Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2556/17.0T8STS-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE SEABRA
Descritores: PER
NOMEAÇÃO DO ADMINISTRADOR JUDICIAL PROVISÓRIO
INDICAÇÃO PELO REQUERENTE
RECUSA DO INDICADO
FUNDAMENTAÇÃO
Nº do Documento: RP201711132556/17.0T8STS-A.P1
Data do Acordão: 11/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º662, FLS.69-77)
Área Temática: .
Sumário: I - A decisão de nomeação do administrador provisório em processo de revitalização que não atenda a indicação efectuada na petição inicial carece de ser fundamentada fáctica e juridicamente.
II - Por regra o administrador provisório é escolhido pelo juiz de entre os administradores que se encontrem inscritos na lista oficial e por processo informático que assegure a aleatoriedade da escolha.
III - Excepcionalmente, esta regra poderá ser afastada, optando-se pela indicação feita pelo requerente do processo de revitalização.
IV - A indicação de administrador efectuada na petição inicial só é juridicamente atendível se tratar de processo em que se preveja a necessidade da prática (pelo administrador) de actos de gestão que exijam especiais conhecimentos, exigindo-se ao requerente que alegue factos que permitam concluir pela aludida previsibilidade.
V - Alegando apenas o requerente que o administrador indicado conhece a empresa e um esboço do plano de pagamentos a submeter à negociação com os credores, não se mostra demonstrada a previsibilidade da prática de actos de gestão que, por via da sua particular complexidade ou especialidade, exijam do administrador especiais conhecimentos, isto é que ultrapassem os conhecimentos comuns à gestão de uma empresa, que visa a recuperação do seu equilíbrio financeiro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2556/17.0T8STS-A.P1 - Apelação
Origem: Comarca do Porto – Juízo de Comércio de Santo Tirso – J4.
Relator: Jorge Seabra
1º Juiz Adjunto: Maria de Fátima Andrade
2º Juiz Adjunto: António Oliveira Abreu
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Sumário (Elaborado pelo Relator):
I. A decisão de nomeação do administrador provisório em processo de revitalização que não atenda a indicação efectuada na petição inicial carece de ser fundamentada fáctica e juridicamente.
II. Por regra o administrador provisório é escolhido pelo juiz de entre os administradores que se encontrem inscritos na lista oficial e por processo informático que assegure a aleatoriedade da escolha.
III. Excepcionalmente, esta regra poderá ser afastada, optando-se pela indicação feita pelo requerente do processo de revitalização.
IV. A indicação de administrador efectuada na petição inicial só é juridicamente atendível se tratar de processo em que se preveja a necessidade da prática (pelo administrador) de actos de gestão que exijam especiais conhecimentos, exigindo-se ao requerente que alegue factos que permitam concluir pela aludida previsibilidade.
V. Alegando apenas o requerente que o administrador indicado conhece a empresa e um esboço do plano de pagamentos a submeter à negociação com os credores, não se mostra demonstrada a previsibilidade da prática de actos de gestão que, por via da sua particular complexidade ou especialidade, exijam do administrador especiais conhecimentos, isto é que ultrapassem os conhecimentos comuns à gestão de uma empresa, que visa a recuperação do seu equilíbrio financeiro.
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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO:
1. No processo especial de revitalização (adiante designado apenas por PER), sob apresentação do devedor “ B…, Lda. “, foi proferido o seguinte despacho:
«Recebo o presente processo especial de revitalização – artigo 17º-A, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
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Nomeio como Administrador Judicial Provisório C…, com domicílio profissional na Rua …, …, …, Lisboa, escolhido aleatoriamente através de aplicação informática disponibilizada no CITIUS, ao abrigo do disposto no artigo 13º/2 da Lei n.º 22/2013 de 26 de Fevereiro.
Entende-se não considerar a indicação do Administrador Judicial provisório efetuada pela requerente uma vez que analisados os preceitos aplicáveis, consideramos que o Administrador deve ser, em regra, nomeado pelo juiz, em conformidade com o disposto nos artigos 17º-C/3/a e 32º/1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e artigo 13º/2 do Estatuto dos Administradores de Insolvência, por forma a assegurar a aleatoriedade da escolha, apenas devendo ser atendida a indicação feita na petição inicial quando seja previsível a existência de atos de gestão que requeiram conhecimentos especiais, que devem ser concretamente alegados, o que não se verifica nos autos.»
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2. Não se conformando com o assim decidido, veio a Requerente interpor recurso de apelação, apresentando as seguintes
CONCLUSÕES
a) O douto despacho recorrido expressamente determina a não aceitação da sugestão apresentada pelo Requerente, optando antes pela nomeação aleatória por sistema informático em violação do disposto no n.º 2 do art.º 13º da Lei 22/2013 de 26/02.
b) É que apesar de o poder de nomear o Administrador Judicial Provisório ser, por norma, um poder discricionário do Juiz, o mesmo não pode ser arbitrário e a sua decisão terá sempre que ser fundamentada, conforme impõem os artos 205º da CRP e o art.º 154º do CPC (vide Ac. Rel Porto de 24/09/2013 no processo n.º 210/13.0TBPRG-C.P1).
c) Havendo indicação de um Administrador Judicial Provisório (AJP) e estando o mesmo inscrito nas listas de oficiais de administradores judiciais, o juiz deve acolher essa indicação salvo se a tal obstarem razões que justifiquem a rejeição da sugestão formulada.
d) Só existindo essas razões que justifiquem a rejeição é que o Juiz poderá/deverá, nomear de formal electrónica e aleatória o AJP.
e) Ao não seguir a proposta do Requerente e não fundamentar com as razões que justificaram uma decisão diversa, o Tribunal viola o disposto nos art.os 205º da CRP e o art.º 154º do CPC o que torna o despacho nulo, nulidade que expressamente se invoca.
f) Do ponto de vista material, com esta decisão corre-se o risco de, fruto de uma menor articulação com quem naturalmente não conhece a empresa e os vários problemas que a mesma enfrenta, se perder uma das grandes oportunidades de recuperação da empresa em dificuldades e, consequentemente, se gorar um dos objectivos deste meio processual, em contraponto com as conhecimentos e condições do AJP sugerido.
g) Do ponto de vista formal, é vasta a jurisprudência no sentido de, na interpretação da ressalva ao artigo 13º n.º 2 da Lei 22/2013 de 26/02 relativamente ao n.º 2 do art.º 52º do CIRE deve ser interpretado no sentido de que recurso ao sistema aleatório de escolha dos administradores judiciais só se accionará no caso de não haver indicação por parte do devedor.
h) Isto, salvo se existirem razões objectivas e devidamente fundamentadas que aconselhem o contrário (vide ac. TRP no Proc. 629/16.5T8VNG-A.P1, bem como a ampla jurisprudência vigente).
i) Pelo que a decisão de não aceitar a sugestão de nomeação de AJP efectuada pela Requerente, nos termos em que o foi, além de materialmente inaceitável e desaconselhável, viola o disposto no art.º 13º n.º 2 da Lei 22/2013 de 26/02, comreferencia ao n.º 2 do art.º 52º do CIRE.
j) Pelo que deve ser revogada e substituída por uma que proceda à nomeação requerida.
Nestes termos, concluiu a apelante pela revogação do despacho recorrido e pela sua substituição por outro que acolha a nomeação por si efectuada no requerimento inicial do processo.
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3. Não foram oferecidas contra-alegações.
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4. Foram cumpridos os vistos legais.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso -cfr. arts. 635º, nº 3, e 639º, nsº 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2023 de 26.06. [doravante designado apenas por CPC].
No seguimento desta orientação, são duas as questões a decidir no presente recurso:
a)- da nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação quanto ao segmento decisório em crise;
b)- da nomeação de administrador provisório diverso do indicado ou proposto pelo devedor/requerente.
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III. FUNDAMENTAÇÃO FACTO - JURÍDICA:
Em termos factuais são relevantes os factos alegados pelo devedor no seu requerimento inicial (apresentação ao processo especial de revitalização) e, ainda, os que constam do relatório do presente acórdão, em particular o teor da decisão recorrida.
A questão suscitada – nulidade da decisão recorrida à luz do preceituado no art. 615º, n.º 1 al. b) do CPC e art. 205º da Constituição da República – reconduz-se e circunscreve-se, em termos fundamentais, ao «modo» como deverá ter lugar a nomeação do administrador provisório no âmbito do processo especial de revitalização, ou seja e mais exactamente, se e em que termos deve ser fundamentada a decisão que procede à nomeação do aludido administrador.
Nesta matéria, estabelece o art. 17º-C, n.º 3 al. a) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (adiante designado por CIRE), que no despacho em que receba o pedido de revitalização formulado pelo devedor deve o juiz do tribunal competente nomear, de imediato, por despacho, o administrador judicial provisório, «aplicando-se o disposto nos artigos 32º a 34º, com as necessárias adaptações.»
Por seu turno, segundo prescreve o aludido art. 32º, n.º 1 «A escolha do administrador judicial provisório recai em entidade inscrita na lista oficial de administradores da insolvência, podendo o juiz ter em conta a proposta eventualmente feita na petição inicial no caso de processos em que seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos.»
Por último, ainda, nesta temática, importa convocar o preceituado no art. 13º do Estatuto do Administrador Judicial (Lei n.º 22/2013 de 26.02), que prevê a nomeação do administrador por sorteio informático, «que assegure a aleatoriedade da escolha e a distribuição em idêntico número dos administradores judiciais nos processos», acrescentando-se ainda que «não sendo possível ao juiz recorrer ao sistema informático a que alude o número anterior, este deve pugnar por nomear os administradores judiciais de acordo com os princípios vertidos no presente artigo [o referido art. 13º], socorrendo-se para o efeito das listas a que se refere a presente lei.»
Neste quadro legal, como se refere no AC RC de 29.10.2013, cuja lição ora se segue, pode afirmar-se que, a lei não exige, por regra, uma qualquer fundamentação do juiz no acto de nomear o administrador de insolvência; aliás, a própria lei prevê que a nomeação seja efectuada por sorteio informático (como resulta do já citado art. 13º, n.º 2 do Estatuto do Administrador Judicial), portanto, por processo aleatório, que produz, por natureza, uma escolha não fundamentada (no sentido de justificar porque é se nomeia este e não aquele); «enfim, é a própria lei que implicitamente estabelece, como regra, uma nomeação não fundamentada/justificada do juiz.» [1]
E esta solução, como se refere no citado aresto da Relação de Coimbra, não vai contra o princípio plasmado no art. 205º, n.º 1 da CRP, segundo o qual «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei», uma vez que, como é evidente, as exigências constitucionais relativas à fundamentação – a sua maior ou menor densidade – não são as mesmas para todos os casos, dependendo da natureza dos interesses que estão em jogo e dos direitos que são afectados por cada decisão; ou seja, pode/deve entender-se que a prévia organização de uma lista de pessoas habilitadas e idóneas à nomeação como Administrador de Insolvência ou Administrador em Processo de Revitalização, como é o caso dos autos – e de ser dentro deste círculo limitado que se faz a nomeação aleatória – satisfaz, regra geral, as referidas exigências constitucionais de fundamentação ao caso atinentes.
Mas, sendo esta a regra – não ser de exigir qualquer fundamentação (do juiz) no acto de nomear um administrador de insolvência/revitalização – não se pode dizer que a mesma seja uma regra absoluta e que não comporte desvios ou ressalvas.
Efectivamente, também se diz, no referido art. 32º, n.º 1 do CIRE [2] , que o juiz, na nomeação do administrador, pode ter em conta a proposta eventualmente feita na petição inicial no caso de processos em que seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos.
Vale assim por dizer que, a nosso ver, não obstante o acto decisório de nomeação do administrador deva ser qualificado como um acto discricionário [3], quando o devedor alegue a existência de actos de gestão de especial complexidade ou que requeiram especiais conhecimentos para efeitos de nomeação de administrador e/ou efectue, ele próprio, uma proposta de nomeação de administrador, o tribunal, caso não acolha essa indicação, como é o caso dos autos, deve justificar, na medida do possível, o não deferimento dessa pretensão.[4]
Com esta fundamentação, como se refere no citado AC RC de 29.10.2013, não «se pretende/exige uma fundamentação esgotante e exaustiva, mas tão só uma fundamentação que seja razoável; que revele/exteriorize ter existido uma reflexão ou ponderação sobre a proposta efectuada e que indique as razões, os critérios, as linhas de orientação, as regras comuns da experiência que determinaram a decisão de não escolha.»
De facto, não se olvida, neste conspecto, que não basta que o juiz decida a questão posta; é indispensável, do ponto de vista do convencimento das partes, do exercício fundado do seu direito ao recurso sobre a mesma decisão (de facto e de direito) e do ponto de vista do tribunal superior a quem compete a reapreciação da decisão proferida e do seu mérito, conhecerem-se das razões de facto e de direito que apoiam o veredicto do juiz.[5]
Neste sentido, a fundamentação da decisão deve ser expressa, clara, suficiente e congruente, permitindo, por um lado, que o destinatário perceba as razões de facto e de direito que lhe subjazem, em função de critérios lógicos, objectivos e racionais, proscrevendo, pois, a resolução arbitrária, e por outro, que seja possível o seu controle pelos Tribunais que a têm de apreciar, em função do recurso interposto.[6]
Todavia, ao nível da fundamentação de facto e de direito do despacho ou sentença, como é lição da doutrina e da jurisprudência, para que ocorra esta nulidade «não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.» [7] [sublinhado nosso]
De facto, conforme é a posição tradicional da jurisprudência, sustentada na lição do Prof. Alberto dos Reis [8], a propósito da especificação dos fundamentos de facto e de direito na decisão, importa proceder-se à distinção cuidadosa entre a «falta de motivação, da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.» [9] [sublinhado nosso]
Todavia, a nosso ver, no actual quadro constitucional (artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa), em que é imposto um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, ainda que a densificar em concretas previsões legislativas (cfr. art. 154º do CPC), parece que também a fundamentação de facto ou de direito gravemente insuficiente, isto é, em termos tais que não permitam ao respectivo destinatário a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do acto decisório. [10]
Dito isto, no caso dos autos, e ao contrário do que sustenta o apelante, é, a nosso ver, evidente, à luz da decisão ora recorrida e do seu conteúdo, que a mesma não enferma da citada nulidade por falta de fundamentação (de facto e/ou de direito).
Com efeito, como dela consta – e se constata da sua simples leitura -, o Sr. Juiz não só invocou o quadro legal aplicável à decisão da questão colocada pela indicação pelo requerente do Administrador provisório a nomear [emergente do disposto nos arts. 17º-C e 32º do CIRE e da Lei n.º 22/2013 de 22.02., que consagra o Estatuto do Administrador], como, ainda, deixou expresso o critério que o conduziu à nomeação de Administrador diverso do indicado ou proposto pela requerente, qual seja a circunstância de não resultar evidenciado dos autos e da alegação da mesma que seja suposto o Administrador provisório a nomear possuir conhecimentos especiais para o desempenho das suas funções, o que, em seu entender, conduziria, por força do citado quadro legal, à sua nomeação aleatória.
É certo que, naturalmente, o apelante pode discordar deste critério, sustentando, como é o caso, que tal critério não é o que decorre do preceituado no art. 13º, n.º 2 da Lei n.º 22/2013 de 26.02, por referência ao disposto no art. 32º do CIRE, que, a seu ver, se mostram, pois, violados na decisão proferida.
No entanto, como se evidencia do antes exposto, essa questão em nada contende com a falta de fundamentação da decisão recorrida – que não ocorre - e, portanto, com a pretensa nulidade da decisão, antes já com o seu próprio mérito e o alegado erro de julgamento nela alegadamente cometido [error in judicando], sujeitando-a, em consequência, não ao decretamento da sua nulidade, mas à sua eventual alteração.
Por conseguinte, nesta parte, não assiste razão à apelante, improcedendo a alegada nulidade da decisão para efeitos do disposto no art. 615º, n.º 1 al. b) do CPC.
Dirimida esta primeira questão, cumpre avançar para a segunda questão, qual seja a de saber se deveria o tribunal a quo ter acolhido a indicação da requerente quanto ao Administrador provisório, ou, ao invés, se a nomeação deste deveria, como sucedeu na decisão recorrida, ter lugar em modo aleatório.
Decidindo.
Segundo o art. 2º, n.º 1 da citada Lei n.º 22/2013, no âmbito do processo especial de revitalização, «o administrador judicial é a pessoa incumbida da fiscalização e orientação dos atos integrantes do processo», incumbindo-lhe, entre o mais, conceder autorização ao devedor para a prática de actos de especial relevo, ou seja, os que como tal se mostram definidos pelo art. 161º (art. 17º-E, n.º 2), elaborar a lista provisória dos créditos perante si reclamados (art. 17º-D, nº 2 e 3) e, ainda, participar nas negociações entre o devedor e os credores, de acordo com as regras que ao mesmo cabe eventualmente, na ausência de acordo, definir, orientando e fiscalizando o decurso de tais negociações e a sua regularidade, providenciando ao necessário à boa marcha de tais negociações (art. 17º-D, n.ºs 8 e 9).
Por outro lado, ainda, como já antes se referiu, a nomeação do aludido administrador incumbe ao juiz, que a deve efectuar no despacho em que admita o processo de revitalização, aplicando-se a tal nomeação, com as necessárias adaptações, o disposto nos arts. 32º a 34º (art. 17º-C, n.º 3 al. a) do CIRE).
Em suma, tal como sucede no âmbito do próprio processo de insolvência, a nomeação de um administrador provisório é necessária, face à desconfiança na capacidade de administração autónoma do devedor, que a sua iminente insolvência ou situação económica difícil naturalmente pressupõe. Assim, a administração deve ser atribuída a um administrador autónomo do devedor, o administrador provisório.» [11]
A nomeação do administrador provisório, como resulta do preceituado no art. 32º, n.º 1 ex vi do art. 17º-C, n.º 3 al. a) do CIRE, deve recair em entidade inscrita na lista oficial de administradores de insolvência, podendo o juiz ter em conta as indicações que sejam feitas pelo próprio devedor no requerimento ou petição inicial «nos casos de processos em que seja previsível a existência de atos de gestão que requeiram especiais conhecimentos».
A questão dos critérios para a nomeação do administrador da insolvência, rectius para o acolhimento da indicação do aludido administrador por parte do devedor (na petição inicial), não têm merecido, como é consabido, resposta uniforme por parte da jurisprudência.
Segundo uma corrente, à partida, havendo indicação – seja por parte do devedor, seja por parte de um credor – de pessoa inscrita na lista oficial para o exercício do cargo de administrador judicial, deve o juiz, em regra, acolhê-la, salvo se a tal obstarem razões ponderosas que justifiquem a rejeição da sugestão formulada; De todo o modo, a rejeição da proposta deve ser sempre fundamentada através da invocação dos concretos fundamentos de facto e/ou de direito que depõem em desabono do acolhimento da proposta.[12]
Segundo uma outra corrente, o juiz, como regra geral, não tem de acolher a indicação de administrador efectuando a selecção do administrador de entre os administradores inscritos na lista oficial e por processo informático que assegure a aleatoriedade da escolha. Só excepcionalmente esta regra pode ser afastada, sendo suposto, para tanto, que esteja em causa um processo em que seja de prever a prática de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos, exigindo-se ao requerente que alegue factos que permitam concluir pela aludida previsibilidade.
Em qualquer caso, a opção do tribunal deve ser fundamentada, se, devidamente requerida a nomeação de determinado administrador da insolvência, essa indicação não for acolhida.[13]
Com o devido respeito por opinião oposta, é esta última posição a que aderimos.
Com efeito, como se refere no já citado AC RP de 16.06.2014, cuja lição aqui se colhe, não se divisa qualquer razão para entender que a remissão que o n.º 2 do art. 52º do CIRE (no caso do processo de insolvência) ou que a al. a) do n.º 3 do art. 17º-C do CIRE (no caso do processo de revitalização) faz para o art. 32º, nº 1 do mesmo diploma se restringe à exigência de que o nomeando esteja inscrito na lista oficial de administradores, pois que a mesma seria manifestamente inútil face às regras legais de nomeação do administrador constantes do respectivo estatuto; Ao invés, a remissão em análise só tem relevo ou utilidade jurídica se, além da referência à possibilidade de indicação do administrador pelo requerente, abarcar ainda o segmento da previsão do art. 32º, n.º 1 que faz depender a atendibilidade da indicação de administrador de insolvência na petição da previsão da necessidade prática de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos.
Neste preciso sentido, refere A. Soveral Martins que «se o juiz pode ter em conta as indicações do devedor ou da comissão de credores mas deve também respeitar o art. 32º, 1, julgamos possível dizer que as indicações do devedor constantes da petição inicial podem apenas ser tidas em conta nos mesmos termos em que o são as propostas mencionadas no art. 32º, 1: isto é, apenas quando esteja em causa um processo «em que seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos.» [sublinhado nosso][14]
Esta conclusão é, aliás, confortada pelo elemento histórico resultante do preâmbulo do DL n.º 282/2007 de 7.08, que, entre outros, alterou os arts. 32º e 52º do CIRE e onde se escreve:«Finalmente, em quarto lugar, é restringida a possibilidade de designação de um administrador da insolvência na petição inicial aos casos em que seja exigida a prática de actos que requeiram especiais conhecimentos.» [sublinhado nosso][15]
Como assim, ao contrário do que sustenta a apelante, a regra não é, a nosso ver, a nomeação automática, sem mais, pelo juiz do processo, do administrador proposto pelo requerente/devedor, mas antes, pelo contrário, como se decidiu em 1ª instância, a regra é precisamente a oposta, qual seja a de, por princípio, a nomeação ser processada aleatoriamente – garantindo, em termos tendenciais, uma equilibrada distribuição/distribuição de tais funções pelos administradores constantes da lista oficial -, apenas devendo o juiz acolher essa indicação quando seja de antever, face aos elementos alegados ou disponibilizados pelo processo, que a gestão a levar a cabo pelo administrador a nomear se reveste de particular complexidade ou exige especiais conhecimentos apenas ao alcance do administrador sugerido ou indicado.
Destarte, a questão que se coloca é a de saber se o devedor invocou, no caso em apreço, factos (resultantes da petição inicial ou dos documentos que a acompanham) que permitam concluir pela previsibilidade da prática de actos de gestão que exijam especiais conhecimentos, tendo presente que, como resulta da regra prevista no art. 342º, n.º 1 do Cód. Civil e da sua aplicação ao caso, incumbe ao devedor interessado na nomeação de um determinado administrador a alegação de tal facticidade.
Neste conspecto, não são as particulares qualidades do administrador indicado que estão em causa, mas as específicas necessidades e características do processo, as quais deverão, numa análise casuística, inculcar a previsibilidade de prática de actos que importem especiais conhecimentos por parte do administrador proposto ou sugerido.
Ainda neste mesmo sentido, refere-se no AC RL de 5.03.2013, que «a indicação de administrador da insolvência pelo devedor, nos termos do art. 32º, n.º 1 do CIRE, deverá ser acompanhada da articulação de factos que permitam concluir ser previsível a existência de atos de gestão que requeiram especiais conhecimentos, sendo insuficiente a articulação do conceito legal e devendo, também, articular os factos que permitam concluir que ele, administrador indicado, tem os especiais conhecimentos requeridos pelos previsíveis atos de gestão.»[16]
Note-se que, neste conspecto, a lei não se basta, para efeitos de acolhimento da indicação do requerente, com a prática de actos de gestão por parte do administrador indicado; A lei e em concreto o citado art. 32º, n.º 1 do CIRE exige mais do que isso: - exige que tais actos de gestão se revistam de particular especialidade ou complexidade, sendo que só assim serão necessários «especiais» conhecimentos de gestão ao administrador.
Ora, para efeitos de integração no normativo em apreço, com o sentido antes referido, é facto que, como já se salientou na decisão recorrida, a requerente e ora apelante nada alegou de relevante, sendo a sua petição inicial por completo omissa quanto a quaisquer factos que permitam antever uma especial complexidade do processo e/ou a necessidade por parte do administrador provisório de quaisquer conhecimentos especiais, isto é que não estejam ao dispor e ao alcance do normal gestor.
É certo que, segundo invocado pela requerente, o administrador por si proposto será conhecedor de alguns dos «elementos importantes acerca da Requerente» (sic) e de «um esboço do plano de pagamentos que se pretende negociar com os credores» (sic).
Todavia, se perante o contexto que emerge da alegação conclusiva da requerente é de aceitar ou admitir que seja previsível a prática pelo administrador de actos de gestão, dessa mesma alegação não resulta, manifestamente, evidenciada a previsibilidade da prática pelo administrador indicado de actos de gestão revestidos de incomum complexidade ou especialidade, a exigirem, pois, especiais conhecimentos por parte do mesmo, isto é conhecimentos que ultrapassem os que são os conhecimentos comuns no âmbito da gestão de uma empresa em actividade e que procura obter o seu saneamento económico e financeiro através de um acordo ou plano de pagamentos a celebrar com os seus credores.
Como assim, e pelas razões expostas, não ocorrem no caso dos autos – confrontada a alegação factual da requerente, razões para acolher a sua indicação do administrador provisório, razões que lhe incumbia alegar e justificar, funcionando, pois, ao contrário do por si sustentado, a regra geral, de nomeação por meio informático, que garante a aleatoriedade da designação, como ocorreu no despacho ora em crise.
Como assim, à luz da fundamentação de facto e de direito convocada no despacho recorrido e que se tem por correcta em face do quadro factual e legal aplicável, deve a presente apelação improceder, o que se julga.
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IV. DECISÃO:
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
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Custas pela apelante, pois que ficou vencida – art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
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Porto, 13.11.2017
Jorge Seabra
Fátima Andrade
Oliveira Abreu
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[1] AC RC de 29.10.2013, Processo n.º 254/13.2TBSRE-A.C1, relator BARATEIRO MARTINS, disponível in www.dgsi.pt.
[2] A redacção actual dos arts. 32º, n.º 1 [e 52º, n.º 2] do CIRE foi introduzida pelo DL n.º 282/2007 de 7.08., visando alargar o poder decisório do juiz nesta matéria, uma vez que, antes, nas redacções originárias, se estabelecia que o deveria «ter em conta» e «atender» à indicação, ao passo que hoje se estabelece «poder [o juiz] ter em conta.»
[3] A lei processual qualifica como proferidos no uso legal de um poder discricionário os despachos que decidam matérias conferidas ao prudente arbítrio do julgador. Vide, neste sentido, JOSÉ LEBRE de FREITAS, “ Código de Processo Civil Anotado ”, I volume, Coimbra Editora, 1999, pág. 278. Todavia, importa não confundir discricionariedade com arbitrariedade, razão porque, mesmo os despachos proferidos no uso daquele poder devem ser fundamentados de um ponto de vista fáctico e jurídico. Neste sentido, refere C. LOPES do REGO, “ Comentários ao Código de Processo Civil ”, Almedina, 1999, pág. 135, que «o prudente arbítrio do julgador tem de ser entendido como pressupondo uma apreciação jurisdicional necessariamente não arbitrária, efectuada segundo critérios de ponderação e razoabilidade, que oriente os critérios de conveniência e oportunidade que estão na sua base sempre em função da realização dos fins do processo.»
[4] Vide, neste sentido, por todos, quanto ao dever de fundamentação da decisão que não acolha a proposta efectuada pelo devedor/insolvente, ainda, AC RP de 16.12.2015, Processo 57/14.7T8AMT-A.P1, relator JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA, AC RP de 16.06.2014, Processo 449/14.1TJPRT-A.P1, relator CARLOS GIL, AC RP de 24.09.2013, Processo 210/13.0TBPRG-C.P1, relator RODRIGUES PIRES, todos in www.dgsi.pt.
[5] Vide, neste sentido, J. ALBERTO dos REIS, “ Código de Processo Civil ”, V volume, Coimbra Editora, 1984, pág. 139.
[6] Sobre a fundamentação das decisões judiciais, vide, no sentido exposto, por todos, AC STJ de 24.11.2015, Processo 6/15.5FYLS, relator SOUTO de MOURA, in www.dgsi.pt. (além da demais jurisprudência citada neste último aresto).
[7] Vide, neste sentido, A. VARELA, M. BEZERRA, S. NORA,“ Manual de Processo Civil ”, Coimbra Editora, 2ª edição, pág. 687;
[8] ALBERTO dos REIS, op. cit., V volume, pág. 140.
[9] Vide, ainda, no mesmo sentido, J. LEBRE de FREITAS, “ Código de Processo Civil Anotado ”, II volume, Coimbra Editora, 2001, pág. 609 e M. TEIXEIRA de SOUSA, “ Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil ”, Lex, 1999, pág. 221-222.
[10] Vide, neste sentido, AC STJ de 2.03.2011, Processo 161/05.2TBPRD.P1.S1, relator SÉRGIO POÇAS, e AC RP de 16.06.2014, já citado, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[11] Vide, neste sentido, L. MENEZES LEITÃO, “ Direito da Insolvência ”, Almedina, 3ª edição, pág. 120; Em sentido crítico da desconfiança manifestada pelo legislador português relativamente à administração da massa insolvente pelo devedor, com referência às soluções na legislação espanhola, alemã e norte-americana, vide SANDRA MARTINS, “ A (des)crença na administração da massa insolvente pelo devedor ”, Estudos de Direito da Insolvência ”, Almedina, 2015, pág. 179-184.
[12] Vide, neste sentido, AC RP de 7.04.2016, Processo 629/16.5T8VNG-A.P1, relator RUI MOREIRA, AC RP de 22.11.2011, Processo 1214/11.3TBVLR-C.P1, relator RAMOS LOPES, AC RP de 9.10.2012, Processo 4912/12.0TBVNG-A.P1, relator RODRIGUES PIRES, AC RP de 11.05.2010, Processo 175/10.0TBESP-A.P1, relator PINTO dos SANTOS, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[13] Vide, neste sentido, além dos já citados AC RP de 16.06.2014 e de 12.2015, ainda, AC RP de 26.04.2012, Processo 5543/11.8TBVFR.P1, relator FILIPE CAROÇO, AC RP de 21.10.2013, Processo 474/13.1TBPFR-A.P1, relator CAIMOTO JÁCOME, AC RP de 13.03.2014, Processo 1943/13.7TJPRT-A.P1, relator LEONEL SERÔDIO, todos disponíveis in www.dgsi.pt; Ao nível da doutrina, vide, neste sentido, MARIA do ROSÁRIO EPIFÂNIO, “ Manual de Direito da Insolvência ”, Almedina, 2015, 6ª edição, pág. 59 e ALEXANDRE SOVERAL MARTINS, “ Um Curso de Direito da Insolvência ”, Almedina, 2015, pág. 195, nota 10.
[14] A. SOVERAL MARTINS, op. cit., pág. 195.
[15] Como se dá nota no aresto desta Relação de 16.06.2014, «a ligação desta alteração legal a alegados estrangulamentos no sistema da insolvência (…) resultará, segundo cremos, da concentração das nomeações de administradores de insolvência num reduzido número deles, o que, a partir de certo ponto, na ausência de qualquer limite à aceitação de processos (…), prejudica necessariamente a prestação dos nomeados.»
[16] AC RL de 5.03.2013, Processo 13062/12.9T2SNT-A.L1-7, relator ORLANDO NASCIMENTO, in www.dgsi.pt.