Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
183/14.2T8AGD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO DE GRUPO
DEVER DE INFORMAÇÃO SOBRE O ÂMBITO DAS COBERTURAS E EXCLUSÕES
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL ABUSIVA
Nº do Documento: RP20160121183/14.2T8AGD.P1
Data do Acordão: 01/21/2016
Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º47, FLS. 262-277 VRS.)
Área Temática: .
Sumário: I - O seguro de grupo desenvolve-se em dois momentos, quanto à sua formação: num primeiro momento, é celebrado um contrato entre a seguradora e o tomador de seguro, e, num segundo momento, concretizam-se as adesões dos membros do grupo.
II - Por norma, sob a vigência do Decreto-lei nº 176/95, de 26 de julho, no seguro de grupo, o dever de informar o segurado sobre o âmbito das coberturas e exclusões, bem assim, das obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações ao contrato, recai sobre o tomador do seguro – o banco – e não sobre o segurador.
III - Assim, sendo demandada apenas a seguradora, pode esta opor ao aderente determinada cláusula de exclusão do risco, por a obrigação do dever de informação recair exclusivamente sobre o tomador de seguro, inexistindo responsabilidade objetiva da seguradora por atuação negligente do tomador de seguro.
IV - O ónus da prova de ter cumprido o referido dever de informar recai também sobre o tomador do seguro.
V - Todavia, ex ante, se se tratar de uma cláusula contratual geral abusiva e, por isso, nula, nos termos dos art.ºs 12º, 15º e 16º do RJCCG, deve o tribunal declarar oficiosamente a sua nulidade.
VI - Por contrária à boa fé, é nula a cláusula contratual geral pela qual a seguradora proponente, afastando-se do escopo do contrato e do dever de consideração do interesse real dos aderentes, exclui da cobertura do seguro do crédito à habitação o risco de invalidez do segurado quando tal situação resulte da “utilização de veículos motorizados de duas rodas”, por, além do mais, trair as legítimas expetativas e a confiança do segurado aderente, de que o seguro cobria essa, como todas as situações de utilização normal e quotidiana das diversas categorias de veículos, designadamente nas deslocações para o local e trabalho.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 183/14.2T8AGD.P1 (apelações)
Comarca de Aveiro – Águeda – Inst. Local – Secção Cível

Relator: Filipe Caroço
Adj. Desemb. Pedro Martins
Adj. Desemb. Judite Pires

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
B… e marido, C…, residentes na Rua…, município de Águeda, Comarca de Aveiro, intentaram ação declarativa comum, contra D… – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com sede no Largo…, em Lisboa, alegando, nom essencial, que, tendo contraído um mútuo com a E…, S.A.[1], em junho de 1998, com efeitos a partir de 1.12.1999, para financiamento da aquisição de uma habitação, concomitantemente, aderiram a um contrato de seguro de grupo, ramo vida, sendo tomador e beneficiária aquela entidade financiadora, e pessoas seguras os próprios demandantes, com vista a garantir o pagamento da totalidade do capital emprestado e ao longo do prazo da respetiva amortização (25 anos).
Todos os formulários foram preenchidos ao balcão da E…, tendo-lhes sido então comunicado apenas que a garantia desse seguro cobria o pagamento à entidade bancária que concedeu o empréstimo à habitação do total do capital em dívida em caso de morte, invalidez total e permanente por acidente e invalidez absoluta e definitiva por doença da pessoa segura. De nada mais foram informados, designadamente quanto a outras cláusulas do contrato que estavam já fixadas, sem possibilidade de negociação, como é o caso daquela que exclui a responsabilidade da seguradora por incapacidade que resulte de acidente de viação com motociclo de duas rodas, que os AA. desconheciam.
A A. mulher foi vítima de um acidente de viação quando se fazia transportar num ciclomotor na via pública, de que resultou, para ela, invalidez total e permanente, com um grau de incapacidade permanente global de 80%.
A R. recusa a sua responsabilidade invocando a referida cláusula de exclusão, mas, por não ter sido comunicada aos AA. aquando a da celebração do contrato de seguro, tal cláusula deve ser considerada como excluída, pelo que não há qualquer motivo que justifique o não pagamento do capital seguro em dívida ao banco beneficiário da apólice como foi requerido pela aqui demandante.
Os AA. continuaram a liquidar as prestações do empréstimo junto do banco e, bem assim, dos prémios de seguro, em quantias determinadas, devendo a R. ser condenada a pagar aquelas quantias e o valor de capital mutuado que esteja em dívida à data do trânsito da sentença.
Terminaram o seu articulado com o seguinte pedido:
«Deverá a presente acção ser julgada procedente por provada e, consequentemente, ser a Ré condenada a:
a) Pagar à E…, S.A., banco beneficiário da apólice de seguro sub judice, o montante de capital em dívida referente ao empréstimo à habitação que esta instituição prestou aos Autores e que se encontre em dívida à data do trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida nos presentes autos;
b) Pagar aos Autores as prestações relativas ao empréstimo sub judice, que já se venceram desde o mês de Setembro de 2013, inclusive, até Setembro de 2014 e que nesta data, totalizam já o valor de € 3.831,68 (três mil oitocentos e trinta e um euros e sessenta e oito cêntimos) e as que se forem vencendo até efectivo pagamento ao banco mutuante do capital reclamado na precedente alínea deste pedido;
c) Pagar aos Autores o valor dos prémios de seguro que esta tenha ou venha a pagar desde o mês de Setembro de 2013 até à data em que for liquidado o capital seguro à E…, S.A. a liquidar em incidente de liquidação de sentença.
d) Nos juros, referentes aos montantes indicados sob as supra alíneas b) e c), que se vencerem desde a citação até efectivo e integral pagamento.
e) Nas custas e condigna procuradoria.» (sic)

Citada, a R. contestou a ação rejeitando a sua responsabilidade com base no artigo 3º das Condições Especiais da apólice de grupo, segundo o qual, alega, está excluído o risco de invalidez resultante de “utilização de veículos motorizados de duas rodas”.
Acrescenta que não foi a R. que teve intervenção direta aquando da subscrição das adesões. Apenas rececionou tais adesões, conferiu as informações ali constantes, e emitiu a documentação comprovativa da aceitação de tais adesões, sendo do banco tomador do seguro a responsabilidade pela prestação das informações acerca do contrato de seguro. Os funcionários do tomador do seguro explicaram aos AA. (aderentes) as condições de coberturas, exclusões e acionamento do contrato de seguro
em causa.
Deveriam, porventura, os AA. Demandar a E… enquanto tomador do seguro, na medida em que lhe fosse imputável a violação do dever de informação que alegam, pois nessa eventualidade, a responsabilidade recai única e exclusivamente sobre o tomador do seguro, tal como determinado pelo Decreto-lei nº 176/95, de 26 de julho.
Para além disso, defendeu a R. que o acionamento do sinistro relativamente à autora apenas se poderá traduzir numa responsabilidade correspondente a 50% dos valores liquidados no pedido.
Termina no sentido de que deve ser absolvida do pedido.

Realizada a audiência prévia, foi ali fixado o valor da ação, o objeto do litígio e os temas de prova, assim como foi proferido despacho saneador tabelar e foram admitidas as provas, tendo-se também designado dia para a realização da audiência final.
Teve lugar a referida audiência, a que se fez seguir a prolação da sentença, fundamentada em matéria de facto e de direito, que culminou com o seguinte dispositivo, ipsis verbis:
«Pelo exposto, decide-se julgar a presente acção proposta por B… e C…, contra “D… – Companhia de Seguros, S.A.” parcialmente procedente, condenando-se a ré a:
• Pagar ao tomador “E…, S.A.” o montante de capital em dívida referente ao contrato de mútuo referido em 1) dos Factos Provados, que se encontre em dívida à data do trânsito em julgado da sentença proferida nestes autos (quantia a liquidar);
• Pagar aos autores as prestações relativas ao capital seguro por eles pago mensalmente à “E…, S.A.”, no âmbito daquele contrato de mútuo, desde 30/10/2013, até ao trânsito em julgado desta decisão (quantia a liquidar);
• Pagar aos autores o valor dos prémios de seguro por estes pagos desde aquela referida data, até integral pagamento do capital seguro (quantia a liquidar);
• Pagar aos autores os juros de mora, à taxa legal de 4%, sobre as quantias que lhes são devidas, desde a citação da ré, em 8/10/2014, até integral pagamento.
Custas na proporção dos decaimentos, considerando-se o decaimento dos autores no valor de € 637,38, referente ao valor das prestações bancárias de Setembro e Outubro de 2013 (cfr. doc. de fls. 48) – art.º 527º do CPC.»
*
Inconformada com a decisão sentenciada, recorreu a R.
Nas suas alegações, formulou as seguintes CONCLUSÕES:
«A. O Tribunal a quo ignorou a natureza especial e particular do regime dos artigos 5º, Dec.-Lei 176/95 e 18º a 21º , 78º e 79º , Dec.-Lei 72/2008, dando primazia ao regime geral das clausulas contratuais gerais, não cuidando da especial idade de regulamentação daquele Regime Jurídico do Contrato de Seguro.
B. A responsabilidade pelo cumprimento do dever de informação nos seguros de grupo: tal obrigação cabe ao tomador do seguro, e a mais ninguém, competindo-lhe ainda o ónus de prova de ter cumprido tal obrigação. – Cfr. artigo 78º , RJCS, e anteriormente artigo 4º Dec.-Lei 176/95, de 26.07.
C. No caso dos autos, era sobre a E…, S.A. que recaía, enquanto tomador do seguro de grupo em causa, o dever de informação aos proponentes aderentes, era sobre a E… que recaía o ónus de prova de cumprimento de tal dever informativo; e é sobre a E… que recai a responsabilidade civil pelo eventual incumprimento daquele dever de informação.
D. O banco tomador não age na qualidade de representante da seguradora, nem no âmbito de uma relação de comissão; como tal, atua em nome próprio, na defesa de um interesse autónomo, próprio, simultaneamente de tomador e beneficiário do seguro de grupo, e cumpre obrigações autónomas que a lei lhe impõe, e cujo incumprimento ou cumprimento defeituoso não pode repercutir-se na esfera do segurador, que é alheio (ativamente alheio) ao relacionamento entre o tomador e o aderente.
E. Ao pretender atribuir à ré seguradora um ónus de prova que legalmente não lhe compete, e que recai exclusivamente sobre o tomador do seguro, o Tribunal a quo violou de forma inequívoca as disposições dos artigos 18º a 21º, 78º, e 79º, Dec.-Lei 72/2008, e artigo 4º, Dec.-Lei 176/95.
F. A cláusula de exclusão constante do artigo 3º, nº 1 das Condições Especiais do contrato de seguro de grupo em discussão nos autos é oponível aos autores, sem margem para dúvidas.» (sic)
Defendeu assim a recorrente a revogação da sentença, com improcedência da ação, considerando oponível aos AA., enquanto aderentes, a cláusula de exclusão estabelecida pelo artigo 3º, nº 1 das condições especiais do contrato de seguro.

Os AA. responderam à apelação, em contra-alegações, cujas conclusões ---por terem sido formuladas --- também se transcrevem:
«A) A douta sentença recorrida não padece de nenhum vício e muito menos o que é alegado pela Apelante, já que interpretou e aplicou o direito aplicável ao caso sub judice de acordo com a matéria de facto julgada provada, não se encontrando violada qualquer disposição legal e muito menos as invocadas pela Apelante, pelo que concordando-se com a douta fundamentação de direito constante da decisão recorrida dá aqui e agora a mesma por integralmente reproduzida.

B) Com efeito, de acordo com o douto acórdão deste Tribunal da Relação, datado de 27 de Fevereiro de 2014, processo n.º 2334/10.7TBGDM.P1, em que foi relator o Ex.mo Desembargador Dr. José Manuel de Araújo Barros é referido o seguinte com interesse para os presentes autos e que ora, com o devido respeito, se cita: O preceito do artigo 4º, nº 1, do DL nº 176/95 não colide com o regime do DL nº 446/85, quanto à obrigação de informação. Na verdade, o seu alcance restringe-se às relações entre o segurador e o tomador.”
C) Continuando por referir que “O dever de informação impende inequivocamente sobre a seguradora. Mas, para reduzir o potencial conflito entre tomadores e seguradoras, clarificaram-se os direitos e obrigações. Nas relações entre estes, como é óbvio. Pelo que, com esse necessariamente restrito âmbito, a obrigação que recai sobre o tomador de, nos termos do artigo 4º, nº 1, do DL nº 176/95 (ora artigo 78º, nº 1, do DL nº 72/2008), informar “os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora”, nunca poderá valer como uma transferência para o tomador da obrigação de informação para com o segurado, a este validamente oponível pela seguradora, perante o mesmo a isentando desse dever.”
D) Concluindo “que a exclusão da cláusula em apreço do contrato tem eficácia que se estende também à seguradora.”
E) Por outro lado, temos que ter presente que a interpretação e aplicação do direito têm que ser actualística, com isto querendo dizer que temos que ter em conta a realidade social e económica de cada época, bem como as relações existentes entre consumidores – quer de bens transacionáveis quer de bens financeiros – e aquelas entidades com quem contratam, bem como o modelo societário que estas adoptam. Ora
F) A realidade com que nos deparamos, no que diz respeito à actuação dos bancos e das seguradores, verificamos que nos dias de hoje – o mesmo se passando na data em que foi outorgado o contrato de seguro objecto dos presentes autos – é feita em conjunto, constituindo tais entidades grandes grupos, in casu quer a Apelante quer o banco mutuante fazem parte do mesmo grupo económico, ou seja, é o próprio banco que detém a seguradora, não sendo raras as vezes em que encontramos lado a lado uma dependência do banco mutuário e uma agência da Apelante, no mesmo espaço e com ligação.
G) Tanto mais que o consumidor – parte mais fraca na outorga quer do contrato de seguro quer do contrato de mútuo, sem possibilidade de negociar as Cláusulas que lhe são apresentadas, pelo menos naquele contrato de seguro – para poder beneficiar de melhores condições no contrato de mútuo, tem que subscrever uma certa quantidade de produtos financeiros, assim como os seguros vendidos ao balcão do banco e que são sempre da companhia de seguros que pertence a essa entidade financeira. Assim
H) Veja-se, a título de exemplo e na esteira do que vem sendo dito, o que foi referido no douto acórdão desta Relação, de 25 de Outubro de 2012, processo n.º 24/10.0TBVNG.P1, em que foi relator o Ex.mo Desembargador Dr. José Ferraz: “Não se olvida que o Banco mutuante e tomador do seguro de grupo, por um lado, e a seguradora (apelante), por outro, integram o mesmo grupo económico-financeiro e celebram o seguro de grupo no comum interesse, potenciando, lucrativa e reciprocamente, a actividade década um deles. Nessa coordenação, a seguradora serve-se do Banco para colocar/vender, junto dos clientes deste (com determinados créditos - “crédito à habitação”) os seus seguros, recorrendo à espécie contratual de “seguro de grupo”. Pelo que os efeitos do incumprimento daquele dever de informação sobre o teor e o sentido das cláusulas contratuais, e designadamente as que se referem aos deveres a que vinculam os segurados, é questão a dirimir entre a seguradora e o Banco, mas não a opor aos próprios segurados.”
I) Donde, face ao que vem sendo dito, quer a posição defendida pelo Tribunal a quo quer a posição defendida por esta Veneranda Relação e expressa nos arestos supra citados, e em outros que os aqui Apelados também consultaram mas que defendiam no essencial o que aqueles defendem, é a mais consentânea com a letra da lei e com o espírito do legislador, pelo que não há fundamento legal para que a douta sentença recorrida seja alterada, devendo a mesma ser mantida nos termos em que foi proferida, deixando-se impugnadas as doutas conclusões de recurso A), B), C), D), E) e F) apresentadas pela Apelante.» (sic)
Pugnam, assim, pela improcedência da apelação, com confirmação do julgado.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II.
As questões a decidir --- exceção feita para o que for do conhecimento oficioso --- estão delimitadas pelas conclusões das apelações da R. recorrente (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º, do Código de Processo Civil[2]).
Impõe-se apreciar e decidir se, no seguro de grupo em que os AA. são aderentes, o dever de informação recai sobre a seguradora (aqui R.) ou/e sobre o tomador do seguro (o banco E…) e, bem assim, sobre qual dessas entidades recai o ónus da prova do cumprimento dessa obrigação e a responsabilidade civil pelo incumprimento de tal dever jurídico.
*
III.
Os factos dados como provados na ação[3]:
1) Os autores celebraram com a “E…, S.A.”, em 9 de Junho de 1998, um contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca, através do qual esta entidade bancária emprestou àqueles a quantia de 12.500.000$00, para aquisição de uma habitação – cf. doc. junto a fls. 20 a 33, que aqui se dá por reproduzido.
2) O empréstimo foi concedido pelo prazo de 25 anos, mediante o pagamento de uma prestação mensal que, na presente data, se encontra fixada em € 320,63.
3) Os autores, conjuntamente com a celebração do contrato de mútuo, celebraram um contrato de seguro, Ramo Vida – seguro de grupo – titulado pela apólice nº ……., associado ao empréstimo supra referido, com a duração de 25 anos, e com início às 00:00 horas do dia 1 de dezembro de 1999, tendo como seguradora a ré, como tomador e beneficiário a E…, e como pessoas seguras os autores – cf. doc. junto a fls. 35 e 36, que aqui se dá por reproduzido.
4) O referido contrato de seguro garante, durante o prazo de amortização do empréstimo que foi concedido pela E…, o pagamento a esta entidade do total do capital em dívida em caso de morte, invalidez total e permanente por acidente, e invalidez absoluta e definitiva por doença da pessoa segura.
5) Os autores, na fase de negociação do empréstimo que lhes foi concedido pela E…, preencheram e apresentaram o boletim de adesão ao “seguro de vida grupo crédito à habitação” da ré, junto do balcão de … do referido banco, tendo respondido a todas as questões constantes do questionário agregado ao referido boletim de adesão, bem como apresentado os relatórios médicos solicitados – cf. docs. juntos a fls. 37 e 38, que aqui se dão por reproduzidos.
6) Perante o pedido de adesão e preenchimento do formulário do referido seguro, a ré, avaliando o risco, aceitou a adesão dos autores ao mencionado contrato de seguro, titulado pela apólice nº…..
7) O pedido de adesão e todos os formulários foram preenchidos pelo punho do funcionário da entidade bancária, tendo os autores apenas aposto as suas assinaturas.
8) No momento em que os autores, através do funcionário da agência bancária que concedeu o empréstimo, celebraram o contrato de seguro, foi-lhes transmitido que a garantia desse seguro cobria o pagamento à entidade bancária que concedeu o empréstimo do total do capital em dívida em caso de morte, invalidez total e permanente por acidente e invalidez absoluta e definitiva por doença da pessoa segura.
9) A autora mulher, no dia 4 de agosto de 2005, foi vítima de um acidente de viação e, em consequência do mesmo, ficou com graves e irreversíveis sequelas.
10) Em tal dia, pelas 13:45 horas, na E.M. …-., em …, a autora mulher, quando se dirigia de sua casa para o trabalho, conduzindo um ciclomotor, ao chegar ao entroncamento da estrada para o …, sofreu um embate com um veículo pesado que efetuou manobra de mudança de direção, sem qualquer sinalização, invadindo repentina e imprevistamente a faixa de rodagem por onde a autora mulher circulava, atravessando-se o veículo pesado na frente do ciclomotor conduzido pela autora mulher, tendo sido impossível a esta desviar-se ou sequer travar.
11) O embate deu-se em plena faixa de rodagem por onde circulava a autora mulher.
12) Como consequência do embate, a autora mulher caiu desamparada, ficando inconsciente.
13) Como consequência direta e necessária desse acidente, a autora mulher sofreu um traumatismo craneo-encefálico, tendo estado em coma profundo por cerca de 2 dias.
14) A autora mulher, após ter saído do coma, apresentou, durante um largo período de tempo, amnésia pré e pós-traumática.
15) Do ao traumatismo craneo-encefálico que sofreu, resultaram sequelas graves e irreversíveis, nomeadamente, foi afetado o funcionamento do córtex pré-frontal, que desempenha um papel decisivo na chamada memória de trabalho.
16) Sequelas essas que afetaram, de modo permanente, a capacidade da autora mulher para efetuar as diversas atividades quotidianas, e, também, a capacidade para o trabalho, tendo a autora ficado totalmente dependente do auxílio de terceiras pessoas.
17) Por relatório médico de 24/3/2008, foi emitido parecer no sentido da atribuição, à autora mulher, de uma incapacidade permanente de 90% - cf. doc. junto a fls. 39 a 42, que aqui se dá por reproduzido.
18) A autora mulher, na data do acidente, tinha 45 anos de idade e era uma pessoa dinâmica, robusta, trabalhadora e cheia de vida, com bastantes planos para o futuro.
19) Como causa direta e necessária do acidente de que foi vítima, a autora mulher sofreu lesões físicas, a nível neurológico, irreversíveis, e que a acompanharão para o resto da vida, que condicionam e limitam o seu modo de viver, bem como a atividade profissional que desempenhava e que jamais poderá voltar a efetuar, não podendo mais trabalhar.
20) Face às sequelas com que ficou, resultantes do acidente de viação de que foi vítima, a autora mulher encontra-se com uma incapacidade permanente global de 80%, cf. atestado médico de Incapacidade Multiuso, emitido em 4/9/2013, junto a fls. 43, que aqui se dá por reproduzido.
21) Face ao grau de incapacidade que a autora mulher apresenta, derivada do acidente de viação de que foi vítima, dirigiu-se, no mês de setembro de 2013, ao balcão da E… de …, onde havia subscrito o seguro supra referido, para acionar o mesmo.
22) No balcão da E… de …, foi-lhe transmitido que, a par da participação, deveria juntar determinados documentos para comprovar o estado de invalidez.
23) A autora mulher, após reunir todos os documentos necessários e que lhe foram solicitados – auto de notícia do acidente, relatório médico, atestado médico de incapacidade multiuso – enviou à ré, em 30/10/2013, uma carta com todos os documentos, solicitando que fosse pago o valor do capital em dívida ao banco mutuante – cf. doc. junto a fls. 44 e 45, que aqui se dá por reproduzido.
24) Na data em que a autora mulher participou à ré o seu estado de incapacidade, juntando a documentação que pela mesma foi pedida, o capital do empréstimo – garantido pelo contrato de seguro – era de € 35.645,76.
25) A tal pedido, a ré respondeu à autora mulher, por carta de 8/11/2013, comunicando-lhe que, após terem analisado os documentos que foram juntos, o acidente que originou a incapacidade de que a autora mulher é portadora está excluído da cobertura da apólice em referência, por tal incapacidade ter sido resultante de um acidente de viação com um veículo de duas rodas.
26) Na altura do acidente, o veículo que a autora usava para se deslocar para o seu trabalho era um veículo de duas rodas, um ciclomotor.
27) As cláusulas gerais e especiais do contrato de seguro foram propostas aos autores, em bloco, não tendo estes tido possibilidade de moldar o seu conteúdo.
28) Continuam os autores a liquidar as prestações ao banco.
29) Bem como a pagar o prémio do seguro.
30) Desde o mês de setembro de 2013, até ao mês de setembro de 2014, os autores já pagaram, a título de prestações ao banco, o montante de € 3.831,68.
31) A título de prémio de seguro, os autores, desde a participação efetuada em setembro de 2013, até hoje, já liquidaram o valor de € 300,75, pagando por mês o valor de € 15,81.
32) O contrato de seguro supra referido é um seguro de grupo, contratado entre a E… e a ré, titulado pela apólice nº ……..
33) Tal contrato de seguro de grupo, ramo vida, tem como tomador do seguro o banco E…, e como pessoas seguras as pessoas individuais que subscrevam adesão àquele contrato, na medida em que tal adesão seja aceite pela ré, em função do risco resultante do confronto do capital seguro com os elementos de identificação, caracterização sócio-económica e informações clínicas prestadas.
34) Com efeitos a partir das 00:00 horas de 1/12/1999, foram celebradas duas adesões àquele seguro de grupo ramo vida, cada uma delas relativa, respetivamente, a cada um dos autores, que passaram a figurar cada um como pessoa segura, até aos limites de capital indexados ao mútuo com hipoteca que haviam celebrado com a E….
35) Trata-se de um contrato de seguro destinado a clientes da E… que a ele queiram aderir, para garantia de pagamento à E… de valores que sejam devidos a título de mútuo, em caso de morte ou invalidez absoluta e definitiva devido a doença ou invalidez total e permanente devido a acidente, nos termos das Condições Gerais, Particulares e Especiais do contrato juntas a fls. 64 a 71, que aqui se dão por reproduzidas.
36) O artigoº 3º, nº 1 das Condições Especiais do contrato, estipula:
Exclusões
Além das exclusões referidas no Artigo 4º das Condições Gerais, fica ainda excluído o risco de Invalidez resultante de:
1. Utilização de veículos motorizados de duas rodas; corridas de velocidade organizadas para veículos de qualquer natureza, motorizados ou não e respectivos treinos; prática de caça de animais ferozes; desportos de inverno, boxe, karaté e outras artes marciais; paraquedismo; tauromaquia e actividades de perigosidade análoga; tufões, furacões, ciclones, inundações, maremotos, sismos, erupções vulcânicas e modificações da estrutura do átomo.
37) Não teve a ré intervenção direta aquando da subscrição das adesões pelos autores, apenas tendo rececionado tais adesões, conferido as informações ali constantes, e emitido a documentação comprovativa da sua aceitação de tais adesões – certificados de seguro e de renovação anual.
38) A 30/10/2013, o saldo devedor dos autores à E…, no âmbito do contrato de mútuo supra referido, era de € 33.140,53.
*
A 1ª instância deu como não provada a seguinte materialidade[4]:
a) A E… explicou aos autores as exclusões do contrato de seguro.
b) As Condições Gerais, Particulares e Especiais do contrato de seguro, juntas a fls. 64 a 71, foram disponibilizadas pela E… aos autores, sendo-lhes entregue cópia dos mesmos juntamente com cópia da documentação de proposta de adesão, em simultâneo à documentação bancária referente ao mútuo que motivaria aquela adesão ao seguro de grupo.
c) Os funcionários da E… explicaram aos autores as condições de cobertura e as exclusões do contrato de seguro, entregando-lhes toda a documentação e explicando-lha.
d) Na data em que os autores subscreveram o contrato de seguro, nunca lhes foi transmitido nem informado o teor da cláusula de exclusão do art.º 3º, nº 1 das Condições Especiais do contrato.
e) Na data em que subscreveram o seguro, não lhes foram entregues as cláusulas do contrato.
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IV.
No essencial, debate-se a questão de saber se a R. seguradora (única entidade demandada) pode opor aos AA. aderentes num contrato de seguro de grupo (Ramo Vida) a exceção da exclusão da sua responsabilidade por verificação dos fundamentos de uma cláusula de exclusão do risco, entendendo que o dever de informação recai exclusivamente sobre o tomador de seguro, no caso, a E....
Para o efeito, merecem destaque os seguintes factos provados:
- Os AA., conjuntamente com a celebração de um contrato de mútuo, celebraram um contrato de seguro, Ramo Vida – seguro de grupo – titulado pela apólice nº ……., associado ao empréstimo, tendo como seguradora a R, como tomador e beneficiário a E.., sendo aqueles os segurados;
- O referido contrato de seguro garante o pagamento ao banco/tomador a totalidade do capital em dívida em caso de morte, invalidez total e permanente por acidente, e invalidez absoluta e definitiva por doença da pessoa segura;
- Os AA., na fase de negociação do empréstimo que lhes foi concedido pela E…, preencheram e apresentaram o boletim de adesão ao “seguro de vida grupo crédito à habitação” da R., junto do balcão de … do referido banco e a seguradora, avaliando o risco, aceitou a adesão dos autores ao mencionado contrato de seguro;
- A A. mulher, na vigência do contrato, foi vítima de um acidente de viação e, em consequência do mesmo, ficou com graves e irreversíveis sequelas, determinantes de uma incapacidade permanente global de 80%;
- A R. considerou que o acidente que originou a incapacidade de que a A. mulher é portadora está excluído da cobertura da apólice em referência, por tal incapacidade ter sido resultante de um acidente de viação com um veículo de duas rodas, invocando o artigo 3º, nº 1, das Condições Especiais do contrato, que estipula, além do mais, que, além das exclusões referidas no Artigo 4º das Condições Gerais, fica excluído o risco de Invalidez resultante de “utilização de veículos motorizados de duas rodas”.
- A R. não teve intervenção direta aquando da subscrição das adesões pelos autores, apenas tendo rececionado tais adesões, conferido as informações ali constantes e emitido a documentação comprovativa da sua aceitação de tais adesões – certificados de seguro e de renovação anual.

Vejamos.
Designa-se por contrato de seguro o contrato pelo qual uma pessoa transfere para outra o risco de verificação de um dano, na esfera própria ou alheia, mediante o pagamento de uma remuneração. A pessoa que transfere o risco diz-se tomador ou subscritor do seguro; a que assume esse risco e recebe a remuneração – prémio – diz-se seguradora; a pessoa cuja esfera jurídica é protegida diz-se segurado, que pode ou não coincidir com o tomador do seguro.[5]
O seguro de grupo é aquele que é celebrado relativamente a um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um vínculo ou interesse comum e que pode ser contributivo ou não contributivo consoante os segurados contribuam (ainda que parcialmente apenas) ou não para o pagamento do prémio devido pelo tomador, distinguindo-se do seguro individual por este ser efetuado relativamente a uma pessoa, ainda que o contrato inclua no âmbito de cobertura o agregado familiar ou um conjunto de pessoas que vivam em economia comum ou o que é efetuado conjuntamente sobre duas ou mais cabeças. Pressupõe, assim, o seguro de grupo, a existência de três sujeitos de direito distintos: o segurador, o tomador do seguro e a(s) pessoa(s) ligada(s) ao tomador do seguro por um vínculo que não seja o de segurar, o(s) segurado(s). Desenvolve-se em dois momentos relativos à sua formação: num primeiro momento, é celebrado um contrato entre a seguradora e o tomador de seguro, e, num segundo momento, concretizam-se as adesões dos membros do grupo.[6]
As partes não discutem a qualificação do contrato como de seguro de grupo contributivo, ao qual os AA. aderiram para garantia de pagamento do empréstimo que contraíram junto da E… e em benefício deste mesmo banco.
Está também isenta de discussão a inquestionável natureza de contrato de adesão daquele pelo qual os AA. se obrigaram no âmbito do seguro de grupo e, assim, se constituíram segurados, sem possibilidade de discutirem as condições gerais e as condições especiais da apólice. Está, portanto, tal adesão abrangida pelo regime das cláusulas contratuais gerais, definido pelo decreto-lei nº 446/85, de 25 de outubro[7].
Todavia, não é de adesão o contrato pelo qual o banco se constituiu tomador do seguro junto da seguradora.
Atenta a data da sua celebração, ao contrato de seguro em causa, para efeito de decisão da questão colocada, é aplicável o regime definido pelo Decreto-lei nº 176/95, de 26 de julho[8], então em vigor, assim como os art.ºs 425º e seg.s do Código Comercial, estabelecendo aquele diploma regras de transparência para a atividade seguradora e disposições relativas ao regime jurídico do contrato de seguro, e não o que resultou posteriormente do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de abril[9].
Nos termos do art.º 5º, nº 1, do RJCCG, “as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las”. Segundo o subsequente nº 2, “a comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência”, sendo que “o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais” (respetivo nº 3).
O art.º 6º daquele mesmo regime jurídico estabelece, no nº 1, que “o contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique”.
A consequência da falta de comunicação ou da violação do dever de informação é a exclusão das cláusulas afetadas dos “contratos singulares”, mantendo-se estes na parte restante, por regra (art.º 9º do RGCCG).
Não obstante, o Decreto-lei nº 176/95, de 26 de julho, relativamente ao seguro de grupo, estabelece, sob o nº 1, que “o tomador do seguro deve obrigatoriamente informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora”.
Consigna-se ali que o ónus da prova de ter fornecido as informações referidas compete ao tomador do seguro (nº 2) e ainda que, nos seguros de grupo contributivos, o incumprimento do referido no n.° l implica para o tomador do seguro a obrigação de suportar de sua conta a parte do prémio correspondente ao segurado, sem perda de garantias por parte deste, até que se mostre cumprida a obrigação (nº 3).
O respetivo nº 4, estabelece a possibilidade do contrato prever que “a obrigação de informar os segurados referida no nº 1 seja assumida pela seguradora”. Tudo sem prejuízo do dever da seguradora facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efetiva compreensão do contrato (nº 5).
Apresenta-se, assim, o art.º 4º do Decreto-lei nº 176/95, de 26 de julho como especial relativamente ao RJCCG, designadamente quanto aos respetivos art.ºs 5º e 6º.
É sabido e também resulta claro da sentença recorrida que, relativamente à questão colocada, se têm delineado duas correntes jurisprudenciais, em conflito[10]:
Uma delas, com significativa adesão nas Relações, mas minoritária no Supremo Tribunal de Justiça, defende que, apesar de impender sobre o banco, enquanto tomador do seguro, a obrigação geral de comunicação e explicação das cláusulas do contrato, essa obrigação não desonera a seguradora de cumprir a sua obrigação de comunicar e explicar as condições gerais e especiais do contrato de seguro de grupo ao aderente, uma vez que ela é a responsável primeira por essa comunicação no âmbito dos contratos de adesão, conforme decorre do artigo 5.° do RJCCG[11].
A outra, com forte implantação no Supremo Tribunal de Justiça, sustenta que no tipo de contrato de seguro de grupo contributivo, na modalidade de seguro de vida, de crédito à habitação, nos termos do art.º 4.º do Decreto-lei n.º 176/95, de 27 de julho, recai sobre o tomador de seguro, o banco mutuante, o ónus de informar e esclarecer os segurados aderentes sobre as cláusulas de cobertura e de exclusão do risco assim garantido, não sendo, por regra, oponível à seguradora, pelo segurado, a falta de comunicação daquelas cláusulas.[12]
A primeira corrente alinha os seguintes argumentos essenciais:
- A falta de informação do banco repercute-se necessariamente na R. seguradora, não podendo esta invocar a exclusão de uma cobertura, contida numa cláusula que não haja sido devidamente comunicada ou informada pelo tomador, já que a seguradora e o tomador de seguro prosseguem objetivos lucrativos comuns ou complementares, sendo este angariador na celebração do concreto contrato com os autores (crédito à habitação/seguro de vida).
- Se é o segurado-aderente que contrata em primeira linha com o tomador, é a seguradora que recebe as declarações de adesão ao contrato de seguro e, que considerou os segurados/participantes, como integrados ou não ao abrigo das condições estipuladas na apólice.
- A falta de dever de informação reflete-se no contrato de adesão, na sua conexão com a seguradora, afetando a falta de informação a relação jurídica entre segurador-tomador de seguro, entre segurado-seguradora ou ente tomador de seguro-seguradora (eventual direito de regresso) não deixando a seguradora de responder perante o segurado pela ausência dessa informação por parte do tomador do seguro.
- Do ponto de vista dos segurados é indiferente saber quem tinha o dever legal de os informar, confiando que tanto a seguradora como o tomador estão obrigados àquele dever e ao cumprimento integral do contrato.
- O alcance do art.º 4º, nº 1, do Decreto-lei nº 176/95[13] restringe-se às relações (internas) entre o segurador e o tomador; não colide com o RJCCG. A ratio do preceito foi dirimir eventuais conflitos entre estas duas entidades, estabelecendo uma norma delimitadora suscetível de derrogação por aquelas partes (n° 4 do preceito). O segurado é alheio a esta equação, inferindo-se do preceito, por um raciocínio de exclusão, que não é ao segurado que incumbe o ónus de alegação e prova da ausência de comunicação.
- Pode convocar-se para a resolução do litígio o RJCCJ, não podendo a seguradora ilibar-se ao pagamento do capital seguro.
- Os deveres de comunicação e esclarecimento, na íntegra, do conteúdo negocial estão previstos nos art.ºs 5.º e 6.º do Decreto-lei nº 446/85 e resultam diretamente do princípio da boa fé contratual consagrado no art.º 227.º do Código Civil, estendendo-se a todas as partes dos contratos que tenham poder de impor cláusulas negociais ao consumidor. O art.º 4º do Decreto-lei nº 176/95 não exonera a seguradora perante o aderente.
- Proteção do aderente enquanto parte mais fraca da relação negocial, desprovida de qualquer poder negocial e princípio de respeito pelos interesses do outro numa ética de cooperação e de solidariedade.
- Existe uma conexão e interligação funcional entre as várias relações jurídicas em causa, que alteram a fisionomia e a estrutura da relação jurídica entre o banco e a seguradora, regulada em função da proteção dos interesses do aderente.

Assim, na perspetiva desta posição, se a atuação da entidade bancária na comercialização de um determinado produto financeiro for suscetível de acarretar a exclusão de cláusulas do contrato de seguro, responderá a seguradora perante o segurado pelas consequências daí decorrentes, sem prejuízo de poder, eventualmente, e em momento subsequente, vir acionar o tomador intermediário pelo prejuízo que tal falta de informação lhe tenha acarretado.

A segunda das citadas correntes assenta nas seguintes linhas essenciais:
- O dever de informação recai, nos termos da lei (art.º 4º do Decreto-lei nº 176/94), sobre o banco tomador do seguro --- e não sobre a seguradora ---, regime que continua a vigorar, no essencial, no âmbito do Decreto-lei nº 72/2008, de 16 de abril (art.ºs 78º, nºs 1 e 3).
- Não está legalmente prevista a comunicabilidade à esfera jurídica da seguradora dos efeitos do incumprimento dos deveres legais de informação colocados a cargo do tomador de seguro.
- O regime especificamente previsto pelo Decreto-lei nº 176/95, 26 de julho, para o contrato de seguro de grupo, afasta a aplicabilidade do regime das cláusulas contratuais gerais, definido genericamente pelo Decreto-lei n.º 446/85, de 25 de outubro, no que é incompatível com aquele. Assim sucede quanto à definição dos sujeitos do dever de informação.

- Trata-se de um regime especial, fundado na peculiar natureza e estrutura da figura do seguro de grupo, envolvendo uma relação triangular entre os interessados, que se sobrepõe naturalmente ao regime regra das cláusulas contratuais gerais, que impõe ao outro contraente (nos casos normais, que não tenham subjacente um seguro de grupo, obviamente a própria seguradora) a obrigação de comunicar e explicitar as cláusulas ao aderente. No seguro de grupo este dever está legalmente colocado a cargo do tomador de seguro, pelo que em primeira linha, ele não incide sobre a seguradora, por falta de fundamento normativo, a menos que algo diferente resulte das estipulações das partes.
- A admitir-se a responsabilização da seguradora pela omissão de um dever de comunicação que obriga o tomador, veria aquela ampliado o leque dos riscos contratados com o banco/tomador de seguro – e com base nos quais vinha sendo calculado o prémio de seguro devido – não por via de uma conduta que lhe fosse direta e pessoalmente imputável, mas exclusivamente com fundamento no incumprimento culposo de um dever legalmente imposto a outro sujeito, o banco/tomador de seguro – por, no caso dos autos, se não conseguir vislumbrar qualquer comportamento deficiente ou irregular que, subjetivamente, se pudesse imputar à própria seguradora. Tal redundaria num fenómeno de responsabilização objetiva da seguradora por um comportamento negligente exclusivamente imputável ao outro contraente, não demandado pela interessada/aderente.
- O banco/tomador não atua como comissário ou representante legal ou auxiliar da seguradora (art.ºs 500º e 800º do Código Civil), e também não é um intermediário ou um angariador na celebração dos concretos contratos com os aderentes.
- Não há contacto direto, negociação, entre o aderente e a seguradora.
- Isto não significa que o incumprimento do dever de informação seja desprovido de sanção. O Banco é responsável pelos prejuízos que causar ao segurado, como hoje se diz expressamente no artigo 79º do Decreto-Lei nº 72/2008. O segurado pode demandar o Banco para o responsabilizar, ou para discutir a violação de qualquer outra regra. A circunstância de se não afirmar expressamente a responsabilidade civil do Banco não significa que não sejam aplicáveis as regras respetivas.
- De qualquer modo, o já citado artigo 4º do Decreto-Lei nº 176/95 dispunha, como sanção, que “nos seguros de grupo contributivos, o incumprimento do referido no n.° 1 [dever de informação] implica para o tomador do seguro a obrigação de suportar de sua conta a parte do prémio correspondente ao segurado, sem perda de garantias por parte deste, até que se mostre cumprida a obrigação”.
- A comunicação à seguradora dos efeitos do incumprimento dos deveres legais de informação a cargo do tomador de seguro altera a estrutura e a fisionomia jurídica fundamentais desse tipo negocial, assente numa relação contratual básica estabelecida entre duas entidades (tomador de seguro/seguradora), colocadas em plano de total paridade jurídica (o contrato de seguro acordado entre ambas não pode obviamente configurar-se como contrato de adesão).
- O nº 5 do art.º 4º do Decreto-lei nº 176/95, de 26 de julho, é claro no sentido de que o dever da seguradora de facultar informações para a efetiva compreensão do contrato existe, mas só é exigível a pedido dos segurados.

Para esta corrente, não está vedado à seguradora invocar a seu favor contra os segurados aderentes as cláusulas gerais e particulares sobre o âmbito e exclusões do risco assumido no contrato de seguro, sem que a estes seja lícito contrapor o incumprimento do dever de informação e esclarecimento por parte do tomador do seguro. É ao tomador do seguro que incumbe o dever de informação dos segurados, quanto às “coberturas e exclusões contratadas”, cabendo-lhe igualmente o ónus da prova “de ter fornecido estas informações”, conforme art.º 4º, nº 1 e nº 2 do Decreto-lei nº 176/95, de 26 de julho.
É este o entendimento que perfilhamos.
Não é o contrato firmado entre a seguradora e o tomador-beneficiário que se discute, a sua validade e a sua eficácia nos termos em que foi negociado e formalizado em apólice e cuja vigência se iniciou com o começo das adesões dos segurados e ao qual estes são alheios.
Por causa estranha à seguradora e apenas imputável ao tomador, aquela ficou com o risco coberto acrescido e, no âmbito desse acréscimo de risco, excluído das condições contratadas, viu verificado um sinistro. Com efeito, a seguradora ao contratar com o banco, sem que aqui se possa falar de contrato de adesão, não aceitou o contrato nos termos em que esta instituição o veio propor ao A. aderente e em que passou a valer, este sim, um verdadeiro contrato de adesão a que é aplicável o RJCCG.
O vício na formação do contrato, com incidência no seu objeto, está na adesão, por irregularidade da proposta contratual dirigida aos AA., que não são parte no contrato de seguro (mas apenas aderentes), pelo banco, não demandado neste processo.[14]
A E… não foi diligente e incumpriu um dever legalmente imposto com repercussão no objeto do contrato quanto ao âmbito dos riscos cobertos (por eliminação de exclusão) que conduz diretamente à sua culpa na formação do contrato e responsabilidade para com os segurados (art.º 227° Código Civil).
Terá sido para obstar a situações como a presente que a lei permite expressamente que o contrato possa prever que a obrigação de informar, por regra ónus do tomador, seja assumida pela seguradora (n° 4 do art.º 4° do Decreto-lei nº 176/95, de 26 de julho e, atualmente nº 5 do art.º 78º do Decreto-lei nº 72/2008, de 16 de abril).
Nada nos autos aponta no sentido de que tivesse existido tal acordo, pelo que aquele, nos termos do nº 1 daquele art.º 4º, o referido ónus impendia expressamente apenas sobre o banco tomador, a E…. Por isso e por se tratar de norma especial, nem sequer há necessidade de recorrer aos princípios gerais da boa fé, nem às disposições contidas no RJCCG quanto à parte ali regulada.
Não está provado qualquer comportamento negligente da seguradora, designadamente que a falta de comunicação das cláusulas contratuais à segurada lhe seja imputável, como aconteceria, por exemplo, se também não tivesse enviado o teor do contrato ao tomador, inviabilizando ou dificultando a possibilidade deste as comunicar ao aderente.
Não pode responsabilizar-se a recorrente, pois que o ilícito não foi por ela praticado, mas pelo tomador do seguro, sendo este, e não aquela, que deve ser demandado pelos AA., a ele cabendo também o ónus da prova do cumprimento do dever de informação. Não pode a eventual omissão de informação ser imputada à R. seguradora.
Assim, sendo demandada apenas a seguradora, pode esta opor ao aderente determinada cláusula de exclusão do risco, por a obrigação do dever de informação recair exclusivamente sobre o tomador de seguro, inexistindo responsabilidade objetiva da seguradora por atuação negligente do tomador de seguro.
Nesta decorrência, a solução da questão suscitada determinaria a procedência do recurso.
Entendemos, porém, que não podemos ficar por aqui. A liberdade com que o tribunal aplica o Direito (art.º 5º, nº 3, do Código de Processo Civil) e o dever de apreciar questões do conhecimento oficioso impõe a prossecução analítica.
O aderente é a parte fraca da relação contratual pelo simples facto de lhe serem opostas cláusulas preformuladas de aplicação geral, cuja utilização reflete, em regra, uma supremacia do predisponente, senhor do negócio, a que alguns chamam também de “superioridade intelectual”, estando o aderente privado, em desvio ao arquétipo negocial, de participação modeladora no conteúdo do contrato. O uso generalizado, conjuntamente com a forma externa de apresentação (normalmente um texto impresso) desencadeiam automáticas associações de objetividade, imodificabilidade e validade prescritiva ao espírito do aderente, obstaculizando ou removendo eventuais dúvidas quanto à equidade das cláusulas, destilando um efeito psicológico de legitimação que é mais um fator propício à adesão. A inferioridade do aderente é também de ordem motivacional, decorrendo da objetiva falta de interesse em investir tempo e dinheiro numa cuidadosa análise das cláusulas apresentadas, e num eventual estudo de alternativas.[15]
O RJCCG, impondo limites à liberdade contratual, procura, precisamente, garantir, pela ordem jurídica, uma equilibrada composição de interesses (garantia de justeza) ou, pelo menos, obstar a que o utilizador das cláusulas contratuais gerais retire delas vantagens excessivas, dada a falta de participação bilateral no processo auto- regulador.[16] Funciona como contraponto das vantagens que ele retira da uniformização contratual, assegurando uma conformação de conteúdo que atenda minimamente aos interesses de todos quantos se encontram sujeitos a aderir a cláusulas predefinidas, visando uma justa repartição de direitos e deveres entre os contraentes, posta em risco pelos poderes de decisão unilateral com que o predisponente se habilitou.
Em ordem à satisfação daquele desígnio, o RJCCG estabelece no respetivo art.º 15º que “são proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé”. E, sob o subsequente art.º 16º, dispõe:
Na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada, e, especialmente:
a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis;
b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado.
Citando Sousa Ribeiro[17], refere Ana Prata[18], que “o que está em causa, nesta particular valência da boa fé, é a salvaguarda de uma composição de interesses que não seja excessivamente desequilibrada. […] O controlo do conteúdo constitui-se, assim, como um puro juízo sobre a razoabilidade dos termos contratuais, ponderando a sua repercussão nos interesses das partes. … Divergências para além do razoável, que importem, em benefício do predisponente, uma desvirtuação significativa do equilíbrio dos efeitos contratuais, não são admitidas. […] O controlo do conteúdo mais não é, assim, do que a verificação do modo como esse contraente respeitou, na redacção das cláusulas, o especial dever, que a boa fé lhe impõe, de considerar os interesses dos parceiros contratuais.… o que conta, à luz do princípio da boa fé «para além da aparente simetria dos efeitos jurídicos» é «a efectiva incidência da cláusula nos interesses reais das partes»”.
Há violação do princípio da boa fé se, numa análise objetiva, determinada cláusula contratual se traduzir na violação de expectativas geradas pelo processo de relacionamento e pelos efeitos práticos normais do tipo contratual escolhido, ou seja, entre o contrato-tipo escolhido e o horizonte de expetativas do aderente quanto às consequências vinculativas do contrato, devendo prevalecer a materialidade subjacente ao negócio. Há de relevar a confiança objetiva do aderente, além da sua confiança subjetiva, entre as partes.
A proteção da confiança é indispensável para simplificar o tráfico jurídico, pois a limitação da liberdade contratual do consumidor deve ser compensada pela garantia de que a proteção dos seus interesses não será olvidada. Neste sentido, a contrariedade à boa fé consiste no afastamento da regulamentação legal sem outra razão que não o interesse exclusivo do predisponente. A doutrina salienta que, mais do que a confiança concreta na conduta da outra parte, se protege uma confiança institucional legítima, «a confiança de que a ordem jurídica não abandonará o interesse do consumidor ao arbítrio do predisponente e salvaguardará a necessidade abstrata de o consumidor contratar sem se submeter a regras arbitrárias»[19].
Como corolário da boa fé, não pode ser ignorado na apreciação do conteúdo do clausulado, um juízo de proporcionalidade, só realizável perante um modelo contratual ou, até, em alguns casos, perante um concreto contrato.
Volvendo ao caso, a R. ao elaborar o contrato de adesão, para além das exclusões que referiu sob o artigo 4º das Condições Gerais, voltou a fixar exclusões sob o artigo 3º das condições especiais, em dois números que, no entanto, sobretudo o nº 1, abarcam um largo espetro de situações variadas, em que se inclui a exclusão aqui em causa: “utilização de veículos motorizados de duas rodas”.
Poderá defender-se que, comum a todas elas, sob o nº 1, está a criação de um risco acrescido, resultante da ação do segurado (“utilização de veículos de duas rodas, corridas de velocidade organizadas para veículos de qualquer natureza, motorizados ou não e respetivos treinos, prática de caça de animais ferozes, desportos de inverno, boxe, karaté e outras artes marciais, paraquedismo e actividades de perigosidade análoga”) ou de fenómenos naturais violentos (“tufões, furacões, ciclones, inundações, marmotos, sismos, erupções vulcânicas e modificações da estrutura do átomo”). Todavia, não são riscos equiparáveis.
Enquanto, na generalidade daquelas situações o segurado contribui ativamente na criação de um risco de segurança pessoal que pode ser tido como anormal, excecional e até desnecessário ou dispensável, colocando-se livremente sob risco acrescido na realização de um interesse especial, as mais das vezes lúdico ou desportivo --- quando pode optar por uma prática desportiva mais segura ---, a utilização de veículos motorizados de duas rodas é comum na vida dos cidadãos, inclui-se no exercício normal do quotidiano de grande número de pessoas e é até incentivada pela realização do interesse ambiental de proteção e da economia de meios, ainda com muitas outras vantagens, nomeadamente, em ambiente urbano. Essa utilização chega a ser até inevitável quando falamos de segurados de condição social e económica mais desfavorecida --- e não são poucos ---, designadamente, nas deslocações de e para o local e trabalho, como acontecia com a segurada.
O tipo de contrato de seguro em causa tem por escopo específico, do lado do interesse dos dois segurados, que numa situação de morte ou de incapacidade para o trabalho fique assegurado o pagamento dos montantes em dívida, libertando o outro desse encargo. Do lado da E…, a tomadora, o interesse reside no reforço da garantia de que o montante emprestado e respetivos juros vai ser pago, acautelando as situações em que os mutuários possam ter acrescidas dificuldades em o restituir.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.9.2014[20], “quem tem o poder de pré-estabelecer os termos dos negócios jurídicos na área onde exerce a sua actividade antecipadamente à própria determinação da contraparte, deve sopesar também os interesses previsíveis dos aderentes, em ordem a atingir um equilíbrio para cuja avaliação as soluções dispositivas ou supletivas constituem um padrão de referência. … Poder-se-á concluir que uma cláusula contratual que não tenha sido objecto de negociação individual é considerada abusiva, quando, a despeito da exigência da boa-fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato. Ou seja, «uma cláusula será contrária à boa-fé se a confiança depositada pela contra-parte contratual naquele que a predispôs for defraudada em virtude de, da análise comparativa dos interesses de ambos os contraentes, resultar para o predisponente uma vantagem injustificável”[21].
Ao subscrever tal contrato de seguro, qualquer pessoa alimentaria a expetativa de que uma situação de morte ou incapacidade permanente causada com a utilização de uma bicicleta, de um ciclomotor ou de qualquer outro veículo, pela sua normalidade, não obstaria ao funcionamento do seguro, para mais em situação --- como a dos autos --- em que tivesse agido sem culpa no acidente. O cidadão comum, normalmente avisado, confiaria que essa situação estaria acautelada pelo seguro contratado. E não é razoável que, face a essa confiança ou legítima expetativa do segurado, se estabeleça, num ponto posterior do contrato de seguro (ainda que sob o mesmo artigo) --- como acontece no caso --- que os acidentes resultantes do referido nº 1 “podem ser incluídos de acordo com o estabelecido nas Condições Particulares e mediante o pagamento do respetivo sobre prémio”, mais uma vez sem estabelecer qualquer distinção entre “a utilização de veículos motorizados de duas rodas” e os demais riscos ali descritos.
Sem a inclusão da cobertura do risco inerente à utilização de um veículo motorizado de duas rodas, pela normalidade que ela representa, a cobertura fica aquém daquilo com que os segurados pudessem, de boa-fé, contar, até porque a vítima fazia uso habitual do ciclomotor para se deslocar para o seu local e trabalho.
Por conseguinte, temos como abusiva a colocação da exclusão de cobertura pela utilização de veículos motorizados de duas rodas sob a mesma cláusula que exclui outro tipo de riscos, bem diferentes e incomuns, como vimos (o nº 2 refere-se a ações sob o efeito do álcool e à utilização de estupefacientes), tratando de modo semelhante, designadamente pela exigência de sobre prémio pela sua cobertura, realidades bem diferentes.
Sob a aparência de uma cobertura de riscos excecionais, porventura raros, a R. faz passar o risco frequente inerente à utilização de veículos motorizados de duas rodas, limitando largamente a sua responsabilidade e enriquecendo o seu património à custa de quem, legitimamente, não espera que os termos do contrato não excluam o risco da utilização daquela categoria de veículos, como cobre a de outros. Por entre riscos excecionais, a R. reduz significativamente o número de segurados que, apesar de impossibilitados de auferir qualquer remuneração, não deixam de se ver coagidos a satisfazer a prestação mutuada, sob pena se verem privados da habitação adquirida.
O afastamento da exclusão do risco aqui em causa apresenta-se como um imperativo ético, uma exigência fundamental de justiça, face à confiança que os AA., objetivamente, criaram pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, o normal desiderato do contrato e as condições em que o assinaram.
Citando Almeno de Sá, diz-se também naquele aresto: “A consecução de um adequado equilíbrio contratual de interesses aparece como o objectivo último desse controlo, objectivo que seguramente não será atingido se o utilizador procurar garantir, de antemão, os seus exclusivos propósitos negociais, sem atender, de forma minimamente adequada, aos interesses da parte contrária. O imperativo do respeito pelo interesse do outro flui directamente da própria intencionalidade que atravessa o princípio da boa-fé, pelo que somos assim levados à necessidade de "ponderação de interesses. (…) Nesta ponderação, haverá de concluir-se por "violação do escopo da norma singular de proibição, se a composição de direitos e deveres resultantes da conformação do contrato, considerado no seu todo, e tendo em conta o quadro negocial padronizado, não corresponder "à medida" do equilíbrio, pressuposto pela ordem jurídica, verificando-se, ao invés, uma desrazoável perturbação desse equilíbrio, em detrimento da contraparte do utilizador (…) Torna-se manifesto que, nesta contraposição de interesses igualmente legítimos, está naturalmente reservado um lugar de destaque para o princípio da proporcionalidade, numa incessante sopesagem e comparação de vantagens, custos, compensações e riscos”.
Os AA. adquiriram a confiança de que, caso se viessem a encontrar em tal situação, teriam direito de ver a seguradora satisfazer as prestações ainda em falta do contrato de mútuo. E era também isso o que exatamente pretendia a E…, pois, a partir do momento em que algum daqueles deixasse de poder satisfazer essas prestações, por incapacidade, o banco encontrava-se salvaguardado com o contrato de seguro firmado.
A exclusão da responsabilidade em causa favorece excessiva e desproporcionadamente a posição contratual da R. e viola, por isso, o princípio da boa fé, deixando prejudicada a posição contratual dos A. aderentes. É abusiva e nula, nos termos dos art.ºs 12º, 15º e 16º, do RJCCG, sendo a nulidade invocável nos termos gerais e, por isso, do conhecimento oficioso, só assim se garantindo uma proteção efetiva do consumidor (art.º 286º do Código Civil e art.º 24º do RJCCG[22].
Devendo colocar-se a montante da questão da comunicação das cláusulas contratuais aos aderentes por razões de lógica e coerência jurídica, a nulidade deve ser declarada. Se uma cláusula contratual é nula, não produz efeitos jurídicos, deixando prejudicada a questão da falta da sua comunicação.
O conhecimento oficioso da nulidade não constitui, no caso, uma decisão surpresa. É indiferente que a norma aplicada da qual decorre a solução seja diversa quando o tribunal (livre na interpretação e aplicação do Direito) efetua uma interpretação e aplicação do regime jurídico emergente dos diplomas que recorrente e recorrido ali invocaram e discutiram nas alegações e contra-alegações.[23]
Nesta decorrência, há que concluir que, por ser nula e de nenhum efeito a cláusula nº 1 do artigo 3º das Condições Especiais do Contrato, na parte em que exclui a cobertura do risco por invalidez resultante de “utilização de veículos motorizados de duas rodas”, a R. está obrigada a responder nos termos da cobertura de seguro, devendo a sentença ser confirmada, embora com esta nova fundamentação.
*
SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
1. O seguro de grupo desenvolve-se em dois momentos, quanto à sua formação: num primeiro momento, é celebrado um contrato entre a seguradora e o tomador de seguro, e, num segundo momento, concretizam-se as adesões dos membros do grupo.
2. Por norma, sob a vigência do Decreto-lei nº 176/95, de 26 de julho, no seguro de grupo, o dever de informar o segurado sobre o âmbito das coberturas e exclusões, bem assim, das obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações ao contrato, recai sobre o tomador do seguro – o banco – e não sobre o segurador.
3. Assim, sendo demandada apenas a seguradora, pode esta opor ao aderente determinada cláusula de exclusão do risco, por a obrigação do dever de informação recair exclusivamente sobre o tomador de seguro, inexistindo responsabilidade objetiva da seguradora por atuação negligente do tomador de seguro.
4. O ónus da prova de ter cumprido o referido dever de informar recai também sobre o tomador do seguro.
5. Todavia, ex ante, se se tratar de uma cláusula contratual geral abusiva e, por isso, nula, nos termos dos art.ºs 12º, 15º e 16º do RJCCG, deve o tribunal declarar oficiosamente a sua nulidade.
6. Por contrária à boa fé, é nula a cláusula contratual geral pela qual a seguradora proponente, afastando-se do escopo do contrato e do dever de consideração do interesse real dos aderentes, exclui da cobertura do seguro do crédito à habitação o risco de invalidez do segurado quando tal situação resulte da “utilização de veículos motorizados de duas rodas”, por, além do mais, trair as legítimas expetativas e a confiança do segurado aderente, de que o seguro cobria essa, como todas as situações de utilização normal e quotidiana das diversas categorias de veículos, designadamente nas deslocações para o local e trabalho.
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V.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação improcedente e, em consequência, embora com fundamento diferente, confirma-se a sentença recorrida.
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Condena-se a R. nas custas da apelação.
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Porto, 21 de janeiro de 2016
Filipe Caroço
Pedro Martins (com declaração de voto: concordo com a decisão final e especialmente com a fundamentação de nulidade da cláusula abusiva, mas também confirmaria a decisão com base na posição contrária á dos pontos 2 a 4 do sumário, do acórdão deste TRP de 27/02/2014, que subscrevi como adjunto, e de um acórdão de STJ, de Maria Clara Sottomayor.)
Judite Pires
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[1] Adiante E….
[2] Diploma a que pertencem todas as disposições legais que se citarem sem menção de origem.
[3] Por transcrição, mas com adequação às regras do acordo ortográfico.
[4] Por transcrição.
[5] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.4.2015, proc. 294/2002.E1.S1, in www.dgsi.pt.
[6] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.7.2014 e de 18.9.2014, proc.s 841/10.0TVPRT.L1.S1 e 2334/10.7TBGDM.P1.S1, respetivamente, in www.dgsi.pt e Pedro Ronano Martinez e outros, Lei do Contrato de Seguro anotada, Almedina, 2009, pág. 263.
[7] Sucessivamente alterado, tendo como última versão a que foi introduzida pelo Decreto-lei nº 323/2001, de 17 de dezembro. Adiante RJCCG. Cf. Fernando de Gravato Morais, Contratos de Crédito ao Consumo, Almedina, 2007, pág. 367.
[8] Posteriormente alterado e aditado pelo Decreto-lei nº 60/2004, de 22 de março.
[9] Atual regime jurídico do contrato de seguro.
[10] Não há jurisprudência uniformizada sobre o thema.
[11] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.4.2015, proc. 294/2002.E1.S1, acórdão da Relação do Porto de 11.9.2008, proc. 0834361 e de 27.2.2014, proc. 2334/10.7TBGDM.P1 e acórdão da Relação de Lisboa de 5.3.2009, proc. 1860/07.0TVLSB-8, estes in www.dgsi.pt; acórdão da Relação do Porto de 12 de abril de 2010, Colectânea de Jurisprudência, T. II, pág. 183.
[12] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 3.2.2009, proc. nº 08A3947, de 25.6.2013, proc. 24/10.0TBVNG.P1.S1, de 27.3.2014, proc. 2971/12.5TBBRG.G1.S, de 9.7.2014, de 18.9.2014, proc. 2334/10.7TBGDM.P1.S1, de 15.4.2015, proc. 385/12.6TBBRG.G1.S1 (citando outros acórdãos), de 20.5.2015, proc. 17/13.5TCGMR.G1.S1 (o mais recente de todos, onde são citados outros arestos, e que aqui seguiremos com grande proximidade), in www.dgsi.pt; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.12.2010 e de 9.7.2014, in Colectânea de Jurisprudência do Supremo, T. III, pág. 116 e T. II, pág. 175, respetivamente e acórdãos da Relação de Lisboa de 17.11.2009 e da Relação de Guimarães de 25 de setembro de 2014, Colectânea de Jurisprudência, T. V, pág. 550 T. IV, pág. 261, respetivamente.
[13] Com as alterações introduzidas pelo Decreto- lei nº 60/2004 de 22 de março.
[14] Citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.10.2010.
[15] Como refere Joaquim de Sousa Ribeiro, Cláusulas Contratuais Gerais, Coimbra, 1990, pág. 199.
[16] Idem, pág. 206, 208.
[17] A boa fé como norma de validade, in Direito dos Contratos. Estudos, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, págs. 259 a 267.
[18] Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, Almedina, 2010, pág. 327.
[19] Ana Prata, ob. cit., pág. 335, citando Yara Miranda.
[20] Proc. 2334/10.7TBGDM.P1.S1, in www.dgsi.pt, citando Joaquim de Sousa Ribeiro, O Problema do Contrato, as Cláusulas Contratuais gerais e o Princípio da Liberdade Contratual, Almedina, 2003, páginas 570 e 579 a 583 e José Manuel Araújo de Barros, in Cláusulas Contratuais Gerais, DL 446/85, anotado, Coimbra Editora, 2010, página 172.
[21] Citando Joaquim de Sousa Ribeiro, O Problema do Contrato, as Cláusulas Contratuais gerais e o Princípio da Liberdade Contratual, Almedina, 2003, páginas 570 e 579 a 583 e José Manuel Araújo de Barros, in Cláusulas Contratuais Gerais, DL 446/85, anotado, Coimbra Editora, 2010, página 172.
[22] Ana Prata, ob. cit. pág.s 310 a 312, referindo, designadamente a interpretação que o TJCE efetuou à diretiva comunitária 93/13 no caso Pannon (acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 4 de junho de 2009 – Pannon GSM Zrt. Contra Erzsébet Sustikné GyQrfi (processo C-243/08), in http:// curia.europa.eu/.
[23] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Março de 2015, Colectânea de Jurisprudência do STJ T.I, pág. 167.