Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1117/17.8T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO VAZ PATO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÕES
MOLDURA PENAL
REDUÇÃO
DOLO
NEGLIGÊNCIA
Nº do Documento: RP201810031117/17.8T8VFR.P1
Data do Acordão: 10/03/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE RECURSO DA RECORRENTE, COM DEDUÇÃO DA COIMA
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 42/2018, FLS ...)
Área Temática: .
Sumário: I – A aplicação de coimas fixas, sem qualquer possibilidade de graduação em função das circunstâncias do caso concreto, contraia frontalmente os princípios que regem o direito penal e o direito contra-ordenacional.
II - O artigo 17º, nº 4 do Regime Geral das Contraordenações, que prevê a redução do montante máximo da coima quando na decisão não se distinga o comportamento doloso do negligente, deverá ser alvo de uma interpretação extensiva, em nome da coerência do sistema jurídico e em benefício do condenado, reduzindo-se a metade também o valor mínimo da coima aplicável.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1117/17.8T8VFR.P1

Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I – A B... (titular do B1...) vem interpor recurso da douta sentença do Juiz 1 do Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira que a condenou, pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 3.º, a) e b), 4.º, h), e 9.º, n.º 2, da Lei n.º 46/2008, de 28 de agosto, na coima de sete mil, novecentos e cinquenta euros.

Da motivação do recurso constam as seguintes conclusões:
«1. O Princípio da igualdade/não discriminação não pode ser entendido em termos absolutos, não bastando uma mera declaração de intenção, pelo contrário, devendo existir uma ação material, desfavorável face a uma situação comparável,'
2. A douta sentença recorrida entendeu que aquilo que foi transmitido à encarregada de educação do C... não pode deixar de ser entendido como uma atitude limitadora do acesso do aluno ao B1... através do anúncio de que o mesmo não beneficiará dos meios de compensação/apoios adequados às suas necessidades específicas, conduta essa que a lei expressamente qualifica como prática discriminatória, na al, h), do art.° 4°, da Lei n.º 46/2006, de 28/08;
3. Atendendo aos Ponto 9 de A) Factos provados e Ponto a) de B) Factos não provados, resulta das regras da experiência comum que, se a EE se deslocou ao B1... para tomar conhecimento das condições que o estabelecimento de ensino tinha para oferecer para o seu filho que exigia especiais cuidados, é porque ou tinha dúvidas sobre a existência dessas condições, ou, de todo, desconhecia quais as condições existentes;
4. A EE não se dirigiu ao B1... para matricular o seu filho C..., apenas para saber que condições aquele tinha;
5. Não pode confundir-se a natureza desta reunião prévia, de informação, de esclarecimento, com a situação de, após ter sido feita a escolha, a matrícula, a EE fosse confrontada pela Direção do B1... com um conjunto de condições, de práticas implicasse um tratamento menos favorável do C... face a outros alunos com idêntica deficiência;
6. Todas as situações de alunos com nee's foram processadas de igual forma, com a realização de reuniões com finalidade idêntica;
7. Os meios humanos, técnicos e materiais do B1... disponibilizados ao C... são exatamente os mesmos disponibilizados e conhecidos aos/dos pais dos 80 alunos com nee´s que optaram por matricular os filhos no B1..., no livre exercício da sua vontade informada, tal como a mãe do C... que livre, consciente e informada, entendeu fazer, para o seu filho, outra opção;
8. Invoca também a douta sentença que foi desrespeitado o princípio da prioridade de matrícula dos alunos com nee´s, obrigação decorrente do DL n.º 3/2008, de 7/1 (art.º 2°, n.ºs 2 e 3) e do art.º 10° do Despacho n.º 5048-B/2013, de 12/4, e também constante no Regulamento próprio do B1...;
9. Sucede, porém, que, no caso em apreço, a questão não se levantou porquanto a EE do C... não chegou sequer a formalizar a matrícula no B1..., pelo que a regra da prioridade não foi sequer equacionada, porquanto não se verificou uma eventual situação de maior número de alunos inscritos/matriculados no 5° ano de escolaridade que vagas existentes;
10. Neste pressuposto é erróneo apreciar e decidir sobre a existência de prática discriminatória, com base numa realidade factual e normativa que não teve aplicação;
11. Quanto à violação contrato de associação em vigor no ano letivo de 2014/2015, este só foi celebrado em 29 de outubro de 2014, e o seu cumprimento ou incumprimento só pode ser aferido reportando aos alunos que compusessem as turmas devidamente homologadas e financiadas constituídas pelos alunos matriculados;
12. Ora, o C... não chegou a ser matriculado, no B1..., não ficando assim sob a alçada do objeto contratual nesse ano letivo;
13. Entendiam a responsável pelo ensino especial e a direção do B1... que era seu dever ético e jurídico informar os pais com filhos com nee´s, das contingências de meios disponíveis e, se fosse o caso, da existência de instituições especializadas mais adequadas a cada caso;
14. A reunião e o seu conteúdo informativo tinham como elemento volitivo dar informação e apoio a pais muito fragilizados pela acrescida dificuldade de educar e dar formação escolar a crianças e jovens com deficiências;
15. Face à prática instituída no B1... e já realizada com dezenas de pais a reunião com a mãe do C.... não era representada pela responsável pela educação especial, como ilícita ou discriminatória e como tal punidas por lei;
16. Nem tão pouco se punha a questão da sua conformação ou não com um resultado desfavorável, porque a sua convicção era fornecer aos EE, informação sobre a realidade dos meios disponíveis e indicar se entendesse justificado, no interesse da criança/jovem, a existência de instituições alternativas adequadas;
17. Não se preenche assim o elemento subjetivo do dolo eventual;
18. Pelo contrário, face ao supra exposto a arguida, os seus responsáveis não tinham sequer consciência de que essa reunião e o seu conteúdo poderiam ser configurados como práticas ilícitas e discriminatórias;
19. A responsável pela equipa de educação especial do B1... não atuou com o propósito de condicionar a matrícula do aluno, mas com o intuito de informar a encarregada de educação de uma alternativa capaz de dar uma melhor resposta educativa às necessidades especiais do C... na plena consciência que esse era o seu dever ético e jurídico-funcional;
20. Como tal, essa conduta, se errada, não merce censura, porque, em consciência e por convicção, entendeu que essa reunião (e todas as reuniões idênticas, com a mesma finalidade) era uma mais valia informativa para a EE;
21. Estamos assim, perante um erro não censurável sobre a ilicitude (art.º17°, n.º 1, do CP), o que exclui a ilicitude da conduta;
22. A douta sentença recorrida a interpretou e aplicou erroneamente as seguintes normas: al, a) e b) do art.º 3° e al, h), do art.º 4°, da Lei n.º 46/2006, de 28/08; art.° 2, n.ºs 2 e 3 DL n.º 3/2008, de 7/1, art.º 10° do Despacho n.º 5048-B/2013, de 12/4 e art.º 14° do CP;
23. A reunião e o que lá se passou com a mãe do Miguel R. não foi prática discriminatória pois não limitou ou condicionou a matrícula do aluno, nem tão pouco dos apoios/ compensações devidos, pois, foi apenas uma reunião preliminar para informar o que a EE pretendia saber: as condições do Colégio e a sua adequação às deficiências do filho; não se verificou assim nenhuma ação ou sequer intenção de prática discriminatória direta ou indireta;
24. A alegada violação do princípio da prioridade da matrícula (art.º 2, n.ºs 2 e 3 DL n.º 3/2008, de 7/1, art.º 10° do Despacho n.º 5048-B/2013, de 12/4), não procede, porquanto, nunca esteve em causa qualquer desfavorecimento da matrícula face à vagas existentes, pois o C... R. não foi sequer matriculado no B1...;
25. Por fim, não se verificaram os elementos tipo do dolo eventual, porquanto, a arguida e as suas responsáveis não tinham consciência censurável da ilicitude da reunião e do seu teor, assente a sua convicção que a sua finalidade comportava real benefício dos interesses da crianças e jovens e dos seus pais;
26. A existir erro sobe ilicitude não pode ser qualificado de censurável excluindo assim a ilicitude da conduta imputada.»

O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento do recurso.

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnado pelo provimento parcial do recurso, considerando que a conduta das empregadas da recorrente foi negligente e devendo, por isso, ser reduzida a coima em que esta foi condenada.

A recorrente respondeu a tal parecer, reiterando a posição assumida na motivação do recurso.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

II – A questões que importa decidir são, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, as de saber se a factualidade provada integra, objetivamente, a prática, pela recorrente, da contra-ordenação por que foi condenada e se, mesmo que se verifique tal prática, a conduta das técnicas empregadas da recorrente não foi dolosa, tendo estas atuado com falta de consciência da ilicitude não censurável

III - Da fundamentação da douta sentença recorrida consta o seguinte

«(…)
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A) Factos provados
Com relevância para a decisão da causa, considera-se a seguinte factualidade:
1. A arguida B... é uma pessoa coletiva de utilidade pública, de base associativa, sendo a entidade titular do B1....
2. Por acordo celebrado em 29 de outubro de 2014, denominado «contrato de associação», o Estado Português, através da Direção-Geral da Administração Escolar, concedeu à B... apoio financeiro, no montante de €6.157.763,20 (seis milhões, cento e cinquenta e sete mil, setecentos e sessenta e três euros e vinte cêntimos), para a frequência do B1... por 76 (setenta e seis) turmas, no ano letivo de 2014/2015, nas mesmas condições de gratuitidade do ensino público.
3. Por acordo celebrado em 20 de julho de 2015, denominado «contrato de associação», o Estado Português, através da Direção-Geral da Administração Escolar, concedeu à B... apoio financeiro, no montante de €3.864.000 (três milhões, oitocentos e sessenta e quatro mil euros), para a frequência do B1... por 48 (quarenta e oito) turmas, do 2.º CEB, 3.º CEB e Ensino Secundário, no ano letivo de 2015/2016, nas mesmas condições de gratuitidade do ensino público.
4. Por força de tais acordos, a B... obrigava-se, além do mais, a garantir o acesso ao ensino ministrado nos ciclos de ensino abrangidos pelo contrato de associação por todas as crianças e jovens em idade escolar, no respeito pelos princípios da igualdade e da não discriminação e das normas aplicáveis às matrículas e renovações de matrícula.
5. O B1... definiu critérios de atribuição de vagas para o 5.º ano de escolaridade, ano letivo de 2014/2015, nos quais, além do mais, consta como primeira prioridade os alunos com necessidades educativas especiais de caráter permanente, seguindo-se os alunos oriundos das escolas do 1.º ciclo da freguesia ..., ... e ..., tradicionalmente reconhecidas como área de influência do B1....
6. C... é um aluno com necessidades educativas especiais de caráter permanente;
7. Apresenta, além do mais, «Síndrome de Morsier (displasia septo-ótica com panhipopituitarisrno)».
8. No ano letivo de 2013/2014, frequentava o 4.º ano de escolaridade na Escola Básica ..., sita na freguesia ..., localidade da sua residência.
9. D..., mãe e a encarregada de educação de D..., foi aconselhada pela professora da turma do ensino básico a contactar o B1... para conhecer as condições que este estabelecimento de ensino oferecia aos alunos com necessidades educativas especiais de caráter permanente, dada a transição do filho para o 5.º ano de escolaridade, no ano letivo de 2014/2015.
10. D... dirigiu-se, então, ao B1..., onde contactou com a Diretora Pedagógica, E..., dando conta do seu propósito, a qual lhe transmitiu a necessidade de agendamento de uma reunião para o efeito.
11. Nessa sequência, em data não apurada do ano de 2014, mas anterior a 19/06/2014, no B1..., ocorreu uma reunião com a presença da Professora de Educação Especial do B1..., F..., de uma Psicóloga em funções no B1..., de D... e de C....
12. Nessa reunião, D... manifestou intenção de aí matricular o seu filho no 5.º ano de escolaridade, por residir em ... e pelo facto de ser expectável que a turma onde o mesmo se encontrava integrado transitasse para o referido B1....
13. Expôs as características do filho e apresentou a respetiva documentação clínica.
14. As referidas profissionais, após ouvirem D... e de analisarem os documentos que atestavam a incapacidade de C..., disseram-lhe que o B1... não tinha condições para alocar uma pessoa a tempo inteiro para o filho, que o seu perfil de funcionalidade exigia recursos que o B1... não podia disponibilizar.
15. Na referida reunião, a encarregada de educação foi, ainda, aconselhada a procurar uma escola onde funcionasse uma Unidade de Apoio Especializado para a Educação de Alunos com Multideficiência, designadamente a escola básica dos 2.º e 3.º ciclos G..., em Espinho, por dispor de recursos materiais e humanos necessários e mais adequados a uma melhor resposta educativa para o C....
16. As profissionais presentes insistiram que D... poderia inscrever o seu educando no B1..., mas que este não iria ter o apoio pedagógico individualizado necessário.
17. Nessa reunião, D... colocou a situação de um outro filho que frequentava o 1.º ciclo, também com necessidades educativas especiais de caráter permanente, mas com maior funcionalidade, perguntando se, quando este concluísse o 4.º ano, o poderia matricular no B1..., tendo-lhe sido respondido que sim, uma vez que era mais autónomo, não carecendo de tantos recursos humanos.
18. Perante os obstáculos apresentados pelo B1..., D... sentiu-se pressionada e, indiretamente, "obrigada" a procurar outro estabelecimento de ensino para o seu educando.
19. Assim, em 19/06/2014, optou por inscrever o seu educando no Agrupamento de Escolas de Paços de Brandão.
20. No ano letivo de 2014/2015, C... frequentou o 5.º ano de escolaridade na EB 2/3 Paços de Brandão, não tendo frequentado uma Unidade de Apoio Especializado para a Educação de Alunos com Multideficiência.
21. No ano letivo de 2014/2015, C... frequentou o 5.º ano de escolaridade na EB 2/3 Paços de Brandão, não tendo frequentado uma Unidade de Apoio Especializado para a Educação de Alunos com Multideficiência.
22. Os restantes alunos da turma onde C... se encontrava integrado desde o 1.º ano de escolaridade transitaram para o B1....
23. À data da reunião referida em 11., C... beneficiava de um Programa Educativo Especial (PEI), aprovado em 24/09/2013, relativo ao 4.º ano de escolaridade, com as medidas educativas «adequações curriculares individuais» e «adequações no processo de avaliação».
24. Tal PEI não previa a frequência de uma Unidade de Apoio Especializado para a Educação de Alunos com Multideficiência.
25. Aquando da reunião, as profissionais presentes não tiverem acesso ao referido PEI.
(…)
40. F... quis atuar da forma descrita nos pontos 14. a 17.
41. Representou a possibilidade de, com a sua atuação, condicionar a matrícula de C... no B1..., que sabia ser aluno com deficiência e necessidades educativas especiais, conformando-se com essa possibilidade, tendo atuado de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
42. F... era a Coordenadora da Equipa de Ensino Especial do B1... da arguida, atuou no exercício das funções que lhe estavam atribuídas, em nome e no interesse da arguida e de acordo com as instruções desta.
43. Ao atuar da forma descrita nos pontos 14. a 17., a arguida não teve que afetar recursos humanos e materiais e de suportar as correspondentes despesas relacionadas com a frequência do aluno C....
44. No ano letivo de 2015/2016, o B1... apoiou 80 (oitenta) alunos com necessidades educativas especiais de caráter permanente.
*
Factos não provados
Com relevância para a decisão da causa, não resultaram provados outros factos, em contradição com aqueles ou para além deles, designadamente, os seguintes:
a) Que D... se tenha dirigido ao B1... para renovar a matrícula/matricular do seu educando no 5.º ano de escolaridade;
b) Que a reunião referida em 11. tenha ocorrido no mês de abril ou maio de 2014;
c) Que a reunião referida em 11. tenha ocorrido no mês de maio ou junho de 2014;
d) Que a reunião referida em 11. tenha ocorrido no mês de março/abril de 2014;
(…)»

IV – Cumpre decidir.
Vem a recorrente alegar que a factualidade provada não integra, objetivamente, a prática da contra-ordenação por que foi condenada e que, mesmo que se verifique tal prática, a conduta das técnicas suas empregadas não foi dolosa, tendo estas atuado com falta de consciência da ilicitude não censurável. Alega que as suas empregadas nunca recusaram a matrícula de C... e se limitaram a informar a encarregada de educação deste a respeito da impossibilidade de o colégio em questão oferecer as condições educativas mais adequadas à deficiência que o afeta. Agiram movidas pelo propósito de garantir a solução mais favorável ao menor, e não com qualquer intuito de o prejudicar ou discriminar.
Vejamos.
A recorrente foi condenada pela prática da contra-ordenação p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 3.º, a) e b), 4.º, h), e 9.º, n.º 2, da Lei n.º 46/2008, de 28 de agosto.
Estatui o artigo 4.º, h), deste diploma que se considera prática discriminatória contra pessoas com deficiência as ações ou omissões, dolosas ou negligentes, que, em razão da deficiência violem o princípio da igualdade, designadamente a recusa ou a limitação de acesso a estabelecimento de ensino, públicos ou privados, assim como a qualquer meio de compensação/apoio adequado às necessidades específicas dos alunos com deficiência.
A atuação dolosa supõe, neste caso, a consciência e vontade (sob algumas das formas do dolo – artigos 8.º, n.º 1, e 32.º do Regime Geral das Contra-Ordenações e 14.º do Código Penal) de prejudicar, a pessoa com deficiência, discriminando-a. Ora, da factualidade considerada provada (que nesta sede não pode ser posta em causa, pois o recurso incide apenas sobre matéria de direito- artigo 75.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações) tal não resulta. Ainda que se considere (como faz sentença recorrida – ver ponto 41 do elenco dos factos provados constante dessa sentença) que F..., professora de educação especial no colégio, representou a possibilidade de com a sua atuação condicionar a matrícula de C... no colégio da recorrente, não resulta da descrição desses factos provados que ela tenha atuado com consciência ou intenção de dessa forma o prejudicar, discriminando-o. Perante tal descrição, é plausível que ela e as demais técnicas empregadas da recorrente tenham atuado (como alega esta) com o propósito de informar a mãe do menor sobre o estabelecimento de ensino que pudesse garantir as condições mais adequadas para a educação deste, ou seja, movidas por um propósito de prossecução do bem deste.
Estará, assim, afastada a prática dolosa da contra-ordenação em causa.
No entanto, não está afastada a prática objectiva dessa contra-ordenação e a negligência da atuação das técnicas empregadas da recorrente.
É que a informação prestada à mãe e encarregada de educação de C... por essas técnicas, de que este necessitaria de uma Unidade de Apoio Especializado para a Educação de Alunos com Multideficiência que o colégio não podia garantir, informação que a levou a matriculá-lo noutro estabelecimento de ensino, não era a mais correta Não era isso que constava do Programa Educativo Especial de que ele até então beneficiara e ele não veio a frequentar uma estrutura desse tipo no estabelecimento de ensino onde veio depois a matricular-se (ver pontos 20, 22 e 23 do elenco dos factos provados constante da sentença recorrida). Não se provou que essas técnicas tenham atuado com a consciência de que essa informação não era correta (provou-se que não tiveram acesso a tal Programa Educativo Especial durante a reunião com a mãe do menor – ver ponto 24 do elenco dos factos provados constante da sentença recorrida), mas há uma incontestável negligência (ver artigos 8.º, n.º 1, e 32.º do Regime Geral das Contra-Ordenações, 15.º do Código Penal e 9.º, n.º 3, da Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto) da sua parte a este respeito: era exigível que estivessem bem informadas quanto a esse aspeto. C... foi, desse modo, prejudicado e discriminado. Como alega o Ministério Público junto desta instância no seu douto parecer, estamos perante a prática negligente da contra-ordenação por que a recorrente foi condenada.
Nos termos do artigo 9.º, n.º 2, da Lei n.º 46/2008, de 28 de agosto, a contra-ordenação prevista no artigo 4.º, h), desse diploma é punível com coima fixada entre vinte e trinta vezes o salário mínimo nacional (que era, à data da prática dos factos em apreço de 485€ - Decreto-Lei n.º 143/2010, de 31 de dezembro, apenas revogado pelo Decreto-Lei n.º 144/2014, de 30 de Setembro).
Estatui o artigo 17.º, n.º 4, do Regime Geral das Contra-Ordenações que, em qualquer caso, se a lei, relativamente ao montante máximo da coima, não distinguir o comportamento doloso do negligente (como se verifica no caso em apreço), este só pode ser sancionado até metade daquele montante.
A aplicação literal deste preceito no caso em apreço levará a que a coima a aplicar tenha um montante fixo (metade do valor do montante máximo da moldura abstrata, que será de quinze vezes o salário mínimo nacional, montante inferior ao mínimo dessa moldura, que é de vinte vezes esse salário). A aplicação de coimas fixas, sem qualquer possibilidade da sua graduação em função das circunstâncias do caso concreto, contraria frontalmente os princípios que regem o direito penal e o direito contra-ordenacional (ver artigos 71.º do Código Penal e 18.º do Regime Geral das Contra-Ordenações)
Impõe-se, neste caso, uma interpretação extensiva do referido artigo 17.º, n.º 4, do Regime Geral das Contra-Ordenações, em nome da coerência do sistema jurídico e em benefício do condenado. Assim, e neste caso, deverá ser reduzido a metade não só o montante máximo da moldura da coima aplicável (que será, pois, reduzido a quinze vezes a salário mínimo nacional), mas também o montante mínimo dessa moldura (que será reduzido a dez vezes o salário mínimo nacional).
A moldura abrtata da coima a aplicar será, pois, de 4850€ a 7275€.
À luz do disposto no artigo 18.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações, entende-se adequado fixar a coima a aplicar à recorrente em seis mil euros.
Deverá, assim, ser concedido provimento parcial ao recurso.

Não há lugar a custas (artigo 93.º, n.º 3, a contrario, do Regime Geral das Contra-Ordenações).

V – Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento parcial ao recurso, reduzindo a coima a aplicar à recorrente para seis mil euros (6000€) e mantendo, no restante, a douta sentença recorrida.

Notifique.

Porto, 03/10/2018
(processado em computador e revisto pelo signatário)
Pedro Vaz Pato
Eduarda Lobo