Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
985/20.0T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: JUNTA MÉDICA
AUTO DE EXAME
FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE PROCESSUAL SECUNDÁRIA
NULIDADE DA SENTENÇA
Nº do Documento: RP20211115985/20.0T8VNG.P1
Data do Acordão: 11/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: 4.ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Os vícios do auto de junta médica traduzem-se em nulidade processual secundária, integrada na fórmula genérica do n.º 1 do artigo 195.º do CPC, do que decorre que o seu conhecimento depende de arguição – posto que o tribunal só pode conhecer oficiosamente das nulidades principais –, arguição essa a fazer no prazo estabelecido para tais efeitos (artigo 199.º).
II - Variando as exigências de fundamentação em face das questões que são suscitadas em cada caso concreto, no caso dos exames por junta média tais exigências resultam, desde logo e em primeira linha, dos quesitos que forem colocados à apreciação dos peritos e das respetiva pronúncia, sendo que, caso ocorra divergência entre esses, se justificará então que a fundamentação deva aí ser mais detalhada, em comparação com aquela que, em regra, se mostra necessária nos casos em que há unanimidade de entendimentos.
III - A nulidade da sentença (ou despacho), a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, só se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos, quer no respeitante aos factos, quer no tocante ao direito, aí não se integrando uma fundamentação mais sucinta, ou aligeirada, menos exaustiva ou não eivada de argumentos eruditos, desde que as questões postas sejam abordadas e decididas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 985/20.0T8VNG.P1

Autora: B…
Réu: Instituto da Segurança Social, I.P.

Relator: Nélson Fernandes
1.ª Adjunta: Des. Rita Romeira
2.ª Adjunta: Des. Teresa Sá Lopes


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório
1. B… apresentou petição inicial, dando início à fase contenciosa em processo especial emergente de doença profissional, contra Instituto da Segurança Social, I.P., peticionando o seguinte: na “procedência da ação, reconhecendo-se que a autora sofre de doença profissional – Periartrite Escapulo Humeral Direita, Periartrite Escapulo Humeral Esquerda, Epicondilite Direita e Esquerda, Tendosinovite Esquerda e Direita, Parasistia/Paralisias Bilateral/Bilaterais, Síndrome do Canal Cárpico Esquerdo, Cervicobraquialgias e Síndrome do Nervo Cubital − , condenando-se o réu a pagar-lhe, no mínimo:
− uma pensão anual e vitalícia calculada com base no vencimento mínimo nacional de €557,00 x 14 meses, no grau de desvalorização permanente para o trabalho que lhe for atribuído em exame por junta médica;
− acrescido das prestações adicionais nos meses de junho e novembro de cada ano; e
− o subsídio por elevada incapacidade permanente a que se reportam os artigos 67.º e 68.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, ex vi art. 117.º;
− a prestar-lhe as prestações em espécie de que a autora necessita ou venha a necessitar por causa das suas doenças de Periartrite Escapulo Humeral Direita, Periartrite Escapulo Humeral Esquerda, Epicondilite Direita e Esquerda, Tendosinovite Esquerda e Direita, Parasistia/Paralisias Bilateral/Bilaterais, Síndrome do Canal Cárpico Esquerdo, Cervicobraquialgias e Síndrome do Nervo Cubital, todas de origem profissional.”
Invocou, para tanto, em síntese: nasceu em 05-05-1976, trabalha desde os 13/14 anos, tendo iniciado funções como aprendiz de cabeleireira, lavando cabeças, fazendo pré-secagens e limpando o salão tendo em abril de 1997 passado a desempenhar as funções de ajudante de cabeleireira até 31 de outubro de 2000, data em que passou a oficial de cabeleireira até 27-07-2019, data em que, por impossibilidade física, deixou de exercer tais funções; desempenhava tais funções 8 horas por dia, ou mais, de terça a sábado, sendo que em virtude tais funções tinha que efetuar com os braços, constantemente, muitos movimentos repetitivos ao longo da jornada de trabalho de 8 a 10 horas por dia, durante 5 dias por semana, em consequência de tais movimentos ao longo de mais de 20 anos contraiu Periartrite Escapelo Humeral Direita, Periartrite Escapelo Humeral Esquerda, Epicondilite Direita e Esquerda, Tendosinovite Esquerda e Direita, Parasistia Bilateral, Síndrome do Canal Cárpico Esquerdo, Cervicobraquialgias e Síndrome do Nervo Cubital, encontrando-se incapacitada para o exercício da sua profissão habitual de cabeleireira; efetuou, a partir de 2016, diversas participações ao Departamento de Proteção contra os Riscos Profissionais, auferindo a autora à data das participações ao serviço da sua entidade empregadora em part-time o vencimento mensal de €400,00; em 18-11-2019 foi-lhe reconhecida doença profissional de Periartrite Escapelo Humeral Esquerda, com atribuição de IPP de 5%, com a qual não concorda, por se sentir afetada de incapacidade muito superior; foi também reconhecido que sofria de Periartrite Escapelo Humeral Direita, Epicondilite Direita e Esquerda, Tendosinovite Esquerda e Direita e paralesias (parasistia) esquerda, não lhe sendo atribuída desvalorização para o trabalho; o médico do Centro Nacional de Proteção contra Riscos Profissionais (CNPRP) diagnosticou-lhe em 2019 a existência de doença profissional com IPATQT e, sem data, diagnosticou-lhe a existência de doença profissional com IPATH conjugada com IPP.

1.1. Contestou o Réu, impugnando parcialmente os factos alegados pela Autora referentes ao contexto laboral e relativos aos esforços no desenvolvimento da sua atividade, alegando, também em síntese: que considerou não existir doença profissional quanto às patologias do foro ortopédico (síndrome do túnel cárpico direita) e cervicobraquialgias, por não estar afetado por doença profissional nem esteve exposto no trabalho habitual aos riscos que causaram a doença; a doença profissional que reconheceu, sem atribuição de incapacidade, por Periartrite Escapulo Humeral Direita, Epicondilite Direita e Esquerda, Tendosinovite Esquerda e Direita e Paralesias (Parasistia) esquerda, dá direito à Autora, mediante receita médica, a prestações em espécie; no que respeita à doença profissional de Periartrite Escapulo Humeral Esquerda, com a atribuição de uma IPP de 5%, dá direito à atribuição de uma pensão no valor de €15,25, mantendo a Autora essa percentagem de incapacidade; o valor da pensão a atribuir, no caso de se considerar que há doença profissional geradora de incapacidade permanente para o trabalho relativamente às patologias indicadas, tem que ter em conta o disposto no art. 113.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, correspondendo a reparação apenas à diferenças entre a incapacidade anterior e a que for calculada como se toda a incapacidade fosse imputada à doença profissional; por outro lado, a pensão nunca poderá ser paga em momento anterior ao estabelecido no art. 128.º da Lei n.º 98/2009, de 4/09 e durante os períodos de incapacidade temporária, conforme decorre do n.º 2 do art. 50.º do mesmo diploma.
Conclui pela improcedência da ação.

1.2. Do despacho proferido, aquando do saneamento dos autos, consta: “Matéria de facto já assente (por acordo na tentativa de conciliação; por acordo/falta de impugnação nos articulados; documentalmente), nos termos do disposto no art. 131.º, n.º 1, al. c), do Cód. Proc. Trabalho:
1 − A autora B… nasceu no dia 05-05-1976, conforme cópia do cartão de cidadão junta a fls. 10 verso do processo físico.
2 − A autora apresentou no Departamento de Proteção Contra os Riscos Profissionais os seguintes Requerimentos de Pensão por Incapacidade Permanente para o Trabalho acompanhados das seguintes participações obrigatórias:
a) Em 13/09/2016, Requerimento de Pensão por Incapacidade Permanente para o Trabalho, acompanhado da participação obrigatória/parecer clínico contendo na indicação de doença profissional presumível «(…) tendinite do tendão de longa porção do bicípite e do infra espinhoso (…)», na indicação nos riscos a que está sujeito ou produtos com que trabalha «(…) tendinites, alergias aos produtos descolorantes e tintas, inalação de produtos tóxicos das lacas (…)» e em Outras observações consideradas úteis «(…) Paciente com queixas de dores persistentes ao nível do ombro esquerdo no exercício da sua atividade profissional (…)», conforme fls. 1 a 5 do Processo Administrativo e documentos 7 e 8 juntos a fls. 15 e 17 e 18 do processo físico, que, no mais, aqui se dão por reproduzidas.
b) Em 24/01/2017, Requerimento de Pensão por Incapacidade Permanente para o Trabalho, acompanhado da participação obrigatória/parecer clínico contendo na indicação de doença profissional presumível «(…) Tendinite de ombro esquerdo (…)», na indicação nos riscos a que está sujeito ou produtos com que trabalha «(…) Movimentos repetitivos (…)», conforme fls. 6 a 10 do Processo Administrativo e fls. 18 verso do processo físico, que, no mais, aqui se dão por reproduzidas.
c) Em 24/02/2017, Requerimento de Pensão por Incapacidade Permanente para o Trabalho, acompanhado da participação obrigatória/parecer clínico contendo na indicação de doença profissional presumível «(…) Patologia dos cotovelos − Epicondilite e Epitrocleite bilateral. Punhos com tenosinovite dos tendões longo abdutor e longo extensão (…)», na indicação nos riscos a que está sujeito ou produtos com que trabalha «(…) Movimentos repetitivos com os membros superiores na sua atividade profissional (…)», conforme fls. 11 a 15 do Processo Administrativo e fls. 19 do processo físico, que, no mais, aqui se dão por reproduzidas.
d) Em 20/03/2017, Requerimento de Pensão por Incapacidade Permanente para o Trabalho, acompanhado da participação obrigatória/parecer clínico contendo na indicação de doença profissional presumível «(…) Cervicobraquialgia esquerda (tendinite) (…)», na indicação nos riscos a que está sujeito ou produtos com que trabalha «(…) Cabeleireira (…)», conforme fls. 16 a 20 do Processo Administrativo e fls. 24 a 26 do processo físico, que, no mais, aqui se dão por reproduzidas.
e) Em 27/04/2017, Requerimento de Pensão por Incapacidade Permanente para o Trabalho, acompanhado da participação obrigatória/parecer clínico datada de 24-04-2017, contendo na indicação de doença profissional presumível «(…) Tendinopatia da coifa dos rotadores; Síndrome do túnel cárpico; Epicondilite; Epitrocleite E.da (…)», na indicação nos riscos a que está sujeito ou produtos com que trabalha «(…) Atividade repetitiva de mobilização do ombro, cotovelos e punhos no desempenho da sua atividade profissional (…)», conforme fls. 21 a 25 do Processo Administrativo e documento 12 junto a fls. 27 do processo físico, que, no mais, aqui se dão por reproduzidas.
3 − No âmbito do processo administrativo foi efetuada a observação médica da autora nos serviços do Réu e foram efetuados exames complementares de diagnóstico, tendo sido elaborados os seguintes pareceres médicos:
a) Em 18/03/2019, parecer clínico no sentido de que «(…) Não existe doença profissional (…)», com a seguinte fundamentação: «(…) Cervicobraquialgias por protusão centro lateral direito (TAC), Doença natural e não profissional (…)» − conforme consta da Certificação de Incapacidades datada de 11 de junho de 2019 junta a fls. 32 do processo administrativo, que aqui se dá por reproduzido;
b) Em 22/05/2019, parecer clínico no sentido de que «(…) Existe Doença Profissional (…)», com a seguinte fundamentação: «(…) sem rigidez. Sem critérios clínicos de STC bilateral. Sinal de Tinnel negativo. Ecografias confirmam periartrites dos ombros, epicondilites dos cotovelos e ligeira tendinite de Quervain. Eletromiografia mostra STC ligeiro e sensitivo à esquerda sem desvalorização. À direita sem STC. Todas as outras lesões são DP sem desvalorização excepto periartrite à esquerda que tem 5% de incapacidade capítulo I 3273-a – 0,00 – 0,05 IPP 0,5 (…)»− conforme consta da Certificação de Incapacidades datada de 11 de junho de 2019 junta a fls. 43 e 44 do processo administrativo, que aqui se dá por reproduzido.
4 − Os pareceres foram homologados pelo Diretor do Departamento de Proteção contra os Riscos Profissionais (DPRP), em 11/06/2019, conforme documentos juntos:
a) A fls. 32 (referente ao pedido efetuado em 26-09-2016) – parecer clínico de 18-03-2019 no sentido de que «(…) Não existe DP. Fundamentação: Cervicobraquialgias por protusão centro lateral direito (TAC), Doença natural e não profissional (…)»;
b) A fls. 39 e 40 (referente ao pedido efetuado em 2017-05-08) – parecer clínico de 22-05-2019 no sentido de que «(…) Não existe DP. Fundamentação: Clínica e electromiografia não conformam doença (…)»;
c) A fls. 43 e 44 (referente ao pedido efetuado em 26-09-2016) – parecer clínico de 22-05-2019 no sentido de que «(…) Existe DP. Fundamentação: sem rigidez. Sem critérios clínicos de STC bilateral. Sinal de Tinnel negativo. Ecografias confirmam periartrites dos ombros, epicondilites dos cotovelos e ligeira tendinite de Quervain. Eletromiografia mostra STC ligeiro e sensitivo à esquerda sem desvalorização. À direita sem STC. Todas as outras lesões são DP sem desvalorização excepto periartrite à esquerda que tem 5% de incapacidade capítulo I 3273-a – 0,00 – 0,05 IPP 0,5 (…)»;
d) A fls. 45 e 46 (referente ao pedido efetuado em 26-09-2016) – parecer clínico de 22-05-2019 no sentido de que «(…) Existe DP. Fundamentação: sem rigidez. Sem critérios clínicos de STC bilateral. Sinal de Tinnel negativo. Ecografias confirmam periartrites dos ombros, epicondilites dos cotovelos e ligeira tendinite de Quervain. Eletromiografia mostra STC ligeiro e sensitivo à esquerda sem desvalorização. À direita sem STC. Todas as outras lesões são DP sem desvalorização excepto periartrite à esquerda que tem 5% de incapacidade capítulo I 3273-a – 0,00 – 0,05 IPP 0,5 (…)».
5 – A autora foi notificada pela segurança social, pelas missivas com data de 18-11-2019 cujas cópias se encontram juntas a fls. 28 verso a 32 do processo principal:
a) – do deferimento do requerimento apresentado em 2016/09/26, e que lhe tinha sido reconhecida a Doença Profissional de Periartrite Escapulo Humeral Esquerda e que lhe tinha sido atribuída a IPP de 5 %, e atribuída uma pensão, com início em 22/05/2019, no valor mensal de 15,25 euros (…)», conforme documento n.º 13 cuja cópia se encontra junta a fls. 28 verso dos autos (que corresponde ao junto a fls. 51 do processo administrativo, exceto quanto à data);
b) − do deferimento do requerimento apresentado em 2016/09/26, e de que lhe tinham sido reconhecidas as doenças profissionais de Periartrite Escapulo Humeral Direito, Epicondilite Esquerda e Direita, Tendosinovites Esquerda e Direita e paralesia (Parasistia) Esquerda, não lhe tendo atribuído qualquer grau de desvalorização para o trabalho – incapacidade permanente −, conforme documentos n.º 14 a 19 juntos a fls. 29 a 31 verso dos autos;
c) − do indeferimento do requerimento apresentado em 08/05/2017, pelas doenças profissionais do STC (Síndrome do Túnel Cárpico) DIREITO e CERVICOBRAQUIALGIAS, relativo a pensão por incapacidade para o trabalho, pelo(s) seguinte(s) motivo(s): «(…) Não está afetada por doença profissional nem esteve exposto, no trabalho habitual, aos riscos que causaram a doença. (…)», conforme documento n.º 20 junto a fls. 32 frente dos autos.
6 − Em 16/12/2019, a autora procedeu à entrega de requerimento de remição da pensão por incapacidade permanente parcial, conforme fls. 52 e 53 do processo administrativo, tendo sido elaborada proposta de indeferimento do citado requerimento, a qual mereceu despacho favorável do Diretor do DPRP, em 27/01/2020, conforme fls. 54 do processo administrativo.
7 − Por ofício n.º 3355/NCR, datado de 28/01/2020, a autora foi notificada, em sede de audiência prévia, do indeferimento do requerimento relativo a Remição da Pensão, com o seguinte fundamento: Ser de carater evolutivo a doença profissional de que é portador (n.º 1 do artigo 135.º da Lei n.º 98/2009), conforme fls. 55 do processo administrativo.
8 – A autora não se pronunciou em sede de audiência prévia, tendo as propostas de indeferimento convertido-se em decisões definitivas.”

Mais fez constar o Tribunal a quo:
“Passa-se a proferir o despacho previsto no art. 596.º, n.º 1, do CPC (ex vi art. 131.º, n.º 2, do Cód. Proc. Trabalho):
Identificação do objeto do litígio:
− Saber se a autora se encontra afetada de doenças qualificáveis como doença/s profissional/ais, em virtude das funções por si exercidas ao longo dos anos na sua atividade profissional de aprendiz/ajudante/oficial de cabeleireiro;
− Saber se tais doenças lhe causam incapacidade para o exercício da sua profissão e determinação/fixação das consequências de tal incapacidade.
Temas da prova:
1.º) – A autora, com 13 ou 14 anos de idade começou a desempenhar funções de aprendiz de Cabeleireira, sob as ordens, direção e supervisão de outrem e mediante retribuição?
2.º) – A autora, como aprendiz de Cabeleireira, lavava cabeças às senhoras que frequentavam o salão de cabeleireiro onde fazia a sua aprendizagem …?
3.º) – … e dava pré-secagens nos cabelos e limpava o salão?
4.º) – Em abril de 1997 a autora passou a desempenhar as funções de ajudante de Cabeleireira sob as ordens, direção e fiscalização de C…, com salão sito na Rua …, nº …, em Vila Nova de Gaia, mediante retribuição?
5.º) – Como ajudante de cabeleireira desempenhava as seguintes funções:
a) − Lavava cabeças?
b) − Fazia brushing (secagem de cabelos)?
c) – Fazia permanentes, ondulações, descolorações?
d) − Cortava cabelos?
e) −Limpava o salão?
6.º) – Manteve-se como ajudante de Cabeleireira até 31 de outubro de 2000?
7.º) – A partir desta data e depois de um curso efetuado passou a Oficial de Cabeleireira?
8.º) – E começou a desempenhar as suas funções, primeiro e ainda como ajudante, não obstante aquele curso, e depois já como Cabeleireira, sob as ordens, direção e fiscalização de D…, no salão desta, denominado “… Cabeleireiros”, sito na Rua … nº…, no Porto, mediante retribuição, sendo o vencimento base em 2010 de €475,00, conforme recibo junto a fls. 12 verso?
9.º) – Desempenhou aqui funções como Cabeleireira cerca de 9 anos?
10.º) – Depois desempenhou funções de Cabeleireira sob as ordens, direção e fiscalização de E…, no salão deste, sito na Rua …, cerca de um ano, mediante retribuição, sendo o seu vencimento base em outubro de 2010 de €475,00, conforme recibo de vencimento junto como documento 5 a fls. 13 frente?
11.º) – A partir de setembro de 2014 desempenhou as ditas funções de cabeleireira sob a supervisão e ordens de F…, no salão de cabeleireiro, desta, sito na Rua … nº …, Vila Nova de Gaia, mediante retribuição?
12.º) – Depois transitou para exercer a sua profissão de cabeleireira sob a orientação, ordens e fiscalização de G…, no salão desta, sito na Rua … nº …, no Porto, mediante retribuição?
13.º) – O que fez até ao dia 27-07-2019, data a partir da qual, por impossibilidade física, deixou de a exercer?
14.º) – Como aprendiz, ajudante e Cabeleireira cumpria um horário de trabalho de 08:00 horas por dia, ou mais, de terça a sábado?
15.º) – Como Cabeleireira lavava cabeças, fazia brushing (secagem de cabelos), permanentes, ondulações, descolorações, super descolorações, babyliss, uso de prancha, ferro de enrolar, ondas marcadas a dedo, penteados de noite, penteados de cocktails, postiços, colocação de extensões de banda e de argola, cozido, cortava cabelos e outras?
16.º) – Em virtude das funções que desempenhou como aprendiz de cabeleireira, ajudante de cabeleireira e depois com Cabeleireira tinha que efetuar, com os braços, constantemente, muitos movimentos repetitivos ao longo da sua jornada de trabalho de 8 a 10 horas, horas por dia, em cinco dias por semana?
17.º) – Efetuava esses movimentos repetitivos com as escovas, secadores de cabelo, alicates, agulhas de extensão, ferro de Queratina, decapagens, mises de rolo, etc?
18.º) – Como consequência necessária e direta desses movimentos repetitivos que efetuava durante 8 a 10 horas por dia, sensivelmente, e em 5 dias por semana, ao longo de mais de 20 anos, a autora contraiu Periartrite Escapelo Humeral Direita, Periartrite Escapelo Humeral Esquerda, Epicondilite Direita e Esquerda, Tendosinovite Esquerda e Direita, Parasistia Bilateral, Síndrome do Canal Cárpico Esquerdo, Cervicobraquialgias e Síndrome do Nervo Cubital?
19.º) – Como consequência necessária e direta dessas doenças a autora encontra-se atualmente incapaz de exercer a sua profissão habitual de cabeleireira?
20.º) – À data das participações referidas no n.º 2. dos factos já assentes a autora auferia ao serviço da sua entidade patronal F…, em part-time, o vencimento mensal de €400,00?”

1.3. Foi depois determinado, a respeito da questão controvertida “relativa à incapacidade que afeta a autora será decidida por apenso – artigos 131º nº 1 alínea e) e 132º nº 1 alínea a), “ex vi” do artigo 155º, todos do Código de Processo do Trabalho –“, o desdobramento do processo para tal fim, no qual veio a ser proferida decisão nos termos seguintes:
“Em conformidade, considero que a autora não se encontra afetada por incapacidade permanente para o trabalho.”

1.4. Realizada audiência de julgamento foi proferida sentença de cujo dispositivo consta:
“Em conformidade, julgo a presente ação não provada e improcedente e, em consequência, absolvo o Réu INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P. dos pedidos deduzidos.
Valor da causa: €30.000,01.
Custas a cargo da autora, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Registe e notifique.”

2. Notificada, apresentou a Autora requerimento de interposição de recurso, arguindo ainda a nulidade da sentença.
No final das alegações, inseriu as conclusões seguintes:
…………………
…………………
…………………

2.1. Não constam dos autos contra-alegações.

2.2. Em 1.ª instância foi proferido despacho com o teor seguinte:
Arguição de nulidade efetuada no recurso:
Não existe qualquer nulidade decorrente de falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da(s) decisão(ões) recorrida(s): que na decisão proferida no apenso de fixação de incapacidade, quer na sentença proferida na ação principal são elencados os factos, é feita a fundamentação da decisão da matéria de facto e procede-se à subsunção dos factos ao direito.
Em conformidade, nos termos do disposto no art. 617.º, n.º 1, do CPC (ex vi art. 1.º, n.º 2, al. a), do CPT), considerando que não existem as invocadas nulidades, indefiro as mesmas.
Notifique.
***
Por legal e tempestivo − arts. 79.º, al. b), 79.º-A, n.º 1, al. a) e 80.º, n.os 2 e 3, todos do Cód. Proc. Trabalho (CPT) − e por a parte ter legitimidade, admito o recurso interposto pela autora, que é de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo – artigos 79.º-A, n.º 1, al. a), 82.º, n.º 1, 83.º e 83.º-A n.º 1, todos do Código de Processo do Trabalho.
Notifique.
Remeta os autos ao Venerando Tribunal da Relação do Porto.”

3. Subidos os autos a esta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no parecer a que alude o n.º 3 do artigo 87.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho (CPT), pronunciou-se pela improcedência do recurso interposto,

3.1. Respondeu a Recorrente, sustentando que deve a decisão “ser revertida e em consequência ser reconhecida que a autora sofre de Doença profissional de Periartrite Escapulo Humeral esquerda e atribuída a IPP de 5% e Periartrite Escapulo Humeral direito, Epicondilite e direita, Tendosinovites direita e esquerda e paralesias (parasistia) esquerda, embora sem qualquer grau de desvalorização para o trabalho, em consequência da actividade profissional de cabeleireira que desenvolveu.”
*
Cumpridas as formalidades legais, importa apreciar e decidir:

II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC) - aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do CPT –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) Invocadas nulidades / Junta médica / Demais nulidades invocadas, imputadas à decisão que fixou a incapacidade e à sentença final; (2) Questão da incapacidade para o exercício da profissão habitual; (3) Demais decidido.

III - Fundamentação
A) Fundamentação de facto
O Tribunal a quo considerou como factos provados o seguinte (transcrição):
“1 – A autora B… nasceu no dia 05-05-1976, conforme cópia do cartão de cidadão junta a fls. 10 verso do processo físico. – N.º 1 da matéria de facto assente.
2 – A autora apresentou no Departamento de Proteção Contra os Riscos Profissionais os seguintes Requerimentos de Pensão por Incapacidade Permanente para o Trabalho acompanhados das seguintes participações obrigatórias:
a) Em 13/09/2016, Requerimento de Pensão por Incapacidade Permanente para o Trabalho, acompanhado da participação obrigatória/parecer clínico contendo na indicação de doença profissional presumível «(…) tendinite do tendão de longa porção do bicípite e do infra espinhoso (…)», na indicação nos riscos a que está sujeito ou produtos com que trabalha «(…) tendinites, alergias aos produtos descolorantes e tintas, inalação de produtos tóxicos das lacas (…)» e em Outras observações consideradas úteis «(…) Paciente com queixas de dores persistentes ao nível do ombro esquerdo no exercício da sua atividade profissional (…)», conforme fls. 1 a 5 do Processo Administrativo e documentos 7 e 8 juntos a fls. 15 e 17 e 18 do processo físico, que, no mais, aqui se dão por reproduzidas.
b) Em 24/01/2017, Requerimento de Pensão por Incapacidade Permanente para o Trabalho, acompanhado da participação obrigatória/parecer clínico contendo na indicação de doença profissional presumível «(…) Tendinite de ombro esquerdo (…)», na indicação nos riscos a que está sujeito ou produtos com que trabalha «(…) Movimentos repetitivos (…)», conforme fls. 6 a 10 do Processo Administrativo e fls. 18 verso do processo físico, que, no mais, aqui se dão por reproduzidas.
c) Em 24/02/2017, Requerimento de Pensão por Incapacidade Permanente para o Trabalho, acompanhado da participação obrigatória/parecer clínico contendo na indicação de doença profissional presumível «(…) Patologia dos cotovelos − Epicondilite e Epitrocleite bilateral. Punhos com tenosinovite dos tendões longo abdutor e longo extensão (…)», na indicação nos riscos a que está sujeito ou produtos com que trabalha «(…) Movimentos repetitivos com os membros superiores na sua atividade profissional (…)», conforme fls. 11 a 15 do Processo Administrativo e fls. 19 do processo físico, que, no mais, aqui se dão por reproduzidas.
d) Em 20/03/2017, Requerimento de Pensão por Incapacidade Permanente para o Trabalho, acompanhado da participação obrigatória/parecer clínico contendo na indicação de doença profissional presumível «(…) Cervicobraquialgia esquerda (tendinite) (…)», na indicação nos riscos a que está sujeito ou produtos com que trabalha «(…) Cabeleireira (…)», conforme fls. 16 a 20 do Processo Administrativo e fls. 24 a 26 do processo físico, que, no mais, aqui se dão por reproduzidas.
e) Em 27/04/2017, Requerimento de Pensão por Incapacidade Permanente para o Trabalho, acompanhado da participação obrigatória/parecer clínico datada de 24-04-2017, contendo na indicação de doença profissional presumível «(…) Tendinopatia da coifa dos rotadores; Síndrome do túnel cárpico; Epicondilite; Epitrocleite E.da (…)», na indicação nos riscos a que está sujeito ou produtos com que trabalha «(…) Atividade repetitiva de mobilização do ombro, cotovelos e punhos no desempenho da sua atividade profissional (…)», conforme fls. 21 a 25 do Processo Administrativo e documento 12 junto a fls. 27 do processo físico, que, no mais, aqui se dão por reproduzidas. − N.º 2 da matéria de facto assente.
3 − No âmbito do processo administrativo foi efetuada a observação médica da autora nos serviços do Réu e foram efetuados exames complementares de diagnóstico, tendo sido elaborados os seguintes pareceres médicos:
a) Em 18/03/2019, parecer clínico no sentido de que «(…) Não existe doença profissional (…)», com a seguinte fundamentação: «(…) Cervicobraquialgias por protusão centro lateral direito (TAC), Doença natural e não profissional (…)» − conforme consta da Certificação de Incapacidades datada de 11 de junho de 2019 junta a fls. 32 do processo administrativo, que aqui se dá por reproduzido;
b) Em 22/05/2019, parecer clínico no sentido de que «(…) Existe Doença Profissional (…)», com a seguinte fundamentação: «(…) sem rigidez. Sem critérios clínicos de STC bilateral. Sinal de Tinnel negativo. Ecografias confirmam periartrites dos ombros, epicondilites dos cotovelos e ligeira tendinite de Quervain. Eletromiografia mostra STC ligeiro e sensitivo à esquerda sem desvalorização. À direita sem STC. Todas as outras lesões são DP sem desvalorização excepto periartrite à esquerda que tem 5% de incapacidade capítulo I 3273-a – 0,00 – 0,05 IPP 0,5 (…)»− conforme consta da Certificação de Incapacidades datada de 11 de junho de 2019 junta a fls. 43 e 44 do processo administrativo, que aqui se dá por reproduzido. − N.º 3 da matéria de facto assente.
4 − Os pareceres foram homologados pelo Diretor do Departamento de Proteção contra os Riscos Profissionais (DPRP), em 11/06/2019, conforme documentos juntos:
a) A fls. 32 (referente ao pedido efetuado em 26-09-2016) – parecer clínico de 18-03-2019 no sentido de que «(…) Não existe DP. Fundamentação: Cervicobraquialgias por protusão centro lateral direito (TAC), Doença natural e não profissional (…)»;
b) A fls. 39 e 40 (referente ao pedido efetuado em 2017-05-08) – parecer clínico de 22-05-2019 no sentido de que «(…) Não existe DP. Fundamentação: Clínica e electromiografia não conformam doença (…)»;
c) A fls. 43 e 44 (referente ao pedido efetuado em 26-09-2016) – parecer clínico de 22-05-2019 no sentido de que «(…) Existe DP. Fundamentação: sem rigidez. Sem critérios clínicos de STC bilateral. Sinal de Tinnel negativo. Ecografias confirmam periartrites dos ombros, epicondilites dos cotovelos e ligeira tendinite de Quervain. Eletromiografia mostra STC ligeiro e sensitivo à esquerda sem desvalorização. À direita sem STC. Todas as outras lesões são DP sem desvalorização excepto periartrite à esquerda que tem 5% de incapacidade capítulo I 3273-a – 0,00 – 0,05 IPP 0,5 (…)»;
d) A fls. 45 e 46 (referente ao pedido efetuado em 26-09-2016) – parecer clínico de 22-05-2019 no sentido de que «(…) Existe DP. Fundamentação: sem rigidez. Sem critérios clínicos de STC bilateral. Sinal de Tinnel negativo. Ecografias confirmam periartrites dos ombros, epicondilites dos cotovelos e ligeira tendinite de Quervain. Eletromiografia mostra STC ligeiro e sensitivo à esquerda sem desvalorização. À direita sem STC. Todas as outras lesões são DP sem desvalorização excepto periartrite à esquerda que tem 5% de incapacidade capítulo I 3273-a – 0,00 – 0,05 IPP 0,5 (…)».− N.º 4 da matéria de facto assente.
5 – A autora foi notificada pela segurança social, pelas missivas com data de 18-11-2019 cujas cópias se encontram juntas a fls. 28 verso a 32 do processo principal:
a) – do deferimento do requerimento apresentado em 2016/09/26, e que lhe tinha sido reconhecida a Doença Profissional de Periartrite Escapulo Humeral Esquerda e que lhe tinha sido atribuída a IPP de 5 %, e atribuída uma pensão, com início em 22/05/2019, no valor mensal de 15,25 euros (…)», conforme documento n.º 13 cuja cópia se encontra junta a fls. 28 verso dos autos (que corresponde ao junto a fls. 51 do processo administrativo, exceto quanto à data);
b) − do deferimento do requerimento apresentado em 2016/09/26, e de que lhe tinham sido reconhecidas as doenças profissionais de Periartrite Escapulo Humeral Direito, Epicondilite Esquerda e Direita, Tendosinovites Esquerda e Direita e paralesia (Parasistia) Esquerda, não lhe tendo atribuído qualquer grau de desvalorização para o trabalho – incapacidade permanente −, conforme documentos n.º 14 a 19 juntos a fls. 29 a 31 verso dos autos;
c) − do indeferimento do requerimento apresentado em 08/05/2017, pelas doenças profissionais do STC (Síndrome do Túnel Cárpico) DIREITO e CERVICOBRAQUIALGIAS, relativo a pensão por incapacidade para o trabalho, pelo(s) seguinte(s) motivo(s): «(…) Não está afetada por doença profissional nem esteve exposto, no trabalho habitual, aos riscos que causaram a doença. (…)», conforme documento n.º 20 junto a fls. 32 frente dos autos. − N.º 5 da matéria de facto assente.
6 − Em 16/12/2019, a autora procedeu à entrega de requerimento de remição da pensão por incapacidade permanente parcial, conforme fls. 52 e 53 do processo administrativo, tendo sido elaborada proposta de indeferimento do citado requerimento, a qual mereceu despacho favorável do Diretor do DPRP, em 27/01/2020, conforme fls. 54 do processo administrativo. − N.º 6 da matéria de facto assente.
7 − Por ofício n.º 3355/NCR, datado de 28/01/2020, a autora foi notificada, em sede de audiência prévia, do indeferimento do requerimento relativo a Remição da Pensão, com o seguinte fundamento: Ser de carater evolutivo a doença profissional de que é portador (n.º 1 do artigo 135.º da Lei n.º 98/2009), conforme fls. 55 do processo administrativo. − N.º 7 da matéria de facto assente.
8 – A autora não se pronunciou em sede de audiência prévia, tendo as propostas de indeferimento convertido-se em decisões definitivas. − N.º 8 da matéria de facto assente.
9 – A autora, com 13 ou 14 anos de idade começou a desempenhar, apenas aos fins de semana, funções de aprendiz de cabeleireira, sob as ordens, direção e supervisão de outrem, mediante o pagamento de retribuição. – Resposta à matéria de facto que consta do n.º 1.º) dos temas da prova.
10 – A autora, como aprendiz de cabeleireira a desempenhar tais funções ao fim-de-semana, lavava cabeças às senhoras que frequentavam o salão de cabeleireiro onde fazia a sua aprendizagem, dava pré-secagens nos cabelos e limpava o salão. – Resposta à matéria de facto que consta dos n.os 2.º) e 3.ª) dos temas da prova.
11 – Em abril de 1997, a autora começou a trabalhar sob as ordens, direção e fiscalização de C…, com salão sito na Rua …, nº …, em Vila Nova de Gaia, mediante retribuição – pagamento do salário mínimo nacional − desempenhando funções de ajudante de cabeleireira. – Resposta à matéria de facto que consta do n.º 4.ª) dos temas da prova.
12 – Como ajudante de cabeleireira a autora desempenhava as seguintes funções: lavava cabeças; fazia brushing (secagem de cabelos); fazia permanentes e ondulações; limpava o salão. – Resposta a parte da matéria de facto que consta do n.º 5.ª) dos temas da prova.
13 – A autora manteve-se como ajudante de cabeleireira no salão referido em 11. até ao início de novembro de 1997. − Resposta à matéria de facto que consta do n.º 6.ª) dos temas da prova.
14 – A partir desta data deixou de trabalhar e efetuou um curso de formação profissional de Oficial de Cabeleireira, que terminou em 31-10-2000. − Resposta à matéria de facto que consta do n.º 7.ª) dos temas da prova.
15 – A autora iniciou em 21 de fevereiro de 2002 o desempenho de funções como ajudante de cabeleireira, não obstante aquele curso, sob as ordens, direção e fiscalização de D…, no salão desta, denominado “.. Cabeleireiros”, sito na Rua … nº…, no Porto, mediante retribuição, tendo mais tarde passado a exercer funções de oficial de cabeleireira, sendo o vencimento base em 2010 de €475,00, conforme recibo junto a fls. 12 verso. − Resposta à matéria de facto que consta do n.º 8.ª) dos temas da prova.
16 – A autora desempenhou tais funções até setembro de 2010, tendo a partir de outubro de 2010 passado a exercer as suas funções de cabeleireira sob as ordens, direção e fiscalização de E…, no salão deste, sito na Rua …, até ao final de junho de 2011, mediante retribuição, sendo o seu vencimento base em outubro de 2010 de €475,00, e em junho de 2011 de €485,00, conforme recibo de vencimento junto como documento 5 a fls. 13 frente. − Resposta à matéria de facto que consta dos n.os 9.ª) e 10.ª) dos temas da prova.
17 – A partir de setembro de 2014 a autora iniciou o exercício de funções de cabeleireira sob a supervisão e ordens de F…, no salão de cabeleireiro, desta, sito na Rua … nº …, Vila Nova de Gaia, em regime de part-time, 4 horas por dia e 5 dias por semana, mediante retribuição. − Resposta à matéria de facto que consta do n.º 11.ª) dos temas da prova.
18 – Depois, em 2019, transitou para exercer a sua profissão de cabeleireira sob a orientação, ordens e fiscalização de G…, no salão desta, sito na Rua … nº …, no Porto, mediante retribuição. − Resposta à matéria de facto que consta do n.º 12.ª) dos temas da prova.
19 O que fez até ao dia 27-07-2019, data a partir da qual o contrato cessou, motivado pela falta de rendimento e queixas da autora. − Resposta à matéria de facto que consta do n.º 13.ª) dos temas da prova.
20 Como ajudante e cabeleireira, nos salões e períodos temporais referidos em 11. a 13., 15. e 16. e 18. e 19., a autora cumpria um horário de trabalho de 08:00 horas por dia, ou mais, de terça a sábado. – Resposta à matéria de facto que consta do n.º 14.ª) dos temas da prova.
21 – Como cabeleireira lavava cabeças, fazia brushing (secagem de cabelos), permanentes, ondulações, descolorações, super descolorações, babyliss, uso de prancha, ferro de enrolar, ondas marcadas a dedo, penteados de noite, penteados de cocktails, postiços, colocação de extensões de banda e de argola, cozido, cortava cabelos. – Resposta à matéria de facto que consta do n.º 15.ª) dos temas da prova.
22 – No exercício das funções que desempenhou como ajudante de cabeleireira e como cabeleireira a autora tinha que efetuar, com os braços, constantemente, muitos movimentos repetitivos ao longo da sua jornada de trabalho. – Resposta à matéria de facto que consta do n.º 16.ª) dos temas da prova.
23 – Efetuava esses movimentos repetitivos com as escovas, secadores de cabelo, alicates, agulhas de extensão, ferro de Queratina, decapagens, mises de rolo. – Resposta à matéria de facto que consta do n.º 17.ª) dos temas da prova.
24 – Em consequência necessária e direta do mencionado nos n.ºs 22. e 23., nos períodos referidos em 11. a 13., 15. e 16., 17., 18. e 19., a autora contraiu Periartrite Escapelo Humeral Esquerda que lhe foi reconhecida nos termos referidos em 5 - a), e Periartrite Escapelo Humeral Direita, Epicondilite Direita e Esquerda, Tendosinovite Esquerda e Direita e paralesia (Parasistia) Esquerda que lhe foi reconhecida nos termos referidos em 5 - b). – Resposta a parte da matéria de facto que consta do n.º 18.ª) dos temas da prova.
25 – À data das participações referidas no n.º 2. dos factos já assentes a autora auferia ao serviço da sua entidade patronal F…, em part-time, o vencimento mensal de €400,00. – Resposta à matéria de facto que consta do n.º 20.ª) dos temas da prova.”

Considerou-se, por sua vez, como “Factos não provados:
a) – Parte do n.º 5.º) dos temas da prova:
Como ajudante de cabeleireira a autora cortava cabelos.
b) – Parte do n.º 18.º) dos temas da prova:
Como consequência necessária e direta desses movimentos repetitivos que efetuava durante 8 a 10 horas por dia, sensivelmente, e em 5 dias por semana, ao longo de mais de 20 anos, a autora contraiu Parasistia direita, Síndrome do Canal Cárpico Esquerdo, Cervicobraquialgias e Síndrome do Nervo Cubital.
c) – N.º 19.º) dos temas da prova:
Como consequência necessária e direta dessas doenças a autora encontra-se atualmente incapaz de exercer a sua profissão habitual de cabeleireira.”

B) Discussão
1. Invocadas nulidades
Nas suas alegações, o que transpôs depois para as suas extensas e prolixas conclusões – que só não foram objeto de convite ao respetivo aperfeiçoamento por razões de celeridade, em face da natureza do processo, e porque ainda assim se percebe de modo suficiente qual a abrangência do recurso –, invoca a Apelante designadamente o seguinte:
- A fundamentação constante do auto de exame por junta médica realizado pelos Srs. Peritos “é infundada, contraditória, e não obedece às instruções legais, sendo mesmo tal fundamentação inexistente – violando ostensivamente o disposto no nº. 8., e 13º. das Instruções Gerais da TNI, publicada pelo D.L. n. 352/2007 de 23 de outubro, não constando “nenhuns elementos referentes à história profissional ou clinica da autora/ recorrente, a sua idade, sua profissão, posto de trabalho, nem tão pouco, consta da tabela na rubrica das doenças profissionais quais as que tinham sido reconhecidas à recorrente e acima indicadas, nem tão pouco foram solicitados além daqueles que a recorrente juntou na p.i. a fls..., quaisquer outros exames de diagnóstico complementares”;
- O auto é contraditório: na resposta aos quesitos se a (s) doença (s) profissional supra citadas é irreversível e evolutiva, tendo os Srs. peritos médicos respondido que” Não”, e ao mesmo tempo consideram que as queixas apresentadas são transitórias e tendem a melhorar com o repouso; os Srs. peritos médicos não justificam no auto de junta médica as razões que justificam o carácter não evolutivo das doenças profissionais que foram reconhecidas à recorrente, de Periatrite Escapulo Humeral esquerda com uma IPP de 5%, e as doenças profissionais de Periartrite Escapulo Humeral direito, a Epicondilite e direita, a Tendosinovites direita e esquerda e paralesias (parasistia) esquerda;
- Dos pedidos de esclarecimentos aos Srs. Peritos médicos que realizaram a junta médica na audiência de discussão e julgamento cujos depoimentos estão gravados no sistema habilus 1º. Sessão no dia 8/03/2021 e 2ª. Sessão no dia 19/03/2021 que se encontram gravados no sistema habilus das 10:06:37 a 10:32:47, constatou-se que apesar da perícia ser colegial, apenas o Dr. H… e o Dr. I… observaram clinicamente a autora, fazendo determinados movimentos, concluindo no auto que a autora está completamente apta para desempenhar as suas funções, sendo que o Dr. J…, médico que proferiu o parecer de doenças profissionais junto ao processo administrativo a fls.42 a 45, no auto de exame por junta médica não interveio no exame físico da junta médica, apesar de o ter aceite e assinado – só após os esclarecimentos pedidos aos peritos em audiência de discussão e julgamento é que ela Recorrente tomou conhecimento das razões da mudança de opinião do Dr. J… do não reconhecimento à recorrente de qualquer doença profissional e de IPP;
- “A sentença recorrida do apenso A sofre de falta de fundamentação, porquanto se limita a aceitar o resultado da Junta Médica, sem questionar a sua bondade, remetendo a sua fundamentação para um relatório que não fundamenta, contraditório e infundado”, não cumprindo assim “o preceituado no artº. 607 do C.P.C., sendo nula nos termos da al. b) do n. 1 do artº. 659 C.P.C.”, impondo-se por essa razão “anular o exame por junta médica por falta de fundamentação do resultado” e, consequentemente”, “deve ser anulada a decisão proferida no apenso A, que não fixou a incapacidade à autora, por depender absolutamente do resultado do exame por junta médica (art.º 195.º n.º2, CPC), por não cumprir o preceituado nos art.s 607 do C.P.C, revogando-se tal sentença e consequentemente a sentença proferida nos autos principais” – “ordenando-se nova junta médica colegial para determinação e fixação da incapacidade à recorrente pelas doenças profissionais que lhe foram reconhecidas, o qual deverá ser repetido para que os senhores peritos médicos fundamentem a conclusão sobre a perícia médica” / mostrando-se “violados os artºs. 139º n. 1 e nº.7 do Cód. Proc. De Trabalho, 154º n.2, 607º n. 4, 615 nº.1 , al. b) e c) todos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex. vi art. 1, n. 2, a) do Cód. Proc. de Trabalho”.
Pronunciando-se o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no parecer que emitiu, no sentido da improcedência do recurso, tendo em vista a apreciação das questões que são colocadas no presente recurso, no sentido de se perceber o respetivo enquadramento, como abordagem inicial, importa ter presente que a fixação da incapacidade é regulada, na fase contenciosa do processo, nos artigos 138.º a 140.º do CPT, prevendo-se no artigo 139.º o seguinte:
“1 - A perícia por junta médica, constituída por três peritos, tem carácter urgente, é secreta e presidida pelo juiz.
2 - Se na fase conciliatória a perícia tiver exigido pareceres especializados, intervêm na junta médica, pelo menos, dois médicos das mesmas especialidades.
3 - Fora das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, se não for possível constituir a junta nos termos dos números anteriores, a perícia é deprecada ao tribunal com competência em matéria de trabalho mais próximo da residência da parte, onde a junta possa constituir-se.
4 - Sempre que possível, intervêm na perícia peritos dos serviços médico-legais que não tenham intervindo na fase conciliatória.
5 - Os peritos das partes devem ser apresentados até ao início da diligência; se o não forem, o tribunal nomeia-os oficiosamente.
6 - É facultativa a formulação de quesitos para perícias médicas, mas o juiz deve formulá-los, ainda que as partes o não tenham feito, sempre que a dificuldade ou a complexidade da perícia o justificarem.
7 - O juiz, se o considerar necessário, pode determinar a realização de exames e pareceres complementares ou requisitar pareceres técnicos.
8 - É aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 1 do artigo 105.º”
Estipulam depois os n.ºs 1 e 2 do artigo 140.º que, realizadas as perícias referidas no artigo anterior, o juiz profere decisão sobre o mérito, fixando a natureza e grau de incapacidade.
Por sua vez, a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (TNI) consta do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, referindo-se logo no n.º 1 das Instruções Gerais (Anexo I) que a mesma “(…) tem por objectivo fornecer as bases de avaliação do dano corporal ou prejuízo funcional sofrido em consequência de acidente de trabalho ou de doença profissional, com redução da capacidade de ganho”.
Resultando do n.º 3 que “A cada dano corporal ou prejuízo funcional corresponde um coeficiente expresso em percentagem, que traduz a proporção da perda da capacidade de trabalho resultante da disfunção, como sequela final da lesão inicial, sendo a disfunção total, designada como incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, expressa pela unidade”, estipula depois o ponto 8 que “O resultado dos exames é expresso em ficha apropriada, devendo os peritos fundamentar todas as suas conclusões”.

1.1. Junta médica
Reage a Recorrente contra o ato de realização da junta médica, bem como contra a pronúncia dos senhores peritos, que consta do respetivo auto, que, diz, é infundado, contraditório e padece de falta de fundamentação.
Sendo esta invocação do vício da nulidade do referido auto apenas feita nas alegações do presente recurso, dirigido à sentença final, importa desde logo verificar se a mesma é ou não tempestiva.
Nesse sentido, verificando-se, pela consulta dos autos, que a junta médica se realizou no dia 7 de outubro de 2020, estando aliás presente a Autora / recorrente, sendo que também se constata que o resultado da junta médica foi notificado aos Mandatários das partes processuais no dia seguinte, será de entender que se apresenta como intempestiva a reação apenas agora feita no recurso interposto da sentença final.
Melhor explicando, teremos de introduzir algumas considerações a respeito das nulidades, processuais ou diversamente da sentença.
Nesse sentido, a respeito das últimas, a que alude o artigo 615.º, n.º 1, do CPC[1], sendo como é consabido através da sentença que o juiz dita o direito para o caso concreto – nesse sentido, já há muito Anselmo de Castro acentuava a importância da sentença, por representar “conceitual e historicamente o ato jurisdicional por excelência, aquele em que se traduz na sua forma mais característica a essência da jurisdictio: o ato de julgar”[2] –, pode no entanto essa estar viciada em termos que obstem, afinal, à eficácia ou validade desse pretendido dizer do direito, assim por um lado nos casos em que ocorra erro no julgamento dos factos e do direito, do que decorrerá como consequência a sua revogação, e, por outro, enquanto ato jurisdicional que é, se atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou ainda contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada, caso este em que se torna, então sim, passível do vício da nulidade nos termos do artigo 615.º do CPC. No fundo, trata-se do sancionamento das normas prescritivas que disciplinam no mesmo Código o ato de elaboração da sentença, assim nos artigos 131.º, n.º 3, 2.ª parte, 154.º, n.º 1, e 607.º, n.º 3 e 4, do CPC, respeitantes à clareza, especificação e coerência da fundamentação e, ainda, no caso do n.º 2 do artigo 608.º, em contraponto, o dever e a proibição de pronúncia, atentos o objeto do litígio e o princípio do dispositivo.
Porém, já diversamente, quanto às primeiras, ou seja as nulidades processuais, enquanto desvios entre o formalismo prescrito na lei e o formalismo efetivamente seguido no processo – vício formal que pode consistir: a) na prática de um ato proibido; b) na omissão de um ato prescrito na lei; c) na realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem as formalidades requeridas[3] –, dessas, em princípio, como é consabido, cabe reclamação e não recurso, reclamação essa também em princípio dirigida ao tribunal em que foi cometida a nulidade, sendo que só assim não ocorrerá quando essa estiver a coberto de uma decisão judicial, pois que nesta situação o meio de impugnação será o recurso e não aquela reclamação. Assim o afirmava há muito o Professor Alberto dos Reis[4], com a autoridade que por todos lhe foi sempre reconhecida, cujos ensinamentos neste âmbito se têm por atuais, ao referir o seguinte: “A reclamação por nulidade tem cabimento quando as partes ou os funcionários judiciais praticam ou omitem actos que a lei não admite ou prescreve; mas se a nulidade é consequência de decisão judicial, se é o tribunal que profere despacho ou acórdão com infracção de disposição da lei, a parte prejudicada não deve reagir mediante reclamação por nulidade, mas mediante interposição de recurso. É que, na hipótese, a nulidade está coberta por uma decisão judicial e o que importa é impugnar a decisão contrária à lei; ora as decisões impugnam-se por meio de recursos (art. 677º) e não por meio de arguição de nulidade do processo.”[5]
Por outro lado, distinguindo ainda a lei entre duas modalidades distintas de nulidades processuais, na terminologia da doutrina as principais (ou, de 1.º grau, típicas ou nominadas) e as secundárias (ou, de 2.º grau, atípicas ou inominadas), as primeiras configuram-se como as mais graves pelas suas consequências, estando especificamente previstas na lei e podendo o Tribunal delas conhecer oficiosamente, conforme estabelecido no artigo 196.º do CPC[6], enquanto que as segundas, por sua vez, serão todas aquelas que caiam na fórmula genérica do n.º 1 do artigo 195.º do mesmo Código: “Fora dos casos previstos nos artigos, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”[7]. Importa ainda ter presente que, neste último caso, tratando-se pois de nulidade secundária, o seu conhecimento depende de arguição, posto que o tribunal só pode conhecer oficiosamente das nulidades principais[8], regulando a lei a legitimidade de quem pode invocá-las (artigo 197.º), o prazo em que pode fazê-lo (artigo 199.º) e as consequências/modo do seu suprimento (artigo 195.º, n.ºs 2 e 3, e 200.º, n.º 3).
Tendo agora por base o regime que se referiu anteriormente, aplicando-o ao caso, consideramos que estamos, no que diz respeito aos vícios imputados ao auto de junta médica, perante nulidade processual secundária, pois que apenas passível de ser integrada na fórmula genérica do n.º 1 do artigo 195.º do CPC, do que decorre que o seu conhecimento depende de arguição – posto que o tribunal só pode conhecer oficiosamente das nulidades principais[9] – , arguição essa a fazer no prazo estabelecido para tais efeitos (artigo 199.º). O mesmo regime se afirma no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de março de 2021[10] , ao referir-se que “A nulidade da junta médica arguida pela recorrente não configura nem se integra em qualquer das nulidades da sentença aí contempladas” – mais se acrescentando, de seguida, que “Tal nulidade situa-se em momento anterior à decisão, a montante desta, não constituindo um vício (intrínseco) da sentença impugnada, mas uma nulidade secundária, sujeita à disciplina do artigo 195º do Código de Processo Civil, com as respectivas consequências. Deveria, assim, a recorrente ter observado o prescrito no artigo 199º, nº 1, do Código de Processo Civil (…)”.
Por decorrência do exposto, constatando-se que a Recorrente esteve presente aquando da realização da junta médica e tendo o resultado desta sido aliás notificado no dia seguinte à sua Mandatária, ao ter ocorrido a reação apenas no recurso interposto da sentença, num momento pois em que há muito havia decorrido o prazo de dez dias previsto para a arguição, daí decorre que ficou sanada a invocada nulidade da junta médica, sendo assim intempestiva a sua arguição.

1.2. Demais nulidades invocadas, imputadas à decisão que fixou a incapacidade e à sentença final
Não obstante o que se decidiu anteriormente, importa, porém, verificar, pois que quanto a estas é já aplicável o regime previsto no artigo 615.º do CPC, se, como também o sustenta a Recorrente, quer a decisão que fixou a incapacidade, quer a sentença final, incorreram no vício da nulidade.
Para o efeito, em face do que resulta dos autos, incluindo o afirmado expressamente na sentença proferida, importa fazer desde já um esclarecimento, o qual consideramos justificar-se dado o modo como as questões são colocadas no presente recurso, esclarecimento esse referente a saber qual eram (são) as questões a apreciar na fase contenciosa, ou seja, qual o objeto da ação.
É que, questionando a Recorrente a pronúncia constante do auto por junta médica realizado no competente apenso e decisão nesse proferida a final que fixou a incapacidade, afastada como o foi anteriormente a possibilidade de arguição de vícios no que ao ato da realização da junta médica diz respeito, no entanto, quanto à decisão que fixou a incapacidade, podendo ser objeto de recurso com a sentença final, como o foi no caso, pode afinal entender-se que teriam sido então abrangidas questões que não estavam / eram controvertidas, assim designadamente o que já constava como assente no despacho saneador nas alíneas a) e b) do ponto 5.º:
“5 – A autora foi notificada pela segurança social, pelas missivas com data de 18-11-2019 cujas cópias se encontram juntas a fls. 28 verso a 32 do processo principal:
a) – do deferimento do requerimento apresentado em 2016/09/26, e que lhe tinha sido reconhecida a Doença Profissional de Periartrite Escapulo Humeral Esquerda e que lhe tinha sido atribuída a IPP de 5 %, e atribuída uma pensão, com início em 22/05/2019, no valor mensal de 15,25 euros (…)», conforme documento n.º 13 cuja cópia se encontra junta a fls. 28 verso dos autos (que corresponde ao junto a fls. 51 do processo administrativo, exceto quanto à data);
b) − do deferimento do requerimento apresentado em 2016/09/26, e de que lhe tinham sido reconhecidas as doenças profissionais de Periartrite Escapulo Humeral Direito, Epicondilite Esquerda e Direita, Tendosinovites Esquerda e Direita e paralesia (Parasistia) Esquerda, não lhe tendo atribuído qualquer grau de desvalorização para o trabalho – incapacidade permanente −, conforme documentos n.º 14 a 19 juntos a fls. 29 a 31 verso dos autos;”.
Demonstrando o que se disse antes, basta atentar, em face do conteúdo de alguns dos quesitos formulados pelas partes, bem como o que se fez depois constar sobre as questões controvertidas e nomeadamente no despacho que fixou os quesitos, a resposta que, mais tarde, aquando da realização da junta médica, como resulta do respetivo auto, foi dada pelos Senhores peritos, pois que, ao terem respondido ao objeto da perícia que resultada dos quesitos, se pronunciaram também, afinal, sobre matéria que, nos termos que referimos anteriormente, não estava sequer colocada à respetiva apreciação, como ocorre, nomeadamente, na pronúncia a respeito de “Periartrite Escapulo Humeral Esq”, pois que, perguntando-se apenas se “a periartrite Escapulo Humeral ESQ de qua a A sofre afecta-a ou não no exercício da sua profissão de cabeleireira” – ou seja, resultando já afirmado no quesito que a Autora sofre de “Periartrite Humeral ESQ”, perguntando-se apenas se essa aquela afetava ou não no exercício da sua profissão de cabeleireira –, responderam que “actualmente não apresenta qualquer sinal de periartrite …”, como depois, na resposta ao quesito 6.º, em que se perguntava sobre “qual a IPP que lhe deve ser atribuída em consonância a T.N.I (5% atribuídos pelo Réu ou muito mais?” – ou seja estando já aí afirmada a existência de pelo menos 5% de IPP, estava em apreciação apenas saber se deveria ser superior a essa –, a resposta dada foi a de que “Não é de atribuir qualquer IPP” – o mesmo se verificando também na pronúncia sobre “Periartrite Escapulo Humeral Direita”, em que no quesito 1.º apenas se perguntava se “A periartrite Escapulo Humeral Direita de qua a A sofre afecta-a ou não no exercício da sua profissão de cabeleireira (afirmando-se pois que essa periartrite existia e perguntando-se apenas se afetava a Autora no exercício da mesma profissão), ao terem remetido para a resposta dada antes quanto ao mesmo quesito.
Neste contexto, na consideração, então, de qual era o objeto da pronúncia a realizar pelo Tribunal a quo, verifica-se que este, na decisão final que proferiu no apenso de fixação de incapacidade, não teria sido suficientemente esclarecedor, pois que, sem fazer qualquer referência ao que já resultava assente na fase de saneamento do processo nos termos que anteriormente já mencionámos, depois de se ter limitado a fazer constar como factos assentes que “A autora não apresenta qualquer incapacidade permanente para o trabalho”, motivando essa afirmação no “teor do parecer unânime da junta médica”, de seguida, aquando da aplicação do direito – fazendo apelo ao disposto no art. 140.º, n.º 2, do CPT (aplicável por força do disposto no art. 155.º do CPT), e do art. 19.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro (por remissão do art. 97.º, n.º 1, do mesmo diploma) –, afirmou na decisão que proferiu que considerava “que a autora não se encontra afetada por incapacidade permanente para o trabalho”. Ou seja, vista apenas essa decisão, a mesma, pelo menos aparentemente, parece contrariar o que já resultava assente na fase de saneamento do processo, bem com a delimitação, incluindo em face da posição assumida pelas partes no processo, de qual era afinal o objeto deste, assim designadamente o que se mantinha controvertido, pois que a referida decisão, ao dar como assente que “a autora não apresenta qualquer incapacidade permanente para o trabalho” e afirmar “que a autora não se encontra afetada por incapacidade permanente para o trabalho”, sem fazer qualquer referência ao que resultava da fase de saneamento dos autos, assim o que constava do ponto 5.º, alíneas a) e b), da factualidade assente, poderá criar algumas dúvidas, no fundo afinal aquelas que parecem assacar a Recorrente, sobre se estaria ou não a abranger o que havia sido tido como assente nas referidas alíneas a) e b) do ponto 5.º.
Ora, no sentido de tentarmos esclarecer as referidas dúvidas, diremos o seguinte:
Desde logo, importando verificar das consequências que poderiam resultar do que se referiu anteriormente, para acentuar que a sentença que foi proferida a final na ação e que também é objeto do presente recurso, aquelas dúvidas afasta plenamente, pois que, não obstante a pronúncia feita naquela decisão proferida no apenso de fixação de incapacidade, a sentença final proferida, seja no âmbito da matéria de facto, seja da aplicação do direito, é suficientemente esclarecedora, suprindo quaisquer dúvidas que pudessem subsistir, sobre quais eram as questões colocadas e que integravam efetivamente o objeto da ação.
Demonstrando o que dissemos bastará ter em consideração o que se fez constar da pronúncia sobre a matéria de facto, ao fazer-se constar o que resultava já assente da fase do saneador (pontos 1.º a 8.º da factualidade dada como provada) e pronunciando-se depois no ponto 24.º em termos que se adequam a essa factualidade assente, assim nomeadamente a respeito de a Autora ter contraído “Periartrite Escapelo Humeral Esquerda que lhe foi reconhecida nos termos referidos em 5 - a), e Periartrite Escapelo Humeral Direita, Epicondilite Direita e Esquerda, Tendosinovite Esquerda e Direita e paralesia (Parasistia) Esquerda que lhe foi reconhecida nos termos referidos em 5 - b).” Ou seja, a pronúncia em sede de matéria de facto constante da sentença, independentemente de poder ser considerada fundada ou não na prova (mas essa é questão que neste momento não cumpre analisar), não sofre de qualquer das dúvidas a que nos referimos anteriormente quando analisámos a decisão proferida no apenso de fixação de incapacidade.
E, acrescente-se, o mesmo é também evidente no momento em que se delimitaram na sentença final as questões a decidir (em II, da sentença), ao referir-se que está em causa a “saber se a autora se encontra afetada de doenças qualificáveis como doenças profissionais em virtude das funções por si exercidas ao longo dos anos na sua atividade profissional e se tais doenças lhe causam incapacidade para o exercício da sua profissão e determinação/fixação das consequências de tal incapacidade (superior ou distinta das que já lhe foram reconhecidas)” – ou seja, ressalvando-se expressamente que o objeto do processo não incide sobre incapacidade que lhe foram reconhecidas pelo Réu –, bem como aquando da aplicação do direito, ao referir-se, mais uma vez expressamente, que, “em face da factualidade apurada e do(s) pedido(s) formulado(s), a questão a resolver é determinar se a autora se encontra afetada – além das doenças profissionais que já lhe foram reconhecidas nos termos referidos no n.º 5, als. a) e b) dos factos assentes (Doença Profissional de Periartrite Escapulo Humeral Esquerda, pela qual já lhe foi atribuída pensão com início em 22/05/2019, no valor mensal de 15,25 euros; e reconhecimento das doenças profissionais de Periartrite Escapulo Humeral Direito, Epicondilite Esquerda e Direita, Tendosinovites Esquerda e Direita e paralesia (Parasistia) Esquerda, sem atribuição de desvalorização para o trabalho) − das outras alegadas doenças, ou seja, se a autora se encontra afetada de Parasistia direita, Síndrome do Canal Cárpico Esquerdo, Cervicobraquialgias e Síndrome do Nervo Cubital, em resultado da atividade profissional desenvolvida, e/ou se apresenta IPP superior àquela que já lhe foi reconhecida.” E, por último, depois de se ressalvar, mais uma vez, que apenas não se apurou que a autora tnha “qualquer (outra) IPP em consequência das doenças profissionais já reconhecidas, nem se fez prova de que sofra das alegadas Parasistia direita, Síndrome do Canal Cárpico Esquerdo, Cervicobraquialgias e Síndrome do Nervo Cubital, em resultado da atividade profissional desenvolvida”, sem dúvidas que o dispositivo da sentença (V), ao ter-se julgado “em conformidade a presente ação não provada e improcedente e, em consequência, absolvo o Réu INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P. dos pedidos deduzidos”, terá necessariamente de ser lido em conformidade com a delimitação do objeto da ação que antes se afirmou (repare-se que se utiliza mesmo a expressão “em conformidade”), ou seja, de modo algum afetando a situação da Autora que foi objeto de aceitação pelo Réu.
Por decorrência das considerações anteriores, assim o entendemos, estamos agora em melhores condições de apreciarmos as questões que nos são colocadas pela Recorrente nas conclusões do recurso, incluindo a respeito da relevância que possam ou não ter para a boa decisão da causa, quanto ao que está afinal dentro do seu objeto (e não mais, pois).
Desde logo, e em primeiro lugar, a respeito dos argumentos constantes das conclusões referentes à decisão proferida no caso no apenso de fixação de incapacidade, incluindo vícios que lhes são apontados, pois que, valendo aqui o que sobre essa decisão já mencionámos anteriormente, em face do teor da sentença que foi proferida a final, assim a respetiva delimitação do objeto do processo e depois pronúncia que dessa consta, não temos razões para considerarmos que tais vícios afetem essas decisões.
O que acabámos de dizer contende também com o invocado vício de falta de fundamentação, imputado a ambas as decisões do Tribunal, já que, podendo dizer-se que a nulidade da sentença (ou despacho), a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, como o tem afirmado a jurisprudência, só se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos, quer no respeitante aos factos, quer no tocante ao direito e não já, pois, quando esteja apenas em causa uma motivação deficiente, medíocre ou até errada – como se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Junho de 2016[11] (citando), «tais vícios, radicando em erro de procedimento ou actividade (error in procedendo), revestem natureza formal ou processual, pelo que só afetam a existência, a perfectibilidade material ou a validade do ato decisório, na medida em que obstem à compreensão e reapreciação do seu mérito», ou, no mesmo sentido, entre muitos outros, o Acórdão do mesmo Tribunal de 16 de Fevereiro de 2016[12], quando refere que «uma fundamentação mais sucinta, ou aligeirada (…), menos exaustiva ou não eivada de argumentos eruditos não basta para integrar o vício de limite em apreço, desde que as questões postas sejam abordadas e decididas», sendo que também a doutrina aponta para o mesmo entendimento[13] –, com esse âmbito, não se pode afirmar que ocorre, em qualquer das decisões em análise, tal vício.
De facto, mesmo considerando-se que ambas as decisões se fundam na pronúncia dos Senhores peritos na junta médica – no primeiro caso em exclusivo e no segundo em concorrência com os demais meios de prova – , ainda que se entenda que a mera remessa em termos de fundamentação para essa pronúncia leve a considerar que esta decisão, caso aquela falte ou seja insuficiente, passe afinal a padecer desse vício, no entanto, ainda assim, importará esclarecer que, não podendo o julgador, na prolação da decisão de fixação da incapacidade, deixar de servir-se da prova obtida por meios periciais, quer adira ou não ao laudo médico maioritário ou unânime, sendo é certo pressuposto que esse laudo esteja fundamentado, precisamente porque é a partir daí que desenvolverá em maior medida a apreciação para a formulação do juízo crítico que está subjacente à formação da convicção do julgador – aqui se encontrando pois, também, a real utilidade do n.º8, das Instruções Gerais, constantes do Anexo I, da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, ao impor aos senhores peritos o dever de fundamentarem “todas as suas conclusões” –, acontece, porém, que, sendo naturalmente aceitável que essas exigências de fundamentação variem em face das questões que são suscitadas em cada caso concreto, no caso dos exames por junta média tais exigências resultam então, desde logo e em primeira linha, precisamente dos quesitos que forem colocados à apreciação dos peritos e da respetiva pronúncia, sendo que, naturalmente, caso ocorra divergência entre esses, se justificará então que a fundamentação deve aí ser mais detalhada, em comparação com aquela que, em regra, se mostra necessária nos casos em que há afinal unanimidade de entendimentos.
Com o aludido enquadramento, no caso, a fundamentação existe, sendo que, acrescente-se, no que diz respeito à sentença, essa afirmação é claramente mais evidente, ao resultar da mesma, desde logo aquando da motivação sobre a matéria de facto, assim sobre o que se considerou provado no ponto 24.º, explicitação clara sobre o que foi aí considerado, incluindo, a respeito das questões levantadas pela Recorrente no presente recurso, o “próprio reconhecimento da existência das referidas doenças profissionais já efetuado pelo Departamento de Proteção contra os Riscos Profissionais”, indicando-se de seguida, com explicitação dos meios de prova produzidos e atendidos, a convicção formada, seja quanto a esse ponto, seja ainda sobre as razões por que a prova não teria sido suficiente para o tribunal poder afirmar a matéria de facto considerada não provada[14], com esclarecimento de que “o tribunal considerou os esclarecimentos prestados em sede de audiência de julgamento pelos Srs. Peritos que intervieram na junta médica em representação da própria autora e do tribunal, quanto ao juízo pericial pelos mesmos produzido após o exame físico da autora realizado em 7 de outubro de 2020, uma vez que os mesmos explicitaram o seu parecer médico e os elementos que atenderam e como os valoraram na emissão de tal parecer, de forma fundamentada (já não se atribuiu o mesmo valor aos esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito que interveio na junta médica em representação da ré, na parte em que fez referência a uma mudança da sua opinião quanto à atribuição de doenças profissionais a cabeleireiros e barbeiros, fundada num 'trabalho de campo' que, tanto quanto se percebeu, consistiu na recolha das opiniões de cabeleiros e barbeiros, mas tal não afetou o juízo pericial emitido pela junta médica)”.
Neste contexto, pois, afigura-se-nos que não estarmos perante um caso em que ocorra a invocada nulidade por falta de fundamentação.
Assim o dizemos não obstante entendermos que se verificou excesso de pronúncia por parte dos Peritos, na medida em que se pronunciaram sobre questões e incapacidade que não estavam incluídas naqueles quesitos (não sendo, aliás, objeto de controvérsia na ação, tanto mais que sequer foram formulados quesitos nessa parte[15]), já que, afinal, em que se inclui o que se fez constar da decisão proferida no apenso de fixação de incapacidade, quer aquele excesso quer esta decisão, não assumiram afinal real relevância para os destinos da ação e objetivo que com essa se visava, na consideração, que se impõe, de que, em face do que resulta nomeadamente da sentença recorrida, nessa entendemos que tal excesso dos Senhores peritos não foi atendido ou considerado, nos termos em que o referimos anteriormente. Deste modo, vendo as questões levantadas pela Apelante no presente recurso, em particular nas conclusões XVI a LIX a respeito dessa pronúncia e decisão sobre o que não teria sido considerado apesar de já estar reconhecido – assim designadamente sobre ser o auto infundado, contraditório e com falta de fundamentação (desta última padecendo, ainda, a decisão proferida no apenso de fixação de incapacidade) –, estendemos que, nesse âmbito, não se justifica pronúncia suplementar da nossa parte no presente acórdão, pois que, repete-se, foi efetivamente considerado na sentença, não obstante aquela pronúncia dos Peritos na junta médica (e ainda o que resulta ou não da decisão proferida no apenso), que a Autora “contraiu Periartrite Escapelo Humeral Esquerda que lhe foi reconhecida nos termos referidos em 5 - a), e Periartrite Escapelo Humeral Direita, Epicondilite Direita e Esquerda, Tendosinovite Esquerda e Direita e paralesia (Parasistia) Esquerda que lhe foi reconhecida nos termos referidos em 5 - b)” (pontos 5.º, a) e b), e 24.º da factualidade provada).
Aqui se inclui, esclareça-se também, por último, precisamente por sequer ter mais uma vez adequada sustentação no que consta efetivamente da sentença proferida a final, o vício da nulidade que lhe é assacado e que se pretende subsumir designadamente na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, neste caso porque, precisamente pelas razões antes expostas, não se pode dizer que os fundamentos dessa constantes estejam em oposição com a decisão, ou que ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível[16].
De facto, como se disse e se repete aqui de novo, a sentença recorrida é clara no sentido de definir qual era o objeto da ação, sendo que nesse não se incluem as questões da “doença profissional de Periatrite Escapulo Humeral esquerda, com a atribuição de uma IPP e 5%” e da “doença profissional sem atribuição de incapacidade, por Periartrite Escapulo Humeral direita” – a que se refere a Recorrente no sentido de que, como o pretende, dever ser proferida nova decisão, respetivamente, “ condenando-se a ré a pagar uma pensão no valor de €15.25” e doença profissional sem atribuição de incapacidade, por Periartrite Escapulo Humeral direita”, bem como, referente a essas, “condenando-se a ré a prestar-lhe as prestações em espécie de que a autora necessita ou venha a necessitar por causa dessas doenças” – como aliás a própria sentença recorrida o refere expressamente, essas questões, tendo sido previamente reconhecidas pelo próprio Réu, incluindo pois eventuais direitos que por essa razão assistam à Autora, não estavam, precisamente em face daquele reconhecimento, em discussão da presente ação, sendo que, nesse pressuposto, quanto ao que efetivamente era controvertido, a sentença sobre essa parte se pronunciou, justificando, de um modo que temos por bastante, sem vício de lógica que a comprometa, o que aí foi decidido.
Não obstante, para que dúvidas não se coloquem, tal esclarecimento será também reafirmado no presente acórdão, incluindo no seu dispositivo.
Questão diversa, mas que já não se insere no vício de nulidade imputado, será a de saber se ocorreu ou não erro de julgamento, de facto ou de direito, neste último caso por errada aplicação da lei, e no primeiro, o que aliás analisaremos de seguida, porque já abrangido no âmbito do recurso nessa parte, designadamente sobre a decisão do Tribunal de 1.ª instância sobre o ponto 19.º dos temas de prova – sustentando que, diversamente do decidido, deveria ter sido considerado provado : “Como consequência necessária e direta dessas doenças a autora encontra-se actualmente incapaz de exercer a sua profissão habitual de cabeleireira”.
Nos termos expostos, sem prejuízo da ressalva que fizemos anteriormente, improcedendo a pretensão da Recorrente nesse sentido, consideramos que não existe fundamento que imponha anular o exame por junta médica, incluindo por falta de fundamentação do resultado e, consequentemente, que deva ser anulada a decisão proferida no apenso A, que não fixou a incapacidade à autora, por depender absolutamente do resultado do exame por junta médica, bem como, ainda, a respeito da verificação de nulidade da sentença que foi proferida nos autos principais.

2. Questão da incapacidade para o exercício da profissão habitual
Dirige a Recorrente o recurso, ao que destina as conclusões LX a LXV, à decisão proferida sobre o ponto 19º dos temas da prova – «Como consequência necessária e direta dessas doenças a autora encontra-se actualmente incapaz de exercer a sua profissão habitual de cabeleireira.» – , sustentando que se impunha outra resposta, por estar demonstrado em face da prova produzida.
Para o efeito, dizendo que o Tribunal a quo se fundamentou essencialmente no auto de junta médica – considerando como não provado o n. 19º dos temas da prova “fundamentando a sua decisão que os meios de prova apresentados pelas testemunhas inquiridas, designadamente, k…, L…, G… (que confirmaram o carácter repetitivo dos movimentos efectuadas no exercício de cabeleireira e as queixas/dores que a autora apresentava), não foram no entanto suficientes para o tribunal poder afirmar a matéria de facto considerada como não provada, considerando o teor do parecer unânime da junta médica”…e quanto à inexistência de incapacidade decorrente das restantes doenças reconhecidas, o tribunal valorou e considerou a prova pericial produzida, por se afigurar que se trata de questão eminentemente técnica, sendo os peritos médicos - e não testemunhas ou a própria autora- que pelos conhecimentos que têm, podem emitir um juízo avalizado quanto à existência e causas de doenças” –, no entanto, diz: esse auto, “bem como os esclarecimentos posteriores dos Peritos médicos que intervieram na junta médica, são duvidosos, contraditórios, imprecisos, pouco claros e deficiente fundamentação, conforme teor dos seus depoimentos, como se vê da transcrição dos seus depoimentos gravados no dia 8/03/2021- aos Sr.s Peritos - Dr. H… e Dr. I… - Gravação Habilus, entre o minuto 00:00:35 e 26 minutos e 20 segundos (transcritos no item 48º para o qual se remete facto 19º. ) e Dr. J… depoimento prestado no dia 19/03/2021 ao minuto 01 e dezanove segundos a 11 minutos e 19 minutos e 12 segundos a 19 minutos e 30 segundos (cfr. item 49º. E 68 das alegações para o qual se remete)”; resulta das suas declarações “que depôs em tal sentido, como se vê da transcrição das suas declarações de parte gravadas em cd aos dias 8/03/2021 entre o minuto 00:29 a 33.17 (cfr. item 63º das alegações)” “e das declarações das testemunhas K… que depôs em tal sentido, como se vê da transcrição do seu depoimento gravado aos dias 8/03/2021 entre o minuto 00:00 e o minuto sete e quatro segundos e depoimento de L… que depôs também nesse sentido, como se vê da transcrição do seu depoimento prestado naquele dia ao minuto 02:49 ao minuto sete e cinquenta e cinco segundos, que resulta dos autos prova produzida em sentido contrária à do entendimento dos Sr.s Peritos, motivos pelo qual a matéria vertida no ponto 19º dos temas da prova que foi considerada não provada deve ser alterada para provada”.
Pronuncia-se o Ministério Público, no parecer emitido, pela improcedência do recurso.
Tendo em vista a nossa apreciação, em face da sua delimitação, importa desde já salientar que a Recorrente, dirigindo-as ao ponto 19.º, não dirige porém qualquer conclusão do recurso à impugnação da resposta dada pelo Tribunal ao ponto 18.º dos temas de prova – “18.º) – Como consequência necessária e direta desses movimentos repetitivos que efetuava durante 8 a 10 horas por dia, sensivelmente, e em 5 dias por semana, ao longo de mais de 20 anos, a autora contraiu Periartrite Escapelo Humeral Direita, Periartrite Escapelo Humeral Esquerda, Epicondilite Direita e Esquerda, Tendosinovite Esquerda e Direita, Parasistia Bilateral, Síndrome do Canal Cárpico Esquerdo, Cervicobraquialgias e Síndrome do Nervo Cubital?” –, sendo que, existindo uma clara ligação entre ambos esses temas de prova (no primeiro questionava-se quais era as patologias / doenças contraídas pela Autora e no segundo se dessas resultaria incapacidade para o exercício da profissão habitual), ao não ter sido dirigido o recurso à resposta dada ao tema 18.º, nem ocorrendo fundamento que justifique a intervenção oficiosa por parte deste Tribunal da Relação nessa parte, a essa resposta teremos assim necessariamente de atender, para efeitos da resposta que deve ser dada ao tema de prova 19.º, ou seja, tal como resulta da sentença, o que se fez constar do ponto 24.º da factualidade, em considerar-se apenas provado que “Em consequência necessária e direta do mencionado nos n.ºs 22. e 23., nos períodos referidos em 11. a 13., 15. e 16., 17., 18. e 19., a autora contraiu Periartrite Escapelo Humeral Esquerda que lhe foi reconhecida nos termos referidos em 5 - a), e Periartrite Escapelo Humeral Direita, Epicondilite Direita e Esquerda, Tendosinovite Esquerda e Direita e paralesia (Parasistia) Esquerda que lhe foi reconhecida nos termos referidos em 5 - b)” – dando-se depois como não provado, como resulta da alínea b), a parte restante do referido n.º 18.º) dos temas da prova: “Como consequência necessária e direta desses movimentos repetitivos que efetuava durante 8 a 10 horas por dia, sensivelmente, e em 5 dias por semana, ao longo de mais de 20 anos, a autora contraiu Parasistia direita, Síndrome do Canal Cárpico Esquerdo, Cervicobraquialgias e Síndrome do Nervo Cubital.”
Feito o referido esclarecimento, no sentido de se avançar na apreciação, constata-se que o Tribunal a quo fez constar da motivação sobre a matéria de facto, no que aqui importa, o seguinte:
“(…) No que concerne à matéria de facto considerada provada sob o n.º 24., a mesma resulta do teor do próprio reconhecimento da existência das referidas doenças profissionais já efetuado pelo Departamento de Proteção contra os Riscos Profissionais, conjugado com a prova testemunhal produzida quanto ao caráter repetitivo dos movimentos efetuados no exercício da atividade de cabeleireira que a autora desempenhou com caráter regular, durante 8 horas por dia, 5 dias por semana, durante pouco mais de 9 anos (entre 21 de fevereiro de 2002 e final de junho de 2011) e, novamente, embora em part time, numa média de 20 horas semanais, durante cerca de 4 anos, entre setembro de 2014 e 2019, ao serviço F…, e com os depoimentos das testemunhas inquiridas sobre as queixas que a autora verbalizava.
Tais meios de prova não foram, no entanto, suficientes para o tribunal poder afirmar a matéria de facto considerada não provada, considerando o teor do parecer unânime da junta médica, sendo que, no que concerne à afirmação de que a autora sofre de Parasistia direita, Síndrome do Canal Cárpico Esquerdo, Cervicobraquialgias e Síndrome do Nervo Cubital, e quanto à inexistência de incapacidade decorrente das restantes doenças reconhecidas, o tribunal valorou e considerou a prova pericial produzida, por se afigurar que se trata de questão eminentemente técnica, sendo os peritos médicos – e não testemunhas ou a própria autora − que, pelos conhecimentos e experiência que têm, podem emitir um juízo avalizado quanto à existência e causas de doenças.
É aqui de referir que o tribunal considerou os esclarecimentos prestados em sede de audiência de julgamento pelos Srs. Peritos que intervieram na junta médica em representação da própria autora e do tribunal, quanto ao juízo pericial pelos mesmos produzido após o exame físico da autora realizado em 7 de outubro de 2020, uma vez que os mesmos explicitaram o seu parecer médico e os elementos que valoraram e como os valoraram na emissão de tal parecer, de forma fundamentada (já não se atribuiu o mesmo valor aos esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito que interveio na junta médica em representação da ré, na parte em que fez referência a uma mudança da sua opinião quanto à atribuição de doenças profissionais a cabeleireiros e barbeiros, fundada num 'trabalho de campo' que, tanto quanto se percebeu, consistiu na recolha das opiniões de cabeleiros e barbeiros, mas tal não afetou o juízo pericial emitido pela junta médica).”
Apreciando, consignando-se que se reanalisou previamente a prova produzida – a que se alude na citada motivação e ainda expressamente nas alegações da Recorrente, incluindo com audição dos registos de gravação dos depoimentos prestados –, não obstante é certo as questões a que já aludimos anteriormente a respeito da pronúncia dos Senhores peritos no auto por junta médica, assim incluindo o excesso de pronúncia em que efetivamente incorreram, e que, assim o reconhecemos, decorre dos registos de gravação que acabou por se estender aos esclarecimentos prestados em audiência de julgamento, ainda assim, como melhor explicaremos de seguida, tendo presente quer aquela como esta pronúncia e ainda os demais elementos de prova existentes, não encontramos fundamento bastante para afastarmos, substituindo-a pela pretendida pela Recorrente, a solução a que se chegou em 1.ª instância.
Assim o concluímos, na consideração, que se impõe aqui, de que, como antes o dissemos, mantendo-se o decidido na sentença quanto ao tema de prova 18.º, ou seja apenas estando provado (ponto 24.º da factualidade) que a Autora contraiu “Periartrite Escapelo Humeral Esquerda que lhe foi reconhecida nos termos referidos em 5 - a), e Periartrite Escapelo Humeral Direita, Epicondilite Direita e Esquerda, Tendosinovite Esquerda e Direita e paralesia (Parasistia) Esquerda que lhe foi reconhecida nos termos referidos em 5 - b)”, a questão de saber se ficou ou não afetada para o exercício da sua atividade profissional, ou seja na parte à qual é dirigido o presente recurso, apenas dependerá, enquanto seu pressuposto / fundamento, aquelas doenças e não, pois, quaisquer outras.
Nesse afirmado pressuposto, avançando-se na apreciação, importa então ter presente, como já o dissemos também antes (mas que importa agora relembrar), que o julgador, na prolação da decisão de fixação da incapacidade, não pode deixar de servir-se da prova obtida por meios periciais, quer adira ou não ao laudo médico maioritário ou unânime, sendo que, se esclarece agora de novo, ao estar em causa a natureza e força probatória do laudo pericial enquanto meio probatório – a prova pericial tem por objeto, como resulta do artigo 388.º do Código Civil (CC) a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem ou quando os factos relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial –, aos peritos médicos, por disporem para o efeito dos necessários conhecimentos médico-científicos, cabe-lhes a pronúncia sobre quais as sequelas que resultaram das lesões provocadas pelo acidente de trabalho, identificando-as e enquadrando-as nas regras estabelecidas na TNI, para depois concluírem pela atribuição de uma determinada incapacidade. Por sua vez, realizadas essas perícias, cabe então ao juiz proferir decisão sobre o mérito, fixando a natureza e grau de incapacidade”, sendo que, como o temos também afirmado, estando em causa um meio de prova pericial, as considerações e as conclusões do exame, mesmo quando alcançadas por unanimidade, não vinculando é certo o juiz, ao estarem também sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova (artigos 389.º do CC e 607.º do CPC), no entanto, na decisão a proferir, deve “a eventual divergência ser devidamente fundamentada em outros elementos probatórios que, por si ou conjugadamente com as regras da experiência comum, levem a conclusão contrária”[17].
No que ao caso que se decide releva, aplicando o afirmado regime, estando agora aqui apenas em causa a questão de saber se a Autora / aqui Recorrente, em consequência necessária e direta das patologias / doenças de que padece (assim as que estejam demonstradas nos autos) se encontra atualmente incapaz de exercer a sua profissão habitual de cabeleireira, apesar de se constatar que a pronúncia dos Senhores peritos, tendo aliás extravasado o que lhes era pedido, ter sido no sentido de que sequer a Autora padeceria atualmente de qualquer doença ou incapacidade – posição que também resulta no essencial dos esclarecimentos que prestaram em audiência de julgamento –, na consideração, no entanto, de que nessa parte tal posição não foi afinal atendida na sentença, de resto logo em sede de pronúncia sobre a matéria de facto, para o que basta atentar no que se deu como provado no ponto 24.º da factualidade, restará verificar se, ainda assim, existem elementos bastantes, na consideração de toda a prova produzida, incluindo pois aquela posição dos Peritos e ainda o respetivo parecer no sentido de que a Autora / recorrente não se encontra incapacitada de exercer a sua profissão habitual de cabeleireira, para se poder concluir em sentido divergente desse parecer, sendo que, procurando responder-se a essa pergunta, a nossa conclusão é negativa, ou seja, como aliás o Tribunal a quo o referiu na motivação, os demais meios de prova produzidos – incluindo, pois, os documentais a que alude a Recorrente no presente recurso, os quais, esclareça-se, diversamente do que o refere, como aliás resulta também dos esclarecimentos prestados pelos Senhores peritos em audiência, foram pelos mesmos considerados, explicando no entanto as razões em que, por decorrência da avaliação que fizeram nos autos, incluindo exame físico, basearam a respetiva posição –, como se referiu na citada motivação do Tribunal, não são suficientes, até porque, estando em causa pronúncia sobre uma questão eminentemente técnica, serão os peritos médicos (e não tanto já as testemunhas ou a própria Autora), pelos conhecimentos e experiência que detêm nesse âmbito, que estarão em melhores condições para emitirem um juízo avalizado.
Aliás, importa recordá-lo de novo, nos termos que aliás já o dissemos aquando da apreciação que fizemos dos vícios de nulidade, resulta expressamente afirmado na sentença, retirando suporte a parte substancial das críticas avançadas pela Recorrente – assim, nomeadamente, para além do mais, quando refere que “a MM juíza a “quo” considerou a acção totalmente não provada e improcedente, quando pelo menos, deveria ter deferido, por ser aceite e não contestado a existência das doenças profissionais doença profissional de Periatrite Escapulo Humeral esquerda, com a atribuição de uma IPP e 5% e doença profissional sem atribuição de incapacidade, por Periatrite Escapulo Humeral direita, Epicondilite Direita e Esquerda, Tendonisovite Esquerda e Direita e Paralesias (Parasistia) esquerda” –, o que se considerou provado em sede de matéria de facto, nomeadamente no seu ponto 24.º sobre doenças e incapacidade, como depois, do mesmo modo, aquando da aplicação do direito, no sentido de se dizer que apenas estava em apreciação, na ação, não o que fora aceite pelo Réu em sede administrativa, assim sobre doenças e incapacidade que aí se haviam considerado, mas sim, apenas, o que para além dessas a Autora invocou na petição inicial e que pretendia que fosse judicialmente afirmado em juízo.
Neste contexto, centrada a análise com a delimitação antes mencionada e a que importa atender, também a respeito do apelo feito pela Recorrente nas conclusões LXVI e LXVII ao artigo 712.º n.º 4 do CPC, que, diga-se, se considera dever-se a lapso, querendo certamente referir-se ao artigo 662.º n.º 2, alínea c), do CPC na atual redação, que, diversamente do que defende, apesar do excesso de pronúncia dos Senhores peritos a que nos referimos anteriormente mas que como o dissemos então não foi afinal considerado pelo Tribunal a quo, os elementos existentes nos autos são suficientes / bastantes para esclarecer a questão, que agora se analisa, tendo por base necessária apenas as doenças de que padece a Autora e que são decorrentes da prestação da sua atividade, resultantes da factualidade dada como provada, da existência ou não de incapacidade para o exercício da sua profissão habitual de cabeleireira, razão pela qual não entendemos justificar-se a anulação que se defende da sentença com o objetivo de se ampliar a matéria de facto.
Porque assim se conclui, improcede o recurso também nesta parte.

3. Demais decidido
Em face da não procedência das questões anteriores, nas quais a Recorrente alicerçou afinal a alteração do decidido pelo Tribunal a quo, não importando fazer outras considerações a respeito dessa decisão, para justificar que se mantenha em vigor na ordem jurídica, no entanto, nos termos em que o dissemos anteriormente, consideramos oportuno deixar também claro no presente acórdão que no objeto da presente ação não se incluem as questões da “doença profissional de Periatrite Escapulo Humeral esquerda, com a atribuição de uma IPP e 5%” e da “doença profissional sem atribuição de incapacidade, por Periartrite Escapulo Humeral direita”, razão pela qual, quanto a essas, se mantém válido, com os efeitos legais daí decorrentes, incluindo pensão atribuída, o decidido na fase administrativa.

Em face do decaimento, a Recorrente suporta as custas do recurso (artigo 527.º do CPC).
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Sumário – artigo 663.º, n.º 7, do CPC:
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IV. - Decisão:
Nesta conformidade, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em declarar improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida que declarou improcedente a ação, esclarecendo-se que nessa se não inclui o decidido na fase administrativa, que assim se mantém válido, com os efeitos legais daí decorrentes, incluindo pensão atribuída à Autora,

Custas pela Recorrente.

Porto, 15 de novembro de 2021
(assinado digitalmente)
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
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[1] Em que se dispõe: “É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
[2] Cf. Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, pág. 92/93
[3] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 1985, pág. 387
[4] In Comentário ao Código de Processo Civil, II, pág. 507
[5] No mesmo sentido, com idêntica relevância, Manuel de Andrade (in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 183) quando escreveu: “Mas se a nulidade está coberta por uma decisão judicial (despacho) que ordenou, autorizou ou sancionou o respectivo acto ou omissão, em tal caso o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente a deduzir (interpor) e tramitar como qualquer outro do mesmo tipo. É a doutrina tradicional, condensada na máxima: dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”.
Ainda:
- Antunes Varela (in Manual de Processo Civil, 1985, pág. 393), referindo que “Se, entretanto, o acto afectado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão”;
- Anselmo de Castro (in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, pág. 134): “Tradicionalmente entende-se que a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está, ainda que indirecta ou implicitamente, coberta por qualquer despacho judicial; se há um despacho que pressuponha o acto viciado, diz-se, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida, não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respectivo despacho pela interposição do competente recurso, conforme a máxima tradicional – das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se. A reacção contra a ilegalidade volver-se-á então contra o próprio despacho do juiz; ora, o meio idóneo para atacar ou impugnar despachos ilegais é a interposição do respectivo recurso (art.º 677.º, n.º 1), por força do princípio legal de que, proferida a decisão, fica esgotado o poder jurisdicional (art.º 666.º)”. Porém, depois de algumas reticências relativamente à aplicação do disposto no art.º 666.º a todas as decisões, acrescentou que aquela construção “não tem sequer sentido quanto àquelas nulidades de que o juiz não pode conhecer oficiosamente (todas as nulidades secundárias e as principais a partir do saneador”. Veja-se, o Ac. desta Relação e Secção de 10 de Outubro de 2016, Relator Desembargador Jerónimo Freitas, in www.dgsi.pt.
[6] Que igualmente procede à remissão para as respectivas disposições legais: a ineptidão da petição inicial (art.º 186.º e 187º); a falta de citação, seja do réu seja do Ministério Público, quando deva intervir como parte principal (art.º 188.º); a preterição de formalidades essenciais à citação (art.º 191.º); o erro na forma de processo (art.º 193.º); e, a falta de vista ou exame do Ministério Público, quando a lei exija a sua intervenção como parte acessória (art.º 194º).
[7] Nas palavras de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (in Manual de Processo Civil, 1985, pág. 391), “Serão relevantes, segundo o critério estabelecido, quando a lei especialmente o declare ou quando possam influir no exame ou na decisão da causa”
[8] art.ºs 196.º e 197.º n.º1, do CPC
[9] art.ºs 196.º e 197.º n.º1, do CPC
[10] Relatora Conselheira Leonor Cruz Rodrigues, in Colectânea de Jurisprudência / Acs STJ, n,º 310, Ano XXIX-Tomo 1/2021, pág. 233.
[11] In www.dgsi.pt
[12] In www.dgsi.pt
[13] Assim, de entre outros: José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 2001, pág. 669, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume 5.º, pág. 140, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed. Ver. e act., pág. 687/688, Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos recursos em processo civil, 9.ª edição, Almedina, pág. 55/56.
[14] Citando-se: “(…) considerando o teor do parecer unânime da junta médica, sendo que, no que concerne à afirmação de que a autora sofre de Parasistia direita, Síndrome do Canal Cárpico Esquerdo, Cervicobraquialgias e Síndrome do Nervo Cubital, e quanto à inexistência de incapacidade decorrente das restantes doenças reconhecidas, o tribunal valorou e considerou a prova pericial produzida, por se afigurar que se trata de questão eminentemente técnica, sendo os peritos médicos – e não testemunhas ou a própria autora − que, pelos conhecimentos e experiência que têm, podem emitir um juízo avalizado quanto à existência e causas de doenças.”
[15] Sendo assim verdade o que consta da conclusão XXXIII: “Não foi quesitado nenhum quesito para os Sr.s Peritos responderem se a requerente padece daquelas doenças profissionais já diagnosticadas pelo departamento de protecção contra os riscos profissionais, doenças profissionais que foram aceites pela ré/recorrida na contestação, o que equivale a uma confissão- - art. 352º, e 358º do C.P.C pelo que, ao não reconhecê-las a sentença apresenta-se nula nos termos do art. 615 nº. c) do C.P.Civil.”
[16] Referente a essa alínea (Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível), lembrando Alberto dos Reis[16], o pretenso vício acontece quando se patenteia que a sentença enferma de vício lógico que a compromete, ou seja, o juiz, escrevendo o que realmente quis escrever, fez todavia uma construção viciosa, já que os fundamentos que invocou conduziriam logicamente, não ao resultado expresso, mas ao oposto.
[17] Entre muitos, veja-se o acórdão desta Secção de 30.05.2018, Relatora Desembargadora Paula Leal de Carvalho.