Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
23861/19.5T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
COLISÃO DE VEÍCULOS
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP2021111823861/19.5T8PRT.P1
Data do Acordão: 11/18/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Tendo dois veículos colidido entre si num cruzamento regulado por semáforos e não se tendo provado qual destes apresentava sinal vermelho, estamos perante uma colisão de veículos regulada pelo artigo 506.º do Código Civil, pelo que em princípio cada um dos condutores é responsável por metade dos danos produzidos no (s) veículo (s).
II - Provado que o custo da reparação do veículo era € 5.923,34, o seu valor venal à data de €3.850,00 e o valor dos salvados de €410,00, a indemnização deve ser fixada, por recurso à figura da «perda total», na quantia correspondente à diferença entre o valor venal do veículo e o valor dos salvados.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação
ECLI:PT:TRP:2021:23861.19.5T8PRT.P1
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Sumário:
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Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:
B…, portador do cartão de cidadão n.º …….., contribuinte fiscal n.º ………, residente em …, instaurou acção judicial contra C… – Companhia de Seguros, S.A., pessoa colectiva n.º ………, com sede em Lisboa, pedindo a sua condenação a pagar-lhe €6.526,44, acrescidos dos juros de mora vencidos e vincendos, até integral pagamento.
Alegou para o efeito que é proprietário do veículo automóvel com a matrícula ..-BQ-.., o qual, no dia 20.05.2019, pelas 13.40 horas, conduzido por D…, circulava na …, no sentido … – …, quando, ao passar o cruzamento daquela via com a Rua …, estando o semáforo que regulava a sua condução com o sinal verde, foi colhido pelo veículo matrícula ..-SZ-.., segurado pela ré, que surgiu de repente da Rua … apesar de o semáforo que regulava a circulação nesta via se encontrar com o sinal vermelho. O veículo do autor sofreu danos no montante de €5.923.34, tendo o autor sido obrigado a partir da data do acidente a alugar uma viatura para fazer face às suas deslocações diárias no que gastou, entre 23.05.2019 e 01.07.2019, a quantia total de €594,10.
A ré contestou a acção, alegando que ao contrário do alegado na petição inicial foi o condutor do veículo do autor que passou num sinal vermelho e quando o condutor do veículo segurado na ré tinha o respectivo semáforo com sinal verde. Acrescenta que os danos no veículo do autor importaram a sua perda total, devendo a indemnização, a ser devida, ser calculada nesse pressuposto.
Após julgamento, foi proferida sentença, condenando a ré a pagar ao autor a quantia de €6.517,44, acrescida de juros contados desde a data da citação e até efectivo pagamento.
Do assim decidido, a interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
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O recorrido respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:
1. Se a sentença recorrida é nula.
2. Se a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada ou ampliada.
3. A qualificação jurídica dos factos provados.
4. Qual o valor da indemnização pelos danos materiais no veículo do autor.

III. A nulidade da sentença:
A recorrente sustenta que a decisão recorrida é nula nos termos da segunda parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
Na mente da recorrente está a situação de haver obscuridade nos fundamentos da decisão.
Existe efectivamente, a nosso ver, uma imprecisão na fundamentação da matéria de facto, mas cremos que a mesma não se traduz numa obscuridade que torne a decisão ininteligível, sendo que só neste último caso a obscuridade torna a sentença nula.
O que se constata, com efeito, é que a matéria de facto não evidencia na totalidade a configuração espacial das ruas existentes no local, simplificando em demasia esse contexto no que concerne ao trânsito proveniente da direita em relação a quem circula na … no sentido …-….
A possui, nesse local, dois sentidos de trânsito, cada um com duas faixas de rodagem. Atento aquele sentido ela é marginada à direita por uma outra via situada entre a … e o espaço do Hospital …, denominada , a qual possui um sentido …-… … para veículos urgentes e um sentido … -… para outros veículos, designadamente os táxis que ali possuem uma paragem numa faixa específica (os quais circulam portanto na mesma direcção que os que circulam na … no sentidos …-…).
Esta via contígua ao Hospital desemboca na Rua … e por isso o trânsito proveniente dela que entra na … (para seguir em frente na direcção de …, perpendicularmente na direcção da … ou atravessar a … para nesta tomar a direcção … - …) apresenta-se pela direita em relação a quem circula na … na direcção … - … (a direcção que o veículo do autor seguia).
Quanto aos semáforos, eles existem (1) na … a anteceder o entroncamento com a Rua …, para permitir o acesso àquela Estrada do trânsito que circula por esta via e do trânsito que acede ao entroncamento vindo da … (como o veículo segurado pela ré), (2) na … antes de esta desembocar na Rua … e ainda (3) na Rua …, imediatamente antes do enfiamento da …. Existem, portanto, três semáforos a regular a circulação no espaço ao qual acedem veículos vindos das três vias indicadas, só estando, naturalmente, em cada momento, um deles com sinal verde.
Logo, o que o tribunal é chamado a decidir é se o semáforo que apresentava sinal verde quando o veículo invadiu aquele espaço comum ao trânsito das três vias era aquele com que se deparava o condutor do veículo do autor [o existente na …, no sentido … – … (1)] ou aquele com que se deparava o condutor do veículo segurado na ré [o existente na …, no sentido … – … (2)].
A matéria de facto não revela esta densidade e simplifica em demasia, não fazendo referência a este semáforo e mencionando apenas do da Rua …, quando não era ele que regulava o trânsito do veículo segurado na ré, apesar de este provir efectivamente da direita.
Trata-se de uma deficiência que fragiliza a sentença e pode efectivamente comprometer o acerto da respectiva fundamentação de direito, mas não a torna ininteligível, já que lendo a sentença no seu todo se percebe de imediato essa deficiência mas também a argumentação lógico-dedutiva nela seguida, independentemente do seu acerto.
Por conseguinte, sem prejuízo do que se decidirá em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto improcede a arguida nulidade da sentença.

IV. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
A recorrente impugna a decisão proferida quanto à matéria dos pontos 2 e 4.
Mostram-se cumpridos os requisitos legais da impugnação em causa, pelo que nada obsta à apreciação da mesma.
Conforme já se referiu, os pontos 2 e 3 não reflectem com o cuidado e o pormenor devidos o contexto espacial do sinistro no que respeita às vias de circulação dos veículos.
O espaço é conhecido publicamente, encontra-se devidamente descrito na participação policial do acidente e é facilmente visualizável através, por exemplo, da ferramenta informática Google Maps, razão pela qual não se pode retirar dos depoimentos produzidos nada de diferente daquilo que a realidade nos apresenta.
Nesses termos, os pontos 2 e 3 passam a ter a seguinte redacção:
2’1- No dia 20MAI2019, pelas 13h40, D… conduzia a viatura BQ na …, no sentido …/….
2’2- À mesma hora E… conduzia a viatura automóvel de marca e modelo Dacia …, matrícula ..-SZ-.., na via paralela à …, situada entre esta e o Hospital …, denominada …, no sentido …/….
2’3- A … desemboca na Rua … na zona onde esta, por sua vez, entronca na …, pelo lado direito desta atento o sentido …/….
2’4- Na zona onde estas três vias se encontram e cruzam, existem os seguintes semáforos: um na …, a anteceder o entroncamento com a Rua …, para permitir o acesso àquela Estrada do trânsito que circula por esta via e do trânsito que acede ao entroncamento vindo da …, outro na … antes de esta desembocar na Rua …, e outro na Rua …, imediatamente antes do enfiamento da ….
2’5- Estes semáforos funcionam de maneira alternada de forma que quando num deles se acende a luz verde, nos outros está acesa a luz vermelha.
3- Na sequência da movimentação antes descrita, os veículos BQ e SZ colidiram entre si na …, quando o BQ pretendia seguir em frente por essa estrada e o SZ, vindo da …, pretendia atravessar as faixas daquela do lado do Hospital … estrada e passar a circular nas faixas do lado de …, no sentido …/….
No que concerne ao ponto 4, a recorrente impugna a decisão de julgar provado que era o semáforo da … que apresentava a cor verde acesa, permitindo o prosseguimento da marcha aos veículos que se deslocavam na estrada onde o semáforo se encontrava instalado.
Trata-se do facto essencial da acção uma vez que os veículos colidiram entre si no espaço rodoviário composto pela confluência e cruzamento das vias por onde ambos os veículos circulavam e a existência em ambas as vias de sinais luminosos verticais (semáforos) a regular o trânsito de forma intercalada significa que um dos veículos não respeitou a obrigação de parar que lhe estava cometida pelo sinal vermelho do respectivo semáforo (note-se, no entanto, que em tese ambos os semáforos podiam estar com o sinal vermelho e ser o semáforo da Rua … a apresentar nesse momento sinal verde).
A prova produzida compreende os depoimentos de duas testemunhas que afirmam que se encontravam no local, que presenciaram aspectos do acidente, que não conheciam os condutores e que se dispuseram de imediato a serem testemunhas, deixando o seu contacto pessoal, por estarem plenamente convencidas de que o acidente se deveu ao desrespeito da sinalização dos semáforos.
Curiosamente, estes depoimentos são absolutamente contrários. A testemunha F… afirmou que foi o táxi de não respeitou o sinal vermelho, a testemunha G… afirmou que foi o condutor do veículo do autor que não parou no sinal vermelho.
Sem imediação é difícil afirmar que uma destas testemunhas é mais credível que a outra, sendo certo que na gravação da audiência ambas pareceram suficientemente firmes e peremptórias, pese embora oscilações e incertezas que são perfeitamente aceitáveis e compreensíveis atenta a natureza do evento, o tempo decorrido e a participação indirecta das testemunhas no evento.
Os depoimentos dos condutores suportam as versões trazidas pelas partes aos articulados e são também eles igualmente plausíveis e consistentes, não se nos afigurando que o depoimento do condutor do veículo segurado pela ré possa ser desvalorizado ou tido como menos valioso do ponto de vista probatório, como entendeu a 1.ª instância, considerando que foi o condutor que sofreu o maior impacto (a colisão deu-se precisamente contra a porta do condutor deste veículo) e entrou em choque e que a sua posição é consentânea com a existência de uma praça de táxis no local.
Sucede que a avaliação técnico-jurídica da prova produzida num processo judicial não se compadece com impressões ou íntimas convicções e a decisão de julgar provado um facto para nele fundar uma imposição jurídica pressupõe a capacidade de extrair de meios de prova, em termos de racionalidade, a afirmação de uma probabilidade suficiente de o facto corresponder à verdade ontológica (não apenas mais provável que não, mas um alto grau de probabilidade).
Por isso, afigura-se-nos que a decisão da 1.ª instância deve ser alterada e que o facto do ponto 4 deve ser julgado não provado, isto é, não provado que o semáforo da … estava verde, tal como já estava julgado não provado (de forma não especificada, como devia ter sucedido) que era o semáforo da … que estava verde.
No fundo, portanto, a nossa interpretação da prova e decisão é que ambas as versões são plausíveis e possíveis e receberam apoios probatórios consistentes, razão pela qual a prova produzida gera dúvidas fundadas e razoáveis que impedem o tribunal de julgar provado qual dos semáforos apresentava a luz verde à passagem do veículo que a ele devia obediência.
Desse modo, decide-se julgar não provado o facto do ponto 4 («no momento em que o condutor da BQ atravessou o cruzamento o sinal estava verde para a sua via») que assim é eliminado da matéria de facto que serve de fundamento à sentença.
A recorrente defende ainda que se adite à matéria de facto provada um ponto que espelhe o valor venal do veículo do autor à data do sinistro e o valor dos respectivos salvados.
Efectivamente esta matéria está alegada nos articulados e é indispensável para decidir a questão arguida pela ré na contestação de a indemnização dever ser calculada considerando haver «perda total» do veículo sinistrado.
Pode entender-se que esta matéria foi julgada não provada, uma vez que a decisão recorrida se acomodou à afirmação genérica, não concreta e indefinida de terem resultado não provados «todos os restantes factos» por «ausência de prova», não obstante no meio de prova acolhido para julgar provado o facto do ponto 8 se tomar posição sobre os factos ora em análise e na motivação não se encontrar na motivação explicação para o meio de prova ser aceite para prova daquele e rejeitado para prova destes factos.
De qualquer modo, para efeitos da acção deve ter-se como provado não apenas o valor da reparação dos danos no veículo do autor, como ainda o valor venal do mesmo à data e o valor dos respectivos salvados.
Com efeito, com a petição inicial o autor juntou uma carta da ré onde esta faz referência a esses três valores, não tendo na ocasião o autor formulado qualquer reserva ou impugnação desses valores e, ao invés, tendo aceite expressamente um deles (o mais favorável à sua posição).
Os valores indicados na carta foram depois reiterados e sustentados expressamente na contestação para fundamentar a tese da ré de que a indemnização devia ser calculada em função da perda total do veículo. O autor não apenas não respondeu a essa matéria como não opôs outros valores aos defendidos pela ré.
Depois na audiência de julgamento, o perito encarregue pela ré da avaliação dos danos do sinistro reafirmou aqueles valores no seu depoimento, não tendo sido produzido qualquer outro depoimento sobre a matéria e sendo certo que face à marca, modelo e antiguidade do veículo do autor aqueles valores não parecem irrazoáveis.
Nessa medida, decide-se alterar a redacção do facto do ponto 8, cuja redacção passa a ser a seguinte:
«Na sequência da peritagem que realizou, a ré calculou o custo da reparação do veículo BQ em cerca de € 5.923,34, o seu valor venal à data em €3.850,00 e o valor dos salvados em €410,00».

V. Os factos:
Estão, em definitivo, provados os seguintes factos:
1. O Autor B… o proprietário da viatura automóvel de marca e modelo Toyota …, com a matrícula ..-BQ-...
2’1- No dia 20MAI2019, pelas 13h40, D… conduzia a viatura BQ na …, no sentido …/….
2’2- À mesma hora E… conduzia a viatura automóvel de marca e modelo Dacia …, matrícula ..-SZ-.., na via paralela à …, situada entre esta e o Hospital …, denominada …, no sentido …/….
2’3- A … desemboca na Rua … na zona onde esta, por sua vez, entronca na …, pelo lado direito desta atento o sentido …/….
2’4- Na zona onde estas três vias se encontram e cruzam, existem os seguintes semáforos: um na …, a anteceder o entroncamento com a Rua …, para permitir o acesso àquela Estrada do trânsito que circula por esta via e do trânsito que acede ao entroncamento vindo da …, outro na …o antes de esta desembocar na Rua …, e outro na Rua …, imediatamente antes do enfiamento da ….
2’5- Estes semáforos funcionam de maneira alternada de forma que quando num deles se acende a luz verde, nos outros está acesa a luz vermelha.
3- Na sequência da movimentação antes descrita, os veículos BQ e SZ colidiram entre si na …, quando o BQ pretendia seguir em frente por essa estrada e o SZ, vindo da …, pretendia atravessar as faixas daquela do lado do Hospital … estrada e passar a circular nas faixas do lado de …, no sentido …/….
5. A H… - Companhia de Seguros, S.A. havia segurado o pagamento de indemnização a terceiros por danos causados com a circulação da viatura automóvel BQ (apólice nº ……….).
6. A Ré C… - Companhia de Seguros, S.A., havia segurado o pagamento de indemnização a terceiros por danos causados com a circulação da viatura automóvel SZ (apólice nº ………).
7. Após o embate supra descrito, os respectivos condutores apresentaram a respectiva participação do sinistro às companhias de seguros.
8. Na sequência da peritagem que realizou, a ré calculou o custo da reparação do veículo BQ em cerca de € 5.923,34, o seu valor venal à data em €3.850,00 e o valor dos salvados em €410,00.
9. A seguradora do Autor, por carta datada de 11JUN2019, comunicou-lhe que a responsabilidade do sinistro tinha sido imputada “… na totalidade ao terceiro, já que não respeitar e avançar perante o sinal vermelho infringiu o preceituado no artº. 69º nº 1 alínea a) do Regulamento de Sinalização de Trânsito…”.
10. A Ré, por carta datada de 16JUL2019, comunicou ao Autor que “No que respeita a responsabilidades e em função dos elementos que constituem o nosso processo, é nossa opinião que ambos os condutores contribuíram para a produção do acidente” e que apenas assumia 50% dos danos causados na BQ.
11. O Autor, a partir da data do acidente, alugou uma viatura, para fazer face às suas deslocações diárias, no que despendeu, entre 23MAI2019 e 1JUL2019, a quantia total de € 594,10.

VI. Qualificação jurídica dos factos provados:
Na sentença recorrida entendeu-se que a culpa exclusiva da produção do evento danoso que está na génese da acção foi do condutor do veículo segurado na ré, por o mesmo ter desrespeitado a obrigação de parar imposta pelo sinal vermelho do semáforo que regulava o respectivo trânsito, razão pela qual invadiu o espaço destinado à livre circulação do veículo do autor.
Alterada que foi a matéria de facto e não se tendo provado a final qual dos veículo avançou em violação da obrigação de parar que à data o sinal luminoso vertical lhe impunha, cabe apreciar se o acidente se deveu a culpa de algum dos condutores e em que medida ou se é atribuível ao risco da circulação rodoviária e, nesse caso, se o risco que cada um dos veículos envolvidos representa é igual ou distinto.
Segundo Antunes Varela, in Das Obrigações em geral, vol. I, 5ª ed., pág. 514, agir com culpa é actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou a censura do direito, o que se verifica quando ele podia e devia ter agido de outro modo. A culpa exprime assim um juízo de reprovação ou de censura normativa da conduta do agente baseado quer em inconsideração, imperícia ou negligência, quer na inobservância de preceitos legais ou regulamentares. No domínio dos acidentes de viação, a negligência traduz-se as mais das vezes na violação das regras de circulação, que revelam uma actuação desconforme ao dever-ser jurídico tão censurável quanto perigosa é a própria circulação rodoviária.
Nos casos de verificação da infracção de uma norma regulamentar não é necessária a prova de que o agente previu ao menos a verificação do evento que essa infracção desencadeia, o que seria necessário para imputar o facto à vontade e assim legitimar a censura ético-jurídica da actuação, e que, por aplicação de juízos de regras de experiência que fundamentam as presunções naturais, deve considerar-se que o condutor infractor agiu com culpa, a menos que ele demonstre que a contravenção foi alheia à sua vontade. Perante um acidente de viação existe negligência na condução quando ocorre uma infracção a uma regra de circulação rodoviária. Daí se extrai a culpa do condutor sob forma de negligência desde que pelo menos estejamos perante uma contravenção causal.
Como explica Américo Marcelino, in Acidentes de Viação e Responsabilidade Civil, pág. 117, citando a opinião de Gomes da Silva, que “uma transgressão é causal de certo evento quando este é daqueles que o legislador previu e quis evitar com a criação da norma incriminadora”. Por outras palavras, sempre que no processo causal do acidente em análise tiver relevo irrecusável o aspecto que a norma estradal desrespeitada pelo agente visa controlar estamos perante uma contravenção causal.
Perante o que se julgou provado sobre o modo e as circunstâncias em que ocorreu a colisão de ambos os veículos, sabendo-se apenas que os mesmos colidiram num entroncamento regulado por semáforos sem que se saiba qual deles estava autorizado a avançar para a zona do entroncamento e qual deles estava obrigado a parar antes dessa zona, é impossível imputar a qualquer dos condutores o cometimento de qualquer infracção rodoviária que possa ser vista como causal da colisão.
O juízo de culpa efectiva dependia da determinação de qual dos veículos havia desrespeitado o sinal luminoso de cor vermelha do semáforo, sendo certo que a presença de sinalização luminosa vertical (semáforos) a regular a circulação afasta a regra da prioridade do veículo que se apresenta pela direita (artigo 7.º do Código da Estrada) e, portanto, não é possível apelar á violação desta regra para imputar a culpa a um dos condutores.
No âmbito dos acidentes de viação podemos deparar-nos com as seguintes situações de responsabilidade:
i. situações de presunções de culpa que, portanto, oneram o presumido culpado, por inversão do ónus da prova, sempre que este não logre afastar a sua culpa na produção do evento,
ii. situações de culpa presumida (culpa presumida, que não a presunção de culpa) em que o condutor fica onerado por culpa efectiva sempre que, apesar das dificuldades de prova, o julgador atinja a convicção da culpa através de presunções naturais ou judiciais - a prova de primeira aparência -,
iii. e situações em que o condutor é responsabilizado por risco, não se exigindo a culpa efectiva na produção dos danos, atento o perigo especial que anda associado a certos comportamentos e o benefício para a sociedade que deles decorre.
No caso nenhum dos condutores está onerado com a presunção de culpa prevista no artigo 503.º, n.º 3, do Código Civil que onera o condutor por conta de outrem. E nenhum dos condutores está incurso numa situação de culpa presumida por infracção de uma regra de circulação rodoviária.
Nos termos do artigo 506.º, n.º 1, do Código Civil, se da colisão entre dois veículos resultarem danos em relação aos dois ou em relação a um deles, e nenhum dos condutores tiver culpa no acidente, a responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos. O n.º 2 da norma acrescenta que na falta de elementos (em caso de dúvida) para determinar a medida da contribuição da culpa de cada um dos condutores para os danos, considera-se igual essa culpa.
Por aplicação deste preceito legal, em caso de colisão de veículos sem que se demonstre a culpa de algum dos respectivos condutores, a responsabilidade pelos danos causados nos veículos é repartida na proporção do risco com que cada um dos veículos tiver contribuído para a colisão, sendo que, em caso de dúvida, o contributo do risco de cada um se presume igual.
O preceito aplica-se à colisão não culposa; ele pressupõe a ausência de culpa de qualquer dos condutores envolvidos (no caso de culpas repartidas, aplicar-se-á o disposto no artigo 570.º do Código Civil). Se os danos forem produzidos apenas por um dos veículos, apenas o detentor do veículo que originou os danos é obrigado a indemnizar; se os danos forem produzidos por ambos os veículos, a responsabilidade reparte-se na proporção em que o risco de cada um dos veículos tenha contribuído para os danos, sendo indiferente que estes se verifiquem sobre os dois veículos ou só quanto a um deles.
Pelas razões já aduzidas, não constam dos autos elementos para determinar a contribuição da culpa, persistindo a dúvida sobre a medida da culpa de cada um dos condutores (o que é distinto da medida da contribuição de cada veículo para os danos em caso de responsabilidade pelo risco ou sem culpa), pelo que cada condutor (a ré, no caso do veículo por ela segurado e esta por via da transferência operada pelo seguro) será responsabilizado por metade dos danos decorrentes da colisão.
Em suma, a ré deverá pagar ao autor metade dos danos que este sofreu com a colisão dos veículos.
A questão seguinte é a de como calcular o montante adequado à reparação dos danos materiais causados no veículo do autor. Na sentença recorrida, sem sequer se abordar a questão da perda total suscitada pela ré na sua contestação, entendeu-se que o montante da indemnização deve corresponder ao valor estimado para a reparação do veículo.
Cremos que não deve ser assim e que, ao invés, a indemnização deve ser fixada com apelo à figura da chamada perda total, no valor equivalente ao valor venal do veículo à data do acidente com desconto do valor dos salvados.
Este entendimento filia-se no disposto no artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, que aprovou o Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, cuja epígrafe é «perda total» e cuja estatuição é a seguinte:
«1- Entende-se que um veículo interveniente num acidente se considera em situação de perda total, na qual a obrigação de indemnização é cumprida em dinheiro e não através da reparação do veículo, quando se verifique uma das seguintes hipóteses:
a) Tenha ocorrido o seu desaparecimento ou a sua destruição total;
b) Se constate que a reparação é materialmente impossível ou tecnicamente não aconselhável, por terem sido gravemente afectadas as suas condições de segurança;
c) Se constate que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado do valor do salvado, ultrapassa 100 % ou 120 % do valor venal do veículo consoante se trate respectivamente de um veículo com menos ou mais de dois anos.
2- O valor venal do veículo antes do sinistro corresponde ao seu valor de substituição no momento anterior ao acidente.
3- O valor da indemnização por perda total corresponde ao valor venal do veículo antes do sinistro calculado nos termos do número anterior, deduzido do valor do respectivo salvado caso este permaneça na posse do seu proprietário, de forma a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à indemnização.
4- Ao propor o pagamento de uma indemnização com base no conceito de perda total, a empresa de seguros está obrigada a prestar, cumulativamente, as seguintes informações ao lesado: a) A identificação da entidade que efectuou a quantificação do valor estimado da reparação e a apreciação da sua exequibilidade; b) O valor venal do veículo no momento anterior ao acidente; c) A estimativa do valor do respectivo salvado e a identificação de quem se compromete a adquiri-lo com base nessa avaliação.»
Tem-se discutido se esta norma se aplica apenas na fase extrajudicial da regularização dos sinistros, ou seja, não passa de uma das regras a observar pelas empresas de seguros nos procedimentos extrajudiciais que está vinculada a realizar, de forma pronta e diligente, para assumir a responsabilidade e pagar as indemnizações devidas em caso de sinistro no âmbito do seguro de responsabilidade civil automóvel, ou se a mesma também deve ser aplicada na fixação das indemnizações pelos tribunais nos casos de aqueles procedimentos não terem conduzido aos acordo das partes e o lesado tenha recorrido aos tribunais para receber a indemnização a que se considera com direito.
Os tribunais têm seguido de forma dominante a primeira destas orientações, a qual parece difícil de vencer atenta a redacção do artigo 31.º do citado Decreto-Lei, segundo o qual o capítulo aí iniciado fixa as regras do procedimento de regularização extrajudicial do sinistro.
No entanto, não se vê como é que o objectivo a que o legislador se propôs com o Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel de facilitar, incentivar e acelerar a regularização extrajudicial dos sinistros pode ser alcançado se sistematicamente os tribunais julgarem que as propostas razoáveis de indemnização das seguradoras são afinal irrazoáveis porque o valor das indemnizações é antes outro bem superior, não obstante as seguradoras terem aplicado na sua proposta os critérios fixados no diploma legal!
Que segurado aceitará o que a segurada lhe propõe, ainda que com observância dos critérios legais da proposta razoável, se, em simultâneo, lhe disserem que nos tribunais irão alcançar uma indemnização superior? Talvez apenas os lesados em estado de necessidade, o que parece ser manifestamente insatisfatório quer na perspectiva do legislador quer na perspectiva da equidade no tratamento dos lesados.
Também não se vislumbra razão válida para distinguir no Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel normas aplicáveis em qualquer fase ou instância do exercício da responsabilidade civil ao abrigo do regime do seguro obrigatório (v.g. as que definem o âmbito de cobertura do seguro ou as que consagram a obrigação de entrega de um veículo de substituição) e normas que apenas serão aplicáveis numa fase e não na outra (v.g. o artigo 41.º), gerando uma distorção, uma complexidade e uma incoerência no funcionamento do sistema de indemnização dos danos decorrentes de acidentes de viação para as quais não se encontra razão plausível ou mérito.
No nosso entendimento, o Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel é a sede material de um campo particular de responsabilidade civil cuja especificidade se justifica pela perigosidade, dimensão e relevo social da circulação rodoviária e pela dimensão dos danos ocorridos no seu curso, das quais decorre afinal a necessidade de oferecer aos lesados uma cobertura dos danos à margem dos cânones tradicionais da responsabilidade civil.
Essa circunstância justifica, para o bem e para o mal, um afastamento das soluções vigentes do regime comum de responsabilidade civil e, embora esse afastamento seja e deva ser orientado no sentido de uma melhor e mais efectiva protecção dos lesados, tal não obsta a que o regime seja avaliado como um todo, de forma global, e que, em certos pontos específicos, ele possa oferecer a título excepcional, uma protecção aparentemente menos ampla quando comparada com a que resulta do regime comum de responsabilidade civil.
Parece aceitável admitir que para efeitos de indemnização de danos por acidente de viação o legislador tenha entendido concretizar a solução consagrada nos artigos 562.º e 566.º do Código Civil de relacionamento entre a reparação natural e a reparação por equivalente em dinheiro, materializando um critério específico de opção pela reparação por equivalente por forma a tornar mais objectiva, mais previsível e mais igual a fixação da indemnização devida ao lesado.
Por vezes tende a dar-se especial relevo à relação do lesado com o seu veículo e que conduz, acentuando que o veículo representa para o seu proprietário um valor superior ao seu valor de mercado (porque é o seu carro, porque o estima, porque ele satisfaz as suas necessidades de deslocação).
A verdade é que um veículo automóvel é hoje, felizmente, um bem acessível a quase todos, de utilização frequente, comum, quotidiana, alvo de troca frequente, que na maior parte dos casos não se detém um grande número de anos. O mercado automóveis de usados tem presentemente uma dimensão significativa, sendo comum encontrar em qualquer lugar estabelecimentos de venda de veículo novos e usados, num sinal claro da dinâmica desse mercado e da procura que ele tem, sem esquecer mesmo as facilidades de venda directa entre os interessados que presentemente a internet permite.
A ideia de que está por demonstrar que seja fácil encontrar nesse mercado um veículo com iguais condições (parte-se sempre do principio, indemonstrado, que o veículo do próprio está em óptimas condições e os veículos à venda estão todos em piores condições) para substituir o veículo danificado é, com todo o devido respeito, desmentida pela realidade da vida.
A nosso ver, excepto no que concerne a veículos adaptados a actividades ou usos específicos (v.g., um veículo de transportes especiais ou adaptado a deficientes) ou com características que o tornam incomum (v.g. um veículo com características que o tornam raro ou de colecção), um veículo automóvel igual a milhares de outros que são diariamente produzidos e colocados no mercado pode, em regra, ser substituído facilmente por outro de idênticas características, estado de conservação similar e, muitas vezes, com quilometragens e idade inferiores.
De qualquer modo, as regras do Código Civil sobre a fixação da indemnização apontam no sentido de que o interesse do credor não é o único e exclusivo critério a atender e que em determinadas circunstâncias também deve ser ponderado o interesse do devedor. O artigo 562.º do Código Civil estabelece o princípio geral da obrigação de indemnização, dizendo que o obrigado à reparação «deve reconstituir a situação que existiria se tal dano não se tivesse verificado». É o chamado princípio da reconstituição in natura na reparação do dano: reposição do lesado ao estado em que se encontrava antes do dano, através da reconstituição natural da situação que então existia.
O artigo 566.º do mesmo diploma acrescenta que a indemnização é fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor. As duas primeiras situações que justificam o afastamento do princípio da restauração natural prendem-se e tutelam o interesse do credor já que através delas se pretende que este fique em melhor situação daquela em que ficaria em caso de reconstituição in natura. A terceira situação, ao invés, tutela o interesse do devedor e através da sua previsão a norma pretende que o devedor não seja obrigado a suportar com a reparação dos danos o custo que a reparação natural demandaria.
O conceito de onerosidade excessiva é um conceito normativo cuja concretização reclama a apreciação do conjunto das circunstâncias que rodeiam o caso concreto e demanda a ponderação relativa do interesse dos envolvidos.
Para ser excessivamente oneroso não é necessário que o custo da reconstituição seja elevado relativamente às capacidades financeiras do devedor. Essa leitura conduziria a tratar desigualmente os devedores em função da sua capacidade financeira. O que releva é a relação entre o benefício para o credor e o encargo para o devedor, comparando a situação em que o credor fica se receber a indemnização em dinheiro com aquela em que fica procedendo-se à reconstituição natural do dano.
A norma basta-se com o excesso do encargo com a reconstituição natural, não exige que o excesso seja significativo, ponderoso ou particularmente relevante, pelo que parece aceitável entender que a excepção não se aplica apenas em situações de flagrante desproporção entre os interesses do credor e do devedor.
Todavia, não parece bastar o simples excesso (o mero facto de o encargo com a reconstituição exceder a reparação em dinheiro), já que nesse caso teria sido mais simples e claro redigir a norma dizendo isso mesmo, que a indemnização seria paga em dinheiro sempre que fosse mais custoso para o devedor proceder à reconstituição natural.
Para J. Vieira Gomes, in Cadernos de Direito Privado, nº 3, 2003, pág. 61, a excessiva onerosidade não se reduz à mera verificação de que o custo da reparação é superior ao da substituição ou a considerações de que é ou não razoável em termos de racionalidade económica. A excessiva onerosidade só se pode decidir no caso concreto, atendendo e confrontando os interesses do lesado e os do lesante e determinando até que ponto é que é exigível ao lesante suportar o custo das reparações por tal corresponder a um interesse digno de tutela do lesado na integridade do seu património.
Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, 2ª edição, vol. I, pág. 506 (no mesmo sentido ainda Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Almedina, 5ª edição, pág. 864), a excessiva onerosidade para o devedor ocorre quando houver manifesta desproporção entre o interesse do lesado, que importa recompor, e o custo que a reparação natural envolve para o responsável (estes autores dão como exemplo a inutilização de um automóvel velho que vale 10, sendo necessário 20 para o substituir por um veículo novo, dizendo que seria injusta a substituição, onerando o devedor com um encargo superior ao prejuízo e beneficiando o credor com a substituição dum automóvel velho por um novo).
Para Almeida Costa, in Direito das Obrigações, Almedina, 1979, pág. 526, esta excepção ao princípio da reconstituição natural aplica-se em caso de “flagrante desproporção entre o interesse do lesado e o custo da restauração natural para o responsável. A onerosidade deve apreciar-se, de resto, em termos amplos, considerando-se, inclusive, legítimos interesses de ordem moral ou sentimental”.
Menezes Cordeiro, in Direito das Obrigações, 2º vol., AAFDL, 1980, pág. 401, considera que a excessiva onerosidade ocorre quando a indemnização específica, sendo possível, acarrete, no entanto, para o obrigado a indemnizar, um esforço que não tenha qualquer equivalência com a vantagem acarretada para o lesado, ou seja, quando a sua exigência atente gravemente contra o princípio da boa-fé.
Ora, no caso, com interesse para o aspecto que nos ocupa, apenas se encontra provado que:
1. O veículo do autor é da marca Toyota e modelo …, com a matrícula ..-BQ-...
2. Segundo o Documento Único Automóvel junto com a petição inicial, trata-se de um veículo que recebeu homologação nacional em 2002 e que à data do acidente tinha 17 anos de antiguidade.
3. Na sequência da peritagem, a ré calculou o custo da reparação do veículo BQ em cerca de € 5.923,34, o seu valor venal à data em €3.850,00 e o valor dos salvados em €410,00.
O que daí se extrai é que o custo da reparação do veículo ascendeu a quase o dobro do valor venal do veículo. Extrai-se igualmente que o veículo não tem nenhuma característica especial que o torne raro ou incomum ao ponto de dificultar a localização no mercado automóvel de um veículo de substituição da mesma gama e em condições de satisfazer as necessidades de deslocação do lesado. Da mesma forma que não resulta nada que mostre que o veículo tem um valor de uso superior ou diferente do seu valor de substituição.
Nesse contexto, entendemos que por aplicação do disposto no artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, e/ou do disposto no artigo 566.º, n.º 1, do Código Civil, a indemnização deve ser fixada não no custo estimado da reparação mas na quantia correspondente à diferença entre o valor venal do veículo (€3.850,00) e o valor dos salvados (€410,00), isto é, no montante de €3.440,00. Daí resulta que a ré pagar ao autor, pelos danos materiais no veículo, a indemnização de €1.720,00.
Refira-se que o autor peticionou ainda uma indemnização pelo valor que despendeu com o aluguer de um veículo «para fazer face às suas deslocações diárias» com o fundamento de que «nunca [lhe] foi disponibilizada qualquer viatura de substituição».
Na sentença recorrida esta indemnização foi atribuída ao autor.
No recurso a recorrente não questiona essa parte da sentença uma vez que nas alegações de recurso não aborda nem os pressupostos do direito a tal indemnização nem o modo como ela foi calculada.
Por conseguinte, essa indemnização está excluída dos poderes de cognição desta Relação, a qual apenas pode fazer incidir sobre esse valor o decidido quanto à distribuição pelos condutores da responsabilidade pelas consequências da colisão dos veículos.
Sendo assim, por efeito da subsunção jurídica dos factos a que procedeu por estar autorizada pelo objecto do recurso, esta Relação apenas pode reduzir a referida indemnização a metade (€297,05) por ter sido nessa medida que fixou a responsabilidade da ré pelos danos causados ao autor.

VII. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, dando parcial provimento à apelação, alteram a decisão recorrida na parte relativa ao capital da indemnização que a ré é condenada a pagar ao autor, reduzindo-o a €3.737,05 (três mil, setecentos e trinta e sete mil euros e cinco cêntimos).
Custas da acção e do recurso por ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento.
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Porto, 18 de Novembro de 2021.
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Os Juízes Desembargadores
Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 647)
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva

[a presente peça processual foi produzida pelo Relator com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas]