Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1529/12.3TTPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: REVISÃO DA PENSÃO
PRAZO
Nº do Documento: RP201505111529/12.3TtPRT-A.P1
Data do Acordão: 05/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: O art. 70º, nº 3, da Lei 98/2009 apenas introduz uma única limitação à dedução do pedido de revisão, qual seja a de esta ser requerida (apenas) uma vez em cada ano civil, nele não se impedindo que o seja no próprio ano em que é fixada a pensão, nem nele se impõe que decorra um período mínimo de tempo entre esta data e a do pedido de revisão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 1529/12.3TTPRT-A.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 831)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Maria José Costa Pinto

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

Na presente ação com processo especial emergente de acidente de trabalho em que é A. B… e Ré Companhia de Seguros C…, SA, por sentença proferida aos 05.02.2014, notificada à Ré por correio registado expedido aos 06.02.2014 e de que não foi interposto recurso, foi esta condenada a pagar àquele “a pensão de €7.638,60, a partir de 22.01.2012, em duodécimos, no seu domicílio; uma prestação de valor igual a 1/14 da pensão anual, nos meses de Junho e Novembro, que acrescerá àquela (art. 72º da Lei 98/09, de 04.SET)”. Foi ainda fixada à ação o valor de €132.684,23.

Aos 01.04.2014, veio a Seguradora requerer exame de revisão, referindo que “(…) Acontece porém que todo o processo clínico foi novamente colocado à consideração e análise do seu médico chefe, Dr. D…, o qual concluiu em 18/03/2014 que, perante a documentação disponível, exames realizados no âmbito do processo, autos de exame singular e da junta médica, o sinistrado teria necessariamente que apresentar melhorias relativamente à data da alta fixada e à IPP homologada.
Pelo exposto, é entendimento desta Seguradora, que se verificou uma melhoria na capacidade geral de ganho do sinistrado, no que diz respeito às lesões contraídas aquando do acidente, conforme boletim de Exame/Alta que se anexa.” Em tal requerimento atribuiu ainda à ação o valor de €38.143,00. E juntou o documento de fls. 44/45 (“Boletim de Exame/Alta/Estado Actual Ficha de Avaliação de Incapacidade”, que se encontra datado de 18.03.2014 e assinado por “Dr. D….”.

O A., com mandatário judicial constituído nos autos, respondeu nos termos constantes de fls. 65 a 67[1], alegando em síntese: que ao incidente de revisão deve ser fixado o valor de €132.684,23 e não o atribuído pela Ré Seguradora de €38.143,00; o pedido de revisão mostra-se assinado por alguém em nome da Seguradora, desconhecendo se a mesma tem ou não a qualificação profissional de advogado, sendo, nos autos, obrigatória a constituição de advogado; tendo a sentença transitado em julgado no dia 07.03.2014 e atento o disposto no art. 70º da Lei 98/2009, de 04.09, o incidente de revisão apenas poderá ser deduzido (pelo sinistrado ou pela entidade responsável) durante o ano civil de 2015; o A. não sofreu qualquer melhoria da sua capacidade de ganho, não tendo sido sujeito a qualquer tratamento, nem cirúrgico, nem conservador, que seja suscetível de melhorar as suas sequelas, havendo a última observação médica que lhe foi feita tido lugar na junta médica realizada nos autos (a 04.12.2013) e nunca mais alguém (médico ou mero funcionário) da Seguradora o observou ou tratou, sendo que na junta médica a Seguradora apresentou perito médico da especialidade de otorrinolaringologia que, por unanimidade, votou no sentido da atribuição da IPP de 13%.; o “Boletim de Exame/Alta/Estado Actual Ficha de Avaliação de Incapacidade” que a Seguradora juntou com o pedido de revisão é falso, pois o A. nunca foi observado pelo Sr. Dr. D…, subscritor do mesmo, nem por qualquer outro médico, configurando o crime de atestado falso previsto e punido pelo art. 260º do CP; termina concluindo, no sentido de que: seja fixado ao incidente o valor de €132.684,23; seja a Seguradora convidada a constituir mandatário ou o signatário de tal requerimento informar se tem ou não, advogado; seja indeferido liminarmente o requerimento de incidente de revisão de incapacidade requerido pela entidade responsável nos termos do art. 70, nº 3, da Lei 98/2009, de 04.09; oficiosamente, dar conhecimento ao MP dos factos e peças denunciadas como suscetíveis da prática do crime de atestado falso, para instauração do respetivo procedimento criminal.

Aos 18.06.2014, pronunciando-se sobre o mencionado requerimento do sinistrado, foi proferida decisão a:
- considerar que o valor da ação é o de €132.684,23 e a determinar que a Seguradora, caso pretenda que o exame de revisão tenha lugar e o requerimento seja admitido, proceda ao reforço da taxa de justiça que já efetuou;
- “No que concerne ao prazo para requerer a revisão, considerando que o art. 70º, nº 3 da referida Lei 98/2009 estabelece que a revisão apenas pode ser requerida uma vez em cado ano civil.
Ou seja, a lei não exige que o pedido de revisão ocorra em ano diverso daquele em que foi fixada a pensão, mas apenas que não pode ser requerida a revisão da pensão uma vez por ano civil.
No caso vertente, uma vez que no corrente ano de 2014 não houve pedido de revisão, a pretensão da seguradora responsável pode ser deferida.”;
- “Quanto à questão da ausência de melhoria da situação do sinistrado, essa é justamente o objeto do exame médico de revisão a que terá que ser submetido.”;
- “Finalmente, e quanto ao requerido pelo sinistrado quanto à questão da alegada falsidade do atestado médico, defere-se ao requerido, pelo que deverá ser dado conhecimento ao M. Público, com cópia de fls. 76/78, para os fins que tiver por convenientes.”.

Inconformado, veio o A. recorrer, tendo formulado, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“1º
Proferida sentença, elaborada e notificada às partes em 6 de Fevereiro de 2014 e considerando que as partes presumem-se notificadas no dia 10 do mesmo mês, contata-se que a sentença apenas transitou em julgado no dia 7 de Março de 2014 (contando-se a possibilidade da prática do acto no 3º dia útil posterior ao termo do prazo, com multa).
Um novo Incidente de Revisão apenas poderia ser deduzido (pelo Sinistrado ou pela Entidade Responsável) durante o ano civil de 2015, por ser esse o ano civil seguinte ao da fixação da pensão, que é a data do trânsito em julgado da respectiva decisão, isto porque «A revisão pode ser requerida uma vez em cada ano civil” , conforme nº 3 do artigo 70º da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro.
«I- Nos dois primeiros após a data da sua fixação, a incapacidade pode ser revista uma vez em cada semestre, independentemente de terem decorrido ou não mais de seis meses após a data da fixação ou da última revisão. II- A data da fixação da pensão é a data do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial» - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.05.2004, proferido no processo 0412065.
A obrigação do pagamento da pensão só nasce com o trânsito da decisão judicial, embora o início da pensão se reporte ao dia seguinte ao da cura clínica.
Tem que se interpretar a lei no sentido que presuma que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9º nº 3 do CC), concluindo que, quanto o nº 3 do artigo 70º da Lei 98/2009 de 04/09 (NLAT) prevê que «A revisão pode ser requerida uma vez em cada ano civil», esta proíbe a dedução de um Incidente de Revisão de Incapacidade no mesmo ano civil em que transitou em julgado a Sentença do Processo Principal que fixou a pensão,
Sob pena de o Incidente de Revisão funcionar “como um segundo recurso da Sentença transitada” ou, se quisermos, de tentar uma diversa decisão judicial em curtíssimo espaço de tempo,
Pois poderá ser, sempre, deduzido e iniciar seus trâmites no dia imediatamente seguinte ao do trânsito em julgado da Sentença de condenação do processo emergente de Acidente de Trabalho.
Certamente que não foi isso que o legislador pretendeu, nem é esse o espírito do sistema.
Assim, apenas poderá ser deduzido um Incidente de Revisão no ano civil seguinte (2015) ao da fixação da pensão (2014).
Mesmo que assim não se entenda, sempre se requer,
10º
A Seguradora fundamenta o seu pedido de Revisão com um BOLETIM DE EXAME/ALTA/ESTADO ACTUAL DE AVALIAÇÃO DE INCAPACIDADE datado de 18 de Março de 2014, que não corresponde a qualquer observação ao sinistrado.
11º
Pois conforme informa e confessa a Seguradora no seu requerimento de Revisão “…todo o processo clínico foi novamente colocado à consideração e análise do seu médico chefe, Dr. D…, o qual concluiu…”, ou seja, não existiu qualquer observação, exame médico, consulta ou tratamento ao Sinistrado.
12º
Ora, estando perante um Atestado Médico falso, ou simplesmente NÃO VERIFICADO, como admite a Seguradora, não tendo sequer observado e avaliado o Sinistrado e não vindo o requerimento de revisão acompanhado por quesitos, não se mostra assim cumprido o nº 2 do artigo 145º do C.P.T.
13º
Não está devidamente fundamentada uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, conforme manda o artigo 79º da Lei 98/2009 de 04/09 (NLAT).
14º
E, não estando formulados quesitos, o requerimento da Seguradora não cumpre o ónus do nº 2 do artigo 145º do C.P.T., pelo que deveria ter sido indeferido.
15º
Foram violados, entre outras, nº 2 do artigo 145º do C.P.T., o nº 3 do artigo 70º da Lei 98/2009 de 4 de Setembro e o nº 3 do artigo 9ºdo C.C.

TERMOS EM QUE SE REQUER, A V.ª (S) EXª(S) SE DIGNEM CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, SUBSTITUIR O DESPACHO QUE SE RECORRE, POR DOUTO ACÓRDÃO QUE JULGUE O INDEFERIMENTO DO INCIDENTE DE REVISÃO DE INCAPACIDADE, QUER POR TAL SER IMPOSSÍVEL DURANTE O MESMO ANO CIVIL EM QUE FOI FIXADA A PENSÃO, QUER POR O MESMO NÃO ESTAR DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO, NEM VIR ACOMPANHADO POR QUESITOS.”

A Recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção do despacho recorrido e tendo formulado, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“I. O art. 70º, nº 3 da Lei 98/2009 apenas estabelece que a revisão pode ser requerida uma vez em cada no civil, ou seja, a lei não exige que o pedido de revisão ocorra em ano diverso daquele em que foi fixada a pensão.
II. As alterações no estado de saúde dos sinistrados não esperam o decurso de seis meses ou de um ano, após a última eclosão, para ocorrerem. Assim, a Seguradora não é obrigada a esperar que decorra um ano sobre o trânsito em julgado da decisão judicial/sentença para despoletar, nos termos da lei, o incidente de revisão de incapacidade.
III. No caso vertente, uma vez que no corrente ano de 2014 não houve pedido de revisão da incapacidade do Sinistrado, a pretensão da Seguradora responsável pode ser deferida.
IV. É lícito a Seguradora com base na análise dos elementos clínicos juntos aos autos considerar que nos meses que se seguiram ao auto de exame por junta médica, o Sinistrado continuou a melhorar, mantendo o desempenho profissional sem aparentes restrições, acreditando até que eventuais limitações residuais podem ser corrigidas cirurgicamente.
V. O fundamento apresentado pela Ré é, assim, suficiente para requerer o exame de revisão da incapacidade do Apelante/Sinistrado, tendo em consideração que o objectivo do incidente de revisão é exactamente verificar se houve alteração do estado do sinistrado.
VI. O pedido de revisão da incapacidade é deduzido em simples requerimento e “deve ser fundamentado ou vir acompanhado de quesitos”, o que significa que não são dois requisitos cumulativos e, portanto, estando fundamentado o pedido, dispensam-se os quesitos.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido, em síntese, de que: a questão da alegada falta de fundamentação e da ausência de quesitos, apenas foi colocada em sede de recurso, tratando-se de uma questão nova, que não foi submetida à apreciação e à decisão do Tribunal da 1ª instância, pelo que não pode agora a Relação dela conhecer; quanto à questão da alegada impossibilidade de dedução do incidente de revisão durante o ano de 2014, no sentido do não provimento do recurso.
Conclui, assim, no sentido da improcedência da apelação.
Tal parecer, notificado às partes, não foi objeto de resposta.

Deu-se cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 2, do CPC/2013.
***
II. Matéria de facto assente:

Tem-se como assente o que consta do relatório precedente, designadamente que:
a) Aos 14.12.2013 teve lugar exame por junta médica nos termos constantes de fls. 35 a 38 dos autos;
b) Aos 05.02.2014 foi proferida a sentença de fls. 39 a 41, mencionada no precedente relatório, na qual se deu como provado que:
“1. O sinistrado sofreu acidente em 22.Dez.11, quando trabalhava para E…, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, cuja responsabilidade pelos danos resultantes de acidentes de trabalho se encontrava transferida para a seguradora C…, SA, na qualidade de líder, mediante contrato de seguro por acidentes de trabalho válido e em vigor.
2. Auferia o sinistrado, à data do acidente, a retribuição anual de €50.000,00;
3. Desse acidente resultaram para o sinistrado as lesões descritas nos autos, que lhe causaram a incapacidade permanente e parcial de 13%.
4. Até à data da sua alta, que ocorreu a 21.JAN.12, o sinistrado encontrava-se pago de todas as indemnizações.”.
c. Na mencionada sentença foi a Ré seguradora condenada a pagar ao A. a pensão anual, com efeitos a 22.01.2012, de €7.628,60, bem como uma prestação de valor igual a 1/14 da pensão anual, nos meses de Junho e Novembro, que acrescerá àquela.
d. Tal sentença foi notificada à Ré Seguradora por correio registado expedido aos 06.02.2014 e dela não foi interposto recurso;
e. Aos 01.04.2014 a Ré Seguradora veio requerer que o A. seja submetido a exame de revisão nos termos constantes do requerimento referido no precedente relatório.
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III. Do Direito

1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 5º, nº 1, da citada Lei e art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, a única questão em apreço consiste em saber se o pedido de revisão formulado pela Recorrida deverá ser liminarmente indeferido: por impossibilidade da sua dedução no ano de 2014; e por não estar, tal pedido, fundamentado, nem vir acompanhado de quesitos.

2. Da alegada impossibilidade de dedução do pedido de revisão no ano de 2014

Tendo a sentença que fixou a incapacidade ao sinistrado sido proferida aos 06.02.2014 e transitado em julgado no dia 07.03.2014, entende o Recorrente que, nos termos do art. 70º, nº 3, da Lei 98/2009, de 04.09, não poderia o incidente de revisão da pensão ter sido requerido no mesmo ano civil ao dessa fixação. Ou seja, não poderia ter sido requerido em 2014.

Desde já se dirá que não assiste razão ao Recorrente.

Ao caso, atenta a data do acidente de trabalho, é aplicável a Lei 98/2009, de 04.09, cujo art. 70º dispõe que:
1 - Quando se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada.
2 - A revisão pode ser efectuada a requerimento do sinistrado ou do responsável pelo pagamento.
3 - A revisão pode ser requerida uma vez em cada ano civil.
Desde logo, do elemento literal da norma não decorre a limitação temporal preconizada pelo Recorrente, sendo que a única estipulada é que a revisão só possa ser requerida uma vez em cada ano civil. Nela não se impõe qualquer prazo mínimo entre a data da fixação da pensão [mesmo considerando-se que esta corresponde à do trânsito em julgado da decisão que fixa a incapacidade e a correspondente pensão] e a do pedido de revisão, apenas se limitando a dedução desta pedido a uma vez em cada ano civil.
Ou seja, o entendimento preconizado pelo Recorrente não tem o mínimo de apoio na letra da lei, dispondo o art. 9º, nº 2, do Cód. Civil, que não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
Por outro lado, não tem também apoio no seu espírito, como decore aliás do Acórdão desta Relação de 10.05.2004, Processo 0412065, in www.dgsi.pt e citado pelo próprio Recorrente.
Tal aresto, apesar de tirado no domínio da anterior Lei 100/97, de 13.09 e pese embora a Lei 98/2009 haja alterado, em matéria de prazos para a dedução do pedido de revisão, o regime constante do anterior art. 25º [que dispunha, no seu nº 2 que “2. A revisão só poderá ser requerida dentro dos 10 anos posteriores à data da fixação da pensão, uma vez em casa semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.”], mantém interesse para a interpretação do atual art. 70º, nº 3.
Com efeito, e no contexto do citado art. 25º, nº 2, da Lei 100/97, entendeu-se, como se refere no seu sumário, que “I - Nos dois primeiros após a data da sua fixação, a incapacidade pode ser revista uma vez em cada semestre, independentemente de terem decorrido ou não mais de seis meses após a data da fixação ou da última revisão.”.
E, para tanto, nele teceram-se as seguintes considerações:
“3. O mérito
Nos termos do n.º 1 do art. 25.º da Lei n.º 100/97, de 13/9:
“Quando se verifique modificação da capacidade de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de prótese ou ortótese, ou ainda de formação ou reconversão profissional, as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada.”
E nos termos do n.º 2 do mesmo artigo:
“A revisão só poderá ser requerida dentro dos 10 anos posteriores à data da fixação da pensão, uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.”
O objecto do recurso restringe-se à questão de saber qual o sentido a dar à expressão “em cada semestre”, contida no n.º 2 do art. 25.º. Mais concretamente, trata-se de saber se, nos dois primeiros anos, a revisão só pode ser requerida decorridos que sejam seis meses sobre a data da anterior fixação das prestações (conforme foi decidido no despacho recorrido) ou se pode ser requerida uma vez em cada um dos seis meses posteriores à data da anterior fixação das prestações, independentemente de terem decorrido ou não seis meses sobre aquela data.
Salvo o devido respeito, entendemos que a interpretação correcta do normativo legal em causa é a de que a revisão pode ser requerida, nos dois primeiros anos, uma vez em cada um dois seis meses seguintes ao da fixação das prestações, sem necessidade de deixar decorrer seis meses sobre a data da anterior fixação das prestações. É esse o sentido que naturalmente decorre do elemento literal da norma e que o elemento histórico confirma. Com efeito, comparando o teor do n.º 2 do art. 25.º da Lei n.º 100/97, que é igual ao teor do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2.127, com o teor do art. 24.º da Lei n.º 1.942, de 27/7/36, não podemos deixar de concluir que o legislador quis alterar, com a Lei n.º 2.127, o regime anteriormente consagrado na Lei n.º 1.942 que no seu art. 24.º admitia a revisão das pensões “durante o prazo de cinco anos, a contar da data da homologação do acordo ou do trânsito em julgado da sentença, (...) desde que, sobre a data da fixação da pensão ou da última revisão, tenham decorrido seis meses pelo menos.”
Como refere Carlos Alegre (Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Almedina, 2.ª edição, pág. 128 e 129) a Base XXII introduzira, deliberadamente, uma redacção que afastava, por completo, qualquer interpretação que se assemelhasse à condição imposta no preceito da lei anterior e o art. 25.º, n.º 2, da lei actual não pretendeu coisa diferente. A razão de ser deste novo posicionamento do legislador (continua aquele autor) surge da verificação da experiência médica quotidiana de que os agravamentos como as melhorias têm uma maior incidência nos primeiros tempos. Porém, é do conhecimento comum, que o legislador não podia ignorar, que tais alterações no estado de saúde dos sinistrados não esperam o decurso de seis meses ou de um ano, após a última eclosão, para ocorrerem Acontecem quando calha e o legislador apenas para impor alguma ordem e evitar eventuais abusos decidiu dividir o largo período de dez anos em quatro semestres e oito anos, dentro de cada um dos quais é lícito requerer a revisão.
A favor da interpretação perfilhada, diz Carlos Alegre, milita ainda o argumento literal que resulta da comparação do n.º 2 com o n.º 3 do art. 25. da Lei n.º 100/97 (como antes acontecia com os n.ºs 2 e 3 da Base XXII da Lei n.º 2.127), uma vez que no primeiro se diz “uma vez por ano” e no segundo (relativo às doenças profissionais de carácter evolutivo) se diz que a revisão pode ser requerida a qualquer tempo, mas nos dois primeiros anos só poderá ser requerida “uma vez no fim de cada ano” (sublinhado nosso).
Deste modo, tal como Carlos Alegre, entendemos que o único entendimento possível é o que permite requerer a revisão uma vez cada seis meses ou um ano, sem que tais prazos tenham como limite antecedente a última fixação ou alteração da pensão. Em nossa opinião, é possível requerer a revisão da pensão cinco dias ou cinco meses depois da sua inicial fixação ou da última revisão.
No mesmo sentido, vide Cruz de Carvalho, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Petrony, 1980, pág. 100.
Revertendo ao caso em apreço, constatamos que a pensão inicial foi fixada, com efeitos a partir de 11 de Janeiro de 2003, pelo despacho que homologou o acordo obtido na tentativa de conciliação realizada pelo M.º P.º, despacho esse que foi proferido em 26.11.2003. Foi a partir dessa data, ou melhor, da data em que aquele despacho transitou em julgado, que se iniciou o prazo de dez anos para requerer a revisão da pensão, por entendermos que a data da fixação inicial da pensão não pode deixar de ser a data do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial (sentença ou despacho de homologação do acordo) e não a data a partir da qual a pensão é devida. Com efeito, a obrigação de pagamento da pensão só nasce com a decisão judicial e, embora o início da pensão se reporte ao dia seguinte ao da cura clínica que, por regra, é anterior à data do trânsito em julgado daquela decisão, tal não permite concluir que a data da fixação da pensão é a data da cura ou a data a partir da qual a pensão é devida, uma vez que dentro do processo só as decisões judiciais tem força vinculativa inter partes. Não podemos confundir a data da fixação da pensão com a data do início da pensão.
Ora, sendo assim, como se entende que é, era lícito à recorrente requerer a revisão da pensão em 16 de Maio de 2003, por tal data se situar dentro do primeiro semestre após a data do despacho judicial que homologou o acordo obtido entre o sinistrado e a seguradora, pois não era obrigada a esperar que decorressem seis meses sobre o trânsito em julgado daquela decisão.”.

Ou seja, nem a interpretação do Recorrente encontra apoio no elemento histórico, pois que, como decorre do exposto em tal acórdão, foi abandonada a fixação de um limite temporal mínimo entre a data da fixação da pensão [como tal entendendo-se a data do trânsito em julgado da decisão que a fixa] e a do pedido de revisão. E tal entendimento não é alterado pela atual Lei 98/2009 (art. 70º, nº 3), que apenas introduz uma única limitação, qual seja a de a revisão ser requerida (apenas) uma vez em cada ano civil. Nele não se impede que a revisão seja requerida no próprio ano em que é proferida, rectius, em que transita, a sentença a fixar a pensão, nem se impõe um período mínimo entre essa data e a do pedido de revisão.
Assim, no caso, e tendo embora a sentença que fixou a incapacidade do Recorrente e a correspondente pensão, transitado em julgado aos 07.03.2014, nada impedia a formulação do pedido de revisão em Abril desse mesmo ano, assim improcedendo nesta parte, as conclusões do recurso.

2. Da alegada falta de fundamentação e de formulação de quesitos do pedido de revisão

Alega o Recorrente, no recurso, que o requerimento de exame de revisão não dá cumprimento ao disposto no art. 145º, nº 2, do CPT pois que não se encontra fundamentado, nem vem acompanhado de quesitos.
Tal questão não foi suscitada pelo Autor em sede de 1ª instância, mormente no seu requerimento de oposição ao pedido de revisão formulado pela Ré, e não havendo o tribunal a quo pronunciado-se sobre ela.
Com efeito, ela é invocada, pela 1ª vez, em sede de recurso, pelo que acompanhamos as considerações tecidas, no seu douto parecer, pelo Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto no sentido da impossibilidade do seu conhecimento, por esta Relação: “(…), salvo as questões de conhecimento oficioso, os recurso visam apenas modificar as decisões recorridas e não criar novas decisões, sobre matérias ou questões novas que não forma suscitadas ou conhecidas pelo tribunal recorrido, sendo pacífica a jurisprudência no sentido de que a missão do tribunal de recurso é a de apreciar se uma questão decidida pelo tribunal de que se recorreu foi bem ou mal decidida e extrair as consequências atinentes. (…)”.
E, no caso, esse alegado vício não é de conhecimento oficioso.
De todo o modo, sempre se dirá que a (eventual) deficiente fundamentação ou a falta de formulação de quesitos [estes dois requisitos não são exigidos em termos cumulativos, mas sim alternativos, como decorre do art. 145º, nº 2, do CPT] a, porventura, considerar-se que existiria, não constituiria vício insuscetível de sanação determinante do imediato indeferimento liminar, sendo certo que sempre poderia ele ser suprido por via do convite ao aperfeiçoamento ao abrigo do art. 27º, al. b), do CPT.

Finalmente, acresce dizer que a alegação do Recorrente contida na conclusão 12º, segundo a qual a Recorrida não teria sequer observado e avaliado o sinistrado, se prende com a bondade, ou não, do pedido de revisão, isto é, com o seu mérito [e cujo conhecimento é prematuro nesta fase – como se diz na decisão recorrida “quanto à questão da ausência de melhoria da situação do sinistrado, essa é justamente o objecto do exame médico de revisão a que terá que ser submetido”], e não com a falta de fundamentação desse pedido, não constituindo, essa alegada falta de observação e avaliação do A., obstáculo, do ponto de vista formal, à formulação desse pedido, tanto mais que não se descortina na lei norma que imponha, como requisito do pedido de revisão, a prévia avaliação ou observação do sinistrado.

Assim, e também nesta parte, improcedem as conclusões do recurso.
***
IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Porto, 11.05.2015
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Maria José Costa Pinto
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[1] Impressão da resposta junta pelo Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto ao parecer por este emitido.