Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
386/13.7TTVFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: AÇÃO EMERGENTE DE CONTRATO DE TRABALHO
INSOLVENTE
LEGITIMIDADE
DEPOIMENTO DE PARTE
Nº do Documento: RP20150413386/13.7TTVFR.P1
Data do Acordão: 04/13/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O trabalhador que pretenda impugnar o despedimento e que tenha entretanto sido declarado insolvente, tem legitimidade para, por si, intentar a acção.
II - Pode valorar-se o depoimento de parte do trabalhador pedido por um dos réus na sua contestação própria, depoimento que confessa que não foi contratado por esse réu, na medida em que essa confissão não é favorável aos interesses do trabalhador, independentemente de não ser favorável aos interesses do outro réu.
III - Na acção de impugnação do despedimento, “despediu verbalmente” corresponde a uma conclusão de direito, a extrair dos factos respectivos a ela conducentes, devendo a mesma dar-se por não escrita e eliminar-se do rol dos factos provados.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 386/13.7TTVFR.P1
Apelação

Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 441)
Adjunto: Desembargadora Paula Maria Roberto
Adjunto: Desembargadora Fernanda Soares

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
B…, residente em Espinho, veio intentar contra C…, e contra D…, residentes em Espinho, a presente acção declarativa emergente de contrato de trabalho, com processo comum, pedindo a condenação dos Réus a pagarem-lhe as prestações pecuniárias vencidas desde 30 dias antes da propositura da acção e vincendas até à data da sentença, uma indemnização por despedimento e férias, subsídio de férias e de Natal referentes aos anos de 2010 a 2012, tudo no valor de €7.503,75.
Alegou em síntese que foi contratada pelos Réus em 9.3.2010 para cuidar da mãe de ambos, e que em 9.12.2012 o R. C…, verbalmente, a despediu. Nunca gozou férias nem lhe foram pagos subsídios de férias e de Natal.

Contestou a Ré por impugnação, porque não contratou a A., nunca teve a administração dos bens da mãe nem movimentou as suas contas, sendo pois alheia à demanda e à eventual relação contratual que lhe esteja subjacente, concluindo pela sua absolvição do pedido.
Pediu o depoimento de parte da Autora.

Contestou o Réu invocando em síntese que a A. celebrou um contrato de trabalho doméstico e a tempo parcial, com a mãe dos Réus, sendo pois o Réu parte ilegítima. De resto, a acção devia ser proposta contra a herança aberta por óbito da empregadora.
Contestou ainda por impugnação, negando o despedimento, sendo pelo contrário que chamou a atenção à Autora sobre coisas que não estavam a ser tratadas convenientemente, ao que a mesma lhe respondeu que se ia embora e nunca mais voltava, palavras que repetiu à Ré, ao sair da casa da mãe de ambos, rescindindo assim unilateralmente o contrato, verbalmente e sem aviso prévio, o que causou prejuízos aos Réus. Sempre foram liquidados todas as quantias devidas a título de férias e subsídios.
Os efeitos da ilicitude do despedimento no contrato de trabalho doméstico são diversos, em parte, dos pedidos pela Autora.
Pugnou o Réu pela sua absolvição do pedido.
Mais deduziu reconvenção, por falta de cumprimento de aviso prévio, no valor correspondente ao período em falta, e ainda porque, o Réu, no período subsequente à saída da Autora e por dez dias, teve de vir de automóvel de Gaia a Espinho, prestar assistência inadiável à sua mãe, durante o dia, reclamando assim da Autora o pagamento de quantia nunca inferior a 1.000,00 euros.

A Autora respondeu à excepção de ilegitimidade e à reconvenção deduzidas pelo Réu, invocando a celebração do contrato com ele, e reafirmando a sua petição inicial.

Foi proferido despacho saneador que fixou o valor da acção em €7.503,75, o valor da reconvenção em €2.350,00 e o valor da causa em €9.853,75, julgou improcedente a excepção de ilegitimidade do Réu, não admitiu a reconvenção e fixou o objecto do litígio e os temas de prova, admitindo os róis e parcialmente o depoimento de parte.

Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova nela prestada, tendo sido lavrada assentada do depoimento de parte da Autora, e foi seguidamente proferida sentença em que após a fixação dos factos provados e não provados e a consignação da respectiva motivação, se julgou a acção parcialmente procedente, constando da respectiva parte dispositiva da sentença:
A) Declaro ilícito o despedimento da Autora;
B) Condeno o réu C… a pagar à autora:
1. A quantia de 1.816,88 (…) a título de indemnização pelo despedimento;
2. A quantia global de 4.641,25 (…) a título de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal e respectivos proporcionais;
C) Absolvo o réu (…) do demais peticionado;
D) Absolvo a ré (…) do pedido.
Custas a cargo da autora e do réu (…), na proporção do decaimento (…)”.

Inconformado, interpôs o Réu o presente recurso, apresentando a final as seguintes e aqui sumariadas conclusões:
1. Como questão prévia invoca-se a ilegitimidade da Autora na presente acção, em virtude de à data em que propôs a acção se encontrar declarada insolvente.
2. Insolvência que foi decretada por sentença de 24 de Janeiro de 2013 no processo 87/13.6TYVNG a correr no 3º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia.
3. Tendo a presente acção dado entrada a 17 de Maio de 2013, e sendo esta acção de carácter patrimonial para os interesses da massa insolvente, não podia a Autora estar por si no processo.
4. Estando a Autora por si no processo e não tendo a acção sido proposta pelo administrador de insolvência em nome da massa insolvente, facto que o apelante só agora teve conhecimento, deve o Tribunal de Recurso declarar a ilegitimidade da Autora, com todas as consequências legais.
Do Recurso de Facto
5. Os factos dados como provados nas alíneas a), b) e) e f) da matéria de facto dada como provada, não o poderiam ter sido, pois resulta dos depoimentos gravados no sistema “Habilus Media Studio” e prestados em audiência de julgamento, que nenhuma prova directa, credível, completa e clara foi feita que permitisse aquela decisão.
6. Os depoimentos prestados e que se encontram evidenciados neste recurso, impunham que o Tribunal a quo respondesse de forma diversa (…).
7. E, não o tendo feito, impõe-se que esse Tribunal de recurso altere a referida decisão (…) dando-os como não provados, e alterando de direito a decisão, em conformidade, absolvendo o Réu, aqui Apelante.
8. Nos termos do artigo 342º do Código Civil “Àquele que (…)”.
9. Cabia pois à Autora fazer prova concludente e verosímil do por si alegado, e não simplesmente trazer ao processo testemunhos de ouvir dizer, indirectos e que falaram exclusivamente do que a Autora lhes disse – talvez até, só e apenas quando foi necessário ir testemunhar ao julgamento.
10. (…)
11. Errou o Tribunal na apreciação dos testemunhos do marido e do filho da Autora (…).
12. Os factos objecto de recurso e dados como provados, fundamentam-se unicamente nos testemunhos dos referidos marido e filho da Autora, que são interessados directos no desfecho positivo – para a Autora – da acção, pois são uma família, habitam em comunhão de vida na mesma residência e não têm conhecimento directo dos factos.
13. A testemunha marido (…) encontra-se igualmente insolvente (…) o que o faz especialmente interessado neste processo.
14. Insolvência que foi ocultada pela A. e pelas testemunhas marido e filho, o que revela claramente a falta de credibilidade de todos (…).
15. Por sua vez, o Tribunal a quo não valorou os factos vivenciados pelas testemunhas E…, F… e H… (…) os quais prestaram depoimentos claros, completos e elucidativos sobre a matéria do recurso.
16. Andou mal e em violação da legislação aplicável – artigos 352º e 365º nº 2 do Código Civil – o Tribunal a quo quando procedeu à audição do depoimento de parte da Autora, pois o mesmo traduziu-se num testemunho de parte.
17. Na verdade, do testemunho de parte (…) não resulta qualquer confissão, antes sim, um testemunho de parte a favor da Autora e em prejuízo do Apelante.
18. Tanto assim foi, que do depoimento cujas passagens assinalamos nas alegações, resulta uma forte animosidade da Autora pelo réu.
19. Do depoimento de parte da Autora só poderia ter resultado o reconhecimento da verdade de um facto contrário aos seus interesses.
20. O que não foi o caso. Veja-se a redacção dada na fundamentação da sentença, no início da página 5, onde se lê “A Autora referiu que o acordo invocado na petição inicial foi apenas celebrado com o Réu C…”.
21. Ficou, pois, violada a lei, ao ter sido utilizado o depoimento de parte da Autora, como um testemunho de parte, em seu benefício e para prova da matéria dada como provada nas alíneas a) e b).
22. Não sendo admissível e permitido aquele testemunho e não tendo nenhuma das outras testemunhas ouvida àquela matéria sabido esclarecer os factos das referidas alíneas, não podia o Tribunal a quo ter dado os mesmos como provados.
23. A testemunha I… (…) disse que não assistiu ao acordo, não sabe com quem a Autora falou, apenas que no dia da entrevista viu a Autora sair do prédio na companhia do Réu (…).
24. Por sua vez, a testemunha J… (…) disse desconhecer as circunstâncias em que foi realizado o contrato de trabalho da sua mãe, mas que sabe que foi feito com o senhor C…, porque a sua mão lhe disse!
25. Estes dois testemunhos não merecem qualquer credibilidade porque depõe em continuação do testemunho de parte, pela voz da Autora souberam o que dizem (…)
26. (…)
27. A testemunha J… (…) foi a única e essencial para o Tribunal (…) ter dado como provada a matéria da al. e) (…).
28. Foi essencial porque referido na fundamentação da sentença e única porque nenhuma outra soube dizer se houve despedimento e se houve, se foi a Autora a despedir-se ou se foi despedida.
29. Esta testemunha afirmou que sabe que a mãe foi despedida porque esta lhe disse (…)
30. Na versão relatada pelo filho (…) é dito que, no próprio dia em que aquela foi despedida entrou em contacto com o Réu que lhe terá dito que despediu a mãe.
31. Este relato está em manifesta contradição com o depoimento da testemunha E… (…) que com isenção e objectividade explica que na segunda-feira imediata ao desentendimento (…) e durante toda a semana tentou convencer a Autora a regressar ao trabalho, a pedido do Apelante.
32. É dito quer pela testemunha E… (…) quer pela testemunha F… (…) que na discussão havida entre a Autora e o Réu aquela terá dito para este “quem não era para trabalhar de noite também não era para trabalhar de dia” e que atirou as chaves, saindo do apartamento.
33. Desentendimento e saída da Autora, por sua iniciativa, do apartamento em que prestava serviço, que foi assistido pela testemunha H… (…).
34. O Tribunal a quo não valorou estes três depoimentos como genuínos e credíveis, omitindo-os da sua motivação da matéria dada como provada errando (…)
35. Não valorou o Tribunal, e devia-o ter feito, o facto de a Autora não se ter deslocado mais ao seu local de trabalho, ainda que tal lhe tenha sido pedido, insistentemente, durante uma semana.
36. Dos testemunhos ouvidos não resulta que o Réu tenha despedido a Autora (…)
37. (…)
38. Quanto ao facto da alínea f) da matéria dada como provada, o tribunal a quo não realizou qualquer fundamentação, sendo esta inexistente, em clara violação do artigo 607º nº 4 do CPC.
39. Inexistente foi também a prova.
40. Só o filho da Autora se referiu a este facto e nos termos já transcritos (…) em apenas 12 curtos segundos dá duas respostas opostas, sempre com a mesma convicção, determinação e assertividade.
41. Refere até, sem que lhe seja perguntado, ao subsídio de Natal – pois está tão dentro do que tem de dizer, que não percebeu que nenhum momento do julgamento lhe é perguntado pelo subsídio de Natal.
42. Nada mais é dito pela testemunha para além (…) de que sabe porque a mãe lhe disse.
43. Erra (…) o Tribunal (…) quando não toma em consideração o depoimento (…) da testemunha H… (…) que afirma que a partir do dia 8 todas as funcionárias recebiam o seu ordenado em dinheiro, bem como sempre lhes foi pago as férias, os subsídios de férias e os subsídios de Natal.
44. Nenhuma prova é feita, nem qualquer menção aos anos em que não foram pagos aqueles valores, mas o Tribunal a quo, por sua iniciativa, considerou que não foram pagos nos anos de 2010, 2011 e 2012.
45. (…)

Autora contra-alegou pugnando pela manutenção da sentença.
A Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação emitiu parecer no sentido da improcedência da questão prévia, do não conhecimento da impugnação da matéria de facto e do não provimento do recurso.
Colhidos os vistos legais e remetido projecto de acórdão, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, as questões a decidir são a ilegitimidade da Autora por já ter sido declarada insolvente à data em que interpôs, por si, a acção, e a reapreciação da decisão sobre a matéria de facto e consequente alteração da solução de direito.

III. Matéria de facto
A matéria de facto dada como provada na 1ª instância é a seguinte:
a) A autora foi admitida ao serviço do réu C…, pelo menos, em Abril de 2010;
b) Nos termos desse acordo, celebrado verbalmente, a autora comprometeu-se a, sob as ordens, instruções e fiscalização do mesmo réu, cuidar e tratar da mãe de ambos os réus, K…, nomeadamente, dar-lhe banho, ajudá-la a ir à casa de banho, preparar-lhe e ajudá-la a tomar as refeições;
c) A autora exercia as funções descritas em casa da mãe dos réus;
d) A autora auferiu, até Setembro de 2011, a retribuição mensal de 400,00 euros e, a partir de Outubro de 2011, passou a auferir a retribuição mensal de 675,00 euros;
e) A 9 de Dezembro de 2012, o réu C… despediu verbalmente a autora;
f) Não foram pagas à autora as retribuições referentes a férias, subsídio de férias e de Natal, relativas aos anos de 2010, 2011 e 2012;
g) O acordo descrito nas alíneas a, b) e c) não foi celebrado com a ré D….
h) K… faleceu a 5 de Fevereiro de 2013.

Apreciando:
I. O recorrente suscita, ex-novo, a questão da ilegitimidade da A. por a mesma, à data em que intentou a acção, já ter sido declarada insolvente. Invoca que, conforme se lê no anúncio publicado a 01.02.2013, a A. e o seu marido foram declarados insolventes, por sentença proferida no Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, processo que ainda se encontra a decorrer, facto que porém só agora lhe veio ao conhecimento. Nos termos do artigo 81º nº 1 e 6 do CIRE, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente de dispor por si dos seus bens presentes ou futuros, os quais passam a integrar a massa falida. Nos termos legais, a declaração de insolvência implica que seja o administrador de insolvência a representar os insolventes para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência. O que se discute nestes autos não é estranho à insolvência da A.
A recorrida invoca que se fez caso julgado sobre a decisão que considerou as partes legítimas e que ainda que assim não seja, sempre é livre a prática de actos que não importem em disposição de bens.
O despacho saneador não se pronunciou sobre a questão, que não lhe foi suscitada, e a apreciação da legitimidade da A. foi tabelar, não fazendo caso julgado.
Todavia, se o anúncio foi publicado a 1.2.2013, então o recorrente haveria de provar que só teve conhecimento do facto agora, o que não fez.
Ainda assim, o artigo 46º do CIRE dispõe: “1 - A massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo.
2 - Os bens isentos de penhora só são integrados na massa insolvente se o devedor voluntariamente os apresentar e a impenhorabilidade não for absoluta”.
Ora, são impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado – artigo 738º do Código de Processo Civil.
Supondo-se que podemos qualificar a interposição duma acção de impugnação de um despedimento ilícito como um acto de disposição de bens, na medida em que o trabalhador arrisca perdê-la (ainda que se não tomar esse risco, o crédito a que eventualmente tenha direito nunca lhe seja reconhecido – recorde-se, o despedimento só pode ser impugnado em juízo, artigo 287º do Código do Trabalho (e portanto a perda seja garantida se o não fizer), e o ganhá-la lhe faria adquirir os créditos (que assim se pensariam como bens futuros), a questão é que, mesmo na perspectiva do recorrente, e vista a impenhorabilidade relativa, então a A. teria legitimidade para reclamar, por si só, 2/3 da retribuição de férias, e dos subsídios de férias e de Natal, 2/3 das retribuições intercalares que peticionou, e finalmente 2/3 da indemnização por despedimento ilícito – ainda que neste caso a jurisprudência não seja uniforme (vejam-se os acórdãos da Relação de Lisboa proferidos nos processos 1253/11.4TBOER-C.L1-8 e 442-B/1995.L1-1) – na medida em que, no particular caso do contrato de trabalho doméstico, a ausência de previsão de retribuições intercalares e a impossibilidade de reintegração, mais aproximem a indemnização da única forma de subsistência do trabalhador (outra a segurança social, que frequentemente e ilegalmente não existe nestes casos).
Ora, ilegitimidade parcial não é uma figura processual reconhecida. Se a Autora tem legitimidade para uma percentagem dos pedidos, então tem legitimidade, pura e simples, e a questão que se põe coloca-se no domínio das relações do insolvente com a insolvência e na apreensibilidade para a massa insolvente de parte de um crédito futuro, mas fora do âmbito processual laboral.
Em suma, quer porque o recorrente não demonstra o seu conhecimento tardio da insolvência, quer porque, essencialmente, não há em rigor disposição no sentido de afectação dos bens da massa insolvente, ainda que futuros, visto que a mesma aconteceria justamente pela não interposição da acção e não por via da sua interposição enquanto única forma de ver declarado o direito de crédito, entendemos que improcede a chamada questão prévia de ilegitimidade da Autora.

II. O recorrente deu, a nosso ver, cumprimento suficiente aos ónus de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, na medida em que nos indica os factos com que não concorda e o sentido da decisão sobre eles a proferir, e na medida em que indica não só os tempos integrais de gravação de cada depoimento (isto sem interesse), mas, a par e passo com os argumentos e passagens a partir dos quais funda a sua discordância, nos indica os tempos concretos deles.
Este tribunal procedeu assim à audição integral do julgamento. Prestou depoimento de parte a Autora, prestou depoimento o marido desta, o seu filho, o gerente de conta da falecida mãe dos Réus, e as empregadas E…, F…, H…, e ainda a empregada do filho da Ré, L….
O recorrente não se conforma com a matéria constante da al. a), b), e) e f) supra.
Relativamente à al. a) “A autora foi admitida ao serviço do réu C…, pelo menos, em Abril de 2010”, e b) “Nos termos desse acordo, celebrado verbalmente, a autora comprometeu-se a, sob as ordens, instruções e fiscalização do mesmo réu, cuidar e tratar da mãe de ambos os réus, K…, nomeadamente, dar-lhe banho, ajudá-la a ir à casa de banho, preparar-lhe e ajudá-la a tomar as refeições”, o recorrente rebela-se contra a utilização do depoimento de parte da A., transformado num testemunho de parte pelo tribunal, e contra o interesse na causa e insuficiência e falta de credibilidade dos depoimentos do marido e do filho da autora.
Sem razão, a nosso ver.
O depoimento de parte foi prestado a pedido da Ré, para prova de uma versão que é prejudicial aos interesses do Réu. A Autora confessou que não foi contratada pela Ré e que esta nunca acordou consigo qualquer horário. Não pode esta confissão ser valorada? Porque é contrária aos interesses do Réu? Sim, mas é favorável aos interesses da Ré. E não é favorável aos interesses da Autora (que, recorde-se, apesar de culpar as leis, interpôs a acção contra ambos os Réus). A posição do recorrente exigiria que se estabelecesse uma regra de necessária comunhão de interesses entre Réus, o que é manifestamente insustentável pela própria natureza das coisas.
O depoimento do marido da Autora, porventura agastado e portador duma sua elaboração sobre o caso, que o terá impedido de responder às perguntas que lhe foram feitas, motivando, com as suas observações, aceso reparo da Mmª Juiz, não se revela, de facto, minimamente credível. Não tinha, o marido da A., conhecimento directo da contratação. O depoimento do filho, mais calmo, mais estudado, também nos diz que nada sabe da contratação, salvo o que a mãe lhe contou. Mas, se o Réu não diz que a Autora foi contratada pela sua mãe, mas por si e pela sua irmã, então a confissão da Autora, conjugada com o depoimento da testemunha E…, que revelou ter sido contratada pelo Réu, já permite auxiliar a confissão com mais um elemento probatório, no sentido de que, apesar da irmã viver no apartamento do lado (ou porventura no mesmo lado, mas no andar de cima ou de baixo), não terá sido ela a contratar a Autora. H…, como diz a Mmª Juiz, não apresenta credibilidade nenhuma. É certo que o nível cultural é fraco, mas não conseguimos sair da estranheza final do seu depoimento, de que tanto gostando dos seus patrões, supõe-se, esteve quase um ano sem visitar a sua patroa (mãe), e calhou o dia da visita, de que se recordava bem, porque a marcou, ser o dia 9 de Dezembro, justamente o do despedimento. Só isto já deixa antever que tudo o mais que disse, antes, era o debitar de uma versão que sabia ser favorável ao patrão.
Relativamente às funções contratadas, com o devido respeito, pensamos que a impugnação se refere à parte inicial, de ser o Réu a acordar tais funções – e aqui valem as razões já aduzidas – como nos parece pela sucessão de empregadas ouvidas que é indiscutível que a mãe dos Réus estava doente e que carecia de apoio doméstico, e que eram, grosso modo, essas as funções que eram desempenhadas, tanto mais credivelmente quanto se integram nas funções normais dum apoio doméstico a uma pessoa de idade e doente.
Não se vê assim razão alguma para alterar a decisão nestes pontos.

Relativamente à al. f), que tem menos que justificar, é verdade que não há motivação que a abranja especificamente, mas a questão é esta: a prova de pagamento de retribuição não se faz por testemunhas – artigo 395º e 393º do Código Civil – e não foi feita. E por isso a conclusão, que se pode dar como provada, é que não foi feito o pagamento das retribuições de férias e dos subsídios de férias e Natal, quaisquer que fossem os anos reclamados pela Autora.
Nada a alterar portanto.

Relativamente à alínea e) “A 9 de Dezembro de 2012, o réu C… despediu verbalmente a autora”, temos de entender que, numa acção de impugnação do despedimento, numa acção em que se visa impugnar o despedimento, a expressão “despediu”, ainda que na fórmula “despediu verbalmente”, é conclusiva das concretas afirmações verbais que o Réu eventualmente tenha feito: - “Está despedida”, “não quero mais ao serviço”, “acaba agora o seu contrato” e similares. E é uma conclusão de direito: é porque o Réu disse “Está despedida”, que podemos dizer, concluir, em termos de direito, que com tal expressão manifestou a sua vontade de pôr termo unilateral ao contrato, ou seja, que despediu. Ora, desde sempre, as conclusões de direito não têm lugar na matéria de facto, isto é, o tribunal não pode dar como provada uma conclusão de direito e, quando assim aconteça, tal “facto” deve considerar-se não escrito: - artigo 646º nº 4 do CPC na versão anterior à actual, e devendo entender-se que a mesma disciplina resulta da concepção legislativa processual actual sobre a elaboração da sentença, a partir do nº 3 do artigo 607º do CPC, segundo o qual, ao relatório, se seguem os fundamentos, aqui identificando o legislador, de modo separado e autónomo, os factos provados da decisão final obtida por aplicação aos factos das normas jurídicas que o julgador deve convocar, interpretar e aplicar. Embora o nº 4 do preceito não se refira expressamente aos conceitos ou conclusões de direito, dele resulta o que é o entendimento legislativo sobre “quais os factos” a considerar. Em obediência a esta disciplina, eliminamos a al. e) dos factos provados.
De resto, mesmo que assim não se entendesse, sempre não encontraríamos apoio suficiente na prova produzida: ninguém assistiu ao modo como terminou a relação laboral, o filho da autora terá telefonado ao Réu, que lhe terá confirmado que tinha despedido a mãe, o que o Réu nega, é claro que o filho da autora é interessado, ainda que não se possa dizer que automaticamente isso implica considerar falsa a sua versão, mas esse interesse teria então de obter, para a anulação da sua relevância, o apoio de outro meio de prova. Se H… não tem credibilidade nenhuma, o único depoimento a ressalvar seria o de E…, o qual porém sempre ressalvou que não tinha conhecimento directo e quanto ao que se passou na semana seguinte, tal depoimento revela-se ambíguo, não permitindo com segurança dizer se foi o Réu que despediu a Autora ou esta quem se despediu.
Assim, elimina-se a al. e) e em consequência, cumprindo à Autora provar os factos constitutivos dos seus direitos decorrentes da ilicitude do despedimento, a saber o contrato de trabalho e o despedimento, na conformidade do artigo 342º do Código Civil, consideramos que não fez prova do despedimento, devendo portanto improceder os seus pedidos dele decorrentes, a saber, conforme a condenação, a indemnização por antiguidade. Note-se, e nem isso é objecto do recurso, que a ignorância do modo como cessou a relação também não permite concluir que foi a Autora quem se despediu, para o efeito de a condenar a pagar ao A. o pré-aviso em falta.
A não alteração da alínea f) da matéria de facto faz com que, da sentença recorrida, apenas haja que revogar a parte em que declarou ilícito o despedimento e condenou o Réu a pagar à A. a indemnização de antiguidade, mantendo-se o demais decidido (em bom rigor, mesmo quanto a proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal, eles não estão dependentes da classificação da forma de cessação da relação laboral).

Resumindo, procede parcialmente o recurso.
Tendo ambas as partes decaído no recurso, são ambas responsáveis pelas custas na medida desse decaimento – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC – sem prejuízo do apoio judiciário de que goze a Autora.

IV. Decisão
Nos termos supra expostos acordam conceder parcial provimento ao recurso e em consequência revogam a sentença recorrida na parte em que declarou ilícito o despedimento e na parte em que condenou o Réu a pagar à A. “A quantia de 1.816,88 (…) a título de indemnização pelo despedimento”, confirmando a sentença em tudo o mais.
Custas por ambas as partes, na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que goze a Autora.

Porto, 13.4.2015
Eduardo Petersen Silva
Paula Maria Roberto
Fernanda Soares
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Sumário a que se refere o artigo 663º, nº 7 do CPC:
I. O trabalhador que pretenda impugnar o despedimento e que tenha entretanto sido declarado insolvente, tem legitimidade para, por si, intentar a acção.
II. Pode valorar-se o depoimento de parte do trabalhador pedido por um dos réus na sua contestação própria, depoimento que confessa que não foi contratado por esse réu, na medida em que essa confissão não é favorável aos interesses do trabalhador, independentemente de não ser favorável aos interesses do outro réu.
III. Na acção de impugnação do despedimento, “despediu verbalmente” corresponde a uma conclusão de direito, a extrair dos factos respectivos a ela conducentes, devendo a mesma dar-se por não escrita e eliminar-se do rol dos factos provados.

Eduardo Petersen Silva
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artigo 138º nº 5 do Código de Processo Civil).