Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JERÓNIMO FREITAS | ||
Descritores: | DIREITO AO RECURSO FUNDAMENTOS ÓNUS DE ALEGAÇÃO QUESTÃO NOVA | ||
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Nº do Documento: | RP2023062620081/21.2T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/26/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA | ||
Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO SOCIAL | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O direito ao recurso não visa conceder à parte um segundo julgamento da causa, mas apenas permitir a discussão sobre determinados pontos concretos, que na perspectiva do recorrente foram incorrectamente mal julgados, para tanto sendo necessário que se enunciem os fundamentos que sustentam esse entendimento, devendo os mesmos consistir na enunciação de verdadeiras questões de direito, as quais lhe compete indicar e sustentar, cujas respostas sejam susceptíveis de conduzir à alteração da decisão recorrida. II - Os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (salvo se forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e “dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu”. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | APELAÇÃO n.º 20081/21.2T8PRT.P1 SECÇÃO SOCIAL ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I. RELATÓRIO I.1 No Tribunal da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho do Porto, AA instaurou a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo declarativo comum, a qual veio a ser distribuída ao J3, contra Centro Hospitalar Universitário ..., E.P.E., pedindo que julgada a acção procedente, em consequência seja decidido o seguinte: a) Ser a ré condenada a reconhecer que o autor, por força da aplicação da cláusula 3ª do CCT publicado no BTE, no 11 de 22/03/2018, cumulou, até 31/12/2016, 13,5 pontos, permitindo-lhe, por força da aplicação do disposto no artigo 156º da LGTFP, ser posicionado na 2ª posição remuneratória da Tabela Remuneratória Única, nível remuneratório 19, com efeitos a partir de 01 de Janeiro de 2014, pois atingirá os 10 pontos a 31 de Dezembro de 2013. b) Ser a ré condenada, por via de tal reposicionamento a pagar ao autor as diferenças salarias supra elencadas, no valor global de 28.719,06€, acrescido dos competentes juros de mora à taxa legal de 4% ao ano e que, hoje, se liquidam, em 2.218,84€, tudo num valor total de €30.937,90. c) Ser a ré condenada a, de ora em diante, remunerar o autor pela remuneração vigente e constante do 19º nível remuneratório da Tabela Remuneratória Única, no valor mensal de 1.411,67€ e até que o mesmo, por força da sua avaliação de desempenho ou por força da aplicação do referido CCT supra indicado, adquira o direito a novo reposicionamento remuneratório. d) Ser a Ré condenada a reconhecer que à data de 31 de Dezembro de 2016, por força do supra exposto, tem acumulado para os períodos seguintes 3,5 pontos na sua avaliação de desempenho. Alega, em síntese, ter celebrado três contratos individuais de trabalho com a ré, por via dos quais trabalha como enfermeiro desde 12/09/2005. Estribando-se no ACT publicado no BTE nº 11 de 22/03/18, entende que à avaliação de desempenho dos enfermeiros com contrato individual de trabalho a exercer funções em entidades públicas empresariais, prevista na Cláusula 3.ª, é aplicável o disposto nos artigos 89º e ss. da LGTFP (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela lei 35/2014 de 20 de Junho). Para tanto, defende que a lei do Orçamento de Estado para o ano de 2018, aprovada pela Lei no 114/2017, veio no art.º 18.º proceder ao descongelamento das carreiras e das valorizações remuneratórias, sendo aplicável o aí previsto nos n.ºs 2 e 3, quanto às avaliações, aos trabalhadores com Contrato Individual de Trabalho, por força do disposto no art.º 23.º da mesma Lei. Considerando que foi avaliado apenas duas vezes - em 22/10/2013 e 25/03/2015 -, tendo-lhe sido atribuída a notação “satisfaz”, entende que em Dezembro de 2013, atingiu um total de 10 pontos, pelo que por força do disposto no artigo 156º, no 7 da LGTFP e da acumulação desses 10 pontos, a partir de Janeiro de 2014 e até Dezembro de 2019, deveria passar a ser remunerado pelo 19º nível remuneratório, correspondente à 2ª posição remuneratória da tabela constante do anexo ao DL 122/2010, pelo vencimento mensal de € 1.407,45, de acordo com a portaria 1553-C/2008; e, de € 1.411,67 de 01 de Janeiro de 2020 até à presente data, conforme DL 10-B/2020 e DL 10/2021. Como a Ré, com efeitos a partir de 01 de Janeiro de 2018, não considerou que havia acumulado, já em Dezembro de 2013, 10 pontos nos termos legais, nem em cumprimento da Lei 114/2017 procedeu à atualização remuneratória do Autor para a 2ª posição remuneratória, nível 19, a que tinha direito, reclama as diferenças entre o valor que recebeu a título de retribuição base e de trabalho suplementar de acordo com a 1ª posição remuneratória com a que deveria ter recebido. Realizada audiência de partes, não foi possível a sua conciliação. Regularmente notificada para o efeito, a ré contestou, no essencial, aceitando a celebração dos invocados contratos, bem como ter sido foi subscritora do IRCT publicado no BTE n.º 11 de 22/03/2018, mas impugnado os valores recebidos pelo autor ao longo dos anos. Contrapõe que a cláusula 3.ª do ACT invocada pelo autor não consente uma interpretação que lhe confira qualquer retroactividade anterior a Janeiro de 2018, referindo em apoio dessa posição o entendimento afirmado no Acórdão da Relação de Coimbra de 8 de Setembro de 2021, para defender retirar-se dele “com segurança, que o direito reclamado não se constitui senão a partir de janeiro de 2018, inexistindo consagração de qualquer projeção retroativa”. Mesmo que assim não fosse, a pretensão do autor não poderia proceder, pois este enuncia-a ignorando, desatendendo totalmente, toda a evolução remuneratória e patrimonial geral da sua relação de emprego, e as sucessivas situações remuneratórias / posicionamentos em que se encontrou, desde o início da relação até ao dia 1 de janeiro de 2018, para auferir atualmente, a remuneração base de 1215,93€, ou seja, a da 1ªposição, correspondente ao nível remuneratório 15 da TRU. Sintetiza a sua posição referindo que “mesmo que a relação fosse de emprego público, e convocasse a plena aplicabilidade dos regimes respetivos, sempre os factos das alterações remuneratórias do Autor de 2011 e de 2014 implicariam um salto remuneratório que constituiria uma exceção do direito reclamado, por implicarem um reinício de contagem à luz das normas invocadas”. Mais refere que o autor já não pratica, desde 1 de julho de 2018, o horário de trabalho estabelecido na cláusula 7ª do contrato de 2007, cumprindo o horário semanal de 35 horas, com a inerente repercussão remuneratória (do valor / hora). Ou seja, em 2015-10-01 com a remuneração base de €1201,48 (reposicionamento remuneratório de acordo com a 2ª cláusula do BTE n.º 43 de 22/11/2015), o Autor cumpria de um PNT de 40 horas semanais e a partir de 2018-07-01 manteve a remuneração base de €1201,48€ - BTE n.º11 de 22/03/2018, e viu reduzido o seu PNT para 35 horas semanais. Conclui pugnando pela improcedência da acção. Findos os articulados foi realizada audiência prévia na qual as partes aceitaram parcialmente a matéria de facto, tendo posteriormente apresentado requerimento no qual acordaram na demais. Foi fixado o valor da acção em 30.937,90€. I.2 Na consideração dos autos já conterem todos os elementos necessários para decidir do mérito da causa sem necessidade de mais prova, bem assim de ter sido realizada audiência prévia na qual as partes se pronunciaram quanto às questões que se colocam nos autos, o Tribunal a quo passou a proferir sentença, fixando a matéria de facto provada e aplicando o direito aos factos, concluída com o dispositivo seguinte: -«Pelo exposto, julgo totalmente improcedente o pedido formulado e, consequentemente, absolvo o réu do pedido. Custas pelo autor. Notifique. [..]». I.3 Inconformado com esta sentença, o autor interpôs recurso de apelação, apresentando alegações finalizadas com as conclusões seguintes: I – A Lei do Orçamento de Estado para 2018 (LOE), aprovada pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, prevê, no seu artigo 18.º o descongelamento das progressões em todas as carreiras da Administração Pública - gerais, especiais, não revistas e subsistentes – permitindo que ocorram alterações obrigatórias de posicionamento remuneratório, progressões e mudanças de nível ou escalão, possibilidade esta que veio a ser alargada aos profissionais detentores de relação jurídica de emprego privado através do Decreto-Lei de Execução Orçamental, publicado no dia 15 de maio de 2018. II – As alterações remuneratórias produzem efeitos a 01/01/2018, independentemente da data em que são comunicadas, havendo lugar a alteração obrigatória de posicionamento remuneratório quando um trabalhador acumule 10 pontos nas avaliações de desempenho (SIADAP) reportadas às funções exercidas durante o tempo em que se encontrou posicionado no atual nível remuneratório. III – Os pontos são contados a partir da última alteração de posicionamento remuneratório, nos termos dos nos 2 e 7 do artigo 156º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), independentemente da razão da alteração (procedimento concursal, consolidação da mobilidade intercarreiras, mudança de carreira, entre outros). IV – Conforme resulta do disposto no artigo 119º da Lei no 67-A/2007, de 31 de dezembro, e da jurisprudência maioritária (veja-se a título de exemplo o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte no 58/13), a partir de 01/01/2008 a progressão escalonar e indiciária deixou de ser automática, deixando de depender exclusivamente da contagem de módulos temporais, pelo que, embora a Lei no 12-A/2008, de 27 de Fevereiro e a sua sucessora aplicável LTFP, não se apliquem direta e globalmente às carreiras de regime especial não deixa de lhe ser aplicável o segmento relativo ao posicionamento remuneratório e ao regime de progressão na carreira, por força do disposto nos nºs 4 e 11 do artigo 117º da Lei no 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, sem prejuízo das normas sobre avaliação de desempenho se terem mantido. V – O nº 2 do artigo 18º da Lei OE de 2018 define que “Aos trabalhadores cujo desempenho não tenha sido avaliado, designadamente por não aplicabilidade ou não aplicação efetiva da legislação em matéria de avaliação de desempenho, e sem prejuízo do disposto no artigo 42º da Lei no 66-B/2007, de 28 de Dezembro, nas situações por este abrangidas, é atribuído um ponto por cada ano não avaliado, ou menção qualitativa equivalente, nos casos em que este seja o tipo de menção aplicável, sem prejuízo de outro regime legal vigente à data”, sendo esta a norma que se considera aplicável à situação do ora Autor/Recorrente. VI – Ora, se é certo que, de acordo com o artigo 478º do Código do Trabalho, o IRCT só dispõe para o futuro podendo conferir eficácia retroativa a qualquer cláusula de natureza pecuniária e, não sendo menos certo que, pelo menos diretamente, o IRCT em causa não atribui eficácia retroativa a qualquer norma de natureza pecuniária, VII – Não menos certo é que não se trata aqui de atribuição de eficácia retroativa de normas de natureza pecuniária, antes da aplicação conjunta do Decreto de Execução Orçamental de 2018 e o ACT publicado no BTE nº 11 de 22 de Março de 2018 e aplicável à presente situação. VIII – É que, de acordo com o Decreto de Execução Orçamental, são atribuídos os pontos, à razão de um ponto por cada ano não avaliado pela avaliação de desempenho dos trabalhadores, in casu, enfermeiros, quer sujeitos a um contrato individual de trabalho, quer sujeitos a um contrato de trabalho em funções públicas. IX – Pontos, esses, contabilizados desde o início da sua relação laboral. X – O Autor/Recorrente avaliado, pelo menos duas vezes, tendo-se sido atribuída a menção qualitativa de “Satisfaz” e tal menção convertida em pontos, de acordo com as regras do SIADAP e passaram a constar do registo individual do trabalhador. XI – O decreto de execução orçamental é explícito no sentido de conferir a todos os trabalhadores, independentemente do seu vínculo e de terem, ou não, sido avaliados por não aplicabilidade ou não aplicação efetiva da legislação em matéria de avaliação de desempenho, um ponto por cada ano não avaliado, ou menção qualitativa equivalente. XII – Assim, por força do supra exposto, à data de 01 de Janeiro de 2018, o aqui Autor/Recorrente, por força do Decreto de Execução Orçamental e das, eventuais, avaliações de desempenho efetuadas, tinha acumulados 14,5 pontos, assim considerados: ANO PONTOS 2006 1 (não aplicação SIADAP) 2007 1 (não aplicação SIADAP) 2008 1 (não aplicação SIADAP) 2009 1 (não aplicação SIADAP) 2010 1,5 (aplicação SIADAP) 2011 1,5 (aplicação SIADAP) 2012 1,5 (aplicação SIADAP) 2013 1,5 (aplicação SIADAP) 2014 1,5 (aplicação SIADAP) 2015 1 (não aplicação SIADAP) 2016 1 (não aplicação SIADAP) 2017 1 (não aplicação SIADAP) XIII – Com a entrada em vigor do ACT publicado no BTE nº 11 de 22/03/2018 e, por aplicação da cláusula 3ª, ainda que com efeitos apenas reportados a partir de 01 de Janeiro de 2018, tem o aqui Autor/Recorrente, a partir de então, direito a progredir para a posição remuneratória seguinte, passando a ser remunerado, pelo menos a partir de 01 de Janeiro de 2018 pelo 19º nível remuneratório correspondente à 2ª posição remuneratória da tabela constante do anexo ao DL 122/2010, pelo vencimento de €1.407,45, até 31 de Dezembro de 2019, de €1.411,67 de 01 de Janeiro de 2020 até 31 de Dezembro de 2021 e de €1.424,38 de 01 de Janeiro de 2022 até à presente data. XIII - Assim, a sentença ora recorrida violou o princípio da aplicação da lei mais favorável, consagrado no artigo 3º, nº 1 e 3 do Código do Trabalho e violou o princípio da igualdade de tratamento, expresso nos artigos 3º, no 1 al. A do Código do Trabalho. Termos em que e nos melhores de direito, deverá ser provida a presente Apelação nos termos requeridos, revogando-se a sentença proferida e condenando-se o Réu/Recorrido conforme pedido na Petição Inicial, assim se fazendo, I.4 A Recorrida Ré apresentou contra-alegações, que encerrou com as conclusões seguintes: 1ª O Dec-lei no 33/2018 de 15-05, decreto de execução orçamental da LOE de 2018 (Lei no 114/2017, de 29-12) não consagra normas aplicáveis aos trabalhadores dos hospitais EPE vinculados sob contrato individual de trabalho e, por isso, não constitui regime jurídico conjugável com o do ACT publicado no BTE no 11 de 22 de março de 2018, página 632 aprovando o «Acordo coletivo entre o Centro Hospitalar do Algarve, EPE e outros e o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses - SEP (instrumento parcelar e transitório aplicável aos trabalhadores enfermeiros em regime de contrato de trabalho - Procedimento concursal e outras»; 2ª A aplicação daquele ACT ao tempo de duração da relação laboral decorrido antes do seu início de vigência, no ano de 2018, importaria a conferência de efeitos retroativos, em particular quanto a direitos cuja constituição exige o decurso de determinados períodos de tempo – como é o caso do direito subjetivo à alteração de posicionamento remuneratório - porque em tal caso o tempo da consubstanciação do direito apenas se inicia após a vigência do ACT; 3ª A pretensão do autor recorrente constituiria ainda, sem qualquer apoio literal nas normas invocadas, uma ilogicidade que o direito não acolhe por fazer relevar as avaliações de desempenho de anos transatos e computar os pontos respetivos (de 2006 a 2017) aplicando o efeito remuneratório, não sobre a remuneração auferida ao tempo das avaliações. Conforme ao regime legal, mas sobre a remuneração praticada em anos futuros (em 2018), contrariando o direito e desconsiderando as alterações entretanto ocorridas, (porque a lógica normativa intrínseca é a de repercutir o efeito da avaliação do desempenho, «durante o posicionamento remuneratório em que se encontra»; 4ª Implicando a pretensão do autor recorrente uma aplicação retroativa, pela convocação e relevo de tempos anteriores exigíveis pela consubstanciação do direito que o ACT não prevê nem permite; 5ª Com efeito, no regime do emprego público constante da LVCR e ainda da atual LGTFP – que o autor recorrente reclama aplicável - as avaliações de desempenho e os pontos que legalmente se lhes reportem só podem relevar na posição remuneratória detida, «durante o posicionamento remuneratório em que se encontra» pela relação de conexão entre as avaliações (e o seu mérito) e a posição remuneratória de que se parte para constituir o direito potestativo à alteração de posicionamento remuneratório; 6ª O princípio do tratamento mais favorável a que se refere a legislação laboral é privativo da identificação e hierarquização das fontes normativas aplicáveis, não podendo caracterizar, modificando-as, as regras de interpretação das normas jurídicas; 7ª Não estão evidenciadas as diferentes fontes normativas, legais, emergente do ACT de 2018 e ou do contrato individual do trabalho a cuja interpretação seja necessário proceder à luz do princípio do tratamento mais favorável do trabalhador, nem demonstrados os pressupostos legais que consubstanciem a invocada violação do princípio da igualdade; 8.ª No caso dos autos, e contra o sentido unitário da sentença recorrida, não está sequer indiciada qualquer violação do princípio da igualdade. Termos em que, e nos melhores de direito do douto suprimento, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida. I.5 O Ministério Público teve visto nos autos, nos termos do art.º 87.º3, do CPT, tendo-se pronunciado no sentido da improcedência do recurso, na consideração, no essencial, do seguinte: -«[..] Alega o Recorrente que “a sentença ora recorrida violou o princípio da aplicação da lei mais favorável, consagrado no artigo 3º, nº1 e 3 do Código do Trabalho e violou o princípio da igualdade de tratamento, expresso nos artigos 3o, no 1 al. A do Código do Trabalho.” 2. O art.º 3º do CT dispõe sobre as “Relações entre fontes de regulação”, não podendo as normas legais reguladoras do contrato de trabalho ser afastadas por IRCT salvo quando delas resultar o contrário – n.º 1 – e só podem ser afastadas por IRCT que, sem oposição daquelas disponham em sentido mais favorável aos trabalhadores e respeitem às matérias referidas no n.º 3, als. a) a n), e não, propriamente sobre a interpretação de normas legais ou convencionais. Levando em conta a situação de facto do presente caso e o Ac. da Relação de Coimbra de 08.09.2021, citado na douta sentença em recurso, para caso idêntico, cuja orientação parece estar correcta, aceita-se idêntica solução para o caso presente. E, aceitando-se que o citado IRCT só é aplicável a partir de 01.01.2018, entende-se que, também, a atribuição de pontos pela avaliação de desempenho dos trabalhadores, deverá ser feita a partir de 01.01.2018. Assim, salvo melhor opinião, não merece censura a douta sentença em recurso. [..]». I.6 Foram cumpridos os vistos legais e determinada a inscrição do processo para julgamento em conferência. I.7 Delimitação do objecto do recurso Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 640.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho], as questões colocadas pelo recorrente para apreciação consistem em saber se a sentença “violou o princípio da aplicação da lei mais favorável, consagrado no artigo 3º, nº 1 e 3 do Código do Trabalho e violou o princípio da igualdade de tratamento, expresso nos artigos 3º, no 1 al. A do Código do Trabalho”. II. FUNDAMENTAÇÃO II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO O Tribunal a quo pronunciou-se quanto à matéria de facto nos termos seguintes: -«Com pertinência para a decisão da causa, face à posição assumida pelas partes nos articulados e aos documentos juntos aos autos, dou como provados os seguintes factos: A) O autor exerceu funções atinentes à Categoria de Enfermeiro, desde 12/09/2005 a 31/01/2006 em regime de contrato de trabalho a termo certo, nos termos do DL 11/93 de 15/01, com a nova redação dada pelo DL nº 53/98 de 11/03 e de 01/02/2006 a 31/01/2007 em regime de contrato individual de trabalho a termo resolutivo certo, nos termos do Código do Trabalho. B) Por contrato individual de trabalho, por tempo indeterminado, ao abrigo da Lei 99/2003, de 27 de Agosto, celebrado em 1/02/2007, a ré admitiu ao seu serviço o autor para, sob a sua autoridade e direção lhe prestar as funções inerentes à categoria profissional de enfermeiro – Nível 1 – tendo a prestação de trabalho pelo autor início em 01/02/2007. C) A atividade exercida pelo autor junto da ré é, por este exercida nas instalações do Centro Hospitalar Universitário ..., E.P.E., podendo ser designado para deslocações, no âmbito da sua função, em território português, onde a ré exerce a sua atividade, mediante a remuneração mensal de 970,92€, acrescida de €4,03 a título de subsídio de alimentação por cada dia completo e efetivo de trabalho prestado. D) De acordo com o contrato de trabalho celebrado, a retribuição mensal será revista em função dos critérios de atualização salarial, anualmente acordados por instrumentos de regulamentação coletiva entre representantes dos contraentes e a vigorar para o sector profissional de Enfermagem. E) À retribuição mínima mensal garantida, acrescerá um prémio de produtividade/assiduidade de natureza não regular, no valor de 20% da retribuição ilíquida auferida, a ser vencido sempre que, no desempenho das suas funções, o autor preencha a totalidade dos critérios de assiduidade e desempenho funcional a definir anualmente por deliberação do Conselho de Administração da ré, prémio de assiduidade esse que o autor, por adenda ao contrato de trabalho de 30 de Abril de 2014, aceitou excluir do seu contrato de trabalho. F) A prestação de trabalho do autor obedecerá a um horário semanal de 40 horas, hoje de 35 horas semanais, por média aferida a um período de quatro semanas quando este não for fixo, sendo o horário diário elaborado e afixado pela ré dentro dos termos e limites legais, de acordo com a organização, esquema e escala de funcionamento do Serviço em que o autor irá prestar a sua atividade. G) O contrato celebrado ficou submetido à legislação privada do trabalho, do direito do trabalho privado comum, designadamente ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei no 99/2003 de 27 de Agosto, constante da Lei nº 35/2004, de 29 de Julho, aplicando-se ainda, para conformação das obrigações do autor, todas as obrigações a que se achem adstritos os funcionários e agentes da Administração Pública, nomeadamente as obrigações constantes do D.L. nº 24/84 de 16 de Janeiro. H) O autor exerce as suas funções de enfermeiro na UAG Cirurgia, auferindo, mensalmente a quantia de €1.205,08, acrescido de €4,77 a título de subsídio de alimentação por cada dia efetivo de trabalho. I) O autor foi avaliado em 22/10/2013 ao período correspondente a 01/01/2010 a 31/12/2012, tendo-lhe sido atribuída a menção qualitativa de “Satisfaz”. J) Em 25/03/2015, o autor foi avaliado ao período correspondente a 01 de Janeiro de 2013 a 31 de Dezembro de 2014, tendo obtido a menção qualitativa de “Satisfaz”. K) Desde então e até à presente data, não houve avaliação de desempenho do autor. L) O sistema de avaliação de desempenho por parte da ré nos anos de 2010 a 2014 era um sistema que previa apenas duas menções ou níveis de avaliação (Satisfaz ou Não Satisfaz). M) O autor auferiu os seguintes montantes a título de vencimento base: Em 2014: Janeiro: 945,49€; Fevereiro: 954,37€; Março: 939,58€; Abril: 939,48€; Maio: 1.090,96€; Junho a Dezembro: 1.194,92€; Em 2015: De Janeiro a Setembro: 1.194,92€; Outubro a Dezembro: 1.201,48€; Em 2016: De Janeiro a Dezembro: 1.201,48€; Em 2017: De Janeiro a Dezembro: 1.201,48€; Em 2018: De Janeiro a Dezembro: 1.201,48€; Em 2019: De Janeiro a Dezembro: 1.201,48€; Em 2020: De Janeiro a Dezembro: 1.205,08€; Em 2021: De Janeiro a Novembro: 1.205,08€ N) O autor auferiu os seguintes montantes a título de trabalho suplementar: Em 2014: Janeiro: 113,19€; Fevereiro: 245,68€; Março: 202,31€; Abril: 188,42€; Maio: 128,26€; Junho 283,05€; Julho 177,35€ Agosto 177,52€ Setembro 272,26€ Outubro 187€ Novembro 91,33€ Dezembro 208,54€ Em 2015: Janeiro 136,95€ Fevereiro 195,63€ Março 195,64 € Abril 152,53€ Maio 196,46€ Junho 121,51€ Junho 191,29€ Agosto 237,81€ Setembro 214,59€ Outubro 348,01€ Novembro 280,04€ Dezembro 233,02€ Em 2016: Janeiro 161,13€ Fevereiro 219,17€ Março 230,46€ Abril 191,44€ Maio 230,46€ Junho 248,64€ Julho 399,39€ Agosto 304,93€ Setembro 168,94€ Outubro 187,93€ Novembro 236,55€ Dezembro 194,94€ Em 2017: Janeiro 301,02€ Fevereiro 147,30€ Março 154,23€ Abril 200,14€ Maio 233,94€ Junho 223,54€ Julho 218,36€ Agosto 251,26€ Setembro 99,65€ Outubro 209,68€ Novembro 299,78€ Dezembro 178,49€ Em 2018: Janeiro 130,84€ Fevereiro 198,63€ Março 152,86€ Abril 232,95€ Maio 386,79€ Junho 270,35€ Julho 287,24€ Agosto 629,27€ Setembro 357,95€ Outubro 267,32€ Novembro 439,96€ Dezembro 370,32€ Em 2019: Janeiro 427,79€ Fevereiro 413,93€ Março 265,38€ Abril 308,96€ Maio 661,49€ Junho 534,73€ Julho 544,62€ Agosto 370,36€ Setembro 0,00€ Outubro 578,30€ Novembro 465,41€ Dezembro 566,42€ Em 2020: Janeiro 5,94€ Fevereiro 166,36€ Março 447,59€ Abril 348,29€ Maio 348,21€ Junho 331,75€ Julho 540,32€ Agosto 584,02€ Setembro 276,11€ Outubro 643,59€ Novembro 440,99€ Dezembro 248,30€ Em 2021: Janeiro 283,14€ Fevereiro 373,46€ Março 280,10€ Abril 286,05€ Maio 938,25€ Junho 363,53€ Julho 480,72€ Agosto 411,20€ Setembro 240,36€ Outubro 427,10€ Novembro 538,34€. O) A ré foi uma das entidades públicas empresariais subscritoras do CCT publicado no BTE nº11 de 22/03/2018. P) O autor é associado no Sindicato dos Enfermeiros Portugueses. II.2 MOTIVAÇÃO DE DIREITO O recorrente autor insurge-se contra a sentença, defendendo que “violou o princípio da aplicação da lei mais favorável, consagrado no artigo 3º, nº 1 e 3 do Código do Trabalho e violou o princípio da igualdade de tratamento, expresso nos artigos 3º, no 1 al. A do Código do Trabalho.”. Contrapõe o recorrido Centro Hospitalar Universitário ..., E.P.E, no essencial, o seguinte: - O princípio do tratamento mais favorável a que se refere a legislação laboral é privativo da identificação e hierarquização das fontes normativas aplicáveis, não podendo caracterizar, modificando-as, as regras de interpretação das normas jurídicas; - Não estão evidenciadas as diferentes fontes normativas, legais, emergente do ACT de 2018 e ou do contrato individual do trabalho a cuja interpretação seja necessário proceder à luz do princípio do tratamento mais favorável do trabalhador, nem demonstrados os pressupostos legais que consubstanciem a invocada violação do princípio da igualdade; - No caso dos autos, e contra o sentido unitário da sentença recorrida, não está sequer indiciada qualquer violação do princípio da igualdade. O Digno Procurador Geral Ajunto pronunciou-se no sentida da improcedência do recurso, na consideração, também no essencial, do seguinte: - Levando em conta a situação de facto do presente caso e o Ac. da Relação de Coimbra de 08.09.2021, citado na douta sentença em recurso, para caso idêntico, cuja orientação parece estar correcta, aceita-se idêntica solução para o caso presente. - E, aceitando-se que o citado IRCT só é aplicável a partir de 01.01.2018, entende-se que, também, a atribuição de pontos pela avaliação de desempenho dos trabalhadores, deverá ser feita a partir de 01.01.2018. Na fundamentação da sentença, na parte relativa à aplicação do direito aos factos, lê-se o seguinte: -«É pacífico que auto e réu celebraram, sucessivamente, três contratos de trabalho, tal como este vem definido no artigo 11.º do C. do Trabalho, por via dos quais o autor exerce as funções de enfermeiro. A relação laboral do autor teve início em 2005 e ainda se mantém, exercendo o autor as funções correspondentes à categoria de enfermeiro. O autor foi avaliado em 22/10/2013 ao período correspondente a 01/01/2010 a 31/12/2012, tendo-lhe sido atribuída a menção qualitativa de “Satisfaz” e em 25/03/2015 quanto ao período correspondente a 01 de Janeiro de 2013 a 31 de Dezembro de 2014, tendo obtido a menção qualitativa de “Satisfaz”. Desde então e até à presente data, não houve avaliação de desempenho do autor. Até 2018 não esteve em vigor diploma algum que determinasse, quanto aos enfermeiros com contrato individual de trabalho, as regras da progressão na carreira/remuneratória na sequência da avaliação obrigatória dos trabalhadores. O CCT publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 43 de 22/11/2015 apenas procedeu à equiparação remuneratória dos enfermeiros aos trabalhadores enfermeiros integrados na carreira especial de enfermagem – cfr. cl. 2ª, mas não definiu a forma como progrediam na carreira. Assim, até 2018, não havia qualquer obrigação do réu de proceder à progressão na carreira do autor. Em 2018 foi publicado o Acordo coletivo entre o Centro Hospitalar do Algarve, EPE e outros (entre os quais o aqui réu) e o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, publicado no BTE no 11 de 22/03/2018. A convenção colectiva de trabalho (CCT) constitui um acordo celebrado entre associações sindicais e entidades empregadoras (ou associações patronais) que visa regular, quer as relações individuais de trabalho, quer as relações que se estabelecem directamente entre as entidades celebrantes. Constituem uma verdadeira fonte de direito, sendo as suas normas vinculativas e obrigatórias para todos aqueles que são à partida ou venham mais tarde a ser abrangidos pelo âmbito de tal CCT. Vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da filiação (ou melhor da dupla filiação), de acordo com o qual a CCT tem somente eficácia entre as entidades jurídicas que a subscreveram; nestes termos, o âmbito subjectivo ou pessoal da convenção é determinado, em regra, pela filiação do empregador (salvo quando a celebre directamente) e do trabalhador nas associações de empregadores e de sindicatos outorgantes – cfr. artigo 496º do C. Trabalho. O âmbito pessoal de aplicação das CCT afere-se, portanto, pela dupla e simultânea conexão com os seus destinatários – trabalhadores e patrões, individualmente considerados – aplicando-se apenas aos trabalhadores filiados em associação sindical que, directa ou indirectamente, tenha outorgado na contratação colectiva e que prestem trabalho a uma entidade patronal que, individual ou colectivamente, também haja intervindo na mesma contratação. No caso concreto está verificada a dupla filiação pelo que não restam dúvidas da aplicação deste instrumento à relação laboral ora em causa. De acordo com a cl. 3ª “A avaliação do desempenho dos trabalhadores abrangidos pelo presente instrumento fica sujeita, para todos os efeitos legais, incluindo a alteração do correspondente posicionamento remuneratório, ao regime vigente para os trabalhadores com vínculo de emprego público, integrados na carreira especial de enfermagem”. Os trabalhadores filiados nas estruturas sindicais outorgantes do presente instrumento, já contratados pelos estabelecimentos de saúde igualmente outorgantes, em regime de contrato de trabalho, no âmbito do Código do Trabalho, para o exercício de funções correspondentes ao conteúdo funcional da carreira de enfermagem, ficam abrangido pelo presente instrumento – cl. 5ª. Relativamente à data em que este instrumento entrou em vigor, estabelece a cl. 6ª que “entra em vigor no dia 1 de janeiro de 2018, com exceção do previsto na cláusula 4.ª que entra em vigor no dia 1 de julho de 2018”. A aludida cl. 3ª da CCT determinou a “alteração do posicionamento remuneratório” dos enfermeiros com contrato individual de trabalho, passando estes a estarem sujeitos ao regime vigente para os trabalhadores em funções públicas, ou seja, dependendo já da avaliação do desempenho dos trabalhadores, de acordo com as regras vigentes. Mas esta alteração do posicionamento remuneratório vigora apenas para o futuro, não tendo qualquer efeito retroactivo. De facto, o IRCT só dispõe para o futuro podendo conferir eficácia retroactiva a qualquer cláusula de natureza pecuniária – cfr. artigo 478º do C. Trabalho. Ora, o IRCT em concreto, em parte alguma, estabelece efeito retroactivo a alguma das suas cláusulas. O mesmo resulta da interpretação da CCT, como se lê no Acórdão da Relação de Coimbra de 8/09/21, disponível em www.dgsi.pt, a propósito de uma situação com contornos semelhantes aos dos presentes autos e que pela sua clareza aqui se transcreve “estabelece o artigo 18º, nº12 da mesma (Lei 114/2017 de 29 de Dezembro) que “aos trabalhadores de pessoas colectivas de direito público dotadas de independência decorrente da sua integração nas áreas de regulação, supervisão ou controlo, bem como aos titulares dos cargos e demais pessoal que, integrando o sector público empresarial, não se encontre abrangido pelo disposto no artigo 23.º, é aplicável o disposto nos nºs 1 e 8, com as necessárias adaptações, a definir no decreto-lei de execução orçamental”. E o diploma que estabelece as normas de execução do orçamento de Estado para 2018 (DL 33/2018 de 15 de Maio), estabelece no artigo 136º, n.º1 que “Nos termos do n.º12 do artigo 18.º da Lei do Orçamento de Estado, para os trabalhadores de pessoas colectivas de direito publico dotadas de independência decorrente da sua integração nas áreas de regulação, supervisão e controlo, e para os trabalhadores das empresas do sector publico empresarial, são permitidas, nos termos dos números seguintes, a partir de 1 de Janeiro de 2018 e não podendo produzir efeitos em data anterior, as valorizações e os acréscimos remuneratórios resultantes dos actos previstos nas alíneas a) e b) do n.º1 do artigo 18º da Lei do Orçamento do Estado”, o nº 4 que “Aos trabalhadores cuja valorização remuneratória depende de aplicação de um sistema de avaliação de desempenho e cujo desempenho não tenha sido avaliado por não aplicação efectiva dos instrumentos vigentes em cada momento, o órgão de direcção da entidade adopta as medidas necessárias para suprir a falta de avaliação” e o nº8 “O regime estabelecido no presente artigo não se aplica aos trabalhadores do sector público empresarial abrangidos pelo disposto no artigo 23º da Lei do Orçamento de Estado”. Na interpretação da Lei concorrem diversas regras, sendo que nenhuma interpretação pode ser considerada pelo intérprete que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (cfr. arto 9º do CC). No contexto que envolve a questão controvertida assume, na nossa opinião, particular relevância o elemento histórico através do qual se procurou demonstrar inexistir até 01.01.2018 suporte legal que impusesse ao réu a obrigação de proceder à avaliação de desempenho relativamente aos trabalhadores vinculados através de CIT. Como se viu em 2015, com o ACT publicado no BTE n.o 43 de 22/11/2015, apenas se procedeu ao reposicionamento salarial, nada mais. Ou seja, até 1 de Janeiro de 2018 não havia para os profissionais de enfermagem vinculados através de CIT o direito a uma progressão obrigatória ou norma que impusesse avaliações obrigatórias. Aliás, se bem atentarmos no teor literal [14] do artº 23 da Lei do OE para 2018, os direitos adquiridos de que fala o preceito deviam resultar do disposto em instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho que estivessem em vigor e fossem aplicáveis aos autores anteriormente a 01.01.2018, o que no caso não aconteceu por inexistência dos mesmos. E se bem estamos a interpretar, aos trabalhadores do sector empresarial do Estado, nos quais se incluem os autores, cuja progressão na carreira resulte da aplicação de IRCT, como é o caso, não lhes são aplicáveis os nº1 a 8 do artº 18º da lei 114/2017 dado que essa aplicação se encontra expressamente excluída pelo no 12 do citado preceito. Aliás o nº 2 do citado artº 18[15] da Lei do OE para 2018 pressupõe que anteriormente à sua entrada em vigor, tenha existido legislação sobre a avaliação do desempenho que não tenha sido aplicada ou observada. Assim, temos de concluir (...) que, as regras relativas ao posicionamento remuneratório apenas se encontram previstas a partir de 1 de Janeiro de 2018, seguindo as regras do ACT acima referido que remete para o regime vigente para os trabalhadores da função pública e apenas no caso dos trabalhadores sindicalizados, sendo que, só a partir dessa data começaria a contagem de tempo para efeitos de avaliação e respectiva progressão, ou a partir das datas da respectiva sindicalização”. Tendo as regras relativas à progressão na carreira dos enfermeiros estabelecidas pela CCT de 2018 entrado em vigor apenas em 1/01/18, não tem o autor razão na sua pretensão. [..]». II.2.1 Na acção o Autor assentou a sua pretensão, no essencial, partindo do pressuposto que à avaliação de desempenho dos enfermeiros com contrato individual de trabalho a exercer funções em entidades públicas empresariais, prevista na Cláusula 3.ª, do Acordo Coletivo entre o Centro Hospitalar do Algarve, EPE e outros – nos quais se inclui o Réu - e o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses – SEP, é aplicável o disposto nos artigos 89º e ss. da LGTFP (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela lei 35/2014 de 20 de Junho), construção que sustenta invocando que a lei do Orçamento de Estado para o ano de 2018, aprovada pela Lei no 114/2017, veio no art.º 18.º proceder ao descongelamento das carreiras e das valorizações remuneratórias, sendo aplicável o aí previsto nos n.ºs 2 e 3, quanto às avaliações, aos trabalhadores com Contrato Individual de Trabalho, por força do disposto no art.º 23.º da mesma Lei. Contrapôs o Réu, no essencial, que a cláusula 3.ª do ACT invocada pelo autor não consente uma interpretação que lhe confira qualquer retroactividade anterior a Janeiro de 2018, em apoio dessa posição estribando-se no entendimento afirmado no Acórdão da Relação de Coimbra de 8 de Setembro de 2021, para defender retirar-se dele “com segurança, que o direito reclamado não se constitui senão a partir de janeiro de 2018, inexistindo consagração de qualquer projeção retroativa”. O Tribunal a quo procedeu à apreciação da questão colocada pelo autor, vindo a acolher a posição defendida pelo Ré, na indagação a que procedeu acolhendo-se, como se pode retirar da fundamentação e nela é expressamente referido, no aludido aresto do Tribunal da Relação de Coimbra. Não é despiciendo assinalar que no referido aresto do TRC, de 08-09-2021, [proc.º 227/19.3T8VIS.C1, Desembargador Felizardo Paiva, disponível em www.dgsi.pt], foi apreciada esta precisa questão, vindo a concluir-se como referido e transcrito na fundamentação da sentença, afirmando entendimento que foi sintetizado no respectivo sumário, como segue: I) Até 2018 não existia progressão obrigatória na carreira para os enfermeiros contratados pelas entidades públicas empresariais em regime de contrato individual de trabalho. II) A partir de 2018 esses mesmos enfermeiros ficaram sujeitos ao regime de alteração do posicionamento remuneratório vigente para os trabalhadores contratados em regime de contrato de trabalho em funções públicas, ficando tal alteração dependente da avaliação do desempenho. III) Os enfermeiros referidos em I) não beneficiam do regime de descongelamento previsto no artigo 23.º da Lei do Orçamento de Estado para 2018 (Lei n.º 114/2017, de 29/12). Percorridas as conclusões I a XII do recurso constata-se, diremos mesmo, com toda a segurança, que o autor limita-se a replicar o que alegou na acção para afirmar o entendimento que procurou sustentar, sem nada lhe acrescentar, nomeadamente, não esgrimindo qualquer argumento para procurar evidenciar um eventual erro de julgamento na interpretação que é feita pelo Tribunal a quo sobre o direito que invocou. Ora, como se retira do art.º 639.º do CPC, o direito ao recurso não visa conceder à parte um segundo julgamento da causa, mas apenas permitir a discussão sobre determinados pontos concretos, que na perspectiva do recorrente foram incorrectamente mal julgados, para tanto sendo necessário que se enunciem os fundamentos que sustentam esse entendimento, devendo os mesmos consistir na enunciação de verdadeiras questões de direito, as quais lhe compete indicar e sustentar, cujas respostas sejam susceptíveis de conduzir à alteração da decisão recorrida. Em poucas palavras, o recorrente deve expor ao tribunal ad quem as razões da sua discordância, procurando convencer da sua pertinência, a fim de que este tribunal se debruce sobre elas e decida se procedem ou não. Na verdade, o que o recorrente apenas vem dizer de novo, surgindo no remate final das conclusões [XIII], é que “[..] a sentença ora recorrida violou o princípio da aplicação da lei mais favorável, consagrado no artigo 3º, nº 1 e 3 do Código do Trabalho e violou o princípio da igualdade de tratamento, expresso nos artigos 3º, no 1 al. A do Código do Trabalho”. Diga-se que, desde logo, essa afirmação é meramente conclusiva, ou seja, nem sequer se encontra nas conclusões – nem tão pouco nas alegações - qualquer argumento jurídico minimamente estruturado e alicerçado em factos, visando suportar e demonstrar a alegada violação em concreto dos princípios da aplicação da lei mais favorável e do princípio da igualdade de tratamento. Mas para além disso, sendo tal fulcral, trata-se da introdução de uma questão de direito que não foi submetida à apreciação da 1.ª instância. Com efeito, em parte alguma da petição inicial o Autor veio alegar que o entendimento seguido pelo Réu, para além de não corresponder à correcta interpretação da cláusula 3.ª do ACT e dos artigos 18.º e 23.º da lei do Orçamento de Estado para o ano de 2018, aprovada pela Lei no 114/2017, interpretada e aplicada nos termos em que o vinha fazendo, consubstanciava violação aos princípios da aplicação da lei mais favorável e do princípio da igualdade de tratamento. Em suma, o autor não confrontou o Tribunal a quo e, necessariamente, nem o Réu como essa questão. Daí que o Réu na contestação não tenha dito seja o que for a esse propósito, nem o Tribunal a quo tenha feito qualquer indagação para aferir da conformidade da interpretação que afirmou com aqueles princípios. Assim sendo, estamos perante uma questão nova, por essa razão não podendo este tribunal de recurso dela conhecer, como tem sido entendimento corrente da doutrina e da jurisprudência. Apenas nos casos expressamente previstos [cfr. artigo 665º nº 2, 608º, nº 2, parte final, do CPC], pode o tribunal superior substituir-se ao tribunal que proferiu a decisão recorrida. Com efeito, a jurisprudência tem reiteradamente entendido que os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (salvo se forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e “dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu” [Cfr. Acórdãos do STJ (disponíveis em www.dgsi.pt): de 22-02-2017, proc.º 519/15.4T8LSB.L1.S1, Conselheiro Ribeiro Cardoso; de 14-05-2015, proc.º 2428/09.1TTLSB.L1.S1, Conselheiro Melo Lima; de 12-09-2013, proc.º 381/12.3TTLSB.L1.S1 e de 11-05-2011, proc.º786/08.4TTVNG.P1.S1, Conselheiro Pinto Hespanhol]. Por conseguinte, resta concluir pela improcedência do recurso. III. DECISÃO Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, em consequência confirmando-se a sentença recorrida. Custas a cargo do recorrente, atento o decaimento (art.º 527.º CPC). Porto, 26 de Junho de 2023 Jerónimo Freitas Nelson Fernandes Teresa Sá Lopes |