhas referiu que o chefe de equipa disse ao Sinistrado e ao EE que os capacetes, arneses e linhas de vida eram indispensáveis para a segurança de quem executasse tal tipo de tarefas nem tão pouco que tivesse sido colocada a hipótese do trabalho ser executado com recurso a grua móvel.
Improcede assim nesta parte a pretensão da Apelante.
Porém, como se referiu já, entendemos que ficou demonstrado ter o chefe de equipa dito ao Sinistrado e ao EE para aguardarem a chegada dele com os equipamentos linha de vida, os arneses e a ferramenta.
É este o teor dos factos 5º, 6º e 7º não provados:
- O Autor, por sua livre iniciativa, contra as ordens do seu chefe de equipa, e antes que este tivesse regressado, decidiu subir ao telhado do pavilhão da expedição sem utilizar quaisquer dos equipamentos de segurança e proteção necessários para o efeito;
- E, apesar de o trabalhador EE o ter advertido para não subir para o telhado, já que o mesmo aventurando-se assim agiu, pelo menos que se colocasse em cima da parte segura do telhado;
- Facto é que o trabalhador nada disto acatou e, da sua única atuação, o acidente ocorreu.
A Apelante conclui que tal matéria deve ser dada como provada.
Não identificou, porém, qualquer meio de prova específico que em seu entender deveria levar a uma convicção diversa da do Tribunal a quo, limitando-se em sede de alegações a remeter para os depoimentos transcritos a propósito da impugnação de outra matéria.
Ou seja, a Apelante não particulariza qualquer meio de prova sobre a matéria que pretende fique provada, nem tão pouco se pronuncia sobre os meios de prova considerados e a ponderação efetuada e expressa na motivação da sentença recorrida a respeito daqueles, para a convicção formada pelo Mmº. Juiz a quo.
Impõem-se assim a rejeição da impugnação, o que se decide.
Mesmo que assim não se entendesse, acompanhamos a fundamentação da motivação da decisão de facto, constante da sentença recorrida, também no excerto que a seguir novamente se transcreve:
“No que concerne aos factos não provados, quer os que estão em contradição com a versão apurada, quer os restantes factos alegados para além desta, deverá referir-se que não se produziu prova de que o chefe da equipa de manutenção tenha dado ordens expressas ao sinistrado (e ao outro trabalhador) de proibição de acesso ao telhado, e bem assim que o colega de trabalho EE tenha advertido o Autor para não aceder ao telhado. De facto, aquilo que se apurou – em sentido coincidente, aliás, com o apurado no Relatório de Acidente de Trabalho mandado elaborar pela Companhia de Seguros (cf. fls. 294 vs dos autos) – foi simplesmente que o chefe de equipa informou os trabalhadores que iriam, após a pausa, proceder à substituição de umas telhas translúcidas no pavilhão de expedição, lhes indicou o local onde se encontravam as telhas a substituir e o local para onde deviam ser transportadas e que então lhes disse para aguardarem, que iria buscar a linha de vida e o arnês – não tendo feito referência a ordens expressas de proibição de acesso ao telhado na sua ausência. Quanto ao trabalhador EE, não se apurou que tenha advertido o sinistrado para não subir para o telhado – ele próprio, na verdade, também o fez – mas que apenas o avisou para ter cuidado com as telhas de plástico translúcidas. Não pode, pois, concluir-se no sentido sustentado pela Ré Entidade Empregadora na sua contestação, de que o Autor desobedeceu a ordens expressas do seu superior hierárquico, tendo incumprido normas de segurança na execução do seu trabalho, sendo em consequência dessa desobediência que se produziu o acidente”, (sublinhado e realce nossos).

3.2. Fundamentação de direito:
3.2.1. Nulidade da sentença
Entende a Apelante que deve ser declarada nula nesta parte a Sentença recorrida e absolvida a entidade patronal/recorrente quanto ao agravamento da sua responsabilidade, padecendo aquela das nulidades previstas no disposto no artigo 615º, n.º 1, als. b) e c) do Código de Processo Civil, o que expressamente se invoca.
A este respeito concluiu, em suma, a Apelante:
- o Tribunal considerou que a mera violação das normas de segurança apontadas, constitui o nexo causal do acidente;
- o nexo de causalidade, constitui matéria de facto, deve ser produzida prova, concreta, para que o Tribunal possa estabelecer a sua existência;
- nenhuma prova foi produzida para se poder concluir que as alegadas violações de normas de segurança pela entidade patronal foram causa do acidente.
- a Sentença recorrida, nesta parte, padece de nulidade por o Tribunal não ter indicado os fundamentos de facto que poderiam determinar o nexo de causalidade entre a violação de normas de segurança e o acidente.
- a Sentença recorrida, nesta parte, entra em contradição com a matéria assente, uma vez dá como provado que, a ordem dada ao sinistrado, foi levar as telhas para junto do telhado, o qual foi alertado pelo colega EE da perigosidade das telhas translúcidas.
- resultando o acidente da exclusiva iniciativa do trabalhador de subir para o telhado, o acidente deveu-se à decisão temerária do Sinistrado.
Afigura-se-nos que existe por parte da Apelante confusão quanto aos vícios que imputa à sentença recorrida e defende que são eles geradores da nulidade daquela.
Na verdade, a Apelante imputa à decisão um incorreto julgamento da matéria de facto e uma incorreta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, defendendo que tal acarreta a nulidade da sentença ao abrigo do artigo 615º, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil.
Sob a epígrafe “Causas de nulidade da sentença” dispõe o artigo 615º do CPC:
1 - É nula a sentença quando:
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;”.
A Apelante invoca a falta de prova de um fundamento de facto para a condenação, concretamente a falta de prova do nexo causal.
Ora nesta sede não cumpre apreciar se foi produzida prova que permita dar como provada determinada matéria.
Assim sendo e como salienta o Digno Procurador Geral Adjunto, dando-se como provado no item 25º que “O sinistrado não usava quaisquer equipamentos de proteção individual para trabalhos em altura, nomeadamente, capacetes, arneses e linhas de vida” e no item 26º que “A queda do sinistrado ocorreu em consequência do referido em 18.º a 25.º”, mostra-se fundamentado de facto o nexo de causalidade.
Não se verifica a falta de especificação dos fundamentos de facto que justificaram a decisão.
Como se lê no Acórdão desta secção de 23.04.2018, proferido no processo 687/12.1TTPNF.P1 (Relatora Desembargadora Rita Romeira, em que foi 1ª adjunta a aqui relatora) a “nulidade da falta de fundamentação prevista na al. b) do nº 1 daquele artigo está relacionada com o comando do art. 607º, nº 3, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
Ou seja, verifica-se sempre que a sentença não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão.
Mas, apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos, nomeadamente, quando haja falta da discriminação de factos considerados provados, art. 607º, nº 3 e, quando não explicite qualquer fundamento de direito que justifique a decisão.
Pois, como é jurisprudência pacífica só a absoluta falta de fundamentação de facto ou de direito constitui a alegada nulidade.
E, isso não se verifica na sentença recorrida, a mesma discriminou os factos considerados provados bem como analisou do ponto de vista do direito, os pedidos formulados na ação.
A Mª Juíza “a quo” discriminou na sentença os factos provados, dando assim cumprimento ao comando do art. 607º, nº 3, o que é suficiente para que a sentença se mostre fundamentada de facto e fez a subsunção dos factos ao direito.
Sendo certo que, o incorreto julgamento da matéria de facto e menos correta interpretação e aplicação do direito, não configuram qualquer vício suscetível de gerar a nulidade da sentença, nos termos em que estas se encontram definidas no nº1, do art. 615.”
No caso concreto, não está provado o nexo de causalidade invocado pela Apelante de que o acidente se deveu à decisão temerária do Sinistrado.
Não há contradição, o que a Apelante faz é uma subsunção diferente dos factos provados ao direito, daquela que foi efetuada na sentença com base nos mesmos factos.
Voltando a servirmo-nos da fundamentação do referenciado Acórdão de 23.04.2018 “Não se vislumbra qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão nem, em concreto, nos termos da al. c) daquele art. 615º, que dispõe que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
Pois, como é jurisprudência pacífica esta nulidade só se verifica quando os fundamentos indicados pelo juiz deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao que se contém na sentença. Não ocorre em situações de, eventuais, contradições entre a matéria de facto.
E, analisando a sentença recorrida não se verifica existir qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, nem o recorrente invoca qualquer contradição, discorda sim do que foi decidido, quanto à matéria de facto (…).”
Improcede, assim, a arguição das nulidades a que aludem alíneas b) e c) do artigo 615º, do Código de Processo Civil.

3.2.2. Caracterização do acidente como acidente de trabalho:
O acidente a que se reportam os autos, aconteceu em 30 de Novembro de 2015.
O Autor é filho do Sinistrado, entretanto falecido e à data um trabalhador por conta de outrem (itens dos factos provados) e nessa qualidade reclamou a reparação decorrente da LAT, tendo a 2ª Ré celebrado com a 1ª Ré um contrato de seguro de acidentes de trabalho, (artigos 1º e 2º do Decreto-lei nº159/99 de 11.05.).
De harmonia com o disposto no artigo 8° nº 1 da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro, caracteriza-se como de trabalho o acidente que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
Por isso, atendendo ainda ao disposto no artigo 3º da LAT, são pressupostos da existência de um acidente de trabalho, o vínculo laboral entre o sinistrado e a entidade responsável, bem como a verificação de uma relação de causalidade entre os vários elementos constitutivos supra referidos.
Face às posições desde logo assumidas pelas partes nos respetivos articulados, não restam dúvidas de que o acidente sofrido pelo Sinistrado se caracteriza como um acidente de trabalho, uma vez que ocorreu no local e no tempo de trabalho.
Assim o refere a decisão recorrida no excerto que passamos a transcrever:
“No caso em apreço, resultou apurado que, no dia 30/11/2015, cerca das 10:00h, nas instalações da 2.ª R. sitas no lugar ..., freguesia ..., concelho de Espinho, quando laborava sob as ordens, direção e fiscalização da 2.ª Ré, o sinistrado BB sofreu uma queda em altura, quando se encontrava na cobertura do pavilhão de expedição.
Mais se provou que, em consequência da queda, o sinistrado sofreu grave traumatismo crânio-encefálico, com perda de consciência, tendo então ficado internado na Unidade de Cuidados Intensivos, em coma até 25/12/2015, durante o internamento apresentou intercorrência com infeção do sistema nervoso central (SNC)/meningite…”, em 07/01/2016, foi novamente operado para realização de cranioplastia, em 31/03/2016, foi internado no Hospital ... onde iniciou programa de reabilitação. Provou-se ainda que, em consequência direta do acidente supra descrito, o sinistrado apresentava como sequelas: “(…) desorientado, é transportado em cadeira de rodas com necessidade de tensão a nível de tórax e punhos. Cicatriz de craniotomia, curvilínea, de concavidade inferior, parieto-temporo-frontal esquerda, medindo 23 cm de comprimento; área de elevação óssea na região fontal esquerda, em provável relação com a craniotomia; Disartria acentuada, sendo a fala impercetível, não conseguindo estabelecer qualquer discurso; Irritável; Discreto desvio da comissura labial à esquerda, com sialorreia; Apenas executa ordens simples: fechar os olhos, apertar as mãos, abrir a boca; Hipotrofia muscular generalizada; Preensão das mãos com força muscular grau 4(+)/5; Mobiliza ativamente os membros inferiores, evidenciando força muscular grau 4/5, e rigidez articular moderada dos joelhos; Reflexos rotulianos simétricos e normorrefléxicos; Atitude postural do pescoço em flexão e lateralização à esquerda; Abdómen: Cicatriz com vestígios de pontos de sutura, transversal, no quadrante inferior direito da região umbilical, medindo 11 cm de comprimento.”
Finalmente, provou-se que, como consequência direta e necessária das sequelas de que o sinistrado padecia, este veio a falecer em 25/02/2019, no Hospital 1..., por pneumonite de aspiração em consequência da disfagia grave por “status pós politrauma com TCE”, nos termos do certificado de óbito n.º ......
Face à matéria de facto provada é manifesto que o evento que vitimou BB se enquadra no conceito de acidente de trabalho, nos termos que se encontram definidos no art. 8º da Lei 98/2009, de 04/09 (Lei dos Acidentes de Trabalho).”
A Entidade em pregadora invoca a responsabilidade do Sinistrado na eclosão do acidente, concluindo que se encontra tal acidente descaracterizado.
Transcrevemos o enquadramento legal considerado no recente acórdão desta secção de 14.03.2022, proferido no processo nº 316/14.9TUPRT.P1 (mesmo Coletivo), começando por considerar aquele que foi efetuado na sentença recorrida, na fundamentação da mesma que aí se transcreveu (sem incluir as pertinentes referências jurisprudenciais):
“ (…) é-lhe aplicável a Lei 98/2009, de 4 de setembro, em cujo nº 1 do artº 14º se dispõe que:
O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que:
a) for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu ato ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei;
b) provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;
c) (…)”.
Por seu lado estabelece o nº 2 de tal preceito que “Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, considera-se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la”.
E o nº 3, estabelece que “Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão”.
Resulta pois que, nas als. a) e b) do nº 1 do citado preceito estão previstas duas diferentes situações, com pressupostos distintos, suscetíveis de conduzirem à descaraterização do acidente como acidente de trabalho.
Assim, para que o acidente de trabalho seja, no caso previsto no citado artº 14º, nº 1, al. a), descaracterizado é necessária, conforme refere o D. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26 de setembro de 2007, in www.dgsi.pt, a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
(a)existência de condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal ou previstas na lei;
(b)violação, por ação ou por omissão, dessas condições, por parte da vítima;
(c)que a atuação desta seja voluntária, ainda que não intencional, e sem causa justificativa;
(d)que exista um nexo de causalidade entre essa violação e o acidente.
Ora, conforme refere o D. Acórdão da Relação do Porto, de 7 de julho de 2016, in www.dgsi.pt, “(…) no que se reporta ao primeiro dos mencionados requisitos está o mesmo relacionado com o disposto no artº 17º, nº 1 al. a) da Lei 102/2009, de 10.09, em vigor desde 1 de outubro de 2009, nos termos do qual constituem obrigações do trabalhador “cumprir as prescrições de segurança e de saúde no trabalho estabelecidas nas disposições legais e em instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, bem como as instruções determinadas com esse fim pelo empregador;”.
E, no que se refere às instruções de segurança estabelecidas pelo empregador, não basta, porém, a sua existência, sendo necessário também que elas sejam transmitidas ao trabalhador. E, diga-se, não satisfaz também tal requisito o eventual conhecimento pelo sinistrado de noções ou regras de segurança decorrentes seja da sua experiencia profissional, seja do senso comum e/ou da prudência [caso este em que a descaracterização do acidente deverá ser equacionada porém no âmbito da situação prevista na al. b) do nº 1 do art. 14º, mas não já no âmbito da sua al.a)]. É necessário que, efetivamente, o empregador adote medidas/instruções expressas e concretas de segurança e que as transmita ao trabalhador.
(…)
Ora, estabelece o nº 1 do artº 282º, do Código do Trabalho/2009, que “o empregador deve informar os seus trabalhadores sobre aspetos relevantes para a proteção da sua segurança e saúde e a de terceiros”. Por seu lado estabelece o nº 3 daquele mesmo preceito que “o empregador deve assegurar formação adequada, que habilite os trabalhadores a prevenir os riscos associados à respetiva atividade (…)”.
Iguais obrigações decorrem do artº 127º do referido diploma legal ao estabelecer na alínea f) do nº 1, que constitui obrigação do empregador fornecer ao trabalhador a informação e a formação adequadas à prevenção de riscos de acidentes de trabalho.
Identicamente estabelece o nº 1 do artº 20º da citada Lei nº 102/2009, que o trabalhador deve receber uma formação adequada no domínio da segurança e saúde no trabalho, tendo em atenção o posto de trabalho em que se insere e o exercício de atividades de risco elevado que lhe estejam associadas.”
É a seguinte a redação do artigo 11º da Portaria 101/96, de 3 de Abril:
«11.º
Quedas em altura
1 - Sempre que haja risco de quedas em altura, devem ser tomadas medidas de proteção coletiva adequadas e eficazes ou, na impossibilidade destas, de proteção individual, de acordo com a legislação aplicável, nomeadamente o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil.
2 - Quando, por razões técnicas, as medidas de proteção coletiva forem inviáveis ou ineficazes, devem ser adotadas medidas complementares de proteção individual, de acordo com a legislação aplicável».
Lê-se no acórdão desta secção proferido no processo nº 104/14.2T4AGD.P1, «Este artigo, quanto ao uso de equipamento anti queda, não contém normas específicas [limita-se a estabelecer princípios gerais], remetendo para o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, o Decreto nº 41821, de 11.08.58».
Estipula-se no Decreto Lei 50/05, de 25 de Fevereiro, (diploma que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva nº98/655/CEE, do Conselho, de 30.11., alterada pela Diretiva nº95/63/CE, do Conselho, de 05.12, e pela Diretiva nº2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27.06., relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho):
Artigo 36º
«Disposições gerais sobre trabalhos temporários em altura
1 - Na situação em que não seja possível executar os trabalhos temporários em altura a partir de uma superfície adequada, com segurança e condições ergonómicas apropriadas, deve ser utilizado equipamento mais apropriado para assegurar condições de trabalho seguras.
2 - Na utilização de equipamento destinado a trabalhos temporários em altura, o empregador deve dar prioridade a medidas de proteção coletiva em relação a medidas de proteção individual.
3 - O dimensionamento do equipamento deve corresponder à natureza dos trabalhos e às dificuldades que previsivelmente ocorram na sua execução, bem como permitir a circulação de trabalhadores em segurança.
(…)».
Artigo 37.º
«Medidas de proteção coletiva
1 - As medidas de proteção coletiva destinadas a limitar os riscos a que os trabalhadores que executam trabalhos temporários em altura estão sujeitos devem atender ao tipo e características dos equipamentos de trabalho a utilizar.
2 - Sempre que a avaliação de riscos considere necessário, devem ser instalados dispositivos de proteção contra quedas, com configuração e resistência que permitam evitar ou suster quedas em altura.
3 - Os dispositivos de proteção contra quedas só podem ser interrompidos nos pontos de acesso de escadas, verticais ou outras.
4 - Se a execução de determinados trabalhos exigir, tendo em conta a sua natureza, a retirada temporária de dispositivos de proteção coletiva contra quedas, o empregador deve tomar outras medidas de segurança eficazes e, logo que a execução dos trabalhos termine ou seja suspensa, instalar esses dispositivos», (sublinhado nosso).
Em suma:
É inquestionável a obrigação de o empregador assegurar aos trabalhadores condições de segurança em todos os aspetos relacionados com o trabalho, devendo para o efeito aplicar as medidas necessárias, nomeadamente combatendo na origem os riscos previsíveis, anulando-os ou limitando os seus efeitos, dando prioridade à proteção coletiva em relação às medidas de proteção individual (Lei nº 102/2009 de 10/09, da qual se realça o disposto pelos artigos 15º e 17º quanto às obrigações gerais do empregador e do trabalhador, respetivamente).
Por sua vez, está o trabalhador obrigado a cumprir as prescrições de saúde e segurança no trabalho estabelecidas nas disposições legais e em instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, bem como as instruções determinadas com esse fim pelo empregador (cfr. artigos 15º e 17º, nº 1 alínea a) da Lei 102/2009, de 10/09 e o artigo 128º, nº 1, als. e) e j) do Código do Trabalho).
A posição da Ré Entidade empregadora no sentido de ser decidida a descaracterização do acidente como acidente de trabalho, assenta na alteração da matéria de facto provada o que apenas parcialmente logrou a mesma conseguir.
Assim, os factos a considerar, para além dos referenciados na decisão recorrida, incluem o facto restritivo aditado:
- Foi dito pelo Chefe de equipa ao Sinistrado e ao EE para aguardarem a chegada dele com os equipamentos linha de vida, os arneses e a ferramenta (item 15-B).
Tal não basta para se concluir nos termos peticionados pela Entidade empregadora.
Desde já se afastam as conclusões da Apelante formuladas com base na impugnação da matéria de facto, no que da mesma não obteve sucesso.
Afastam-se outrossim as seguintes conclusões da Apelante e o que das mesmas esta aferiu:
- a Entidade patronal forneceu aos seus trabalhadores meios de proteção individual (arnês e linha de vida).
O que se provou foi tão só que pelo Chefe de equipa foi dito ao Sinistrado e ao EE para aguardarem a chegada dele com os equipamentos linha de vida, os arneses e a ferramenta, (aliás a testemunha DD (chefe de equipa) referiu que o mesmo e o EE tinham material para ir lá para cima com segurança – cfr. respetivo depoimento, em excerto transcrito pela Apelante nas alegações - mas o Sinistrado não tinha, tinha um mês de casa).
- a entidade patronal nunca pediu ao trabalhador para subir para o telhado.
Não resulta na verdade que a Apelante o tenha feito, mas incluí-o na tarefa de substituição das telhas translúcidas do pavilhão de expedição.
- da atuação do trabalhador o acidente ocorreu.
É matéria contraditória com matéria assente no item 26º.
É certo que se o trabalhador não tivesse subido para cima do telhado, não pode afirmar-se que o acidente sucederia na mesma, mas igualmente não resultou assente que os equipamentos de segurança estivessem disponíveis também para o trabalhador, antes e tão só se provou que ficou acordado que no local iam mostrar ao Sinistrado a forma de colocar os arneses e as linhas de vida e rever todos esses procedimentos com o trabalhador EE.
- estava “em cima da mesa” averiguar se a tarefa poderia ser executada em segurança pela equipa de manutenção da entidade patronal, ou se, pelo contrário, deveria ser efetuada por uma entidade terceira.
É matéria contraditória com matéria assente no item 10º.
- o trabalhador não iria executar trabalhos em altura, na data do acidente, cabendo-lhe apenas auxiliar, da parte de fora do telhado, os demais colegas a quem chegaria as telhas.
É matéria que não resultou provada.
- no caso concreto, do ponto de vista da segurança, seria muito mais seguro a utilização de equipamentos individuais de proteção, existindo tal perigo apenas no local onde estão colocadas as telhas translúcidas.
É matéria que não está provada.
- o trabalho seria mais facilmente realizável pelo exterior.
É matéria que não está provada.
Ou seja, não tendo a Entidade Empregadora demonstrado ter facultado ao Sinistrado o equipamento de proteção individual e não tendo demonstrado ter o mesmo desobedecido a ordens/instruções a seguir no exercício da sua atividade – ainda que tenha sido dito pelo Chefe de equipa ao Sinistrado e ao EE para aguardarem a chegada dele com os equipamentos linha de vida, os arneses e a ferramenta, uma vez que não deixou aquele assim explícito que tal espera implicava não aceder ao telhado, o que aliás ambos os trabalhadores fizeram, ou apenas não retirar de lá as telhas danificadas -, não pode, como pretendia a primeira, proceder a invocada descaracterização do acidente nos termos do artº 14º da Lei 98/2009, de 4 de setembro, não podendo o mesmo ser imputado à conduta do Autor.
Efetivamente, não ficou demonstrado a existência atempada de condições de segurança estabelecidas pela Entidade patronal ou previstas na lei, a violação, por ação ou por omissão, dessas condições, por parte do Autor, cuja atuação fosse voluntária, ainda que não intencional, e sem causa justificativa e que existiu nexo de causalidade entre essa violação e o acidente.
Como se lê no recente Acórdão de 13 de outubro de 2021 in www.dgsi.pt. que “não basta a mera violação das regras de segurança para que o acidente seja descaraterizado, sendo ainda necessário essa infração ocorra por culpa grave do trabalhador e que este tenha consciência da violação”, mais se esclarecendo que “cabe à entidade responsável o ónus da prova dos factos descaracterizadores do acidente, porque constituem factos impeditivos do direito invocado pelo sinistrado”.
Fica pois afastada a responsabilidade do Autor pelo eclodir do acidente de trabalho.
Transcrevemos a subsunção ao direito efetuada na sentença recorrida, nada à mesma tendo a acrescentar:
“No caso em apreço, apurou-se que, previamente ao dia do acidente (em data não concretamente apurada), o Administrador da Ré Entidade Empregadora, CC, deu instruções para que fossem substituídas as telhas na cobertura do armazém designado pavilhão de expedição.
Na data dos factos, quem efetuou a organização dos trabalhos de manutenção foi o chefe de equipa, DD, que por volta das 08:00h da manhã fez a distribuição e organização de tarefas da sua equipa, da qual fazia também parte o trabalhador EE.
O chefe de equipa referiu-lhes que, depois do trabalho que estavam a executar, e que respeitava ao restauro de umas escadas, iriam executar uma outra tarefa, que consistia na substituição de telhas translúcidas do pavilhão de expedição da demandada contestante.
Apurou-se ainda que a cobertura do referido pavilhão tem partes onde se pode andar sem risco iminente de queda e tem as telhas translúcidas, em material quebrantável, de forma a permitir a entrada da luz para o pavilhão. E que os painéis acrílicos se encontravam visivelmente danificados, até pela sua antiguidade.
Mais se provou que ficou acertado com os trabalhadores que, no local, iriam ensinar ao trabalhador sinistrado a forma de colocar os arneses, e as linhas de vida, e rever todos esses procedimentos com o trabalhador EE.
Finalmente, provou-se que, quando acedeu ao telhado, o trabalhador EE alertou o Sinistrado para ter cuidado com as telhas translúcidas que quebraram.
Foi assim nestas circunstâncias que, no referido dia 30.11.2015, após subir ao telhado, o sinistrado pisou uma telha translúcida que se partiu, e caiu desamparado no solo, de uma altura de cerca de 6 a 7 metros.
Não se provou, porém, que o sinistrado tenha desobedecido a ordens expressas do seu superior hierárquico de não aceder ao telhado. Aliás, a execução da tarefa foi iniciada com o transporte das telhas para junto da cobertura do pavilhão, utilizando o terreno contíguo, não tendo ocorrido à margem do chefe de equipa, como este sustentou em sede de audiência de julgamento. Por outro lado, o sinistrado foi incumbido da realização de tal tarefa sem que a Entidade Empregadora tivesse diligenciado pelo planeamento prévio da tarefa a executar, nomeadamente pela elaboração de fichas de procedimento de segurança (que contêm informação relevante para a apreensão do risco por parte do trabalhador que a vai executar), sem que a Entidade Empregadora cuidasse de implementar previamente ao início de execução dos trabalhos quaisquer meios de proteção coletiva ou individual contra o risco de queda, e sem que tivesse providenciado por garantir informação e formação específica adequada ao trabalho (em altura a realizar) tendo sido em consequência dessas circunstâncias que o acidente ocorreu.
Estão assim em causa as seguintes prescrições legais em matéria de segurança no trabalho:
I. Decreto-Lei n.º 348/93, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 89/656/CEE, do Conselho, de 30 de Novembro, que constitui a terceira diretiva especial, na aceção do n.º 1 do artigo 16.º da Diretiva n.º 89/391/CEE, do Conselho, de 12 de Junho, que regula as prescrições mínimas de segurança e de saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de proteção individual. Como princípio geral, o diploma estabelece que “Os equipamentos de protecção individual devem ser utilizados quando os riscos existentes não puderem ser evitados ou suficientemente limitados por meios técnicos de protecção colectiva ou por medidas, métodos ou processos de organização do trabalho” – cfr. art. 4.º. Nos termos do artigo 6.º do citado diploma são obrigações de empregador: a) Fornecer equipamento de proteção individual e garantir o seu bom funcionamento; b) Fornecer e manter disponível nos locais de trabalho informação adequada sobre cada equipamento de proteção individual; c) Informar os trabalhadores dos riscos contra os quais o equipamento de proteção individual os visa proteger; d) Assegurar a formação sobre a utilização dos equipamentos de proteção individual, organizando, se necessário, exercícios de segurança.
II. DL nº 50/2005, de 25 de fevereiro, que transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 89/655/CEE, do Conselho, de 30 de Novembro, alterada pela Diretiva n.º 95/63/CE, do Conselho, de 5 de Dezembro, e pela Directiva n.º 2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Junho, regula as prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho – cfr. art. 1.º, nº 1, do citado diploma. De acordo com o nº 2 do mesmo artigo, o DL 50/2005 “(…) é aplicável em todos os ramos de atividade dos setores privado, cooperativo e social, administração pública central, regional e local, institutos públicos e demais pessoas coletivas de direito público, bem como a trabalhadores por conta própria”. Conforme resulta do art. 3.º do referido diploma, “Para assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de trabalho, o empregador deve: a. Assegurar que os equipamentos de trabalho são adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efetuar e garantem a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a sua utilização; b. Atender, na escolha dos equipamentos de trabalho, às condições e características específicas do trabalho, aos riscos existentes para a segurança e a saúde dos trabalhadores, bem como aos novos riscos resultantes da sua utilização; c) Tomar em consideração os postos de trabalho e a posição dos trabalhadores durante a utilização dos equipamentos de trabalho, bem como os princípios ergonómicos; d) Quando os procedimentos previstos nas alíneas anteriores não permitam assegurar eficazmente a segurança ou a saúde dos trabalhadores na utilização dos equipamentos de trabalho, tomar as medidas adequadas para minimizar os riscos existentes; e) Assegurar a manutenção adequada dos equipamentos de trabalho durante o seu período de utilização, de modo que os mesmos respeitem os requisitos mínimos de segurança constantes dos artigos 10.º a 29.º e não provoquem riscos para a segurança ou a saúde dos trabalhadores. Rege ainda o art. 36.º do citado diploma que: “1. Na situação em que não seja possível executar os trabalhos temporários em altura a partir de uma superfície adequada, com segurança e condições ergonómicas apropriadas, deve ser utilizado equipamento mais apropriado para assegurar condições de trabalho seguras. 2 - Na utilização de equipamento destinado a trabalhos temporários em altura, o empregador deve dar prioridade a medidas de protecção colectiva em relação a medidas de protecção individual. 3 - O dimensionamento do equipamento deve corresponder à natureza dos trabalhos e às dificuldades que previsivelmente ocorram na sua execução, bem como permitir a circulação de trabalhadores em segurança. 4 - A escolha do meio de acesso mais apropriado a postos de trabalho em altura deve ter em consideração a frequência da circulação, a altura a atingir e a duração da utilização. 5 - O acesso a postos de trabalho em altura deve permitir a evacuação em caso de perigo iminente. (…) Finalmente, dispõe o art. 37.º do DL nº 50/2005 que “1 - As medidas de protecção colectiva destinadas a limitar os riscos a que os trabalhadores que executam trabalhos temporários em altura estão sujeitos devem atender ao tipo e características dos equipamentos de trabalho a utilizar. 2 - Sempre que a avaliação de riscos considere necessário, devem ser instalados dispositivos de protecção contra quedas, com configuração e resistência que permitam evitar ou suster quedas em altura. 3 - Os dispositivos de protecção contra quedas só podem ser interrompidos nos pontos de acesso de escadas, verticais ou outras. 4 - Se a execução de determinados trabalhos exigir, tendo em conta a sua natureza, a retirada temporária de dispositivos de protecção colectiva contra quedas, o empregador deve tomar outras medidas de segurança eficazes e, logo que a execução dos trabalhos termine ou seja suspensa, instalar esses dispositivos.
III. Decreto-Lei nº 273/2003, de 29/10, que define as condições de segurança no trabalho desenvolvido em estaleiros temporários ou móveis (que, como se refere no respetivo preâmbulo, são frequentemente muito deficientes e estão na origem de inúmeros acidentes de trabalho). De acordo com o art. 7º do Decreto-Lei em apreço, o plano de segurança e saúde deve prever medidas adequadas a prevenir os riscos especiais para a segurança e saúde dos trabalhadores decorrentes de trabalhos em altura e é obrigatória em obras sujeitas a projeto – nº4 do art. 5º. Porém, “sempre que se trate de trabalhos em que não seja obrigatório o plano de segurança e saúde de acordo com o n.º 4 do artigo 5.º mas que impliquem riscos especiais previstos no artigo 7.º, a entidade executante deve elaborar fichas de procedimentos de segurança para os trabalhos que comportem tais riscos e assegurar que os trabalhadores intervenientes na obra tenham conhecimento das mesmas. 2 - As fichas de procedimentos de segurança devem conter os seguintes elementos: a) A identificação, caracterização e duração da obra; b) A identificação dos intervenientes no estaleiro que sejam relevantes para os trabalhos em causa; c) As medidas de prevenção a adoptar tendo em conta os trabalhos a realizar e os respectivos riscos; d) As informações sobre as condicionantes existentes no estaleiro e na área envolvente, nomeadamente as características geológicas, hidrológicas e geotécnicas do terreno, as redes técnicas aéreas ou subterrâneas e as actividades que eventualmente decorram no local que possam ter implicações na prevenção de riscos profissionais associados à execução dos trabalhos; e) Os procedimentos a adoptar em situações de emergência (…)” – cfr. art. 14.º. O diploma em apreço é aplicável por força do âmbito de aplicação alargado previsto no art. 2.º, nº 2, do referido diploma, que inclui a realização de obras de construção, ampliação, alteração, reparação, restauro, conservação e limpeza de edifícios, da noção de «Entidade executante», para efeitos do referido Decreto Lei, que inclui o dono da obra, e de estaleiros «temporários ou móveis» (locais onde se efetuam trabalhos de construção de edifícios ou trabalhos referidos no n.º 2 do artigo 2.º).
No caso em apreço, a obra em causa não estava sujeita a projeto, pelo que não era obrigatória a elaboração de um plano de segurança. Todavia, impunha-se a elaboração pela entidade executante (neste caso, o próprio dono da obra) de fichas de procedimentos de segurança para os trabalhos que comportem os riscos referidos no art. 7º citado.
Nessas fichas, da responsabilidade da aqui entidade empregadora, cuja não elaboração é geradora de ilícito contraordenacional, deveriam estar contidos os elementos de informação relativos aos riscos e às medidas de prevenção a adotar tendo em conta os trabalhos a realizar.
No caso em apreço, porém, tais fichas não foram elaboradas nem foram tomadas quaisquer medidas de prevenção relacionadas com a execução da obra em altura. Com efeito, a entidade empregadora não realizou qualquer diligência prévia, tendo atribuído a realização da tarefa sem identificar os riscos a que os trabalhadores se sujeitavam. Não os identificando, não foi capaz, naturalmente, de os comunicar e de prevenir a ocorrência de quaisquer acidentes relacionados com a execução dos trabalhos.
Por outro lado, deveria ter sido ministrada formação idónea ao trabalhador sinistrado – com abordagem dos riscos inerentes à execução de trabalhos em altura, escolha e manuseamento de EPI’s – previamente ao início dos trabalhos, o que também não foi feito. Refira-se que, para este efeito, é manifestamente insuficiente a transmissão de informação, pelo chefe de equipa, acerca do funcionamento dos EPI, antes de iniciar os trabalhos em altura. Não só este não desempenhava funções de técnico de segurança e saúde no trabalho, como tal transmissão de informação sempre seria manifestamente insuficiente para capacitar o trabalhador com informação teórica e prática do uso de EPI e das medidas de prevenção a adotar, de molde a legitimar a sua intervenção num trabalho desta natureza. Veja-se, aliás, pela mera consulta dos certificados de formação juntos aos autos, que uma formação desta natureza tem uma média de 8 horas de duração. Donde, não seria uma breve explicação no momento, imediatamente antes de se iniciarem os trabalhos, que cumpriria as finalidades legais da previsão de obrigações de formação nesta matéria.
Em face do exposto, resultaram violadas as prescrições legais em matéria de segurança citadas, violação que é imputável à entidade empregadora.
Concluindo-se pela existência de violação de disposições legais em matéria de segurança, e pela falta de informação relevante sobre os riscos da tarefa a empreender (incluindo os respeitantes ao local da intervenção), não se pode afirmar que o ato voluntário do sinistrado constitua violação do mais elementar dever de cuidado.
De facto, se a tarefa tivesse sido previamente planeada por pessoa com habilitações técnicas para o efeito, dotando os trabalhadores de informação sobre os riscos da atividade (nomeadamente o risco de subir ao telhado sem EPI, o risco de quebra associado a cada um dos materiais que cobriam a superfície do pavilhão, a concreta altura do pavilhão, as consequências previsivelmente graves em caso de queda, entre outras informações relevantes) e tivessem sido ponderados os EPC e EPI mais adequados para a realização da obra (designadamente, um EPC elevatório, munido com braço extensível e cesto), e se o sinistrado tivesse recebido formação nesta matéria, com toda a probabilidade o acidente não se teria verificado – porque as medidas já estariam implementadas no terreno antes de os trabalhadores se deslocarem para o local, estes estariam cientes dos riscos que corriam nas concretas tarefas que lhes estavam adstritas, e teriam então conhecimento das características do local onde se iria processar a intervenção, não correndo riscos desnecessários.
Aliás, não podemos deixar de referir que o trabalhador se encontrava ainda no seu período experimental e que, durante este período, que habitualmente é de formação – e por maioria de razão nos casos em que esta ocorre no contexto do posto de trabalho – os deveres de proteção que habitualmente gravitam em torno da prestação principal – designadamente, dever de informação, de cooperação, de lealdade e de custódia ou vigilância – são particularmente prementes, abarcando toda a atuação exigível tendo em vista evitar a produção de danos no trabalhador (sobre a dogmática dos deveres de proteção, v. Manuel A. Carneiro da Frada, “Contrato e Deveres de Proteção”, Coimbra, Almedina, 1994, p. 40 e ss).
Não estando ainda o trabalhador totalmente apto a desempenhar com autonomia a sua função, ou encontrando-se sujeito a uma espécie de “período de prova” destinado a avaliar o interesse na manutenção do contrato, que o pode levar a assumir riscos, exige-se da entidade empregadora uma vigilância especialmente apertada destinada a evitar a exposição daquele a riscos desnecessários ou a adoção de comportamentos negligentes e temerários que, em maior ou menor grau, são suscetíveis de produzir lesões na sua integridade física – sobretudo numa fase em que o trabalhador, por estar ainda no âmbito do período experimental, pretende dar provas dos resultados, ou em que não tem o conhecimento e a experiência profissional suficiente para adotar o comportamento exigível em face das circunstâncias concretas em que atua.
Durante o período de formação ou o período experimental, aflora assim, com especial acuidade, a “ordem especial de proteção” (Carneiro da Frada, op. cit., p. 44) imanente a todos os contratos, mas especialmente presente na respetiva fase inicial, que obriga à adoção de medidas de vigilância e de informação destinadas a eliminar eficazmente o risco, protegendo o trabalhador dos riscos exógenos da atividade que prossegue e endógenos, decorrentes da sua própria inexperiência profissional.
Exigia-se, assim, da Entidade Empregadora Ré, por maioria de razão, no presente caso, a adoção de cuidados especiais com a intervenção do trabalhador sinistrado, o que não ocorreu, tendo este sido chamado a intervir numa operação de reparação de uma cobertura que implicava a realização de trabalhos em altura.
Assim sendo, não se podendo concluir que a circulação do trabalhador nos painéis de plástico a intervencionar, apesar da sua evidente deterioração, constitua negligência grosseira – por falta de transmissão de informação relevante em matéria de riscos da operação a empreender e por falta de planeamento da atividade que, a existir, teria evitado a produção do acidente –, razão pela qual fica afastada a descaracterização do acidente.
Em todo o caso, ainda que assim não se entenda, e se considere que a conduta do trabalhador configura negligência grosseira, sempre esta não seria causa exclusiva do acidente (concorrendo com a violação de regras de segurança por parte da entidade empregadora), pelo que também por este motivo, seria de afastar a descaracterização do acidente– cf. neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de março de 2016 , in dgsi.pt (“Mas não basta uma conduta suscetível de integrar uma negligência grosseira do sinistrado, pois exige-se ainda que a conduta do sinistrado seja causa adequada e exclusiva do acidente. Por último temos que referir que, conforme é jurisprudência pacífica, cabe à recorrente o ónus da prova dos factos donde se possa concluir pela descaracterização do acidente, por se tratar de facto impeditivo do direito invocado - STJ , 19/5/89, BMJ 387/415; 29/4/91, BMJ 406/489; 8/X/91, BMJ 410/565; 13/1/93, CJ 2281; 12/5/99, BMJ 487/208; 25/11/2009, processo nº 331/07.9TTVCT.P1.S1; 9 de Julho de 2014, processo nº 572/10.1TTLSB.L2.S1, estes últimos acessíveis em www.stj.pt (base de dados) e artigo 342º nº 2 do CC. Por isso, terá a entidade responsável de alegar e provar matéria de facto suficiente para se poder concluir pela existência de negligência grosseira do sinistrado e que a sua conduta foi causa adequada e exclusiva do acidente”).
Por tudo o exposto, impõe-se concluir pela existência de um acidente de trabalho indemnizável, afastando-se a aplicação do disposto no art. 14.º da LAT e aplicando-se o disposto no art. 18.º da LAT: 1 - Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais. (…) 4 - No caso previsto no presente artigo, e sem prejuízo do ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e dos prejuízos não patrimoniais, bem como das demais prestações devidas por atuação não culposa, é devida uma pensão anual ou indemnização diária, destinada a reparar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, fixada segundo as regras seguintes: a) nos casos de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, ou incapacidade temporária absoluta, e de morte, igual à retribuição; (…) c) nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, tendo por base a redução da capacidade resultante do acidente. 5 - No caso de morte, a pensão prevista no número anterior é repartida pelos beneficiários do sinistrado, de acordo com as proporções previstas nos artigos 59.º a 61.º.”, (sublinhado nosso).
Improcede assim a Apelação da Ré/Seguradora.

4. Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação da Entidade empregadora.
Custas da Apelação pela Apelante.

Porto, 4 de Abril de 2022.
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão
Domingos Morais