Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7739/17.0T9PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCO MOTA RIBEIRO
Descritores: OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE DA SENTENÇA
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PARA A DECISÃO
COBERTURA
REAPRECIAÇÃO DA PROVA PELA RELAÇÃO
CONVICÇÃO DO JULGADOR
ERRO DE JULGAMENTO
Nº do Documento: RP202304197739/17.0T9PRT.P1
Data do Acordão: 04/19/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADA IMPROCEDENTE A IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO DEDUZIDA PELO ARGUIDO, E, NO MAIS, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO PELO MESMO INTERPOSTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – É consabido que a omissão de pronúncia é um vício que afeta a validade da sentença e existirá sempre que o tribunal deixe de se pronunciar sobre questão ou questões que legalmente se impunha que conhecesse, oficiosamente ou por se tratar de questão colocada pelos demais sujeitos processuais.
II – Não traduz uma omissão de pronúncia aquela que se refira a questão cuja decisão haja ficado logicamente prejudicada pela solução dada a outras.
III – O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada pressupõe a indicação de um qualquer facto que devesse ter sido investigado pelo tribunal “a quo”, considerado relevante para a decisão do mérito da causa, e que o mesmo não o tivesse sido, inquinando assim o julgamento efetuado.
IV – Como vem sendo pacífico na jurisprudência, o que importa apurar na apreciação do mérito da impugnação da decisão de facto, nos termos do disposto no artigoº 412º, nº 3, al. b), do CPP, é se o recorrente logrou demonstrar, através de provas concretamente indicadas e, sendo elas gravadas, com base nas concretas passagens em que o recorrente funda a impugnação, a existência ou não de um erro na apreciação e valoração da prova e que, pela sua importância, evidência ou relevância, imponha, e não que apenas permita ou torne igualmente plausível, uma decisão diversa da recorrida.
V – Isto porque o que está subjacente à disposição normativa referida é o recurso da decisão da matéria de facto visar a correção de erros de julgamento concretamente identificados pelo recorrente e não um novo julgamento ou a repetição do julgamento já realizado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 7739/17.0T9PRT.P1 - 4.ª Secção
Relator: Francisco Mota Ribeiro
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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

1. RELATÓRIO
1.1 Após realização da audiência de julgamento, no Processo nº 7739/17.0T9PRT, que correu termos no Juízo Local Criminal da Maia, Juiz 2, Tribunal Judicial da Comarca do Porto, por sentença de 06/10/2022, foi decidido o seguinte:
“1. Condenar o arguido AA pela prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137º, n.º 1, do Código Penal por que vinha acusado, na pena de 7 (sete) meses de prisão, cuja execução fica suspensa pelo período de 1 (um) ano.
2. Vai ainda o arguido ficar sujeito à pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista pelo artigo 69º, n.º 1, al. a), do Código Penal, pelo período de 6 (seis) meses.
3. Condenar ainda o arguido nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (artigo 513º do Código de Processo Penal e artigo 8º, n.º 9 do Regulamento das Custas Judiciais, com referência à Tabela n.º III).
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Notifique, sendo o arguido advertido de que após o trânsito desta sentença deverá entregar em 10 dias a sua carta de condução na Secretaria deste Juízo ou em qualquer posto policial, sob pena de não o fazendo incorrer na prática de um crime de desobediência e de que conduzindo qualquer veículo a motor durante o período da inibição incorrerá na prática de um crime de violação de proibições (artigos 69º, n.º 3, e 353º, ambos do Código Penal).”
1.2. Não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido, apresentando motivação que termina com as seguintes conclusões:
“A) O presente recurso tem como objeto matéria de facto e de direito proferida nos presentes autos que condenou o recorrente pela prática de um crime de homicídio por negligência previsto e punido pelo artigo 137º , nº 1, do Código Penal pelo qual vinha acusado, na pena de 7 (sete) meses de prisão, cuja execução ficou suspensa pelo período de 1 (um) ano, ficando, ainda o arguido sujeito à pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no artigo 69º, nº 1, al. a), do Código Penal, pelo período de 6 (seis) meses e pagamento de custas processuais.
B) O recurso ora interposto da douta sentença de fls., prende-se com o facto de o Tribunal recorrido ter considerado como provados determinados factos constantes da acusação de fls., que não ficaram, de modo algum, provados para que o Tribunal "a quo" os tivesse assim, considerado.
C) Nessa conformidade não deveriam ter sido dados como provados os factos 3; 7 parte final, desde “com vista..." até final; 9: 1O; 11; 12 "Nessas circunstâncias": 13; 14; 19; 20; 21; 22 e 23, os quais, deveriam antes ter sido dados como não provados.
D) Ao invés, deveria ter sido dado como provado a al. b) dos factos não provados no que concerne à intensidade de trânsito.
E) Decisão essa, que o aqui recorrente não pode aceitar considerando, a prova produzida em audiência de julgamento.
F) Em relação ao ponto 3. apenas poderia ter sido dado como provado que: "A referida autoestrada, naquele sentido de marcha (Porto - Braga), entre o quilómetro 2 e o quilómetro 2.1, era, como é, ladeada à direita, por uma berma reduzida de cerca de 2,00 metros de largura e desenvolvia-se como se desenvolve com uma reta de boa visibilidade seguida de uma curva extensa à direita, com cerca de I km". Não se provando, nesse ponto que a curva tivesse boa visibilidade
G) No ponto 7. dos factos provados deveria constar que: _"Nas circunstâncias de tempo e lugar acima descritas, BB, no exercício das suas funções, ao serviço da sociedade comercial por quotas "A..., Lda.", que, por seu turno se encontrava ao serviço da B..., concessionária da autoestrada A3, imobilizou, ao km 2.1, o veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, marca Mitsubishi, modelo ..., de matrícula ..-..-RX e cor branca, propriedade daquela sociedade e por si conduzido, ocupando a berma contígua à via de transito mais à direita da autoestrada A3 e invadindo a hemifaixa de rodagem direita, que destinava ao trânsito que se dirigia para a A4, por onde circulava o arguido, em virtude de a porta do lado do condutor do RX se encontrar aberta". Não se provou neste ponto Que o veículo RX estivesse imobilizado com vista à realização de trabalhos de limpeza e remoção de sobrantes.
H) No ponto 9. dos factos provados é referido que no veículo automóvel em causa e, bem assim, a sinalização acima indicada eram visíveis a uma distância de, pelo menos, 200 (duzentos) metros", todavia, tal não corresponde à verdade. pelo que deveria ter sido dado como não provado.
I) O ponto 1O. dos factos provados, tinha que ter sido considerado não provado, porque nenhuma prova foi feita nesse sentido, bem pelo contrário.
J) Ficou provado que o BB estava posicionado na hemifaixa de rodagem direita por onde circulava o arguido, mais precisamente na direção da parte lateral esquerda do veículo RX, mais precisamente na parte localizada entre ambos os rodados desse lado.
K) Provou-se, que a velocidade de circulação do arguido não ultrapassaria os 70km, como tal o facto 11. teria que ter sido dado como não provado.
L) Em relação ao facto 12. apenas deveria referir que "o Arguido AA acionou o sinal intermitente direito. vulgo pisca, anunciando a sua intenção de mudar de via de transito à direita, passando da via de trânsito central direita para a via de trânsito mais à direita da auto estrada A3. com vista a assim aceder à saída para a autoestrada A4. em direção a Vila Real".
M) O ponto 13. dos factos provados terá que ser considerado como não provado, uma vez que o arguido ainda tentou travar e observou todas as regras de prudência e cuidado que lhe eram impostas. não tendo o mesmo ocupado a berma.
N) O ponto 14. dos factos provados terá que ser considerado como não provado. na medida em que o veículo do arguido não efetuou movimentos circulares. O veículo do arguido, embate no RX, e ato continuo, fruto dessa única pancada rodopia e fica com a sua marcha invertida, posicionado na mesma faixa da direita por onde circulava.
O) O ponto 19. dos factos provados também terá que ser considerado não podemos conceder, de forma alguma, que o arguido conduzisse de forma desatenta e descuidada, ou que tivesse omitido qualquer precaução de segurança exigida no exercício da condução, porque essa não é a sua prática nem aqui se verificou.
P) A vítima surge-lhe de forma inusitada, e sem que nada o fizesse prever, a ocupar a hemifaixa de rodagem direita da autoestrada por onde circulava o arguido, com a porta do lado do condutor do veículo de mercadorias, completamente aberta e também ela a invadir essa mesma hemifaixa de rodagem, cortando-lhe a sua linha de trânsito.
Q) O Condutor/peão, apesentava uma taxa de álcool no sangue de 0.52+/-0.07g/l (Cfr relatório de autópsia médico legal, realizado, a qual, ao contrário do que seria de esperar, foi completamente ignorada pelo Tribunal recorrido.
R) Não poderia, na nossa modesta opinião ter sido dado como provado que o arguido "o arguido AA agiu de forma livre, conduzindo de forma desatenta e descuidada, não conservando da berma, onde se encontrava BB, uma distancia suficiente, e não logrando controlar o veículo automóvel que conduzia no espaço livre e visível à sua frente, de modo a evitar o embate em BB, agindo sem o cuidado que o dever geral de prudência aconselha, omitindo as precauções de segurança exigidas no exercício da condução, que era capaz de adotar e que devia ter adotado".
S) Se alguém não cumpriu tais premissas ou obrigações, foi o peão/condutor e não o arguido, razão pela qual, o ponto 19. dos factos provados terá que transitar para os factos não provados.
T) O peão estava posicionado de forma ilegal, imprudente e até abusiva em plena hemifaixa de circulação direita, por onde circulava o arguido.
V) Nos termos do disposto no artigo 3º/2 do Código da Estrada, As pessoas devem abster-se de atos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança, a visibilidade ou a comodidade dos utilizadores das vias" (sublinhado nosso).
V) Isso foi tudo o que a infeliz vítima fez, sem qualquer margem para dúvidas, ao ocupar aquela hemifaixa de rodagem e ao invadir a mesma com a porta do veículo que conduzia aberta, em manifesta desobediência ao aí estatuído!
W) Como dispõe o artigo. 72º/1 do mesmo diploma legal, proibido o trânsito de peões nas autoestradas, como aqui sucedeu por parte do peão.
X) Sendo ainda proibido. nos termos do no 2. a'. b) desse mesmo preceito legal. proibido parar ou estacionar nas autoestradas. ainda que fora das faixas de rodagem! (sublinhados nossos).
Y) E dispõe, também. esse mesmo diploma legal, no artigo 81º, nº 1 que "É proibido conduzir sob a influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas, sendo para o efeito considerado que um condutor está sob influência de álcool, aquele que apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0.5g/l, como aconteceu no caso da vítima dos autos, motivos pelos quais esses pontos 20. e 21. dos factos provados terão que ser considerados como não provado.
Z) O mesmo se diga, aliás, em relação ao ponto 22. dos factos provados, uma vez que o arguido não podia prever a existência daqueles obstáculos na hemifaixa de rodagem por onde circulava. porque não eram de todo expectáveis, da forma em que se apresentaram, considerando que o mesmo circulava numa autoestrada.
AA) O peão/condutor não pode circular nem, estacionar o seu veículo da forma que o fez e onde o fez, na mediada em que era proibido por lei, por isso, esse facto tinha que ter sido considerado como não provado.
Em relação ao ponto 23. dos factos provados, por força de tudo quanto dissemos até aqui é óbvio que a conduta do arguido não era proibida nem punida por lei, uma vez que o mesmo em nada contribuiu para a ocorrência deste acidente, por tal motivo tinha que esse facto ser dado como não provado.
CC) Por mero dever de patrocínio, até podíamos equacionar, em última instância, que o Tribunal recorrido pudesse ter ficado com alguma dúvida (mesmo depois de ouvido o arguido, apesar de na nossa modesta opinião o mesmo ter sido esclarecedor e coerente), na medida em que, dos autos constavam desde logo. e "à cabeça", pelo menos 5 (cinco) versões completamente distintas para o mesmo acidente, sendo elas:
- Acusação;
- Participação de Acidente de Viação - G.N.R.;
- Relatório final do NICAV;
- Relatório elaborado pelo Centro Pericial de Acidentes - "C..." e,
- Relatório da Real Perito, solicitado pela Companhia de Seguros.
DD) E, NA DÚVIDA, se fosse o caso, não restaria ao Tribunal recorrido outra opção que não fosse ABSOLVER O ARGUIDO da prática do crime de que vinha acusado e respetiva contraordenação, como bem resulta do Princípio fundamental do nosso Processo Penal, que decorre da presunção constitucional de inocência, decidindo sempre nesses casos a favor do arguido. Violando, assim, o Tribunal recorrido, o princípio do in dubio pro reo.
EE) O Tribunal recorrido ao invés da descoberta da verdade e da boa decisão da causa, teve como única preocupação dar como provada a Acusação, sem que existisse qualquer prova que a sustentasse, ainda que minimamente. "Colocando", sem que resultasse qualquer prova nesse sentido "o veículo de mercadorias e o peão na berma"!
FF) Olvidando por completo, as medidas, do veículo RX que estava, imobilizado (parado ou estacionado), e as medidas da própria berma, que no local onde ocorre o acidente, propriamente dito, que é inferior aos 2,30 metros referidos no croquis.
GG) Sabendo nós que este veículo ligeiro de mercadorias tinha a largura de 1,95 metros/2,00 metros, isto sem contar com a largura da caixa que é superior e ainda com os retrovisores, então chegaremos, necessariamente à conclusão de que esse veículo não ocupava só a berma antes do acidente.
HH) O relatório elaborado pelo Centro Pericial de Acidentes - "C...” chegou a conclusões erradas, e que não poderia ter sido de outra forma, na medida em que, partiu logo de premissas erradas, pelo que o mesmo, ficou dessa forma inquinado ab initio!
II) O perito que o elaborou limitou-se a apreciar os elementos que já existiam nos autos sem procurar novos, que permitissem alcançar com rigor, o que, efetivamente aconteceu. Não atendendo a determinados factos que seriam importantes e imprescindíveis para extrair conclusões em função da realidade ocorrida e não daquela que constava na acusação de fl., que nem, se veio a provar em audiência, para dessa forma, contribuir para a descoberta da verdade e a final obtermos a boa decisão da causa, que se impunha.
JJ) O perito não atendeu e deveria ter atendido aos seguintes factos:
- às medidas do veículo de mercadorias;
- à observação direta do local onde ocorreu o acidente (e não apenas por via de imagens do Google), porque como sabemos, a perceção é completamente diferente, tanto mais que estamos na presença de uma autoestrada com várias hemifaixas de rodagem em cada um dos sentidos;
- às concretas medidas da berma no local da imobilização do veículo de mercadorias (já que ficou provado que a largura nesse local era inferior à mencionada no croquis e ainda tinha valeta que não está aí mencionada);
às medidas da valeta; ao facto de a porta do condutor desse veículo estar aberta e a ocupar a hemifaixa de rodagem por onde circulava o arguido; peso e altura do peão;
- à presença do peão na via;
- à existência de taxa de álcool no sangue do peão;
- ao local concreto do embate, que foi na lateral esquerda do veículo RX, com mais incidência no rodado traseiro desse lado, onde está localizado um corte no pneumático, e onde junto a esse veículo ficaram vestígios;
- para os cálculos a efetuar não considerou os veículos sinistrados em concreto (utilizou outros de marcas e caraterísticas diferentes dos veículos sinistrados;
- não fez visualização direta das deformações dos veículos;
- não atendeu à extensão da curva em concreto nem;
- à intensidade de trânsito no local à;
- visibilidade no local.
KK) O relatório pericial elaborado e junto aos autos é insuscetível de conformar a convicção do Tribunal recorrido, já que o mesmo assenta em elementos de idoneidade questionável.
LL) Em relação ao comportamento do arguido, enquanto pessoa e condutor, não nos oferece qualquer dúvida, considerando os depoimentos das testemunhas ouvidas em julgamento, CC e DD, que de forma sincera, descomprometida, serena, educada e objetiva confirmaram ser considerado por todos que o conhecem, como um condutor experiente, cauteloso e cumpridor das mais elementares regras estradais que lhe são impostas, adequando sempre a sua condução às condições de cada via em concreto, seja ela autoestrada ou outra. E que este episódio abalou e continua a abalar o arguido, na sua pessoa e na sua saúde, tendo o mesmo necessidade de receber acompanhamento psicológico.
MM) Não se verificou prova produzida suficiente e bastante à formulação de um juízo de culpabilidade do agente, ainda que por negligência, suscetível de determinar a sua condenação por homicídio por negligência, p. e p. artigo 137º, nº 1, e 13º do Código Penal. Tendo o Tribunal a quo aplicado, assim, erradamente tais preceitos legais.
NN) Ao dar como provados esses factos dos pontos 3, 7 (in fine), 9, 10, 11, 12, 13, 14, 19, 20, 21, 22 e 23, violou o Tribunal, entre outros, o princípio da livre apreciação da prova, plasmado no artigo 127º do Código de Processo Penal, nos termos do qual, o Juiz deverá orientar a produção de prova para a busca da verdade material.
00) Não tendo os mesmos resultado da prova produzida em audiência de Julgamento, violou ainda o Tribunal recorrido, o disposto no artigo 355º/1, do Código de Processo Penal.
PP) O mesmo Tribunal ao não ter apreciado, a real conduta do peão/condutor, no que concerne, à violação desses preceitos estradais, bem como à taxa de álcool no sangue de que era portador, conduzirá, necessariamente, à nulidade da sentença, que aqui se invoca, para os devidos efeitos legais, nos termos do disposto no artigo 379º/1, al. c), primeira parte do Código de Processo Penal.
QQ) O Tribunal a quo violou ainda, o princípio in dubio pro reo, o qual constituiu uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar, a favor do arguido, quando não tiver a certeza sobe os factos decisivos para a boa decisão da causa.
RR) Sendo tal princípio uma das vertentes que o princípio constitucional da presunção de inocência, consagrado no artigo 32º, nº 2, 1ª parte da Constituição da República Portuguesa, impõe uma orientação vinculativa dirigida ao juiz caso persista na dúvida sobre os factos.
SS) A douta sentença fez, ainda, uma incorreta interpretação e aplicação da lei e nesta medida deve ser revogada e substituída por outra que absolva o arguido da prática do crime de que vem acusado e respetiva contraordenação.
TT) A decisão proferida violou o disposto nos artigos 3º/2, 72º/1, 72º/2, al. b) e 81º/1 todos do Código da Estrada, artigos 127º, 355º/1, 379º/1, al. c), primeira parte e 410º/2, al. a) todos do Código de Processo Penal, artigos 13º, 137º/1 do Código Penal e artigo 32º/2, 1ª parte da Constituição da República Portuguesa.
VV) Em consequência não restará outra alternativa que não seja alterar a decisão recorrida e em consequência ser a acusação julgada improcedente por não provada e o arguido absolvido do crime e contraordenação de que vinha acusado, como se requer e espera.”
1.3. O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo pela sua improcedência.
1.4. O Exmo. Sr. Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal, emitiu douto parecer, relativamente ao recurso interposto pelo arguido, concluindo pelo reenvio do processo para um novo julgamento, com fundamento na insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
1.5. Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, respondendo o recorrente ao douto parecer, concluindo não se justificar o reenvio para novo julgamento, e ainda pela sua absolvição, como havia já concluído em sede de recurso.
1.6. Tendo ademais em conta os fundamentos do recurso interposto pelo arguido e os poderes de cognição deste Tribunal, importa apreciar e decidir as seguintes questões:
1.6.1. Nulidade da sentença;
1.6.2. Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
1.6.2. Impugnação da decisão de facto.
2. Fundamentação
2.1. Factos a considerar
2.1.1. O Tribunal a quo considerou provada a factualidade:
“1. A A3 – Autoestrada ... estabelece, além do mais, a ligação entre a cidade do Porto e a cidade de Braga.
2. À data dos factos infra, no sentido de marcha Porto – Braga, entre o quilómetro 2 e o quilómetro 2.1, na freguesia ..., concelho da 2 Maia, a autoestrada A3 era, como é, de asfalto betuminoso, sendo constituída por uma faixa de rodagem, com uma largura total de 14 (catorze) metros, a qual possui 4 (quatro) vias de trânsito, de sentido único, separadas entre si por uma linha longitudinal descontínua e com uma largura de 3,5 (três vírgula cinco) metros, cada uma.
3. A referida autoestrada, naquele sentido de marcha (Porto – Braga), entre o quilómetro 2 e o quilómetro 2.1, era, como é, ladeada, à direita, por uma berma, com 2,3 (dois vírgula três) metros de largura e desenvolvia-se, como se desenvolve, com uma reta de boa visibilidade, seguida de uma curva ligeira à direita e de uma nova reta, ambas, igualmente, de boa visibilidade.
4. Das referidas quatro vias de trânsito que constituíam, como constituem, a autoestrada A3, atento aquele sentido de marcha (Porto – Braga) e quilómetros (Km 2 e Km 2.1), a via de trânsito mais à direita, a partir do quilómetro 2.1, constitui a via de acesso único a todos aqueles que aí circulam à autoestrada A4, que estabelece a ligação entre a cidade do Porto e a cidade de Bragança e, bem assim, às cidades de Valongo e Vila Real.
5. No referido local, ao quilómetro 2, existia, como existe, sinalização vertical respeitante, por um lado, à proibição de exceder a velocidade máxima de 120 km/hora, e, por outro lado, respeitante à obrigação de transitar à velocidade mínima de 50 km/hora.
6. No dia 14 de junho de 2017, cerca das 13:45 horas, o tempo estava bom, o piso estava seco, limpo e em bom estado de conservação, não havia formação de nevoeiro, névoa ou neblina e inexistiam quaisquer obstáculos na via, a qual se encontrava iluminada, atenta a hora do dia, com boa visibilidade e o trânsito era fluido.
7. Nas circunstâncias de tempo e lugar acima descritas, BB, no exercício das suas funções, ao serviço da sociedade comercial por quotas “A..., Lda.”, que, por seu turno, se encontrava ao serviço da B..., concessionária da autoestrada A3, imobilizou, ao km 2.1, o veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, marca Mitsubishi, modelo ..., de matrícula ..-..-RX e cor branca, propriedade daquela sociedade e por si conduzido, na berma contígua à via de trânsito mais à direita da autoestrada A3, com vista à realização de trabalhos de limpeza e remoção de sobrantes.
8. No referido veículo automóvel estava aposta a seguinte sinalização de proteção: - na caixa de carga, parte traseira, do lado esquerdo, um sinal D3B, que anunciava a obrigação de contornar a placa ou obstáculo; - na caixa de carga, parte traseira, do lado direito, um sinal A23, que anunciava a decorrência de trabalhos na via; e - na cabine, pirilampos de cor amarela.
9. O veículo automóvel em causa e, bem assim, a sinalização acima indicada eram visíveis a uma distância de, pelo menos, 200 (duzentos) metros.
10. Na sequência da imobilização do veículo automóvel acima identificado, nas circunstâncias de tempo e lugar supra descritas, BB, trajando colete refletor e calças com barras refletoras, deslocou-se para a parte traseira daquele veículo automóvel, permanecendo junto à berma e próximo da traseira, do lado esquerdo, daquele veículo automóvel, mais concretamente, entre a parte traseira esquerda deste veículo automóvel e a linha contínua delimitadora da via de trânsito mais à direita da autoestrada A3 e da berma.
11. Nesse momento, o arguido AA, de forma desatenta e com total desconsideração pelos demais utilizadores e condutores que circulavam naquela autoestrada A3, a uma velocidade compreendida entre os 66 km/hora e os 80 km/hora, seguia na condução do veículo automóvel, ligeiro de passageiros, marca mini, modelo ..., de matrícula ..-RU-.. e cor azul, na via de trânsito central direita da autoestrada A3, entre o quilómetro 2 e o quilometro 2.1, no sentido de marcha Porto – Braga, e, por tais motivos, não se apercebeu, como podia e devia, da presença do veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, marca Mitsubishi, modelo ..., de matrícula ..-..-RX, imobilizado na berma daquela autoestrada e, bem assim, da presença de BB junto à traseira, do lado esquerdo, daquele veículo automóvel, entre este e a linha contínua delimitadora da via de trânsito mais à direita da autoestrada A3 e da berma, como acima descrito.
12. Nessas circunstâncias, o arguido AA acionou o sinal intermitente direito, vulgo pisca, anunciando a sua intenção de mudar de via de trânsito à direita, passando da via de trânsito central direita para a via de trânsito mais à direita da autoestrada A3, com vista a assim aceder à saída para a autoestrada A4, em direção a Vila Real.
13. Sucede que, ao efetuar a referida manobra de mudança da via de trânsito central direita para a via de trânsito mais à direita da autoestrada A3, o arguido AA, sem efetuar qualquer travagem e sem observar as regras da prudência e cuidado, como podia e devia, observando, designadamente, se existiam obstáculos e adequando a velocidade se necessário fosse, na condução do seu veículo automóvel, ligeiro de passageiros, marca mini, modelo ..., de matrícula ..-RU-.. e cor azul, ocupou parcialmente a berma, invadindo-a na diagonal, por onde circulou, e embateu, num primeiro momento, a uma velocidade de 68 km/hora, com a parte frontal direita daquele veículo automóvel em BB e, num segundo momento, a uma velocidade de 66 km/hora, na zona traseira esquerda do veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, de matrícula ..-..-RX.
14. Após o embate do veículo automóvel conduzido pelo arguido AA no veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, de matrícula ..-..-RX, aquele primeiro veículo automóvel efetuou movimentos circulares e embateu novamente na lateral esquerda daquele veículo automóvel, ligeiro de mercadorias.
15. Na sequência do embate supra descrito, BB foi projetado para a parte frontal do veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, de matrícula ..-..-RX, ficando prostrado no chão a pelo menos 1,5 (um virgula cinco) metros deste veículo automóvel.
16. Por seu turno, o veículo automóvel conduzido pelo arguido AA ficou imobilizado na via de trânsito mais à direita da autoestrada A3, contígua à berma, no sentido de marcha contrário ao da marcha naquela via de trânsito, ou seja, no sentido de marcha Braga – Porto.
17. Ainda na sequência do embate supra descrito, BB foi transportado para o Centro Hospitalar ..., no Porto, onde deu entrada pelas 14:30 horas, em “paragem cardiorrespiratória”, vindo a falecer pelas 14:55 horas.
18. Como consequência direta e necessária do embate acima descrito, BB sofreu, além do mais, as seguintes lesões, as quais foram causa da sua morte:
- Ao nível do hábito externo:
A) – Cabeça: “(…) escoriação avermelhada com múltiplas lacerações infracentimétricas associadas, localizadas na região frontal, na linha média, ocupando uma área com 7 por 6 cm de maiores dimensões. Escoriação avermelhada com equimose avermelhada associada, localizadas na região malar direita, ocupando uma área com 6 por 5,5cm de maiores dimensões, observando-se laceração associada com 2 cm de comprimento. Escorrência sanguinolenta exteriorizando-se pelas fossas nasais e ainda duas lacerações do couro cabeludo na região parietal direita, com 5 e 4 cm de comprimento respetivamente”.
B) – Tórax: “escoriação localizada na face anterior do hemi-tórax esquerdo com 5,5 por 4 cm de maiores dimensões. Fratura com infiltração sanguínea dos topos ósseos, do arco anterior da 4.ª costela ao nível da clavícula, cartilagens e costelas direitas”.
C) – Membro superior direito: “duas escoriações avermelhadas na face antero-medial do terço inferior do braço, a superior com 2 por 1,5 cm de maiores dimensões e a inferior com 1,5 por 1 cm de maiores dimensões. Laceração localizada no terço superior da face anterolateral do antebraço com 4 cm de maior eixo. Múltiplas escoriações avermelhadas no dorso do punho, ocupando uma área cm 5,5 por 4 cm de maiores dimensões”.
D) – Membro inferior direito: “múltiplas equimoses arroxeadas dispersas pela face anterior da perna. Escoriação na face medial do joelho com 1.8 por 1 cm de maiores dimensões. Escoriação disposta verticalmente na face anterior e medial do terço superior da perna com 4 por 1 cm de maiores dimensões”.
E) – Membro inferior esquerdo: “quatro escoriações avermelhadas dispersas pela face anterior da perna, centimétricas, apresenta múltiplas equimoses arroxeadas dispersas pela face anterior da perna”.
- Ao nível do hábito interno:
A) – Coluna vertebral e medula: Vértebras e estruturas articulares – “fratura completa da C1”; Medula – “esmagamento da medula cervical subjacente à fratura descrita”.
19. Ao atuar da forma descrita o arguido AA agiu de forma livre, conduzindo de forma desatenta e descuidada, não conservando da berma, onde se encontrava BB, uma distância suficiente, e não logrando controlar o veículo automóvel que conduzia no espaço livre e visível à sua frente, de modo a evitar o embate em BB, agindo sem o cuidado que o dever geral de prudência aconselha, omitindo as precauções de segurança exigidas no exercício da condução, que era capaz de adotar e que devia ter adotado, para evitar o aludido atropelamento, que podia e devia ter previsto, mas que não previu, dando, assim causa às lesões supra descritas que foram causa direta e necessária da morte de BB.
20. O arguido AA conduziu o seu veículo automóvel, acima identificado, com descuido e imprevidência, circulando desatento aos demais utentes da via, nomeadamente, a BB e à sua presença na berma, ao contrário do que sabia estar obrigado e era capaz.
21. O arguido AA não adequou a sua condução à mudança de direção da via de trânsito e invadiu a berma, por onde circulou, não agindo com o zelo e diligência com que devia e podia atuar na condução, nomeadamente, ao adequar aquela manobra à existência de obstáculos na berma, ao espaço livre e disponível à sua frente, de modo a evitar o atropelamento e embate.
22. O arguido AA não previu, como devia e podia, que da sua conduta poderia resultar, como resultou, o atropelamento e, em consequência, a morte de BB, que se encontrava na via pública.
23. O arguido AA atuou, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei criminal.
DA CONTESTAÇÃO (sem factos conclusivos ou conceitos de direito):
24. É considerado por quem o conhece e com o mesmo convive, pessoa bem comportada e socialmente bem aceite e respeitada na freguesia onde reside.
25. Gozando de estima e consideração de todos que com ele privam.
26. O ARGUIDO:
- é arquiteto, auferindo quantia que oscila entre os €800,00/€900,00 mensais;
- vive sozinho, em casa própria, pagando a título de empréstimo bancário pela sua aquisição a quantia de €189,00;
- paga ainda a título de empréstimo por um crédito pessoal que contraiu a quantia de €100,00:
- é licenciado; e
- não tem antecedentes criminais conhecidos.”
2.1.2. O mesmo Tribunal considerou não provada a seguinte factualidade:
“a) o veículo automóvel, referido em 7. imobilizado nas circunstâncias acima descritas, possuía, na sua retaguarda, a seguinte sinalização de proteção: cones de sinalização, correspondentes ao sinal ET6;
b) nas circunstâncias descritas em 6., o trânsito fosse intenso;”
2.1.3. O Tribunal a quo motivou a decisão de facto, nos seguintes termos:
“A convicção do tribunal formou-se com base no conjunto da prova produzida, interpretada em função das regras da experiência comum e da normalidade, mormente nas declarações do arguido e das testemunhas e bem assim no acervo documental junto aos autos, no âmbito do princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127º do C. P. Penal.
O ARGUIDO, embora admitindo a ocorrência do acidente no dia, hora e local constantes do libelo acusatório, e bem assim o estado do tempo e identificando o veículo que conduzia, atribui-lhe uma dinâmica diversa da descrita na acusação, adiantando que quando circulava avistou a carrinha na berma da estrada, mas sem que tivesse quaisquer cones de sinalização, apenas possuindo os demais sinais de sinalização descritos no ponto 8), assinalando, todavia, que os pirilampos de cor amarela se encontravam tapados e portanto, não eram visíveis.
Mais especificou que o veículo em causa era visível a cerca de 100 metros e não a 200 metros e quando se apercebeu da presença da vítima, aquela estava não na berma, mas já na faixa de rodagem, do lado esquerdo, entre as duas rodas da carrinha, trajando colete e calças com refletores. Ademais, também a porta da carrinha se encontrava aberta. Entretanto preparou-se para iniciar a mudança de faixa de rodagem para a esquerda, uma vez que pretendia seguir pela A4 em direção a Vila Real, ligando o pisca e assegurando-se que podia fazer esta transição em segurança, olhando para os retrovisores, mas tendo necessidade de se baixar para o fazer e poder ver, altura em que perde a visibilidade para o que se passa à sua frente.
Todavia, ao fazer tal mudança de faixa de rodagem foi surpreendido com a presença da vítima na sua faixa de rodagem e não na berma, motivo pelo qual tentando evitar o embate com aquele guina o seu veículo na direção da carrinha estacionada na berma e embate entre o pneu e a parte lateral traseira, altura em que os airbags são acionados e deixa de ter visibilidade e perceção do que se estava a passar, continuando sempre a travar o seu carro que acaba por imobilizar-se em sentido oposto ao do trânsito, após ter rodopiado.
Nega ter embatido mais do que uma vez na carrinha, e apenas quando sai do seu veículo é que se apercebe que estava uma pessoa estendida no chão que havia sido atropelada, com as pernas na faixa de rodagem e o resto do corpo na berma, na parte da frente do veículo estacionado também na berma.
Confrontado com a imagem do “google earth” de fls. 83, sinalizou o local onde ligou o pisca e iniciou a mudança de direção da faixa de rodagem, situado em frente a um campo de futebol retratado naquela imagem. Nesta circunstância, refere que não havia ainda avistado a carrinha estacionada, embora admita que fosse possível fazê-lo, mas sublinha que ia atento ao trânsito.
A testemunha EE, de forma descomprometida, serena e objetiva, confirmou que seguia na A3 no dia dos factos, estrada que utiliza com frequência. De todo o modo, foi perentória em afirmar não ter visualizado a dinâmica do acidente, apercebendo-se apenas do veículo do arguido já com os airbags abertos e a vítima no chão, quando circulava na faixa mais à direita daquela via, motivo pelo qual teve que se desviar porque a porta da carrinha se encontrava aberta e havia um corpo no chão, imobilizando o seu veículo mais à frente.
Circulando a cerca de 70/80 Km/h, não teve dificuldade em contornar os obstáculos com que se deparou e quando saiu do seu veículo apercebeu-se primeiro da vítima, depois da carrinha e finalmente do “Mini”.
Sublinhou ainda que tinha visibilidade quer para a carrinha quer para a vítima pelo menos desde o campo de futebol que supra identificámos retratado a fls. 83.
Entretanto chegou o veículo dos bombeiros que forneceu a localização do acidente ao 112, para onde ligara.
A testemunha FF que circulava igualmente na A3 no dia dos factos, e de forma despretensiosa, serena e objetiva, esclareceu que ao que julga se encontrava na faixa de rodagem do meio, mas mais à direita, sendo que na ocasião circulavam poucos veículos.
Seguia atrás do veículo conduzido pelo arguido, ainda que não na mesma faixa, percecionando que o mesmo se desloca da esquerda para a faixa da direita.
Não consegue afirmar se já se tinha apercebido da presença da carrinha estacionada na berma, tanto mais que esta se encontrava após uma curva, num local perigoso, e quase que eram surpreendidos com a sua presença.
Todavia, não consegue afiançar em que local se encontrava a vítima quando foi colhida, uma vez que o veículo do arguido lhe tirava a visibilidade.
Entretanto e após o embate, ligou para o INEM e seguiu a sua viagem.
A testemunha GG, militar da GNR, esclareceu de forma objetiva, serena e isenta ter-se deslocado ao local do acidente após uma chamada do Posto e uma vez ali chegado, deparou-se com a existência de dois veículos, uma carrinha na berma e um “mini” com a marcha invertida também na berma, e uma pessoa caída no pavimento, no sentido Porto/Braga, efetuando o registo do acidente de viação.
A perceção com que ficou foi a de que a manobra de mudança de direção foi efetuada muito próxima da carrinha, sendo certo que se a porta da mesma fosse aberta, acabava por invadir a faixa de rodagem.
Ademais, adiantou que a visibilidade para a carrinha seria entre 100 a 150 metros, mesmo conduzindo na faixa de rodagem mais à direita e mesmo conduzindo a uma velocidade de 100 Km/h o condutor conseguia desviar-se da carrinha.
A testemunha CC, amigo do arguido há cerca de 27/28 anos, adiantou de forma serena e descomprometida não ter assistido ao acidente, mas que constatou que este episódio abalou em muito o arguido, que teve necessidade de receber apoio psicológico.
Sublinhou que aquele transportava com frequência os seus filhos e depositava no mesmo toda a confiança na sua condução. Aliás, chegou a ser seu motorista particular, pois não lhe apraz de todo conduzir e mercê dos trabalhos que executavam no exterior, era sempre o arguido quem conduzia.
A testemunha DD, amigo do arguido há cerca de 20 anos, explicitando não ter assistido ao acidente, depôs de forma sincera, serena e objetiva que sempre que viajam juntos é o arguido quem conduz, confiando na sua condução, tanto mais que ocasionalmente é este quem transporta os seus filhos.
Por fim, adiantou que o arguido anda a ser acompanhado por um psicólogo mercê desta ocorrência que teve repercussões na sua maneira de ser.
Já o perito HH, subscritor do relatório pericial junto a fls. 233-260, esclareceu ter efetuado uma pesquisa completa dos dados e informações do processo para efetuar o relatório em apreço, descrevendo as conclusões que alcançou e o raciocínio que esteve subjacente às mesmas, adiantando assim que a visibilidade no local é considerada “normal”, sendo que todas as curvas estão dimensionadas para a velocidade legalmente permitida de 120 Kms/h, sendo certo que na faixa mais à esquerda a visibilidade para o obstáculo é maior.
Após várias tentativas com os dados recolhidos, concluiu que o arguido necessitaria de 70 metros para fazer a travagem, mas tinha mais do que isso, tinha 92 metros e que a velocidade de embate foi de 68 Km/h, em face dos danos que o veículo apresentava e a projeção do corpo da vítima.
Assim, mais concluiu que houve primeiro o atropelamento e em seguida a colisão com a carrinha, sendo certo que a vítima apresentava danos que aparentavam ter tocado na carrinha.
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Ajudaram ainda a formar a convicção do tribunal os documentos juntos aos autos, designadamente Boletim de Informação Clínica e/ou Circunstancial de fls. 16; relatório de autópsia médico-legal de fls. 20-23, do qual resulta, em termos de conclusões que “1ª Em face dos dados necrópsicos, da informação clínica, policial e da informação social colhida nesta Delegação e atrás transcritos, a morte de BB foi devida às lesões traumáticas torácicas, abdominais, raqui-medulares e da bacia atrás descritas.
2ª Estas, bem como as restantes lesões traumáticas atrás descritas, resultaram de um traumatismo de natureza contundente, tal como o que pode ter sido devido a acidente de viação – atropelamento.
3ª Esta é causa de morte violenta.
4ª O exame toxicológico ao sangue revelou a presença de etanol na concentração de 0,52+-0,07g/L.
5ª O resultado do exame toxicológico ao sangue para pesquisa de substâncias medicamentosas e drogas de abuso foi negativo (…)”; relatório final de fls. 24-25; participação de acidente de viação e respetivo croquis de fls. 55-57; talão de fls. 58; declaração de acidente de viação de fls. 59-60; relatório de averiguação final de fls. 75-82 e respetivas imagens retiradas do “Google Earth” e fotografias de fls. 83-116, 126, registo individual de condutor de fls. 154, onde consta que o arguido não tem antecedentes contraordenacionais; fotografias de fls. 165-168; auto de visionamento de imagens de fls. 169-171; relatório pericial de fls. 233-261, de onde se retira, entre o mais que: “(…) com base no local provável de atropelamento e no local provável de embate entre veículos, descrição por parte dos intervenientes e participação do acidente, foi possível elaborar uma análise dinâmica do veículo envolvido e recriar/simular o acidente no software de simulação de modo a reconstituir a dinâmica completa do acidente em causa nos autos (…)
Considera-se, portanto, que a velocidade de atropelamento, somente por análise dos danos no vidro para-brisas, foi aproximadamente entre o mínimo de 65 Km/h (18m/s) e o máximo de 72 Km/h (20m/s). (…)
É possível afirmar que o Veículo Nr. 1 no momento do embate na zona traseira esquerda do Veículo Nr. 2 circulava a uma velocidade de aproximadamente 66 Km/h (18,3m/s).
Esta velocidade é coerente com o intervalo determinado para a velocidade de atropelamento do peão que se situa entre 65 Km/h e 72 Km/h. (…)
Relativamente à dinâmica de colisão entre o Veículo Nr. 1 e o Veículo Nr. 2, foi possível concluir após simulação computacional que o Veículo Nr. 1 colidiu com o Veículo Nr. 2 numa direção diagonal, ou seja, o veículo Nr. 1 estaria em direção ao Veículo Nr.2 e não numa direção paralela. Esta situação é a única que satisfaz a posição de imobilização do Veículo Nr. 1 considerando o movimento rotacional que efetuou. (…)
Refere-se que a hipótese que valida a posição de imobilização do peão e a posição de imobilização do Veículo Nr. 1, coloca o peão no momento do atropelamento numa posição próxima da traseira esquerda do Veículo Nr. 2 e no limite direito (e não esquerdo, como exarado, o que deve ter ficado a dever-se a mero lapso, pois só assim faz sentido o significado da frase apresentada) da via de circulação do Veículo Nr. 1.(...)”; auto de visionamento de fls. 267-272; relatório final do NICAV fls. 290-294, onde se conclui que “(…) a causa principal ou eficiente, para a materialização do acidente, foi o facto de o arguido, exercer a condução sem a atenção adequada e exigível ao meio rodoviário em que se encontrava inserido e deste modo não ter conservado da berma uma distância suficiente que permitisse evitar o atropelamento e a colisão no veículo de mercadorias (…)” e o certificado de registo criminal de fls.
Destarte, em face das declarações das testemunhas, do perito, do arguido e bem assim do acervo documental vindo de elencar, dúvidas não subsistem que a responsabilidade do acidente ocorrido reside na conduta negligente do arguido, sendo que o resultado morte foi consequência das lesões que advieram ao sinistrado mercê da colisão.
Inexistindo prova testemunhal do acidente ocorrido, apenas a versão do arguido e as conclusões do Sr. Perito podia ajudar no esclarecimento da dinâmica do acidente, coadjuvadas pelas declarações das duas testemunhas que no dia em apreço circulavam por aquela via de trânsito e puderam acrescentar factos, ainda que laterias, ajudaram na formação da convicção
Na realidade, a descrição efetuada pelo arguido da dinâmica do acidente, falece em três pontos em particular: é que não resulta da prova produzida que a vítima tivesse invadido a faixa de rodagem por onde circulava o arguido; que este se encontrava na parte lateral traseira da carrinha, a meio do rodado e que o arguido terá embatido em primeiro lugar no veículo e só depois na vítima.
Ainda que a velocidade a que circulava não fosse considerada excessiva para a via, o certo é que não adequou a sua condução às particulares condições daquela via em concreto, onde se encontrava estacionado um veículo na berma, não totalmente sinalizado, mas visível a pelo menos 100 metros. Não fora a circunstância de o arguido necessitar de se baixar para olhar para os retrovisores, perdendo ainda que por segundos a visão frontal da estrada, e certamente o acidente não teria ocorrido nos termos descritos e dados como provados.
Realce-se que o arguido adotou uma posição diagonal em relação ao veículo e não paralela ao mesmo, sob pena de a sua posição final não poder ter sido aquela em que acabou por se imobilizar, não sabendo depois descrever o que aconteceu em virtude de os aibargs se terem aberto e ter perdido a noção do que estava a ocorrer, deparando-se depois com um corpo na via, aquele que acabara de atropelar.
Veículo esse que o arguido afirma não ter visto, mas que podia ter visto. E não o viu porque ia desatento à condução que encetou naquele dia, pretendendo mudar de faixa de rodagem sem se ter assegurado que o podia fazer com a segurança necessária, tanto mais que como aduzem as demais testemunhas, o trânsito fluía, sem grandes constrangimentos. Ao baixar-se para olhar pelos retrovisores, e perdendo a visão frontal do que ocorria, o arguido não atuou com o zelo e diligência que lhe eram exigíveis na situação em concreto. Ademais, sempre se poderá acrescentar que a solução que o arguido seguiu. Podia ter sido evitada se tivesse guinado o veículo para a esquerda, assim evitando atropelar a vítima.
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No que concerne aos elementos pessoais e económicos do arguido, fundámo-nos nas suas próprias declarações, que nos pareceram razoavelmente verosímeis pela forma coerente a que a este propósito depôs.
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No que concerne aos factos dados por não provados, a convicção do Tribunal resultou do que supra já ficou exposto e bem assim da ausência de prova com suficiente solidez capaz de nos convencer acerca da verificação dessa realidade, tanto mais que as próprias fotografias atestam a ausência de quaisquer cones de sinalização e as testemunhas negaram que o trânsito fosse intenso.”
2.2. Fundamentos fáctico-conclusivos e jurídicos
Comecemos por recordar, antes de mais, que são as conclusões que definem e delimitam o objeto do recurso. Isto sem prejuízo do conhecimento daquelas que devam ser suscitadas oficiosamente, como acontece, por exemplo, com os vícios a que alude o art.º 410º, nº 2[1], ou as nulidades do art.º 379º, nº 1, do CPP.
Será com base, portanto, nas conclusões deduzidas pelo recorrente AA que iremos abordar o mérito do recurso.
2.2.1. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia
Alega o recorrente que o Tribunal a quo, “ao não ter apreciado a real conduta do peão/condutor, no que concerne, à violação desses preceitos estradais, bem como à taxa de álcool no sangue de que era portador, conduzirá, necessariamente, à nulidade da sentença”, nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1, al. c), primeira parte, do Código de Processo Penal.
É consabido que a omissão de pronúncia é um vício que afeta a validade da sentença e existirá sempre que o tribunal deixe de se pronunciar sobre questão ou questões que legalmente se impunha que conhecesse, oficiosamente ou por se tratar de questão colocada pelos demais sujeitos processuais. Não traduzindo, porém, uma omissão de pronúncia aquela que se refira a questão cuja decisão haja ficado logicamente prejudicada pela solução dada a outras – art.º 608º, nº 2, do CPC, ex vi art.º 4º do CPP.
Por outro lado, a omissão de pronúncia tem por objeto a violação do dever de pronúncia “sobre questões e não sobre os motivos ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais (…) em sustentação das questões que submetem à apreciação do tribunal, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão”[2].
Ora, o que o recorrente pretende sustentar nos autos é uma versão do acidente contrária à que foi considerada provada pelo Tribunal a quo, sendo, portanto, com base numa versão que não ficou provada que o recorrente alega ter o Tribunal a quo omitido a apreciação daquela que para si seria “a real conduta do peão/condutor”, e em função dela a violação dos respetivos preceitos estradais. Ora, a pronúncia sobre os preceitos estradais a que se refere, nomeadamente o art.º 72º, nº 1, do Código da Estrada, que proíbe o trânsito de peões nas autoestradas ou o art.º 3º, nº 2, do mesmo diploma, ao determinar que as pessoas devem abster-se de atos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança, a visibilidade ou a comodidade dos utilizadores das vias, são normas cuja conexão só é possível com a factualidade que o recorrente defende em tese no presente recurso, designadamente sobre aquilo que entende que “a infeliz vítima fez, sem qualquer margem para dúvidas, ao ocupar aquela hemifaixa de rodagem e ao invadir a mesma com a porta do veículo que conduzia aberta, em manifesta desobediência ao aí estatuído”. Ora esta tese foi afastada na decisão recorrida, vingando uma versão dos factos a ela oposta, considerada bastante mais provável, que foi a de o peão não estar na “hemifaixa” de rodagem direita e muito menos com a versão dinâmica de a estar a invadir, como pretende o recorrente, mas sim “permanecendo junto à berma e próximo da traseira, do lado esquerdo, daquele veículo automóvel, mais concretamente, entre a parte traseira esquerda deste veículo automóvel e a linha contínua delimitadora da via de trânsito mais à direita da autoestrada A3 e da berma” – facto provado sob o ponto 10. da decisão de facto. Assim sendo, não tinha o Tribunal de se pronunciar sobre a questão de o peão ter ou não violado as regras estradais invocadas, porquanto tal pronúncia pressupunha uma realidade que não ficou demonstrada no processo, mas sim uma outra a ela logicamente oposta. Valendo as mesmas considerações para a alegada violação dos art.ºs 72º, nº 2, al. b), e 81º, nº 1, do Código da Estrada, porquanto nenhuma imputação objetiva, desde logo ao nível causal, pode ser feita, do acidente ocorrido e nomeadamente do resultado morte, à vítima mortal do atropelamento. Sendo que a discordância do recorrente sobre a factualidade dada como provada, em prol da que defende em seu favor, será objeto de apreciação no âmbito do conhecimento do mérito da impugnação da decisão de facto recorrida, assim como a possibilidade de aplicação das referidas normas, subsequentemente, só se porá como consequência de uma eventual alteração da decisão de facto recorrida, se a mesma merecer provimento, como pretende o recorrente.
Por outro lado, a taxa de álcool no sangue de que era portadora a vítima atropelada, também em si não traduz uma questão específica ou dissídio a resolver, porquanto nos presentes autos este consiste em saber se foi ou não o recorrente o responsável pela morte registada, face à condução estradal que concretamente realizou, ou se foi o peão a dar-lhe causa, e, no âmbito da determinação da responsabilidade de um ou de outro, ou de ambos, é que a taxa de álcool poderá ter ou não relevância, consoante a mesma possa ser considerada causal ou ter concorrido para o processo causal que levou ao acidente e ao resultado morte da vítima. Mas então o problema coloca-se, não na omissão de pronúncia, que é um vício da sentença, mas sim, a jusante, na perspetiva de quem avalia a existência dos demais vícios em causa, como um vício do próprio julgamento, na medida em que se considere tal facto essencial ou relevante para a boa decisão da causa e que o mesmo não haja sido considerado pelo Tribunal a quo, tendo-o este deixado de fora do objeto do processo, e do objeto do julgamento, e do objeto da prova dos factos relevantes para a boa decisão do litígio. E sendo assim estaríamos perante um vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, facilmente suprível por este Tribunal de recurso, na medida em que, nas circunstâncias dadas nos presentes autos, podendo conhecer de facto e de direito, não teria de reenviar o processo à primeira instância para um novo julgamento, podendo pois conhecer da causa, nos termos previstos nas disposições conjugadas dos art.º 410º, nº 2, al. a), e 426º, nº 1, do CPP, ademais porque dos autos está perfeitamente documentada a prova pericial produzida sobre a taxa de álcool concretamente apurada.
O ponto é, como veremos em sede do conhecimento do mérito da impugnação da decisão de facto, saber se tal taxa de álcool é ou não relevante para a boa decisão da causa, de molde a considerar-se que a mesma deveria constar dos factos dados como provados no processo.
O que para nós é certo é que a mesma não constitui fundamento para a nulidade da sentença, nos termos pretendidos pelo recorrente.
Razão por que, nesta parte, irá ser negado provimento ao recurso.
2.2.2. Da manifesta improcedência do recurso, na parte em que tem por objeto o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude a al. a) do nº 2 do art.º 410º do CPP
Diz o art.º 410º, nº 2, do CPP que “Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) (…)”
Pra sustentar a existência deste vício de julgamento diz o recorrente o seguinte:
“Tendo assim presente a definição e alcance do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, constata-se que na situação aqui em apreço, do próprio texto da sentença emerge a insuficiência de factos atinentes ao comportamento objetivo e subjetivo do arguido que, sendo essenciais para a concreta perceção do acontecimento, torna ilógica a decisão proferida.
Mais,
O Tribunal a quo formou convicção quanto ao local do embate e posição do peão, partindo de premissas erradas, porque como já se disse, nem o peão estava na berma nem o local de embate foi na traseira do veículo de mercadorias.
Veículo esse que nem sequer ocupava unicamente a berma, como ficou devidamente provado em audiência de julgamento, mas que apesar disso o Tribunal nem a esse atendeu, contrariando assim, a prova efetivamente produzida.”
Ora, nem em tal segmento da motivação, nem em qualquer outro, evidencia o recorrente, com a específica fundamentação que o dever de motivação do recurso lhe exigia que fizesse, face ao disposto no art.º 412º, nº 1, do CPP, qualquer fundamento concretamente subsumível à norma contida na al. a) do nº 2 do art.º 410º, confundindo o vício aí referido com a mera discordância que revela ao longo da motivação do recurso relativamente à decisão recorrida e respetiva motivação, dos factos que considerou provados e não provados, olvidando que o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada pressupõe a indicação de um qualquer facto que devesse ter sido investigado pelo Tribunal a quo, considerado relevante para a decisão do mérito da causa, e que o mesmo não o tivesse sido, inquinando assim o julgamento efetuado, sendo que o que resulta dos autos é o contrário disso, ou seja, que o Tribunal, no âmbito dos poderes de cognição que lhe competiam, face aos factos que constituíam o objeto do processo, e nessa medida também o objeto da prova, nos termos previstos no art.º 124º do CPP, não deixou de fora da sua apreciação nenhum deles, não tendo ficado fora do seu julgamento nenhum dos factos que importava conhecer. Tanto na motivação como nas respetivas conclusões, limita-se o recorrente a impugnar a decisão da matéria de facto, sobretudo a convicção formada pelo Tribunal a quo relativamente a parte dos factos que considerou provados e não provados, baseando-se o recorrente para tal numa valoração da prova alternativa à que foi feita na decisão recorrida, confundindo claramente erro na apreciação ou valoração da prova, matéria subsumível ao instituto da impugnação da decisão de facto, a que alude o art.º 412º, nº 3, do CPP, com o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude o art.º 410º, nº 2, al. a), já citado. É isso que faz, por exemplo, quando diz que “o Tribunal a quo formou convicção quanto ao local do embate e posição do peão, partindo de premissas erradas, porque como já se disse, nem o peão estava na berma nem o local de embate foi na traseira do veículo de mercadorias.” Afirmação que, como veremos adiante, não tem sustentação probatória, e traduz uma questão atinente à prova dos factos e não a factos que hajam faltado a esse objeto da prova, para que os mesmos pudessem traduzir a existência de um vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. E o mesmo se passa relativamente ao recorrente dizer que o veículo de mercadorias “nem sequer ocupava unicamente a berma, como ficou devidamente provado em audiência de julgamento, mas que apesar disso o Tribunal nem a esse atendeu, contrariando assim, a prova efetivamente produzida”. Ou seja, novamente uma questão atinente à prova dos factos, a ser analisada em sede de impugnação da decisão de facto recorrida. A única afirmação que o recorrente produz, a ter um sentido meramente hipotético de preenchimento do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, é quando conclusivamente afirma que “emerge a insuficiência de factos atinentes ao comportamento objetivo e subjetivo do arguido que, sendo essenciais para a concreta perceção do acontecimento, torna ilógica a decisão proferida”. Mas não concretiza que factos seriam esses ou onde exista uma qualquer ilogicidade na decisão recorrida, a qual também não descortinamos, porquanto não só dela constam os factos que revelam a conduta estradal do recorrente, a qual nas circunstâncias de espaço e tempo foram causais do acidente registado, assim como, ao nível subjetivo, a imprudência, a falta de cuidado, a distração com que realizou tal conduta e os resultados que dela advieram. Como ainda se não vislumbra onde na respetiva decisão exista uma qualquer contradição, que o recorrente nem sequer minimamente enuncia ou concretiza.
Razão por que, também neste segmento, irá ser negado provimento ao recurso.
2.2.2. Da impugnação da decisão de facto
Argumenta o recorrente que não deveriam ter sido dados como provados os factos, nos termos em que o foram, constantes dos pontos 3; 7 (parte final, desde “com vista..." até final); 9; 10; 11; 12 ("Nessas circunstâncias"); 13; 14; 19; 20; 21; 22 e 23. Factos estes que o recorrente entende deveriam ter sido dados como não provados.
Por facilidade de exposição transcrevemos de seguida tais factos (os dados como provados, ora postos em crise):
“3. A referida autoestrada, naquele sentido de marcha (Porto – Braga), entre o quilómetro 2 e o quilómetro 2.1, era, como é, ladeada, à direita, por uma berma, com 2,3 (dois vírgula três) metros de largura e desenvolvia-se, como se desenvolve, com uma reta de boa visibilidade, seguida de uma curva ligeira à direita e de uma nova reta, ambas, igualmente, de boa visibilidade.
(…)
7. (…) com vista à realização de trabalhos de limpeza e remoção de sobrantes.
(…)
9. O veículo automóvel em causa e, bem assim, a sinalização acima indicada eram visíveis a uma distância de, pelo menos, 200 (duzentos) metros.
10. Na sequência da imobilização do veículo automóvel acima identificado, nas circunstâncias de tempo e lugar supra descritas, BB, trajando colete refletor e calças com barras refletoras, deslocou-se para a parte traseira daquele veículo automóvel, permanecendo junto à berma e próximo da traseira, do lado esquerdo, daquele veículo automóvel, mais concretamente, entre a parte traseira esquerda deste veículo automóvel e a linha contínua delimitadora da via de trânsito mais à direita da autoestrada A3 e da berma.
11. Nesse momento, o arguido AA, de forma desatenta e com total desconsideração pelos demais utilizadores e condutores que circulavam naquela autoestrada A3, a uma velocidade compreendida entre os 66 km/hora e os 80 km/hora, seguia na condução do veículo automóvel, ligeiro de passageiros, marca mini, modelo ..., de matrícula ..-RU-.. e cor azul, na via de trânsito central direita da autoestrada A3, entre o quilómetro 2 e o quilometro 2.1, no sentido de marcha Porto – Braga, e, por tais motivos, não se apercebeu, como podia e devia, da presença do veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, marca Mitsubishi, modelo ..., de matrícula ..-..-RX, imobilizado na berma daquela autoestrada e, bem assim, da presença de BB junto à traseira, do lado esquerdo, daquele veículo automóvel, entre este e a linha contínua delimitadora da via de trânsito mais à direita da auto- estrada A3 e da berma, como acima descrito.
12. Nessas circunstâncias (…)
13. Sucede que, ao efetuar a referida manobra de mudança da via de trânsito central direita para a via de trânsito mais à direita da autoestrada A3, o arguido AA, sem efetuar qualquer travagem e sem observar as regras da prudência e cuidado, como podia e devia, observando, designadamente, se existiam obstáculos e adequando a velocidade se necessário fosse, na condução do seu veículo automóvel, ligeiro de passageiros, marca mini, modelo ..., de matrícula ..-RU-.. e cor azul, ocupou parcialmente a berma, invadindo-a na diagonal, por onde circulou, e embateu, num primeiro momento, a uma velocidade de 68 km/hora, com a parte frontal direita daquele veículo automóvel em BB e, num segundo momento, a uma velocidade de 66 km/hora, na zona traseira esquerda do veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, de matrícula ..-..-RX.
14. Após o embate do veículo automóvel conduzido pelo arguido AA no veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, de matrícula ..-..-RX, aquele primeiro veículo automóvel efectuou movimentos circulares e embateu novamente na lateral esquerda daquele veículo automóvel, ligeiro de mercadorias.
19. Ao atuar da forma descrita o arguido AA agiu de forma livre, conduzindo de forma desatenta e descuidada, não conservando da berma, onde se encontrava BB, uma distância suficiente, e não logrando controlar o veículo automóvel que conduzia no espaço livre e visível à sua frente, de modo a evitar o embate em BB, agindo sem o cuidado que o dever geral de prudência aconselha, omitindo as precauções de segurança exigidas no exercício da condução, que era capaz de adotar e que devia ter adotado, para evitar o aludido atropelamento, que podia e devia ter previsto, mas que não previu, dando, assim causa às lesões supra descritas que foram causa direta e necessária da morte de BB.
20. O arguido AA conduziu o seu veículo automóvel, acima identificado, com descuido e imprevidência, circulando desatento aos demais utentes da via, nomeadamente, a BB e à sua presença na berma, ao contrário do que sabia estar obrigado e era capaz.
21. O arguido AA não adequou a sua condução à mudança de direção da via de trânsito e invadiu a berma, por onde circulou, não agindo com o zelo e diligência com que devia e podia atuar na condução, nomeadamente, ao adequar aquela manobra à existência de obstáculos na berma, ao espaço livre e disponível à sua frente, de modo a evitar o atropelamento e embate.
22. O arguido AA não previu, como devia e podia, que da sua conduta poderia resultar, como resultou, o atropelamento e, em consequência, a morte de BB, que se encontrava na via pública.
23. O arguido AA atuou, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei criminal.”
Comecemos pelos pontos 3. e 9. dos factos dados como provados.
Em síntese, diz o recorrente que o local configura uma curva para a direita, muito extensa, com, seguramente, mais de 1 km de extensão e que a visibilidade, não é por tal motivo tão boa quanto parece.
A questão que coloca, portanto, é a da visibilidade em função de uma curva que não tem 10, 20, 50, 100 ou 200 metros, mas sim, segundo o próprio recorrente, mais de 1000 metros de extensão. Não vemos como a circunstância de, alegadamente, ou na sua opinião, a curva ter mais de 1 km de extensão, só por si, possa impor decisão diversa da que foi proferida na decisão recorrida, porquanto, mais de mil metros de extensão de curva, implica que normalmente seja uma curva bastante aberta ou uma “curva ligeira”, e só se a mesma formasse uma espiral, ou rodasse várias vezes sobre um qualquer eixo imaginário, é que poderia eventualmente levar-nos a concluir que uma tal extensão implicaria uma falta de visibilidade que impusesse decisão contrária à que foi tomada pelo Tribunal a quo, o qual, fundamentadamente, além do mais, considerou ter a faixa de rodagem uma largura total de 14 metros, com 4 vias de trânsito de sentido único, separadas entre si por uma linha longitudinal descontínua e com uma largura de 3,5 (três vírgula cinco) metros cada uma, ladeada à direita por uma berma, com 2,3 metros de largura e que se desenvolvia com uma reta de boa visibilidade, seguida de uma curva ligeira, à direita e de uma nova reta, ambas igualmente de boa visibilidade, e, sobretudo, no ponto 9 dos factos assentes, ao aí se frisar que a sinalização do veículo que veio a ser embatido era visível a uma distância de pelo menos 200 metros, circunstâncias que tornam anódina a argumentação assim aduzida pelo recorrente, tanto mais quando a decisão que, neste segmento, o recorrente pretende pôr em causa, encontra evidente legitimidade na concretude daquele facto descrito no ponto 9., e sobretudo no depoimento prestado pela testemunha GG, que a partir do minuto 6:50 do registo áudio das suas declarações, afirma que a visibilidade se situava para cima dos 100/150 metros, ou a partir do minuto 8:21, que seria “muito acima” dos 100 metros para quem circulasse pela via direita, sendo certo que essa visibilidade aumentava para quem circulasse mais à esquerda da via direita da faixa de rodagem, por o respetivo condutor ver assim aumentado o ângulo de visão, dado a curvatura se verificar para o lado direito, tendo em conta o sentido de trânsito tomado pelo recorrente. Não sendo ademais despicienda a afirmação, lógica, diríamos nós, face à possibilidade de no local se poder circular a uma velocidade até 120 km/h, de que, tal como se fez constar na motivação da decisão de facto recorrida, e em total harmonia com as regras da experiência comum, o que disse o perito HH, isto é, que a “visibilidade no local” é considerada “normal”, porquanto “todas as curvas estão dimensionadas para a velocidade legalmente permitida de 120 Km/h, sendo certo que na faixa mais à esquerda a visibilidade para o obstáculo é maior”. E como resulta dos factos dados como provados, o recorrente circulava numa das vias centrais que ficavam à esquerda da via mais à direita e só momentos antes do embate efetuou movimentação diagonal que culminou com o acidente registado, e além da faixa de rodagem há que contar com a largura da própria berma para a direita do sentido da curva, e além disso com a circunstância de o arguido não ir a uma velocidade de 120 km/h, mas segundo o próprio a uma velocidade entre 68 e 70 km/h (di-lo ao minuto 41:40 do registo das suas declarações, indo assim ao encontro do que resulta do relatório pericial junto aos autos, no qual se conclui, fundamentadamente, que a velocidade de atropelamento foi entre o mínimo de 65 Km/h e o máximo de 72 Km/h). Circunstâncias que tornam plausível a factualidade dada como provada no ponto 9. do mesmo passo que fundamentam a factualidade dada como não provada na al. b) dos factos considerados não provados, e essencialmente porque, além de uma tal plausibilidade, não logra o recorrente oferecer um concreto meio de prova que impusesse decisão diversa da recorrida. Aliás, o próprio arguido, nas suas declarações, a partir do minuto 44:16, afirma não ter visto com maior antecedência àquela que efetivamente diz ter visto a carrinha estacionada na berma, mas acrescentando que seria possível vê-la com maior antecedência, porque há campo de visão.
Por outro lado, a circunstância de a berma direita ter uma largura de cerca de 2,30 metros, que o recorrente de forma bastante confusa pretende pôr em causa, supondo também incongruências nos excertos do depoimento da testemunha GG que não descortinámos como possam ter o sentido que o recorrente lhes pretende dar, porquanto em tal depoimento, que ouvimos na íntegra, a testemunha começou por dizer, a partir do minuto 5:19, que fizeram medições da berma, nos termos que constam do croqui junto aos autos (fizeram medições, portanto), e do que se lembrava era que a parte esquerda do veículo que se encontrava parado na berma estaria muito próximo da linha delimitadora da faixa de rodagem ou guia, o que nos leva à conclusão de que se encontrava estacionado dentro do espaço reservado à berma, como aliás também resulta da foto tirada no local do acidente, constante do relatório pericial como figura 4. Sendo que foi essa “muita proximidade” da guia delimitadora que o levou a explicar que tal berma não era como a das autoestradas novas que chegam a ter 2,50m e permitem um maior espaço até à linha delimitadora da faixa de rodagem ou guia. Depoimento que é coerente com o croqui junto aos autos, com cujo teor veio, aliás, a ser confrontado, e do qual resulta claramente que a distância foi medida no local do acidente e é a que consta do croqui, entre a guia ou linha delimitadora da faixa de rodagem e o limite da barreira de proteção ou de segurança – di-lo a testemunha a partir do minuto 6:35. Não vemos portanto, como face a tal depoimento se possa impor decisão diversa da recorrida, como o exige o art.º 412º, nº 3, al. b), do CPP.
As mesmas considerações são válidas para o segmento factual dado como provado no ponto 7., isto é, o estacionamento do veículo se dever à realização de trabalhos de limpeza e remoção de sobrantes, porquanto para pôr em causa tal factualidade se limitou o recorrente a oferecer excertos das suas próprias declarações e a produzir ilações probatórias de uma convicção que se pretende afirmar concorrente com a que foi formada pelo Tribunal a quo, como a circunstância de o mesmo estar completamente carregado, sem espaço para mais, como alega com fundamento nas fotografias de fls. 165, 167, 696 e 697, olvidando o caráter estático que a representação fotográfica objetivamente transmite, não significando por si mesmas que essa atividade não tivesse sido realizada momentos antes do respetivo registo ou que o estacionamento não se justificasse e necessariamente se inserisse no exercício da atividade de realização de trabalhos de limpeza e remoção de sobrantes, circunstância para a qual é ademais anódino o facto de se encontrar ou não outro trabalhador para além do condutor do veículo, que veio a ser atropelado. Ou seja, não logra mais uma vez o recorrente oferecer um concreto meio de prova, com o sentido e a especificidade exigidos pelo art.º 412º, nº 3, al. b), do CPP, que impusesse decisão diversa da recorrida, sendo para tal inócuas as declarações do próprio recorrente, nos excertos por si selecionados, porquanto, sobre os “pirilampos” diz só ter reparado depois do embate (a partir do minuto 7:52), por estarem tapados. Mas o mesmo se poderá dizer quanto a não ter reparado no próprio veículo onde embateu e ao facto de este se encontrar na berma, porque se assim não fosse não sairia das vias de rodagem, nos termos em que o Tribunal a quo considerou provados, e fundamentalmente com base no depoimento da testemunha FF, que circulava atrás do arguido, momentos antes do embate, asseverando-o muito claramente no seu depoimento, começando por dizer que circulavam na altura poucos veículos e que viu o arguido a deslocar-se da via central esquerda para a via direita, e mais precisamente a partir do minuto 2:16, que o arguido circulava na via mais à esquerda, das duas que se situavam no meio (recordemos que eram 4, ao todo), sendo que a testemunha circulava na do meio situada mais à direita (“provavelmente”, diz a testemunha – minuto 2:49), acrescentando “da faixa da esquerda para a direita à minha frente”, afirmando a partir do minuto 2:25 o seguinte: “A estrada estava desimpedida, não havia carros quase nenhuns. A estrada estava bastante desimpedida, recordo-me disso perfeitamente.” Sendo que ao minuto 9:20 declara que o acidente ocorreu “na faixa mais à direita ou praticamente na berma, que era onde se encontrava a carrinha”.
Ora, este depoimento desmente claramente a tese que o arguido pretende defender, e desde logo nas declarações que prestou perante o Tribunal a quo, tal como ficou a constar da própria motivação da decisão de facto recorrida, ou seja, de que afinal se teria apercebido da presença da vítima, de que a mesma não estava na berma, mas já na faixa de rodagem, do lado esquerdo, entre as duas rodas da carrinha, trajando colete e calças com refletores e também a porta da carrinha se encontraria aberta, e que, afinal, ao contrário do que diz ter visto a testemunha anteriormente referida, seguiria pela direita e só quando se preparou para iniciar a mudança de via de rodagem para a esquerda, dado que pretendia seguir pela A4 em direção a Vila Real, alegadamente ligando o pisca e assegurando-se que podia fazer esta transição em segurança, olhando para os retrovisores, mas tendo necessidade de se baixar para o fazer e poder ver, altura em que perde a visibilidade para o que se passa à sua frente, e que ao fazer tal mudança de via de rodagem foi surpreendido com a presença da vítima na sua via de rodagem e não na berma, motivo pelo qual, tentando evitar o embate com aquele, guinou o seu veículo na direção da carrinha estacionada na berma, embatendo entre o pneu e a parte lateral traseira. Ou seja, uma versão que, além de ser em si demasiado intrincada, para não dizer baralhada, e denotativa de uma elevada falta de destreza na condução do veículo, pois se não havia trânsito “quase nenhum”, como referiu testemunha anteriormente referida, e se o arguido tinha ao todo 4 vias de rodagem disponíveis não se percebe por que razão o desvio que diz ter feito o foi com tão pouca latitude, e logo indo contra a carrinha estacionada na berma, colhendo o peão, assim como o ato de olhar para os espelhos retrovisores, baixando-se de modo a perder a visibilidade, a que acresce a contradição evidente em que incorre, quando diz ter inicialmente avistado a vítima constatando que esta não estava na berma, mas já na faixa de rodagem, do lado esquerdo, entre as duas rodas da carrinha, e depois afirmar que ao fazer tal mudança de via de rodagem foi surpreendido com a presença da vítima na sua via de rodagem e não na berma, sendo certo que, no caso de ter passado ou mudado da via direita para a que se situava à sua esquerda, o embate, na tese que defende, mas que não encontra sustentação na prova produzida, não teria acontecido, porquanto cada via tinha 3,5 (três vírgula cinco) metros de largura. E contradiz-se ainda a partir do minuto 48:10 quando diz que guinou para o lado direito “para evitar bater no homem”. Guinou para a direita para evitar bater no homem? Mas se ele se encontrava, como diz, junto do lado esquerdo da carrinha, entre as rodas da frente e de trás, para evitar bater da vítima não deveria antes guinar para a esquerda? Sendo que ainda afirma, ao minuto 19:50 que pensava que tinha evitado “bater no homem”, e que não se apercebeu que tinha batido no homem. Só depois quando saiu do carro é que se apercebeu.
É, portanto, óbvia a inverosimilhança da versão que o recorrente pretende dar do acidente.
Razão por que não vislumbramos como se possa dizer ter o recorrente oferecido um meio de prova, com o sentido e a especificidade exigidos pela al. b) do nº 3 do art.º 412º do CPP, que impusesse decisão diversa da recorrida, relativamente ao ponto 10. dos factos provados, porquanto, para sustentar a sua discordância relativamente ao facto ali dado como provado, invoca o recorrente excertos das suas próprias declarações que, além de denotarem uma intencionalidade ou uma visão dos factos a si ostensivamente favorável, a isso acrescem as incongruências e até as lógicas contradições já acima referidas, que além de fazerem com que tais declarações não sejam idóneas para fundamentar uma qualquer alteração do decidido quanto à factualidade referida, a sua análise apenas reforça a bondade do que foi decido. O que logicamente implica a improcedência da impugnação deduzida pelo recorrente aos pontos 11., 12. e 13, cujo fundamento assentava essencialmente na procedência da impugnação deduzida quanto aos anteriores e fundamentalmente ao ponto 10. da decisão de facto, sendo que relativamente à velocidade que pretende seja alterada no ponto 11. confunde o recorrente a que aí é referida, quanto aos demais veículos, com aquela que seguia na condução do seu próprio veículo, velocidade esta que é a mencionada no ponto 13. dos factos provados e não no ponto 11., a qual, no essencial, vai não só ao encontro das próprias declarações do arguido, que disse que seguia a uma velocidade situada entre os 68 e os 70 km/h, como ainda do que resulta do relatório pericial junto aos autos, no qual se conclui que a velocidade de atropelamento do peão se situou entre 65 km/h e 72 km/h, sendo a velocidade de 68 km/h aí referida como a velocidade que resultou da análise computacional. Não se vendo por isso, mais uma vez, como se possa afirmar a existência de um específico meio de prova que imponha decisão diversa da recorrida, sendo certo que as ilações que o recorrente extrai em favor da alteração da decisão de facto recorrida, assentam exclusivamente em excertos das suas próprias declarações, com as incongruências e até contradições já acima assinaladas, não colhendo ademais verosimilhança nos demais meios de prova considerados pelo Tribunal a quo, que contradizem a versão que o arguido pretende apresentar. As mesmas considerações valendo para a pretensão deduzida pelo recorrente, relativamente ao ponto 14., porquanto, das declarações do arguido, conjugadas com o relatório pericial junto aos autos, assim como o depoimento da testemunha FF, que seguia trás de si, parece claro que tomou uma direção diagonal relativamente à que realizava anteriormente, sendo depois dela que se deu o atropelamento e o primeiro embate no outro veículo, seguido de um segundo na parte lateral esquerda deste último, sendo assim lógica a afirmação ali produzida, isto é, que o veículo conduzido pelo recorrente, após o primeiro embate no veículo ligeiro de mercadorias, efetuou um movimento rotacional, ficando imobilizado na posição inversa à do seu sentido de marcha, o que legitima ou dá fundamento à factualidade dada como provada no ponto 14. e, sobretudo, impõe-nos a conclusão de que não logrou o recorrente oferecer um concreto meio de prova que, com a exigência estabelecida no art.º 412º, nº 3, al. b), do CPP, e assim também mais do que uma mera hipótese alternativa, que nem sequer é plausível, à factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo, a revelasse como a mais plausível, porquanto só assim se poderia dizer que se impunha uma decisão diversa da recorrida.
Já quanto aos pontos 19., e 20. a 23., a factualidade aí expressa é o resultado daquilo que resulta da demais factualidade dada como provada e do que nos dizem as regras da experiência comum, porquanto, e ao contrário do que diz o arguido, da prova dos autos, incluindo as suas próprias declarações, com as suas incongruências e até contradições, se deduz claramente que o recorrente não se apercebeu atempadamente da presença da vítima, sendo aliás tal facto o que resulta mais consentâneo com o que o próprio declara a partir do minuto 19:50, de que só se deu conta do atropelamento depois de sair do seu veículo automóvel, sendo certo que também se não compagina que tivesse atropelado o peão intencionalmente ou que, embora não querendo atropelá-lo, tivesse previsto uma tal possibilidade e se conformasse com ela, conduzindo o veículo nos termos em que o fez, sendo certo que assim não sendo, e tendo em conta as circunstâncias objetivas em que se deu o acidente, somos levados à ilação probatória mais plausível, de que o acidente se deu pelo facto de o arguido conduzir de modo desatento ou descuidado, não conservando da berma, no limite da qual se encontrava BB, uma distância suficiente, não logrando por isso controlar o veículo automóvel que conduzia. Ademais se tivermos em conta a velocidade a que seguia, de cerca de 68 km/h, o trânsito de veículos que naquele momento se fazia registar e as características da via onde o arguido circulava, isto é, 4 vias de rodagem com a largura acima descrita e, nas palavras da testemunha FF, que seguia atrás do arguido, e que voltamos a reproduzir: “A estrada estava desimpedida, não havia carros quase nenhuns. A estrada estava bastante desimpedida, recordo-me disso perfeitamente”.
São ainda irrelevantes as ilações que pretende extrair a partir de excertos do depoimento da testemunha EE que aliás transcreve na motivação do recurso, e que aceita e sublinha não ter assistido ao acidente, e apenas passou no local depois deste já ter acontecido. Referindo ainda que a porta da carrinha se encontrava aberta e que teve de se desviar para conseguir passar. Mas, não tendo assistido ao acidente e tendo este já ocorrido quando chegou ao local, o mais provável é que tal porta fosse aberta depois da ocorrência do acidente, só restando saber por quem, porquanto a dinâmica do acidente e o embate oblíquo do veículo conduzido pelo recorrente, com projeção do peão para a parte da frente da carrinha, ficando manchas de sangue na berma junto à linha delimitadora da faixa de rodagem, não seria plausível acontecer se a referida porta se encontrasse aberta antes da ocorrência do embate. Ou seja, não vemos como o excerto do depoimento desta testemunha que refere lhe ter parecido ver um papelão no chão, que afinal era a vítima caída (a partir do minuto 5:20 do seu depoimento) “muito cá atrás”, tendo-se desviado para a esquerda, passando pelo corpo da vítima e pelo veículo do arguido, e parando mais à frente em segurança, e o ter associado esse facto ao ser o ora recorrente arquiteto, não se percebendo a associação assim feita, tornando, portanto, muito dúbio o valor do seu depoimento, com o sentido que o recorrente lhe pretende dar, ademais porque a testemunha FF, que assistiu ao acidente nos termos já acima referidos, em momento algum disse que a porta da carrinha estava aberta, apenas para enfatizar a largura da berma disponível para nela circular ao lado da viatura estacionada disse que se o condutor daquela abrisse a porta para sair da viatura teria de circular sobre a faixa de rodagem (minuto 12:18), dizendo não ter visto exatamente onde o peão foi colhido, apenas o viu ser projetado no ar (ao minuto 12:40), que o mesmo “tanto podia ser colhido na berma, na esquina exatamente, nesse preciso ponto, mas como o carro me tapou a visibilidade, não consigo dizer”. Mas viu-o bater na carrinha – a partir do minuto 13:56. E ao minuto 14:15, quem interroga comete o lapso de pensar que a testemunha tinha dito anteriormente que a porta da carrinha estava aberta (sendo certo que o não tinha dito, porquanto ouvimos o seu depoimento na íntegra e pudemos confirmá-lo), dirigindo-se à testemunha: “Diz que a carrinha estava na berma. De porta aberta. Num foi?” Respondendo a testemunha: “não, não, não, não.” Repetindo apenas a hipótese que já havia posto antes, no seu depoimento, que já acima deixámos transcrita, para explicar a largura da berma em relação ao espaço da sua ocupação pela carrinha. Nada mais que isso.
Ou seja, mais uma vez, não vemos como se possa impor decisão diversa da recorrida, ademais se ao que fica referido acrescentarmos a localização dos danos registados no veículo conduzido pelo recorrente, na parte dianteira direita e no para-brisas, no lado direito, e por outro lado os danos causados na carrinha, como claramente resultam das fotografias, assim como do relatório pericial, juntos aos autos, este último elaborado pelo Centro Pericial de Acidentes, assim como o local onde ficou o corpo da vítima após o atropelamento, que muito dificilmente lá poderia estar se a porta estivesse aberta, assim como não vemos como pudesse ser possível esta ficar incólume, como efetivamente ficou. Assim como também não se descortina em que pudesse a taxa de álcool de 0,52 g/l, com uma margem de erro de 0,07 g/l, pudesse causalmente ter contribuído para a dinâmica do acidente registado ou que esta pudesse ser outra do que aquela que o Tribunal a quo considerou provada, sendo certo ainda que, a um nível essencialmente abstrato, a própria taxa de álcool encontrada, situava-se no limiar do que a lei considera para um condutor estar ou não sob a influência de álcool, isto é, 0,50, e no caso +/- 0,07, relativamente ao valor de 0,52, significaria, para menos, 0,45 g/l e para mais 0,59 g/l.
No tocante ao relatório pericial junto aos autos, elenca o recorrente uma série de parâmetros que traduzem crenças não verdadeiras, porquanto não ficaram demonstradas no processo, como a porta do veículo estacionado se encontrar aberta, ou a presença do peão se dar na via de rodagem, ou o não ter o perito observado diretamente o local, quando este declarou conhecê-lo perfeitamente e que tinha estado no local, assim como outras afirmações notoriamente irrelevantes, como por exemplo a taxa de álcool no sangue da pessoa atropelada, pelas razões já supra referidas, ou a sua altura e peso precisos, ou as dimensões exatas do veículo de mercadorias ou ainda a existência de uma valeta, sendo certo que a testemunha GG disse claramente que o limite externo da berma era a barreira de proteção ou de segurança e que o veículo de mercadorias se encontrava dentro da berma, e que esta tinha 2,30 m de largura, sendo que também a testemunha FF afirmou que era na berma que se encontrava a carrinha, facto que resulta corroborado pela fotografia tirada no local, já acima referida. Teria o recorrente de dizer muito mais, por exemplo que tendo a berma 2,30m a carrinha não podia estar estacionada dentro dos limites da mesma porque media de largura mais de 2,30m, sabendo o recorrente perfeitamente que tal não era possível acontecer, porque um tal veículo, isto é, que o veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, marca Mitsubishi, modelo ..., não possui tamanha dimensão, sendo o próprio que acaba por admiti-lo, ao dizer na conclusão ff) – 66), que o veículo tinha a largura de 1,95/2,00 metros, sendo que, como muito facilmente se extrai das fotografias constantes do relatório pericial, aí referidas como figuras 4 e 13, assim como das figuras 16 do mesmo relatório, e ao contrário do que alega o recorrente, a largura da caixa coincide com a da cabina, permitindo assim que o veículo ficasse dentro da berma, nos termos dados como provados. Olvidando, por outro lado, de forma evidentemente interessada, a localização exata dos danos causados com os embates, por um lado, no veículo por si conduzido, na parte da frente, lado direito, danos que são visíveis e que batem certo, isto é, estão numa relação de correspetividade com os verificados na zona traseira do veículo de mercadorias (veja-se a foto identificada como figura 12 do relatório pericial e coteje-se a mesma com as fotografias referenciadas como figuras 4 e 6 do mesmo relatório, esta última permitindo ver os danos causados no para-brisas do veículo conduzido pelo arguido, perfeitamente compatíveis com a muito elevada probabilidade de ter sido aí que foi bater parte do corpo da vítima quando esta foi colhida pelo veículo conduzido pelo arguido, circunstâncias que, cotejadas com a proximidade dos danos sofridos no mesmo veículo, resultantes do embate na parte traseira esquerda do veículo ligeiro de mercadorias, e o ter o veículo conduzido pelo recorrente rodopiado e o corpo da vítima ficado caído junto à berma, mas a seguir à parte da frente do veículo de mercadorias, permitem concluir, acima de qualquer dúvida razoável, que o peão se encontraria junto à berma e próximo da traseira, do lado esquerdo do veículo automóvel ligeiro de mercadorias, mais concretamente, entre a parte traseira esquerda deste veículo e a linha contínua delimitadora da via de trânsito mais à direita da autoestrada A3 e da berma, tal como foi dado como provado e como também se havia concluído no relatório pericial. Podendo agora dizer-se que mais do que especificar um concreto meio de prova que impusesse decisão diversa da recorrida, o que faz o recorrente é procurar, sem sucesso, porque baseando-se essencialmente numa argumentação retórico-formal ou em pressupostos que não resultaram ser verdadeiros, desconstruir mais um meio de prova que se nos afigura idóneo, credível, devidamente fundamentado e produzido de forma que se mostra intelectualmente séria e competente. Sendo nessa senda que o recorrente, tal como fez com os depoimentos prestados pelas testemunhas acima referidas, também seleciona excertos das declarações do perito, prestadas em audiência de julgamento, para de seguida interpretá-los de um modo subjetivamente favorável à tese que propugna, mas sem que os mesmos permitam duvidar ou pôr em causa a realidade dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo.
São inconspícuas, sobretudo se vistas como razões ou fundamento para uma alteração da decisão de facto recorrida, na forma como o arguido encetou a condução do veículo automóvel no momento do acidente, as ilações que produz com base nos depoimentos abonatórios das testemunhas suas amigas, como sejam CC e DD, as quais não presenciaram o acidente, desconhecendo por completo o modo com que o mesmo possa ter ocorrido.
Ora, como vem sendo pacífico na jurisprudência o que importa apurar na apreciação do mérito da impugnação da decisão de facto, nos termos do disposto no art.º 412º, nº 3, al. b), do CPP, é se o recorrente logrou demonstrar, através de provas concretamente indicadas e, sendo elas gravadas, com base nas concretas passagens em que o recorrente funda a impugnação, a existência ou não de um erro na apreciação e valoração da prova. Um erro que, pela sua importância, evidência ou relevância, imponha (e não que apenas permita ou torne igualmente plausível) uma decisão diversa da recorrida, porquanto o que está subjacente à disposição normativa referida é o recurso da decisão da matéria de facto visar a correção de erros de julgamento concretamente identificados pelo recorrente e não um novo julgamento ou a repetição do julgamento já realizado, e já que nesse novo julgamento este Tribunal não gozaria das vantagens advenientes da oralidade e da imediação na produção da prova de que gozou o tribunal de primeira instância, estando nessa medida menos apetrechado para formar devidamente a sua convicção, e com ela alcançar mais eficazmente a descoberta da verdade dos factos e assim também a realização da justiça material que o caso impõe. Sendo essa a razão fundamental por que apenas nos casos devidamente discriminados, em que a análise da prova concretamente requerida possa impor clara e necessariamente decisão diversa da tomada pelo Tribunal a quo é que será possível alterar o que por este foi decidido e designadamente quando se possa concluir que a valoração na base de tal decisão operada, em vez de se revelar criteriosa e racionalmente fundada nas regras da experiência comum, naquilo que nos diz a lógica, a boa razão, as máximas da experiência e dos conhecimentos técnicos ou científicos, mostra-se pelo contrário acriticamente elaborada, de um modo subjetiva ou emotivamente fundada, implausível, e nessa medida objetivamente imotivável, quiçá arbitrária.
Não foi isso que foi dado verificar no caso dos autos, tanto relativamente aos factos dados como provados como relativamente aos dados como não provados, considerando o Tribunal a quo todos os factos considerados relevantes para a decisão da causa, deixando de fora aqueles que não tinham qualquer relevância ou interesse, ou cujo apuramento era despiciendo, face à realidade concretamente controvertida e depois apurada, claramente denotativa do modo e circunstâncias em que se deu o acidente e a morte da vítima, sendo certo que alguns dos factos que o recorrente agora pretende deverem ter sido apurados, como a altura e peso do peão ou a largura do veículo de mercadorias, são efetivamente inúteis, no caso, e só podem ser vistos como tendo fins puramente dilatórios. Assim como não logrou o recorrente, ao contrário do que pretendia, e seria possível à luz do art.º 163º do CPP, apresentar especificadamente qualquer meio de prova que pudesse pôr em causa os pressupostos de facto ou as premissas essenciais, de que partiu o referido perito para elaborar o respetivo relatório pericial e para chegar às conclusões a que chegou, as quais, assim como as primeiras, foram sufragadas fundamentadamente pelo Tribunal a quo, de harmonia com o disposto naquele mesmo artigo.
Por outro lado, também não vislumbramos como pudesse ter sido violado o princípio in dubio pro reo, corolário lógico do princípio da presunção de inocência consagrado no art.º 32º, nº 2, da CRP, cuja aplicação pressupõe uma incerteza sobre a realidade dos factos, assente na prova produzida, isto é, a persistência de uma dúvida razoável e insanável que imponha ao julgador uma pronúncia favorável ao arguido, no sentido de serem dados os factos controvertidos como não provados, pois enquanto princípio probatório que é, porque “referente à decisão sobre a prova dos ‘factos’, e não à interpretação e aplicação do direito criminal”, traduz antes de mais uma exigência probatória, na medida da imposição “sempre e apenas da solução exata (ou tida por exata)”, isto é, “a prova da infração, ou, inversamente, a inadmissibilidade de uma condenação por uma infração não provada.”[3] E no caso dos autos nenhum fundamento existe para que possa ser posta em causa a bondade da convicção formada pelo Tribunal a quo, bem como a prova da realidade dos factos por este dados como provados, relativamente à infração cometida. E se tal princípio “não traduz um favor rei, mas uma exigência probatória”[4], então podemos concluir que o mesmo se mostra devidamente cumprida nos autos. Do mesmo modo que não vemos como possa ter havido violação do princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.º 127º do CPP.
Razão por que irá ser julgada improcedente a impugnação da decisão de facto deduzida pelo arguido, e também negado provimento ao recurso, que naquela essencialmente se baseava.
De facto, o recorrente ataca a possibilidade de preenchimento dos pressupostos objetivos e subjetivos do tipo-de-ilícito do art.º 137º, nº 1, e 13º do CP, mas apenas porque no seu entender não se fez prova suficiente e bastante à formulação de um juízo de culpabilidade – conclusão MM) do recurso -, apontando assim para a ausência de prova da realidade dada como provada nos autos e não para um qualquer erro de qualificação jurídica dos factos, nos termos em que estes resultaram provados no processo. Dai também na conclusão NN) insistir que, “Ao dar como provados esses factos dos pontos 3, 7 (in fine), 9, 10, 11, 12, 13, 14, 19, 20, 21, 22 e 23, violou o Tribunal, entre outros, o princípio da livre apreciação da prova, plasmado no artigo 127º do Código de Processo Penal”. Reiterando argumentação exclusivamente atinente à impugnação da decisão de facto. Impugnação da decisão de facto, cujo pressuposto, isto é, um específico erro na apreciação da prova, o recorrente confunde com a violação do art.º 355º, nº 1, do CPP, preceito que respeita exclusivamente ao modo de produção da prova e aos pressupostos da possibilidade da sua valoração, dizendo expressamente que “Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência”. E não é a validade da prova, por não ter sido produzida ou examinada em audiência, mas a sua relevância para a demonstração da realidade factual controvertida que o recorrente suscita nos autos, matéria atinente, portanto, ao princípio da livre apreciação da prova, a que alude o art.º 127º do CPP e, ao nível do recurso da matéria de facto, à impugnação da decisão de facto, nos termos previstos no art.º 412º, nº 3, do CPP, matéria já acima tratada.
Pelas razões supra expostas, não resulta dos autos, tendo em conta os fundamentos do recurso, qualquer violação ou possibilidade de violação dos art.ºs 3º, nº 2, 72º, nº 1, 72º, nº 2, al. b), e 81º, nº 1, todos do Código da Estrada ou dos art.ºs 127º, 355º, nº 1, 379º, nº 1, al. c), primeira parte e 410º nº 2, al. a), todos do Código de Processo Penal, ou ainda dos art.ºs 13º, 137º, nº 1, e 69º, nº 1, al. a), do CP.
2.3. Responsabilidade pelo pagamento de custas
Por ter decaído no recurso, as custas ficarão a cargo do recorrente, de harmonia com o disposto nos art.ºs 513º e 514º do Código de Processo Penal, devendo ser fixada em 4 ½ UC a taxa de justiça – nos termos do art.º 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais e a Tabela III a ele anexa, a taxa de justiça varia entre 3 a 6 UC, devendo ser fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela iii.
3. DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Criminal (4ª Secção Judicial) deste Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, deduzida pelo arguido AA, negando quanto ao mais provimento ao recurso por este interposto.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 ½ UC.

Porto, 2023/04/19
Francisco Mota Ribeiro
Elsa Paixão
Maria dos Prazeres Silva
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[1] Cf., por todos, Ac. do STJ, de 11/04/2007, Pº 07P656, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj.
[2] Oliveira Mendes, Idem, p. 1182; e ac. do STJ, de 15/12/2011, pº nº 17/09.0TELSB.L1.S1.
[3] Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal (1967-68), Dactilografado por João Abrantes, Coimbra, 1968, p. 57.
[4] Ibidem, p. 59.