Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
10888/14.2T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MIGUEL BALDAIA DE MORAIS
Descritores: LIVRANÇA
ASSINATURA EM BRANCO
PREENCHIMENTO ABUSIVO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
DECISÃO SURPRESA
Nº do Documento: RP2018041110888/14.2T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 04/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 672, FLS 25-40)
Área Temática: .
Sumário: I - A assinatura em branco faz presumir no signatário a vontade de fazer seu o texto que no documento vier a ser escrito, e daí presumir-se que o texto representa a sua vontade confessória.
II - Por isso o valor probatório da livrança que tenha sido subscrita em branco terá de ser ilidido por aquele a quem se exige o cumprimento da obrigação, demonstrando que esse título cambiário não se acha preenchido em conformidade com o que ajustou com o respetivo portador.
III - A declaração mediante a qual se pretende resolver um contrato deve ser suficientemente precisa quanto aos motivos e intenção, não bastando invocar que se resolve o contrato porque a contraparte incumpriu as obrigações a que estava adstrito, tornando-se mister concretizar a situação de incumprimento que legitimará essa forma de extinção do vínculo.
IV - Não é admissível a posterior invocação na ação, como fundamento da resolução, de um qualquer incumprimento da contraparte que não tenha sido feito valer oportunamente na declaração resolutória.
V - O sentido útil do nº 3 do artigo 3º do Código de Processo Civil é o de que, previamente ao exercício da liberdade subsuntiva do juiz no concernente à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, deve este facultar às partes a dedução das razões que considerem pertinentes, perante um possível enquadramento ou qualificação jurídica do pleito, ou uma eventual ocorrência de exceções dilatórias, com que elas não tenham razoavelmente podido contar.
VI - Como assim, sob o enfoque da referida normatividade, o julgador apenas está constituído no dever de observar a contraditoriedade quando esteja em causa uma inovatória e inesperada questão de direito que não tenha, de todo, sido perspetivada pelos litigantes de acordo com um adequado e normal juízo de prognose sobre o conteúdo e sentido da decisão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 10888/14.2T8PRT-A
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Porto, Juízo de Execução - Juiz 4
Relator: Miguel Baldaia Morais
1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra
2ª Adjunta Desª. Maria de Fátima Andrade
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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I- RELATÓRIO

B... e C... deduziram os presentes embargos de executado à ação executiva que lhes foi movida por D..., S.A., invocando como fundamentos:
. Preenchimento abusivo da livrança dada à execução por falta de verificação da denúncia do contrato subjacente à livrança e de observância da prévia interpelação (à denúncia do contrato) de que dependia a exigibilidade da obrigação, tendo assim sido violado o acordo de preenchimento da livrança (entregue em branco) apresentada como título executivo;
. Nulidade do título executivo por ininteligibilidade da causa de pedir e ineptidão do título executivo;
. Cumprimento das obrigações contratuais pelos executados.
Concluem pela procedência dos embargos, impetrando, em consequência, que:
a) Seja declarado nulo o título executivo, nomeadamente pelo invocado preenchimento abusivo da livrança;
b) Seja declarado nulo todo o processo em virtude da ininteligibilidade da causa de pedir e da ineptidão do requerimento executivo;
c) Seja declarada como não devida a quantia exequenda peticionada, por os executados já terem liquidado o crédito individual;
ou subsidiariamente,
d) Seja julgada verificada a causa modificativa do valor supostamente devido pelos executados à exequente, em virtude das amortizações do crédito já devidamente comprovadas nos autos.
A exequente apresentou contestação, na qual alega:
. Que remeteu cartas registadas com aviso de receção aos executados/embargantes em 08/10/2014 a pôr termo ao contrato subjacente à emissão da livrança dada à execução, em virtude da falta de pagamento pelos executados das prestações acordadas;
. Inexistência da arguida nulidade por ininteligibilidade da causa de pedir e ineptidão do título executivo;
. Aceitação da existência de pagamentos efetuados pelos executados após a data da propositura da execução, referindo que a quantia exequenda, por força de tais pagamentos, se encontra reduzida em 07/12/2016 a € 3.016,81, acrescida de juros vincendos e imposto à taxa de 4%, despesas e demais encargos até integral pagamento.
Realizou-se tentativa de conciliação que, todavia, se frustrou.
Foi proferido saneador/sentença que julgou procedentes os presentes embargos de executado, com a consequente extinção da execução intentada contra os executados/embargantes.
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Não se conformando com o assim decidido veio a exequente interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes

CONCLUSÕES:

I. No dia 07/11/2014, o D... moveu execução contra os executados B... e C..., com base numa livrança, subscrita pelos mesmos, no valor de € 8.041,77, vencida em 31/10/2014, e que se encontra a caucionar o contrato de "Crédito ao Consumo E...", assinado, por ambas as partes, mutuante e mutuários, no dia 26/07/2010, livrança essa e contrato que acompanharam o requerimento executivo.
II. Citados os executados, vieram os mesmos deduzir embargos de executado, alegando, entre outras coisas, o preenchimento abusivo da livrança, dada à execução, pondo em causa, a eficácia das comunicações remetidas pelo D... aos executados, que afirmaram não ter recebido, e o desrespeito pelos prazos estabelecidos no contrato.
III. O D... contestou os embargos, juntando as cartas e avisos de receção que comprovam o envio das mesmas aos executados, e mapa discriminativo dos valores apostos na livrança, pugnando pela improcedência dos embargos.
IV. Na contestação, apresentada, em 07/12/2016, (vide art. 40°) o D..., alegou entre outras coisas que recebeu dos executados após 07/11/2014, data da entrada do requerimento executivo em juízo, dois pagamentos avulso, o primeiro, no dia 28/01/2015, no valor de €4.770,96, e o segundo, no dia 20/08/2015, no valor de € 558,46, pagamentos estes que foram precedidos, de ordens verbais e escritas dadas pelos executados ao exequente, ficando a dívida, naquela data, 07/12/2016, reduzida a €3.016,81 (€2.712,35 de capital + € €292,75 de juros contados até à contestação, 07/12/2016 + €11,71 -imposto), por força da imputação daqueles valores.
V. No dia 13/01/2017, responderam os executados, pondo em causa, o envio por parte do exequente das referidas cartas, alegando que no site dos CTT, não se verifica qualquer localização dos registos, e impugnaram o mapa discriminativo junto com a contestação.
VI. O D... respondeu em 20/01/2017, explicando e provando que o prazo máximo para pesquisa de registo no site dos CTT é de um ano, pelo que, sendo as cartas do ano de 2014, não seria possível a pesquisa dos mesmos em 2017.
VII. Por douto despacho proferido em 10/02/2017, foi ordenada pelo Tribunal "a quo" a junção aos autos dos originais das cartas/registos enviados aos executados, o que foi feito, pelo exequente, através de requerimento datado de 23/02/2017, tendo os executados, reagido, impugnando, novamente, os originais remetidos.
VIII. Por douto despacho proferido no dia 05/04/2017, o Mmº Juiz "a quo" convocou as partes para uma tentativa de conciliação, a realizar no dia 15/05/2017, pelas 10 horas, referindo expressamente, "... Até lá e para que a diligência não se revele inútil, devem as partes (designadamente, através dos seus mandatários) entrar em contacto e averiguar da possibilidade de, por meio de concessões mútuas, obterem um entendimento capaz de colocar termo ao litígio".
IX. Por impossibilidade de agenda do mandatário do exequente, foi alterada a data designada, 15/05/2017, para o dia 12/06/2017, e mais uma vez, por impossibilidade de agenda, do mandatário do exequente, substabeleceu o mesmo, na sua Ilustre Colega, Dra. F..., não tendo as partes alcançado qualquer entendimento, na tentativa de conciliação, após o que o Mmº Juiz "a quo" proferiu o seguinte despacho:
"Dada a frustração da finalidade a que se destinava a presente diligência, não obstante ter havido, inclusive, deslocação pessoal do executado para a mesma, façam-se os autos conclusos, a fim de se determinar o ulterior prosseguimento do processo. Notifique. "
X. No dia 17/07/2017, foi proferida a sentença recorrida, que após julgar algumas questões suscitadas nos embargos de executado, tais como, a ineptidão do requerimento executivo e ininteligibilidade da causa de pedir, como improcedentes, julgou também, outras questões pertinentes, precipitadamente, na medida em que o Tribunal, não estava habilitado a conhecer das mesmas, nomeadamente, o alegado preenchimento abusivo da livrança, e se o Tribunal estava já na posse de todos os elementos necessários, para julgar a exceção do preenchimento abusivo da livrança, o que o exequente põe em causa, a decisão não podia deixar de ser, também, a improcedência desta exceção.
XI. A prolação da sentença recorrida, constitui uma autêntica surpresa, para o exequente/embargado, pois o que teve lugar, no dia 12/06/2017, foi uma tentativa de conciliação (art. 594º do CPC) e não uma audiência prévia (art. 591º do CPC), não tendo o exequente/embargado, tido conhecimento prévio da intenção do Tribunal "a quo" de proferir sentença em sede de saneador, e consequentemente tido oportunidade discutir de facto e de direito as questões controvertidas, antes da prolação da sentença, o que constitui uma violação do disposto no art. 3/3º do CPC, geradora de nulidade, nos termos do disposto no art. 195º/1 do CPC. (Neste sentido, veja-se, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 12/11/2015, sob o nº 4507/13.ITBMTS-A.PI, disponível para consulta em www.dgsi.pt)
XII. A sentença recorrida considerou que "... O preenchimento da livrança em branco foi assim efectuado em violação do acordo de preenchimento ...", porquanto "... nas cartas que o Banco alega serem as cartas em que exerceu/cumpriu tais estipulações contratuais" ... "não é comunicada a causa ou fundamento para a resolução do contrato ..... e não é concedido o prazo suplementar de 15 dias para os executados procederem ao pagamento integral das prestações em atraso ou para sanarem a situação fundamento do vencimento antecipado.
XIII. No ponto 6 da Fundamentação de facto, da douta sentença, consta o seguinte: "6.- O Banco exequente alegou na contestação que «pôs termo ao contrato subjacente à emissão da livrança» através do envio aos executados das cartas registadas com aviso de recepção datadas de 08/10/2014 juntas a fls. 74 e 77 do processo físico de embargos de executado, cartas essas com o seguinte teor:.
XIV. Parece da redação do ponto anterior (ponto 6 da sentença recorrida) que no dizer do Mm° Juiz "a quo", o exequente/embargado, alegou mas não provou, que pôs termo ao contrato através do envio das referidas cartas, embora, o entendimento do exequente/embargado não seja aquele, na medida em que ALEGOU E PROVOU que pôs termo ao contrato através do envio das referidas cartas, cujo envio, também provou.
XV. Mas, se o Tribunal "a quo", não estava suficientemente esclarecido quanto ao envio das referidas cartas, do exequente aos executados, e quanto ao seu conteúdo, o que resulta da redação do ponto 6 da fundamentação de facto, tinha que necessariamente, realizar o julgamento, na medida em que, as provas, carreadas para o processo pelo embargado, é não só a documental, mas também a testemunhal, sendo que, esta última, foi completamente ignorada pelo Tribunal "a quo".
XVI. As testemunhas existem para serem confrontadas com os documentos juntos aos autos e precisar os factos, o que não aconteceu.
XVII. O Tribunal "a quo" não pode, salvo o devido respeito, limitar-se a dizer que "o Banco exequente alegou na contestação que …", tem de tomar posição sobre os factos alegados pelas partes, declarando os factos que julga provados e aqueles que julga não provados, sob pena de violação do disposto no art. 607º do CPC.
XVIII. Os documentos particulares juntos pelo embargado, foram todos impugnados pela parte contrária, carecendo de prova suplementar, prova testemunhal - o que não foi feito.
XIX. Importa, desde já, dizer que ao contrário do que foi decidido na sentença recorrida, não há preenchimento abusivo da livrança, a livrança foi entregue em branco ao exequente, para caucionar o pagamento do contrato (ponto 2 da fundamentação de facto) e em caso de incumprimento o Banco exequente poderia preencher a livrança pelo valor que se mostrasse em dívida (capital, juros e demais encargos) à data do incumprimento e executar a mesma (ponto 3 da fundamentação de facto) e que os executados autorizam o exequente a preencher a livrança com uma data de vencimento posterior de qualquer obrigação garantida e por uma quantia que lhe devam ao abrigo do contrato (ponto 4 da fundamentação de facto).
XX. No preenchimento da livrança dada à execução, foi aposto, pelo D..., o remanescente do capital em dívida, no valor de €7.098,20, os juros remuneratórios e de mora, o respetivo imposto, no valor de €943,57, contados às taxas contratualizadas de 15,100% (ponto 8/1 das Condições Particulares) + 3% pela mora (ponto 11/1 das Condições Gerais) + I.S., desde 04/01/2014, data em que foi paga a ultima prestação até 31/10/2014 data do vencimento da livrança, o que tudo somado, perfaz a quantia em dívida, naquela data e que foi aposta na livrança, de € 8.041,77.
XXI. Aquilo que deve estar na livrança tem de estar previsto no pacto de preenchimento, celebrado ao abrigo do princípio da liberdade contratual (art. 405º do CC) e segundo os princípios da boa-fé (arts. 227º e 762º do CC).
XXII. No caso dos autos, o que está aposto na livrança, foi aquilo que as partes quiseram, nem mais, nem menos. Foi autorizado o preenchimento pelos subscritores, foi autorizado que lá fosse aposto o capital, os juros contratados e de mora, e respetivo imposto, a data de vencimento, pelo que a livrança dada à execução não padece de qualquer vício, nomeadamente aqueles que lhes são apontados pelos embargantes.
XXIII. A resolução (e não denúncia) por parte do exequente/mutuante D... foi efetuada pelo meio próprio e previsto no pacto, através das cartas registadas com aviso de receção, e o preenchimento da livrança em branco respeitou integralmente o convencionado, pelo que não poderia a douta sentença recorrida julgar extinta a execução, com base em fundamentos, como a redação da carta remetida, ou, o prazo facultado aos mesmos, para evitarem a execução da garantia/livrança em juízo.
XXIV. A ser acolhido o entendimento dos embargantes, como o foi, na sentença recorrida, precipitadamente, na medida em que o Tribunal "a quo" não dispunha ainda de todos elementos para uma decisão conscienciosa e segura, bastaria aos mutuários incumpridores, invocar vícios com a redação das cartas de resolução, para se eximirem ao cumprimento das suas obrigações, o que constitui abuso de direito, nos termos do disposto no art. 334º do CC.
XXV. Quando os mutuários se dirigiram ao mutuante, e efetuaram dois pagamentos no ano de 2015 por conta da divida aqui em causa, o PRIMEIRO, no dia 28/01/2015, no valor de €4.770,96, e o SEGUNDO, no dia 20/08/2015, no valor de €558,46, reconheceram a existência da divida, aqui em causa.
XXVI. Os executados/embargantes, nos artigos 57° a 71° da petição de embargos, põem em causa a existência da dívida, mas acabam por admitir que a mesma possa estar reduzida a € 1.677,29, tendo em conta, os valores que, entretanto, foram pagos, pois na petição de embargos.
XXVII. Recorde-se que, os executados, deixaram de pagar, em Janeiro de 2014, e as cartas foram remetidas em Outubro de 2014, tendo a execução dado entrada em Novembro de 2014, sendo que, após esta data foram feitos dois pagamentos avulso, por conta do empréstimo, aqui em causa, pelos próprios executados, como expressamente é referido pelos mesmos, no art. 57° da p.i. de embargos.
XXVIII. O exequente alegou ser credor dos executados, após a redução da dívida, no art. 40° da contestação da quantia €3.016,81, a que acrescem os juros vincendos e respetivo imposto, e os executados admitem nos artigos 70° e seguintes da petição de embargos, que poderão dever, a quantia de €1.677,29, pelo que, só o Tribunal "a quo" poderá dirimir esta questão, através do julgamento, onde para além da prova documental junta aos autos deverão ser inquiridas as testemunhas arroladas pelo embargado D..., com vista ao cabal esclarecimento das verbas ainda em dívida, sendo que, tratando-se de questão suscitada pelas partes, o Meritíssimo Juiz "a quo" terá de pronunciar-se sobre esta questão e todas as demais questões já levantadas anteriormente, em obediência, designadamente, ao disposto no artigo 608°/2 do CPC, estando, vedado ao Mmº Juiz "a quo" o conhecimento imediato do mérito da causa, ao abrigo do disposto no art. 595°/l/b do CPC.
XXIX. No que diz respeito, ao primeiro fundamento referido na sentença recorrida, para considerar verificado o preenchimento abusivo, «: nelas não é comunicada a causa ou fundamento para a resolução do contrato" cabe esclarecer que as cartas que constituem os Docs, I e 2 juntos com a contestação do D..., são cartas pré-elaboradas, minutas, para todos os contratos, que se mostrem incumpridos, por falta de pagamento das prestações com livrança-caução e que constituem 99% das situações de incumprimento, pelo que, nem sempre os termos técnico-jurídicos, são utilizados da melhor forma, devendo entender-se que, o termo "denúncia", utilizado nas cartas, aqui em causa, corresponde, à RESOLUÇÃO. O contrato, aqui em causa, foi resolvido, e não denunciado, pelo que,
XXX. A exigência constante da Cláusula 12.2 do Contrato que estipula, que "O E... pode, também, denunciar o Contrato em causa desde que comunique a sua decisão ao cliente, por escrito e devidamente justificada, com um pré-aviso de, pelo menos, dois meses" não é feita na Cláusula 13.2 do Contrato, pelo que, no caso de resolução do contrato, o Banco, não terá de observar, o ali estipulado para a denúncia, o que bem se compreende, porquanto: uma coisa é as partes estarem a cumprir pontualmente aquilo que foi reciprocamente convencionado, e uma das partes pretender, mesmo assim, pôr termo ao contrato, que caracteriza a DENÚNCIA; mas, outra coisa bem diferente, é uma das partes incumprir, e por esse motivo a outra parte exigir que a parte faltosa lhe pague, comunicando o vencimento antecipado, com vista à RESOLUÇÃO do contrato (art. 432º do C.C.) Neste sentido, veja-se o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 18/11/1999, Proc. 1076/98, disponível em www.dgsi.pt.
XXXI. A sentença recorrida, faz, assim, uma errónea interpretação do contrato, porquanto, não distinguiu as Cláusulas respeitantes à Denúncia (Cláusula 12) que não são aplicáveis ao caso dos autos, das Cláusulas respeitantes à Resolução (Cláusula 13), podendo ali ler-se: "Lido o contrato, resulta do aí estipulado - cláusulas 12. e 13. das Condições Gerais; “... As cartas em causa não cumprem os requisitos previstos nas cláusulas 12.3 e 13. das Condições Gerais do Contrato: …".
XXXII. Nos casos de denúncia, (Cláusula 12) o exequente teria de comunicar "... a sua decisão ao cliente, por escrito e devidamente justificada ..." e no caso de resolução (Cláusula 13.2) o exequente terá de comunicar por carta registada com aviso de receção quais os direitos que pretende exercer e que vêm elencados nas alíneas a), b) e c), o que foi feito.
XXXIII. O D..., através das cartas que remeteu aos mutuários, dá a conhecer aos mesmos, que por falta de pagamento das prestações, o D..., pretende pôr termo ao contrato, porquanto ali são utilizadas expressões como "valores em atraso", "o valor da dívida ", etc ... e ali foi fornecida uma referência multibanco e estabelecida uma data de pagamento, o que, para qualquer cidadão minimamente informado, significa, que existem valores em atraso por liquidar e que foram o motivo da "denúncia" - leia-se "resolução", porquanto a carta começa por dizer: "Vimos por este meio confirmar que o contrato acima referido, do qual VExa. é titular, encontra-se, em fase de contencioso. Deste modo, foi o mesmo denunciado …" leia-se "resolvido" (art. 236º do CC).
XXXIV. A linguagem utilizada nas cartas remetidas, é de modo a que seja facilmente apreendida, para qualquer cidadão que a leia, porquanto, se a linguagem utilizada, fosse técnica, dizendo, por exemplo que, nos termos da cláusula 13.1 a) das Condições Gerais, ocorreu o vencimento antecipado do crédito, pelo que, é dado cumprimento, ao previsto no ponto 13.2. do contrato, provavelmente, tal missiva, seria ininteligível para a maior parte dos cidadãos.
XXXV. Assim, na carta remetida aos mutuários é facilmente inteligível, que o mutante D..., está a pôr termo ao contrato, em virtude dos valores em dívida, pelo que "... é agora exigido o pagamento da totalidade do valor do contrato, incluindo o montante dos valores em atraso e o montante do capital em dívida até ao final do prazo do contrato, acrescido das despesas extra judiciais incorridas", procedendo, ao preenchimento da livrança, que poderá ser paga, através dos meios que ali vêm indicados.
XXXVI. Ao contrário do alegado na douta sentença recorrida, as comunicações efetuadas pelo mutuante aos mutuários, não padecem de qualquer vício, e cumprem integralmente o convencionado inter-partes, designadamente, o disposto na Cláusula 13.2 do Contrato.
XXXVII. Se por hipótese, os executados se apresentassem à insolvência ou um terceiro, requeresse a mesma, o D... poderia reclamar ali os seus créditos, sem que previamente tivesse que remeter uma carta registada com aviso de receção, aos aqui executados (vide Cláusula 13.1 f) do Contrato), o que quer dizer que, o direito do D... poder acionar os mutuários, não emerge daquela comunicação, mas do facto de se ter verificado uma das condições previstas no contrato que para que se considerasse o vencimento antecipado do contrato (vide Cláusula 13.1 f) do Contrato)
XXXVIII. No que diz respeito ao segundo fundamento, referido na sentença recorrida, para que se considerasse que as cartas não cumpriam o estipulado inter partes"-nelas não é concedido o prazo suplementar de 15 dias para os executados procederem ao pagamento integral das prestações em atraso ou para sanarem a situação fundamento do vencimento antecipado, se atentarmos, na cronologia dos factos, verificamos que: os executados deixaram de pagar as prestações, do empréstimo aqui em causa, em 04/01/2014, conforme foi referido na contestação do D... (vide arts. 12º e 38º), e resulta do mapa discriminativo junto que acompanhou a contestação sob o Doc. 3; As cartas remetidas pelo mutuante aos mutuários estão datadas de 08/10/2014, muito embora as cartas tenham sido remetidas no dia 14/10/2017, conforme resulta dos avisos de receção juntos aos autos; A execução deu entrada no Tribunal no dia 07/11/2014.
XXXIX. Verifica-se, assim, o disposto na cláusula 13.1/a) do Contrato, isto é, estão mais de três prestações sucessivas em atraso, de 04/01/2014 (data da última prestação em atraso) a 08/10/2014 (cartas remetidas ao executado).
XL. Nos termos da cláusula 13.1/a) do Contrato, a falta de pagamento pelo Cliente de duas prestações sucessivas cujo valor seja superior em 10% ao montante total do Crédito ou, em qualquer caso, falta de pagamento de três prestações sucessivas é passível de ser considerado fundamento de vencimento antecipado do contrato, pelo que, estava, o D..., nos termos da cláusula 13.2, totalmente legitimado a "... exercer todos ou qualquer um dos direitos e/ou acções seguintes, disso notificando por carta registada com aviso de receção o Cliente: a) Cancelar o Crédito não utilizado, se for o caso; b) Declarar imediatamente vencidas todas as obrigações vencidas pelo Cliente no Contrato exigindo o pagamento imediato de todos os montantes devidos ou seu abrigo; c) Proceder à imediata execução de todas ou parte das garantias ", o que o D... fez, através das cartas remetidas aos mutuários datadas de 08/10/2014, comunicando aos executados o preenchimento da livrança, e os meios para pagamento da dívida e só moveu a execução no dia 07/11/2014, mais de 15 dias depois.
XLI. No preenchimento da livrança, foram observados, pelo exequente, os termos e limites ajustados, previamente, pelas partes no contrato, com plena observância do que dispõe a lei, a este respeito (art. l0° da LULL ex vi 77º da LULL).XLII. Ficou convencionado que, para garantia e segurança das obrigações assumidas no referido contrato, os mutuários, entregaram simultaneamente, ao exequente, com a assinatura do contrato, a livrança em branco, subscrita pelos mesmos, e autorizaram o D... a proceder ao seu preenchimento em caso de incumprimento (vide Cláusula 12° das Condições Particulares) sendo certo que, após uma situação de vencimento antecipado do Crédito, o D... estava autorizado a "proceder à imediata execução de todas ou parte das garantias." (vide Cláusula 13.2°/c) das Condições Gerais), pelo que a livrança dada à execução é título executivo totalmente válido e não nulo.
XLIII. Assim, ao contrário do referido na sentença recorrida, foi respeitado o convencionado inter-partes, quer no que diz respeito à forma - carta registada com aviso de receção a dar conhecimento aos executados que o contrato fica resolvido por falta de pagamento das prestações, sendo exigido o pagamento da totalidade da dívida, encontrando-se a pagamento a livrança - quer no que diz respeito aos prazos - prazo superior a 15 dias concedido aos executados para pagamento extrajudicial da dívida, improcedendo, assim, a exceção do preenchimento abusivo.
XLIV. A prolação da sentença recorrida, sem que tenha sido dado conhecimento prévio da intenção do Tribunal "a quo" de proferir sentença em sede de saneador, e consequentemente sem ter sido dada a oportunidade discutir de facto e de direito todas as questões controvertidas, antes da prolação da sentença, constitui uma violação do disposto no art. 3º/3 do CPC, geradora de nulidade, nos termos do disposto no art. 195°/1 do CPC, devendo, ser anulada a sentença recorrida e ordenada a baixa do processo à 1ª Instância, e o prosseguimento dos autos, com a consequente produção de prova, em sede de julgamento.
XLV. O Tribunal "a quo" terá de pronunciar-se sobre a questão do preenchimento abusivo, após produção de prova, dado que é patente na matéria de facto provada que o Tribunal "a quo" não está esclarecido (veja-se o ponto 6 da matéria de facto) e todas as demais questões levantadas pelas partes, em obediência, designadamente, ao disposto no artigo 608°/2 do CPC, estando, vedado ao Mmº Juiz "a quo" o conhecimento imediato do mérito da causa, ao abrigo do disposto no art. 595°/1 b do CPC.
XLVI. Violou, assim, a douta sentença recorrida, o disposto, designadamente, nos artigos 3°/3, 595°/1 b) 607° e 608°/2 do CPC e artigos 236° e 342º/2, 432º, 762º do C.C. e art. 10° da LULL.
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Os executados/embargantes apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Cód. Processo Civil.
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, são as seguintes as questões solvendas:
. da (in)existência de elementos para afirmar o preenchimento abusivo da livrança;
. da ocorrência de prolação de decisão-supresa.
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III- FUNDAMENTOS DE FACTO

O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte factualidade:
1. - A execução a que estes embargos de executado correm por apenso foi instaurada em 07/11/2014 pelo exequente D..., S.A. contra os executados B... e C..., juntando o exequente como título executivo a livrança junta a fls. 46 do processo físico de execução, subscrita pelos executados e preenchida nos seguintes termos:
Local e data de emissão: LISBOA 2010-07-26
Importância: 8.041,77 €
Vencimento: 2014-10-31.
2. - A livrança referida em 1. foi entregue, em branco, ao Exequente, pelos Executados, para garantir/caucionar, o pagamento do contrato de Crédito ao Consumo E... celebrado em 26 de Julho de 2010, pelo qual o Banco exequente concedeu aos executados um empréstimo no valor de €17.172,28, a reembolsar em prestações mensais constantes e sucessivas de capital e juros de € 414,90, vencendo-se a primeira no dia 4, contrato esse junto a fls. 27 e 28 do processo físico de execução, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
3. - Foi convencionado no aludido contrato que em caso de incumprimento das obrigações assumidas no contrato supra, o Banco exequente poderia preencher a livrança, entregue em caução, pelos executados, pelo valor que se mostrasse em dívida (capital, juros e demais encargos) à data do incumprimento e executar a mesma.
4. - Foi ainda estipulado no aludido contrato que os Executados, autorizam o Exequente a preencher a livrança, com uma data de vencimento posterior ao vencimento de qualquer obrigação garantida e por uma quantia que estes lhe devam ao abrigo do contrato, nos termos da cláusula 12. das Condições particulares do aludido contrato, junto a fls. 27 e 28 do processo físico de execução.
5. - Nos termos do aludido contrato, junto a fls. 27 e 28 do processo físico de execução, foi acordado entre as partes, conforme consta das Condições Gerais do aludido contrato:
5.1. - No ponto 12.2, sob epígrafe “Denúncia e Resolução do Contrato de duração indeterminada”, que “O E... pode, também, denunciar o Contrato em causa desde que comunique a sua decisão ao cliente, por escrito e devidamente justificada, com um pré-aviso de, pelo menos, dois meses.
5.2. - Nos termos do ponto 12.3., “Consideram-se fundamentos para a resolução pelo E... de Contrato de duração indeterminada, as situações previstas em 13.1. destas Condições Gerais, seguindo-se os procedimentos previstos em na cláusula 13.”
5.3. - Nos termos da cláusula 13. Das Condições Gerais, sob epígrafe “Vencimento Antecipado”, “13.1 As seguintes situações são passíveis de ser consideradas como fundamento de vencimento antecipado de Crédito:
a) Falta de pagamento pelo Cliente de duas prestações sucessivas cujo valor seja superior em 10% do montante total do Crédito ou, em qualquer caso, falta de pagamento de três prestações sucessivas.
b) Falsa participação de sinistro coberto pelo seguro, quando tenha sido contratado.
c) Diminuição das garantias prestadas ou do seu valor, bem como a alienação ou oneração do respectivo objeto.
d) Penhora ou qualquer outra apreensão judicial de quaisquer contas bancárias do Cliente afectas ao Contrato ou do objecto de quaisquer garantias prestadas.
e) Incumprimento de qualquer outra obrigação pecuniária de qualquer montante do Cliente perante o E..., incluindo cessação ou suspensão de pagamentos, desde que tal obrigação se encontre vencida, reclamada, ou não haja sido regularizada.
f) Instauração contra o Cliente de qualquer dos processos previstos no Código de Insolvências e de Recuperação de Empresas ou noutros diplomas que regulamentem ou venham a regulamentar essas matérias.
g) Integração do Cliente na listagem de utilizadores de cheques que oferecem risco (organizada, nos termos da lei, pelo Banco de Portugal).”
5.4. - Nos termos da cláusula 13., ponto 2., ficou estipulado que “Após a ocorrência de uma situação de vencimento antecipado do Crédito, o E... poderá exercer todos ou qualquer um dos direitos e/ou acções seguintes, disso notificando por carta registada com aviso de receção o Cliente:
a) Cancelar o Crédito não utilizado, se for o caso;
b) Declarar imediatamente vencidas todas as obrigações vencidas pelo Cliente no Contrato, exigindo o pagamento imediato de todos os montantes devidos ou seu abrigo;
c) Providenciar à imediata execução de todas ou parte das garantias”.
5.5. - Nos termos da cláusula 13., ponto 3., ficou estipulado que “O E... concederá ao Cliente um prazo suplementar de 15 dias para proceder ao pagamento integral das prestações em atraso, acrescidas das indemnizações e encargos devidos, ou para sanar a situação de vencimento antecipado que tiver ocorrido, o que, não sendo cumprido pelo Cliente, implicará a resolução do Contrato e a execução as garantias executórias”.
5.6. - Nos termos da cláusula 20. Das Condições Gerais, sob epígrafe, “comunicações”, ficou estipulado que “Salvo se diferentemente previsto neste Contrato, as comunicações entre as partes devem ser efectuadas mediante carta registada com aviso de receção, ou telefax, e dirigidas para os endereços e postos de receção referidos no ponto comunicações das condições particulares” (ponto 20.1.).
6. - O Banco exequente alegou na contestação que «pôs termo ao contrato subjacente à emissão da livrança» através do envio aos executados das cartas registadas com aviso de recepção datadas de 08/10/2014 juntas a fls. 74 e 77 do processo físico de embargos de executado, cartas essas com o seguinte teor:
Lisboa, 8 de Outubro de 2014
ASSUNTO: PREENCHIMENTO DE LIVRANÇA DO CONTRATO N.º ...........
PROCESSO N.º .........

E.xmo(a) Senhor(a),
Vimos por este meio confirmar que o contrato acima referido, do qual V.Exa. é Titular, encontra-se já em fase de Contencioso. Deste modo foi o mesmo denunciado pelo que, e de acordo com as cláusulas contratuais, é agora exigido o pagamento da totalidade do valor do contrato, incluindo o montante dos valores em atraso e o montante dc capital em divida até ao final do prazo do contrato, acrescido das despesas extrajudiciais incorridas.
Informamos ainda que, igualmente ao abrigo do clausulado contratual foi efectuado o Preenchimento da Livrança de Caução, entregue para o efeito por V.Exa,, com o montante de 8.041,77 Euro. Este valor encontra-se a pagamento nos nossos serviços, Rua ..., n.º.. –..º andar, em Lisboa, até 2014/10/31 (data de vencimento da livrança). O valor em divida refere-se às seguintes parcelas vencidas:

CAPITAL 7.098,20 Euro
JUROS + I.S. 943,57 Euro

Total da Livrança a Pagar 8.041,77 Euro

Para efectuar o pagamento, poderá utilizar qualquer caixa Multibanco com os dados abaixo indicados, ou utilizar os meios alternativos oportunamente informados.
Estamos igualmente a notificar todos os intervenientes do presente contrato.
Sem outro assunto de momento, apresentamos os nossos cumprimentos.
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IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO
IV.1 – Do preenchimento abusivo da livrança dada à execução

Apelando ao substrato factual que logrou demonstração (e que não foi alvo de impugnação em sede recursória), verifica-se que a relação estabelecida entre as partes e que acabou por dar origem ao litígio configura uma atuação frequente no relacionamento entre as instituições bancárias e os seus clientes, em que se contrata um financiamento a favor destes e recorre-se a livrança por eles subscrita, que oferecem, desse modo, uma garantia de ordem pessoal.
No caso vertente, tal garantia foi prestada pelos executados/embargantes mediante a aposição das suas assinaturas, como subscritores, na livrança que serve de título na ação executiva, que ficou na posse da exequente/embargada.
Os embargantes não contestam assim que tenham aposto a respetiva assinatura na livrança que foi dada à execução, a qual foi entregue à exequente contendo apenas as suas assinaturas, sendo certo que não se mostra questionada a admissibilidade da livrança em branco, que, aliás, resulta do disposto no art. 10º ex vi do § 2º do art. 77º, ambos da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (LULL).
Com efeito, conforme vem sendo defendido[1], nenhum obstáculo existe à perfeição da obrigação cambiária quando a livrança, incompleta, contém uma ou mais assinaturas destinadas a fazer surgir tal obrigação, ou seja, quando as assinaturas nela apostas exprimam a intenção dos respetivos signatários de se obrigarem cambiariamente, quer se entenda que a obrigação surge apenas com o preenchimento, quer antes, no momento da emissão, a ele retroagindo a efetivação constante do título por ocasião do preenchimento. Necessário é que se mostre preenchida até ao momento do ato de pagamento voluntário.
Ora, como deriva do art. 378º do Cód. Civil, a assinatura em branco faz presumir no signatário a vontade de fazer seu o texto que na livrança vier a ser escrito – vontade confessória – beneficiando tal presunção o apresentante do título.
Na verdade, como salienta FERRER CORREIA[2], quem emite uma livrança em branco atribui àquele a quem a entrega o direito de a preencher em certos e determinados termos, isto é, o subscritor atribui àquele a quem a entrega o direito de a preencher em conformidade com o pacto ou contrato de preenchimento.
A este propósito a doutrina vem advogando que a autorização para a livrança em branco ser completada pode ser expressa ou mesmo ser conferida tacitamente, sendo de presumir que exista. E o próprio acordo de preenchimento pode ser ou não expresso[3]. Será expresso, quando as partes estipulam certos termos concretos; tácito, no caso de estar implícito nas cláusulas do negócio determinante da emissão do título.
Analisando o requerimento inicial da ação executiva (cfr. arts. 2º, 10º e 11º), dele deriva que a exequente quis lançar mão da ação cambiária invocando como causa de pedir a obrigação cartular, procurando, desse modo, exigir o cumprimento da obrigação formal representada pela livrança que, como é sabido, assume natureza de meio de pagamento e de instrumento de crédito. Daí que a LULL tenha estabelecido uma disciplina jurídica especial, destinada, precisamente, a facilitar a circulação desse título de crédito.
Com esse escopo estabeleceram-se determinados princípios enformadores da articulação dos quais se pode concluir que a livrança é um título de crédito literal, formal, autónomo e abstrato, sendo que por força desta última característica tudo se passa como se a obrigação causal ou subjacente não existisse, sendo a livrança independente da respetiva causa debendi.
Contudo, no caso sub judicio, encontramo-nos no domínio das relações imediatas, implicando tal circunstância que a obrigação cambiária como que deixa de ser literal e abstrata. Essa obrigação fica assim sujeita às exceções que, nas relações pessoais entre o portador do título e o subscritor, possam ser invocadas (cfr. arts. 17º, 77º e 78º todos da LULL).
A este respeito, os embargantes estribaram a sua defesa, para além do mais, em materialidade que está fora do âmbito da relação cartular, posto que apelaram a elementos a ela estranhos, concretamente ao facto de ter ocorrido preenchimento abusivo da livrança. Assim, de acordo com as concretas afirmações de facto vertidas pelos embargantes no articulado com que deram início ao presente enxerto declaratório, não foi respeitado o pacto de preenchimento porquanto a exequente não observou o procedimento estabelecido no contrato – que constitui a relação subjacente - em caso de resolução ou denúncia do mesmo.
Procedendo à exegese do ajuizado contrato de financiamento (que as partes denominaram de “contrato de crédito ao consumo E...” e que se mostra documentado a fls. 27 e 28 dos autos) dele flui que aquando da sua celebração foi entregue à exequente a livrança que suporta a pretensão executória, subscrita pelos executados, que nessa ocasião autorizaram aquela a preencher o título nos termos estabelecidos no § 2º da 10ª condição particular, o que consubstancia um pacto de preenchimento expresso.
Portanto, em conformidade com o regulamento contratual, a livrança destinar-se-ia a ser preenchida em caso de resolução ou denúncia do contrato de crédito, mormente por incumprimento da respetiva prestação debitória por banda dos executados.
Já se deu nota que a assinatura em branco faz presumir no signatário a vontade de fazer seu o texto que no documento vier a ser escrito, e daí presumir-se que o texto representa a sua vontade confessória. Tal presunção beneficia o apresentante do documento ou aquele a quem a confissão ou escrito aproveita, cabendo à parte contrária, ou contra quem o documento é oferecido, provar que nele se inseriram declarações divergentes do ajustado com o signatário.
Por isso se vem pacificamente entendendo que, nessas circunstâncias, o valor probatório da livrança terá de ser ilidido por aquele a quem se exige o cumprimento da obrigação, mostrando este que esse título cambiário não se acha preenchido em conformidade com o ajustado entre o respetivo portador e o seu subscritor, ou seja, a eficácia dessa exceção perentória depende de se trazerem ao processo factos que demonstrem o abuso do preenchimento.
Com tal desiderato, os executados/embargantes alegaram que a exequente/embargada desrespeitou notoriamente o pacto de preenchimento, ao ignorar as obrigações constantes dos pontos 12, 13 e 20 das condições gerais do contrato de crédito, posto que se verifica:
. omissão da comunicação por escrito, devidamente justificada, da denúncia do contrato;
. omissão do envio da comunicação por escrito, devidamente justificada, da denúncia do contrato, com pré-aviso de dois meses;
. falta da notificação por carta registada com aviso de receção do exercício de um dos direitos previstos na cláusula 13.2;
. omissão da concessão de um prazo suplementar de 15 dias para proceder ao pagamento integral das prestações em atraso, acrescidas das indemnizações e encargos devidos, ou para sanar a situação de vencimento antecipado que tiver ocorrido;
. omissão de envio de todas as comunicações entre as partes mediante carta registada com aviso de receção.
O decisor de 1ª instância secundou, em grande medida, esse entendimento, considerando que o “preenchimento da livrança em branco foi efetuado em violação do acordo de preenchimento, [já que] a mesma só podia ter sido preenchida após a resolução do contrato em conformidade com o convencionado no contrato, a qual pressupunha necessariamente a prévia observância do estipulado na cláusula 13.3, e a devida comunicação da causa de incumprimento por parte dos executados que o Banco exequente entendia constituir fundamento para a resolução do contrato. Tal não é observado nas cartas que o Banco alega serem as cartas em que exerceu/cumpriu tais estipulações contratuais, pelo que procedem os embargos de executado, por verificação da arguida exceção de preenchimento abusivo da livrança dada à execução”.
A apelante rebela-se contra o referido segmento decisório advogando que existia válido fundamento para proceder à resolução do ajuizado contrato, posto que os executados não procederam ao pontual pagamento das prestações convencionadas.
Que dizer?
Vejamos antes do mais o que adrede consta do programa contratual estabelecido entre as partes, maxime nas mencionadas condições gerais.
Assim, na respetiva cláusula 12ª, sob a epígrafe Denúncia e Resolução do Contrato de duração indeterminada, dispõe o seu nº 2 que “O E... pode, também, denunciar o contrato em causa desde que comunique a sua decisão ao cliente, por escrito e devidamente justificada, com um pré-aviso de, pelo menos, dois meses”; dispõe ainda o nº 3 da mesma cláusula que se consideram “fundamentos para a resolução pelo E... de contrato de duração indeterminada, as situações previstas em 13.1. destas Condições Gerais, seguindo-se os procedimentos previstos na cláusula 13ª”.
Nos termos do nº 1 dessa cláusula 13º constituem situações “passíveis de ser consideradas como fundamento de vencimento antecipado de Crédito:
a) Falta de pagamento pelo Cliente de duas prestações sucessivas cujo valor seja superior em 10% do montante total do Crédito ou, em qualquer caso, falta de pagamento de três prestações sucessivas.
b) Falsa participação de sinistro coberto pelo seguro, quando tenha sido contratado.
c) Diminuição das garantias prestadas ou do seu valor, bem como a alienação ou oneração do respectivo objeto.
d) Penhora ou qualquer outra apreensão judicial de quaisquer contas bancárias do Cliente afectas ao Contrato ou do objecto de quaisquer garantias prestadas.
e) Incumprimento de qualquer outra obrigação pecuniária de qualquer montante do Cliente perante o E..., incluindo cessação ou suspensão de pagamentos, desde que tal obrigação se encontre vencida, reclamada, ou não haja sido regularizada.
f) Instauração contra o Cliente de qualquer dos processos previstos no Código de Insolvências e de Recuperação de Empresas ou noutros diplomas que regulamentem ou venham a regulamentar essas matérias.
g) Integração do Cliente na listagem de utilizadores de cheques que oferecem risco (organizada, nos termos da lei, pelo Banco de Portugal).”
No ponto 2 da mesma cláusula 13ª estipulou-se que “Após a ocorrência de uma situação de vencimento antecipado do Crédito, o E... poderá exercer todos ou qualquer um dos direitos e/ou acções seguintes, disso notificando por carta registada com aviso de receção o Cliente:
a) Cancelar o Crédito não utilizado, se for o caso;
b) Declarar imediatamente vencidas todas as obrigações vencidas pelo Cliente no Contrato, exigindo o pagamento imediato de todos os montantes devidos ou seu abrigo;
c) Providenciar à imediata execução de todas ou parte das garantias”.
Preceitua ainda o nº 3 da mesma cláusula 13ª que “O E... concederá ao Cliente um prazo suplementar de 15 dias para proceder ao pagamento integral das prestações em atraso, acrescidas das indemnizações e encargos devidos, ou para sanar a situação de vencimento antecipado que tiver ocorrido, o que, não sendo cumprido pelo Cliente, implicará a resolução do Contrato e a execução as garantias executórias”.
Por último, nos termos da cláusula 20ª - sob a epígrafe comunicações - ficou estipulado que “Salvo se diferentemente previsto neste Contrato, as comunicações entre as partes devem ser efectuadas mediante carta registada com aviso de receção, ou telefax, e dirigidas para os endereços e postos de receção referidos no ponto comunicações das condições particulares”.
Portanto, na economia do contrato, a regularidade da sua denúncia por parte da exequente pressupunha a justificação (naturalmente através de invocação de um determinado motivo, como, aliás, emerge, com meridiana clareza, do cotejo entre os nºs 1 e 2 da cláusula 12ª) dessa forma de cessação do vínculo contratual e a sua comunicação, por escrito, ao cliente, com um pré-aviso de, pelo menos, dois meses. Já no concernente à resolução, a sua validade, nos termos convencionados, estaria subordinada à ocorrência de algum dos fundamentos tipicamente contemplados nas várias alíneas do nº 1 da cláusula 13ª ex vi do nº 3 da cláusula 12ª, tornando-se igualmente mister a observância do procedimento previsto nos nºs 2 e 3 da dita cláusula 13ª, ou seja, a indicação do concreto fundamento e a sua comunicação ao cliente por carta registada com aviso de receção e bem assim a concessão de um prazo suplementar de 15 dias para este último proceder à regularização da situação que legitimará a pretensão resolutória, sob pena de operar a extinção do vínculo (o que, nesse contexto, equivale a uma interpelação admonitória).
Resulta, assim, claro que a lex contractus sujeita quer a denúncia, quer a resolução a regras procedimentais e de conteúdo, exigindo, designadamente, a indicação das concretas razões que as justificam, o que, aliás, se mostra em linha com o entendimento que, a propósito desta última forma de extinção das relações contratuais, vem sendo sustentado pela doutrina pátria[4], que considera que a declaração mediante a qual se pretende resolver um contrato deve ser suficientemente precisa quanto aos motivos e intenção, não bastando invocar que se resolve o contrato porque a contraparte incumpriu as obrigações a que estava adstrito, tornando-se mister concretizar a situação de incumprimento que a legitimará, pois, doutra forma, não se poderá verificar a situação de incumprimento e apreciar a sua gravidade.
Na situação em apreço, tanto o tribunal a quo como a apelante assentam no pressuposto de que com a missiva a que se alude no ponto nº 6 dos factos provados visou esta pôr termo ao ajuizado contrato de crédito por resolução.
Tendo presentes as descritas regras contratuais importa, pois, dilucidar se operou, de forma válida e eficaz, a extinção, por resolução, da relação contratual que vigorava entre as partes, sendo que, como anteriormente se sublinhou, somente na afirmativa estaria verificado o condicionalismo que, em consonância com o regulamento contratual, legitimaria o preenchimento da ajuizada livrança.
Analisando a missiva que plasma a (alegada) declaração resolutória, resulta evidente a forma vaga e genérica da fundamentação utilizada, ficando sem se saber, in concreto, qual o motivo que presidiu a essa declaração de vontade, sendo que a contraparte tem, naturalmente, o direito de saber por que factos ou razões concretas se tinha de considerar resolvido o negócio, pois só assim se garantiria o efetivo contraditório.
É certo que a apelante, na contestação que apresentou, alegou que a resolução se estribou no facto de existirem três prestações sucessivas em atraso, verificando-se, assim, o fundamento resolutivo previsto na alínea a) do nº 1 da 13ª condição geral.
Ora, independentemente da efetiva ocorrência desse inadimplemento, vem-se entendendo[5] que, em face do princípio da imutabilidade da causa de resolução que rege nesta matéria, o resolvente não pode invocar outros factos, para além daqueles que indicou na comunicação à contraparte, ou seja, não é admissível a posterior invocação na ação, como fundamento da resolução, de um qualquer incumprimento da contraparte que não tenha sido feito valer oportunamente na declaração de resolução. Como assim, estaria vedado à exequente invocar, já em sede executória, fundamentos resolutórios que, no tempo devido, não aduziu.
De igual modo, resulta evidenciada a inobservância do procedimento atinente à formalização da resolução, maxime das formalidades impostas nos nºs 2 e 3 da aludida cláusula 13ª.
Deste modo, e ao invés do entendimento preconizado pela apelante, o tribunal a quo dispunha de todos os elementos necessários para afirmar, como afirmou, o preenchimento abusivo da livrança, na justa medida em que a extinção do contrato levada a cabo pela exequente foi realizada fora do condicionalismo prescrito na lex contractus, o que implica, por conseguinte, a sua ilicitude, não se vislumbrando, nessas circunstâncias, em que medida a invocação dessa exceção perentória por banda dos executados configure, em concreto, qualquer atuação em abuso do direito, não obstando a essa conclusão o facto de, no ínterim, terem procedido a alguns pagamentos para regularização do seu débito.
Improcedem, pois, as conclusões I a X, XII a XLIII.
***
IV.2 – Da nulidade da sentença recorrida por inobservância da contraditoriedade e por constituir uma decisão-surpresa

Como se deu nota, a apelante suscita nas suas alegações recursivas, ainda que subsidiariamente, a questão da nulidade da decisão recorrida, porquanto, segundo advoga, a mesma foi prolatada sem prévio cumprimento do princípio do contraditório relativamente à questão do preenchimento abusivo, sendo certo que tal ato decisório constituiu uma decisão-surpresa ao afirmar a verificação de tal exceção perentória.
O mencionado princípio mostra-se plasmado, em termos gerais, no art. 3º do Cód. Processo Civil, sendo que, na sua vertente de direito de resposta, o seu nº 3 expressamente dispõe que “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Como tem sido assinalado, o transcrito segmento normativo veio ampliar o âmbito da regra do contraditório, tal como era tradicionalmente entendida, como garantia de uma discussão dialética entre as partes ao longo do desenvolvimento do processo.
Isso mesmo é enfatizado por LEBRE DE FREITAS[6], segundo o qual «a esta conceção, válida mas restritiva, substitui-se hoje uma noção mais lata de contraditoriedade, com origem na garantia constitucional do “rechtliches Gehör” germânico, entendida como garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontram em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão. O escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo».
No entanto, o entendimento amplo da regra da contraditoriedade, nos moldes afirmados na citada dimensão normativa, não pretende, obviamente, significar a limitação da liberdade de subsunção ou de qualificação jurídica dos factos pelo juiz – tarefa em que, por mor da regra enunciada no nº 3 do art. 5º do Cód. Processo Civil, continua a não estar sujeito às alegações das partes relativas à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
Significa isto, portanto, que o sentido útil do nº 3 do art. 3º é o de que, previamente ao exercício dessa liberdade subsuntiva, o julgador deve facultar às partes a dedução das razões que considerem pertinentes, perante um possível enquadramento ou qualificação jurídica do pleito, ou uma eventual ocorrência de exceções dilatórias, com que elas não tinham razoavelmente podido contar, ou seja, sob o enfoque da referida normatividade, o julgador apenas está constituído no dever[7] de observar a contraditoriedade quando esteja em causa uma inovatória e inesperada questão de direito que não tenha, de todo, sido perspetivada pelos litigantes de acordo com um adequado e normal juízo de prognose sobre o conteúdo e sentido da decisão[8].
Ora, in casu, não pode considerar-se estar em presença de uma questão jurídica inesperada ou surpreendente no apontado sentido, porquanto a questão do preenchimento abusivo da livrança que consubstancia o título executivo foi, precisamente, um dos fundamentos em que os executados se ancoraram para sustentar a oposição à execução que lhes é movida pela exequente e relativamente à qual teve esta oportunidade de se pronunciar na respetiva contestação, esgrimindo a argumentação que teve por conveniente no sentido de suportar a conclusão que aí firmou de inexistência de abuso na forma como procedeu ao preenchimento do aludido título de crédito.
Destarte, tal questão não surge, neste contexto, como uma nova questão jurídica que justifique uma prévia intervenção jurisdicional de observância do disposto no nº 3 do art. 3º do Cód. Processo Civil, não consubstanciando, pois, a decisão recorrida (de reconhecimento da aludida exceção perentória) uma decisão-surpresa[9].
A presente apelação terá, por conseguinte, de improceder in totum.
***
V- DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante (art. 527º, nºs 1 e 2 do Cód. Processo Civil).

Porto, 11.04.2018
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
Maria de Fátima Andrade
_____________
[1] Cfr., por todos, PINTO COELHO, As letras, vol. II, pág. 30 e seguintes, FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, vol. III, pág. 83, VAZ SERRA, BMJ nº 61º, pág. 264 e OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Comercial, vol. III, pág. 116.
[2] Ob. citada, pág. 128.
[3] Cfr., inter alia, PAULO SENDIM, Letra de Câmbio, vol. I, pág. 190 e seguintes.
[4] Cfr., por todos, BAPTISTA MACHADO, Pressupostos da resolução por incumprimento, in Obra Dispersa, Vol. I, 1991, págs. 133 e seguintes; CALVÃO DA SILVA, Pressupostos da resolução por incumprimento, in Estudos de Direito Civil e Processo Civil, 1996, págs. 154 e seguintes e ROMANO MARTINEZ, Da cessação do contrato, 2005, pág. 179 e seguinte.
[5] Cfr., inter alia, FERREIRA PINTO, in Contratos de Distribuição, 2013, pág. 407 e CAROLINA CUNHA, in A indemnização de clientela do agente comercial, 2003, pág. 277.
[6] In Introdução ao Processo Civil, Conceitos e Princípios Gerais à luz do Código Revisto, pág. 96.
[7] Registe-se que a inobservância desse dever pode, efetivamente, gerar uma nulidade processual, vício que é passível de ser arguido em sede recursória, na medida em que essa nulidade processual é consumida por uma nulidade da sentença por excesso de pronúncia (art. 615º, nº 1 al. d) do Cód. Processo Civil), dado que, sem a prévia audição das partes, o tribunal não pode conhecer do fundamento que utilizou na sua decisão.
[8] Cfr., neste sentido, LOPES DO REGO, in Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª edição, vol. I, pág. 33, onde afirma que «a audição excecional e complementar das partes, precedendo a decisão do pleito e realizada fora dos momentos processuais normalmente idóneos para produzir alegações de direito, só deverá ter lugar quando se trate de apreciar questões jurídicas suscetíveis de se repercutirem, de forma relevante e inovatória, no conteúdo da decisão e quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspetivado durante o processo, tomando oportunamente posição sobre ela», acrescentando, mais adiante (pág. 34), que «não deverá “banalizar-se” a audição atípica e complementar das partes, ao abrigo do [artigo 3º, nº 3 do Cód. Processo Civil], de modo a entender-se que toda e qualquer mutação do estrito enquadramento legal que as partes deram às suas pretensões passa necessariamente pela atuação do preceituado no art. 3º, nº 3».
[9] A propósito do conceito de decisão-surpresa (também denominada de decisão solitária do juiz), a jurisprudência tem considerado que a mesma ocorre se o juiz de forma absolutamente inopinada e apartado de qualquer aportamento factual ou jurídico envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, surgindo, pois, a sua imprevisibilidade como marca definidora – cfr., por todos, acórdãos do STJ de 27.09.2011 (processo nº 2005/03.0TVLSB.L1.S1) e de 4.06.2009 (processo nº 09B0523), acessíveis em www.dgsi.pt,