Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
999/99.8TBAMT-AE.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: TRANSMISSÃO DE COISA OU DIREITO LITIGIOSO
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
Nº do Documento: RP20150316999/99.8TBAMT-AE.P1
Data do Acordão: 03/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A protecção da posição jurídica da parte estranha à transmissão de coisa ou direito litigiosos é digna de tutela e implica que a ordem jurídica a assuma, estando o conflito de interesses regulado no artigo 263.º do Código de Processo Civil (anterior artigo 271.º).
II - A impugnação pauliana julgada procedente torna o acto de alienação do devedor ineficaz em relação ao credor, podendo o credor executar o bem no património do adquirente obrigado à restituição – artigo 616.º, n.º 1, do Código Civil.
III - Transmitido o bem por um subadquirente a um outro subadquirente, após ter sido instaurada a acção de impugnação pauliana, esta transmissão incide sobre um bem litigioso, pelo que a decisão proferida na acção produz efeitos em relação a este subadquirente, nos termos do n.º 3 do artigo 263.º do Código de Processo Civil (anterior artigo 271.º), podendo o credor executar o bem no património deste último subadquirente.
IV - As normas do artigo 613.º do Código Civil valem na sua plenitude salvo dos casos em que seja de aplicar o disposto no n.º 3 do artigo 263.º do Código de Processo Civil; aquelas normas devem ser harmonizadas com estas últimas quando tenha existido venda de coisa ou direito litigiosos na pendência de uma acção de impugnação pauliana.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Tribunal da Relação do Porto – 5.ª secção.
Recurso de Apelação.
Processo n.º 999/99.8TBAMT-AE do Tribunal Judicial da Comarca de Amarante – 2.º Juízo.
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Juiz relator – Alberto Augusto Vicente Ruço.
1.º Juiz-adjunto……Joaquim Manuel de Almeida Correia Pinto.
2.º Juiz-adjunto…….Ana Paula Pereira de Amorim.
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Sumário:
I. A protecção da posição jurídica da parte estranha à transmissão de coisa ou direito litigiosos é digna de tutela e implica que a ordem jurídica a assuma, estando o conflito de interesses regulado no artigo 263.º do Código de Processo Civil (anterior artigo 271.º).
II. A impugnação pauliana julgada procedente torna o acto de alienação do devedor ineficaz em relação ao credor, podendo o credor executar o bem no património do adquirente obrigado à restituição – artigo 616.º, n.º 1, do Código Civil.
II. Transmitido o bem por um subadquirente a um outro subadquirente, após ter sido instaurada a acção de impugnação pauliana, esta transmissão incide sobre um bem litigioso, pelo que a decisão proferida na acção produz efeitos em relação a este subadquirente, nos termos do n.º 3 do artigo 263.º do Código de Processo Civil (anterior artigo 271.º), podendo o credor executar o bem no património deste último subadquirente.
IV. As normas do artigo 613.º do Código Civil valem na sua plenitude salvo dos casos em que seja de aplicar o disposto no n.º 3 do artigo 263.º do Código de Processo Civil; aquelas normas devem ser harmonizadas com estas últimas quando tenha existido venda de coisa ou direito litigiosos na pendência de uma acção de impugnação pauliana.
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Recorrente …………………...B…, Lda., pessoa colectiva n.º ………, com sede em …, freguesia …, concelho de Amarante.
Recorrido……………………C…, solteiro, maior, residente na rua …, n.º …., ..º, Porto, em representação dos seus filhos de menoridade D… e E….
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I. Relatório.
a) O presente recurso insere-se na oposição que a recorrente B…, Lda., dirigiu à execução movida por C… (em representação de dois filhos menores) contra a Recorrente e ainda contra F…, G… e H…, Lda.
Com a execução, os Recorridos pretendem obter o pagamento da quantia equivalente, em euros, a 21.100.000$00, acrescida de juros, arbitrada no processo comum colectivo n.º 102/97, da comarca de Amarante, no qual F… foi julgado e condenado.
A oposição foi julgada improcedente e daí o presente recurso.
b) As conclusões do recurso são as seguintes:
«1. Nos termos do disposto no art. 659.º, n.º 2 do Código de Processo Civil anterior, na versão do Dec. Lei n.º 199/2003, de 10 de Setembro (aqui aplicável por força do disposto no art. 6.º, n.º 4 da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho), a sentença tem de, obrigatoriamente, conter os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados, sob pena de nulidade se não especificar os fundamentos de facto e de direito, conforme dispõe o art. 668.º, n.º 1, aI. b) do mesmo diploma legal.
2. o caso em apreço, por despacho proferido em 13/3/2013 a fls. dos autos ora em recurso com a referência n.º 2220211, já transitado em julgado, foi alterada a resposta dada ao art. 18.º da petição inicial, que passou a ter a seguinte redacção:
Artigo 18.º - provado apenas que quando a venda do prédio ora nomeado à penhora foi celebrada entre a ora executada "B…" e a executada "H…", ainda não tinham sido citados todos os primitivos réus para os termos da referida acção " (sic).
3. Porém, nos fundamentos de facto da douta sentença em crise este facto dado como provado não consta da mesma e não foi levado pelo Meritíssimo Senhor Juiz "a quo" em consideração.
4.º O Meritíssimo Senhor Juiz "a quo" não interpretou e aplicou a lei aos factos, designadamente ao que foi provado no artigo 18.º da petição inicial.
5.º A douta sentença em crise está, assim, ferida de nulidade, o que ora se invoca com todas as consequências legais.
6. A sentença dada à execução - no caso o Acórdão do STJ proferido na Revista n.º 3.012/06 da 6.ª secção daquele Tribunal, que foi junto com o requerimento inicial da acção executiva - não condena nem impõe a ninguém, nomeadamente à ora Apelante, nenhuma responsabilidade.
7. Não se vê que aquela sentença (o Acórdão do STJ) imponha a alguém, expressa ou tacitamente, o cumprimento de uma obrigação, ou que contenha uma ordem de prestação.
8.º Esta sentença (o Acórdão do STJ) também não extravasa o que foi pedido, antes pelo contrário, contém-se dentro do pedido deduzido pelo Apelado na acção pauliana.
9.º Acresce que, em 6.º dos factos dados como assentes na fundamentação da douta sentença em crise ficou assente que o Acórdão ora dado à execução não condenou a Apelante a coisa alguma, nomeadamente a pagar ao Apelado fosse o que fosse! (O sublinhado é nosso).
10. O que o douto Acórdão do STJ em análise decidiu foi que, ao declarar-se a ineficácia das vendas se reconheceu ao Apelado tão-só a possibilidade de executar o bem no património de terceiro, nos termos do art. 616.º, n.º 1 do Código Civil.
11. Como se vê pelo pedido que foi formulado naquela acção pauliana o Apelado não pediu a restituição pelo adquirente do valor do bem transmitido ou do enriquecimento obtido com a sua aquisição, pois era possível a execução desse bem, como o Apelado claramente o diz na formulação do seu pedido!
12. Está-se, pois, sem sombra de dúvidas, perante uma acção constitutiva que teve por fim autorizar uma mudança na ordem jurídica existente – art. 4.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Civil - pelo que, a sentença dada à execução não constitui título executivo.
13. Por isso, ao ter-se dado à execução somente a sentença proferida na acção pauliana (o Acórdão do STJ acima referido) que a julgou procedente sem a integrar pelos documentos que permitem a execução da dívida, como aquela não constitui título executivo, então na presente acção executiva verifica-se que há, manifestamente, falta ou insuficiência do título executivo, falta e inexequibilidade do título executivo e inexigibilidade da obrigação exequenda, o que ora se invoca com todas as consequências legais.
14. A presente execução foi deduzida também contra os Executados, subadquirentes do bem em causa, "H…, Lda." e G…, sendo que este nem sequer foi parte na acção pauliana cuja sentença foi dada à execução
15. Ora, os bens de terceiro só podem ser objecto de execução em dois casos: quando sobre eles recaia direito real constituído para garantia do crédito exequendo; quando tenha sido julgada procedente impugnação pauliana de que resulte para terceiro a obrigação de restituição dos bens ao devedor, sendo que, em relação aos Executados "H…" G… não está demonstrada qualquer uma dessas situações.
16. Sem se atacar judicialmente o acto de transmissão operado pela Apelante à Executada "H…" e sem se atacar o acto de transmissão da dita sociedade "H…" ao Executado G…, não se vê como se possa fazer excutir o bem por este adquirido, pois que nenhuma obrigação tem este Executado, no presente, de restituir o bem ao devedor.
17. É que, como dizia o Prof. Vaz Serra, BMJ n.º 75, pág. 295 e RLJ, Ano 111, pág. 156, os subadquirentes adquiriram do verdadeiro titular do direito e, portanto, a sua aquisição não cai pelo simples facto de ser julgada procedente a acção contra o adquirente primitivo. Para que possam ser obrigados, é preciso que sejam por sua vez accionados e se verifiquem, quanto a si mesmos, os requisitos gerais da acção.
18. O facto dado como provado que foi transcrito na conclusão 23 revela-se de capital importância como se referiu na oposição à execução pois, na altura da venda do prédio da Executada B… para a Executada "H…" a instância ainda não era estável, ou seja, ainda não se tinham tornado estáveis os elementos essenciais da causa: partes, pedido e causa de pedir, nos termos e para os efeitos dos art. 268.º e 481.º, al. b) do Código de Processo Civil.
19. Ora, como os elementos da instância ainda não se encontravam estáveis nessa altura, ao Apelado não lhe era suficiente lançar mão somente do Incidente de Intervenção Provocada da "H…", era preciso ainda que deduzisse contra esta um pedido específico que se contivesse, ou seja, que encontrasse apoio numa determinada causa de pedir e, não o fez!
20. Aliás, o Apelado nem sequer o Incidente da Habilitação de Cessionário deduziu contra esta Executada!
21. E, se a coisa foi vendida antes da citação não há lugar à restituição.
22. Razão por que, no caso em apreço, não têm, assim, aplicação o disposto nos 818.º do Código Civil, em relação a estas duas últimas vendas operadas entre a ora Apelante a Executada "H…" e, a operada entre esta e o Executado G….
23. A sentença dada à execução não tem assim força de caso julgado em relação aos Executados "H…" e G….
24. Decidindo como decidiu, a douta sentença em crise violou o disposto nos (…).
Termos em que, no provimento do recurso, deve a douta sentença em crise ser revogada e, em sua substituição deve ser proferida outra que julgue as excepções alegadas na oposição à execução procedentes e provadas e, por via delas, a execução ser julgada improcedente e não provada por falta de título, inexequibilidade do título, falta de pressupostos processuais de que depende a regularidade da instância executiva e inexigibilidade da obrigação exequenda e declarar-se extinta a execução, absolvendo-se, por consequência, a Apelante do pedido executivo, tudo com as legais consequências, com o que se fará, como sempre, salutar e sã JUSTIÇA!».
c) Os recorridos contra-alegaram pugnando pela manutenção da decisão sob recurso, sustentando, em síntese, que os efeitos da sentença proferida na acção de impugnação pauliana se estenderam aos subadquirentes, nos termos do n.º 3 do artigo 271.º do Código de Processo Civil.
II. Objecto do recurso.
De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar pelas questões processuais, e, resolvidas estas, com as atinentes ao mérito.
Tendo em consideração que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), as questões colocadas no recurso são as seguintes:
1 – A primeira questão respeita a uma nulidade da sentença. Funda-se na circunstância de ter sido omitido o facto mencionado no artigo 18.º da oposição o qual foi reconhecido como «facto provado» pelo despacho de 13 de Março de 2011.
2 – A segunda questão, ainda de natureza processual, prende-se com a questão se saber se ocorre «falta ou insuficiência de título executivo».
3 – Por fim, coloca-se a questão de saber se os executados H…, Lda., e G…, são obrigados a restituir o bem nomeado à penhora ao património do devedor (F…) uma vez que estes executados não foram demandados na acção de impugnação pauliana e, sendo assim, os bens destes não podem ser atingidos pela presente execução, pois a decisão proferida nessa acção não formou caso julgado quanto a eles.
III. Fundamentação.
a) Nulidade da sentença.
Não ocorre a nulidade arguida, pelas seguintes razões:
1. Aplica-se ao caso a versão do Código de Processo Civil anterior à Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, uma vez que os actos processuais em causa ocorreram antes da publicação desta lei.
2. Referia-se no n.º 1 do artigo 668.º (Causas de nulidade da sentença) do Código de Processo Civil, que a sentença era nula, nestes casos:
«…a) Quando não contenha a assinatura do juiz;
b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido».
Verifica-se que a simples omissão de um facto que devia constar da matéria de facto declarada provada na sentença não cabe em qualquer uma destas alíneas.
Sendo certo que as causas de nulidade são taxativas [1].
Com efeito, como referiu o Prof. Alberto dos Reis, «Uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão» [2].
Ou seja, a omissão de um facto não constitui uma «questão» a julgar, não configura, por isso, uma omissão se pronúncia e resolve-se pelo seu adicionamento logo que a questão seja suscitada.
Por conseguinte, o facto do artigo 18.º da oposição, declarado provado pelo despacho de 13 de Março de 2011, mas omitido na sentença recorrida será acrescentado com o n.º 14 à matéria de facto provada que a seguir será indicada.
Concluindo: a questão suscitada não constitui um caso de nulidade de sentença, pelo que se julga improcedente a nulidade arguida.
b) Matéria de facto provada
1. Em 16 de Setembro de 1999, o Exequente propôs contra o ora executado F… acção de execução para pagamento de quantia certa, sob a forma sumária, que corre termos na 2.ª secção (agora 2.º juízo) deste tribunal, sob o n.º 191-J/99.
2. Tal execução foi proposta com base no Acórdão proferido no âmbito do processo comum colectivo n.º 102/97, em 19 de Janeiro de 1999, que condenou o arguido F… e outros no pagamento da quantia de 21.100.000$00 ao então requerente do pedido de indemnização civil, ora Exequente;
3. Na acção executiva aludida em «1» o ora Exequente requereu o pagamento da aludida quantia de 21.100.000$00, acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa legal;
4. Ainda em tal execução, o Exequente nomeou à penhora o bem ora também nomeado à penhora.
5. Nesta acção executiva, o Exequente tem em vista a cobrança do crédito de capital e juros que se vencerem, arbitrados no sobredito processo criminal n.º 102/97, de Amarante onde foi julgado e condenado o ora executado F….
6. Acresce que, na sobredita acção executiva que corre seus termos na 2.ª secção (agora 2.º juízo) deste tribunal, sob o n.º 191-J/99, foi proferido despacho em 12 de Outubro de 2006 que foi devidamente notificado ao ora Exequente de que foi declarada interrompida a instância nos termos do disposto no artigo 285.º, do Código de Processo Civil, ficando os autos a aguardar o decurso do prazo de deserção estabelecido no artigo 291.º do mesmo Código.
7. A acção de impugnação pauliana a que estes autos se encontram apensos foi proposta também contra I… que foi a primeira adquirente do prédio nomeado à penhora.
8. Esta ré não figura agora como executada.
9. A ora Executada não foi julgada nem condenada nesse processo criminal, nem o acórdão ora dado à execução a condenou em alguma coisa.
10. O Exequente fez intervir naquele processo declarativo a ora também executada «H…», mediante a dedução do incidente de intervenção principal provocada.
11. No acórdão dado à execução não foi declarada a ineficácia da compra e venda celebrada em 22 de Janeiro de 2001 entre a executada «B…» e a executada «H…», nem foi declarada a ineficácia da compra e venda celebrada entre a executada «H…» e o executado G….
12. A ré I… demandada na acção de impugnação pauliana.
13. A Executada e ora opoente não foi julgada nem condenada no processo criminal n.º 102/97, que é o actual processo 999/99.8TBAMT, mas foi Ré no processo n.º 193/2000, onde ficou provada a sua má fé.
14. Quando a venda do prédio ora nomeado à penhora foi celebrada entre a ora executada «B…» e a executada «H…», ainda não tinham sido citados todos os primitivos réus para os termos da referida acção.
b) Apreciação das restantes questões colocadas pelo recurso.
1 Falta ou insuficiência de título executivo.
Vejamos se ocorre «falta ou insuficiência de título executivo».
A resposta é negativa pelas razões que a seguir se indicam.
O exequente alega na petição inicial que a quantia exequenda consiste no equivalente em euros a Esc. 21.100.00$00, quantia esta fixada no processo comum colectivo n.º 102/97, que correu termos na comarca de Amarante, no qual F… foi julgado e condenado a pagar essa quantia e respectivos juros.
Alega ainda que o único bem penhorado foi vendido sucessivamente por F… a I…, em 3 de Novembro de 1997; por esta à recorrente B…, Lda., em 11 de Fevereiro de 2000; por esta à sociedade H…, Lda., em 21 de Fevereiro de 2001 e por esta última a G…, o qual registou a compra em 11 de Fevereiro de 2004.
Mais referiu que deduziu impugnação pauliana visando as duas primeiras vendas, tendo obtido do tribunal a declaração de ineficácia dessas vendas por decisão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Outubro de 2006.
A Recorrente alega falta de título executivo ou pelo menos a sua insuficiência porque o título executivo invocado é a decisão proferida na acção pauliana, a qual não tem a natureza de sentença condenatória, sendo certo que só as sentenças condenatórias são títulos executivos, como resulta literalmente do disposto na al. a), do n.º 1, do artigo 46.º do Código de Processo Civil, em vigor à data da instauração da execução, norma que coincide com a actual al. a), do n.º 1, do artigo 703.º do Código de Processo Civil.
Vejamos então.
Se é certo que o Recorrido indica na petição executiva como título executivo o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça na acção de impugnação pauliana, também é certo que alegou (no ponto 12 da petição executiva) como fonte da quantia exequenda a decisão proferida no processo comum colectivo n.º 102/97, que correu termos na comarca de Amarante
Ora, verifica-se que a fls. 62 e 63 do processo principal, isto é, da presente acção executiva, foi exarado um despacho a seguir à «Conclusão em 03.10.07 (por ordem verbal)», do qual consta:
«A presente execução destina-se à cobrança do crédito de capital no montante de Esc. 21.100.000$00 e juros que se vencerem, arbitrados no processo crime n.º 102/97 deste Tribunal Judicial de Amarante onde foi condenado o Ré e aqui Executado F….
Daí que, o título que serve de base à presente execução seja o Acórdão condenatório proferido naqueles autos e não o Acórdão constante de fls. 550 a 557 dos autos a que estes se acham apensos, no qual se julgou parcialmente procedente o pedido e se declarou, por impugnação pauliana, a ineficácia de duas compras e vendas, com vista à cobrança daquele mencionado crédito - art. 46°, n. 1, alínea a) do Código de Processo Civil.
Para a execução que se funde em decisão proferida por tribunais portugueses, é competente o tribunal de 1 a instância em que a causa foi julgada - art. 90.º, n. 1 do Código de Processo Civil.
A execução corre por apenso, excepto quando, em comarca com competência executiva específica, a sentença haja sido proferida por tribunal com competência específica cível ou competência genérica e quando o processo tenha entretanto subido em recurso, casos em que corre no traslado, sem prejuízo da possibilidade de o juiz da execução, poder, se entender conveniente, apensar à execução o processo já findo - n.º 3 do citado art. 90.º.
Logo, a presente execução deverá correr por apenso àqueles autos de processo crime que couberam ao 2.º Juízo deste Tribunal.
Pelo exposto, determino a remessa da presente execução, acompanhada dos pensos B e C (oposições à execução) ao 2.º Juízo deste Tribunal, para apensação ao referido processo crime actualmente com o n.º 999/99.8TBAMT, dando-se conhecimento ao Senhor Solicitador de Execução.
Notifique».
Verifica-se, por conseguinte, que a presente execução se encontra apensa ao processo comum colectivo onde foi proferida a sentença que condenou o executado F… a pagar a quantia exequenda.
Por conseguinte, sendo a decisão proferida no primitivo processo comum colectivo n.º 102/97 título executivo e encontrando-se fisicamente no processo da qual a presente execução é um apenso, a questão suscitada pela Recorrente no recurso carece de fundamento.
Se tinha algum fundamento antes dessa apensação, deixou de o ter com a apensação.
Improcede, por conseguinte, esta questão.
2 – Passando agora à questão fundamental colocada pela Recorrente e que consiste em saber se o executado G…, será obrigado a restituir o bem nomeado à penhora ao património do devedor (F…), uma vez que este executado não foi partes na acção de impugnação pauliana e, sendo assim, os bens deste não poderão ser atingidos pela presente execução, já que a decisão proferida nessa acção não terá formado caso julgado quanto a ele.
Aparentemente a Recorrente não teria interesse processual em suscitar esta questão por não lhe dizer respeito.
Porém, poderá considerar-se que tem um interesse reflexo, pois se o Exequente não puder executar o bem nomeado à penhora no património do actual proprietário G…, nenhuma responsabilidade este poderá exigir mais tarde à recorrente.
Adiantando já a conclusão, dir-se-á que a Recorrente não tem razão pelos seguintes fundamentos:
a) Em primeiro lugar, cumpre delimitar a situação factual e esta mostra que após a instauração da acção pauliana pelo exequente (em representação dos filhos menores D… e E…), em 28 de Setembro de 2000, contra F…, I… e B…, Lda. [3], a recorrente B…, Lda., vendeu o bem nomeado à penhora à sociedade H…, Lda., em 22 de Janeiro de 2001, e esta última vendeu depois o mesmo bem a G… que registou a compra em 11 de Fevereiro de 2004.
Está provado (facto n.º 11) que no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 31 de Outubro de 2006, dado à execução, não foi declarada a ineficácia da compra e venda celebrada em 22 de Janeiro de 2001 entre a executada «B…» e a executada «H…», nem foi declarada a ineficácia da compra e venda celebrada entre a executada «H…» e o executado G….
Está também provado (facto n.º 14) que «Quando a venda do prédio ora nomeado à penhora foi celebrada entre a ora executada «B…» e a executada «H…», ainda não tinham sido citados todos os primitivos réus para os termos da referida acção».
Que réus não tinham sido ainda citados?
A ora Recorrente não esclareceu esta obscuridade que ela própria enunciou quando fez tal afirmação no artigo 18.º da petição da presente oposição.
Não disse que ela própria não tinha sido ainda citada para a acção de impugnação pauliana quando vendeu o prédio à sociedade H…, Lda.
O que indiciava que a falta de citação não lhe dizia respeito.
E, efectivamente, mais tarde, na sequência da sua reclamação relativamente à matéria de facto, foi proferido despacho sobre esta questão.
Assim, da «conclusão» exarada pelo Sr. funcionário e do despacho proferido a seguir pelo Sr. Juiz, na presente execução, com data de 13 de Março de 2011, já atrás mencionado, consta o seguinte:
«CONCLUSÃO - 16-09-2010, com os autos de Acção Pauliana (Ordinária) N.º 193/200, do 1º Juízo deste Tribunal.
(…)
Não tendo sido determinada essa apensação destes autos ao do proc. n.º 193/2000, o tribunal pode e deve conhecer do que ai foi decidido.
Compulsados os referidos autos de impugnação pauliana, constata-se que a ré nesses autos, I…, foi citada pessoalmente em 5 de Março de 2001, a venda do imóvel entre a executada “B…” e a “H…” ocorreu em 22 de Janeiro de 2001.
Assim sendo, e conhecendo da nulidade invocada pela executada “B…”, o tribunal tem que alterar a resposta dada ao artigo 18º da petição inicial, que passará a ter a seguinte redacção:
Artigo 18º - provado apenas que quando a venda do prédio ora nomeado à penhora foi celebrada entre a ora executada “B…” e a executada “H…”, ainda não tinam sido citados todos os primitivos réus para os termos da referida acção.
Notifique».
Ou seja, «Quando a venda do prédio ora nomeado à penhora foi celebrada entre a ora executada «B…l» e a executada «H…», ainda não tinham sido citados todos os primitivos réus para os termos da referida acção», isto é, faltava citar a demandada I…, pois foi a única citação em falta que serviu de fundamento para considerar tal facto da oposição à execução como provado.
Provou-se, ainda (facto n.º 10), que «O exequente fez intervir naquele processo declarativo [trata-se da acção de impugnação pauliana] a ora também executada «H…, mediante a dedução do incidente de intervenção principal provocada».
É esta a situação factual relevante.
b) Verifica-se, face a estes factos, que estando instaurada a acção de impugnação pauliana contra F…, I… e B…, Lda., esta última vendeu o prédio à executada H…, Lda., e esta vendeu-o depois a G….
Esta factualidade configura um caso de transmissão entre vivos de uma coisa ou direito litigioso.
Cumpre, por isso, indagar se o ordenamento jurídico dá alguma resposta a esta situação.
A resposta é positiva.
À data em que a acção de impugnação pauliana foi instaurada e proferida a respectiva decisão, o artigo 271.º (Legitimidade do transmitente. Substituição deste pelo adquirente) do Código de Processo Civil, determinava o seguinte:
«1. No caso de transmissão, por acto entre vivos, da coisa ou direito litigioso, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa, enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substituí-lo.
2. A substituição é admitida quando a parte contrária esteja de acordo. Na falta de acordo, só deve recusar-se a substituição quando se entenda que a transmissão foi efectuada para tornar mais difícil, no processo, a posição da parte contrária.
3. A sentença produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que este não intervenha no processo, excepto no caso de a acção estar sujeito a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da acção»
Estas normas mantêm-se em vigor no actual artigo 263.º do actual Código de Processo Civil.
c) Vejamos as consequências que resultam deste artigo para o caso dos autos.
I - A coisa ou direito litigioso adquirem a natureza de «litigiosos» a partir do momento em que são objecto de um pedido formulado numa acção judicial [4] – artigo 259.º, n.º 1, do Código de Processo Civil –, mas em relação ao réu os efeitos só se produzem a partir da sua citação – n.º 2 do mesmo artigo.
Em geral, abstraindo por enquanto da lei aplicável, estando instaurada uma acção tendo por objecto um determinado bem, o que sucederá se uma das partes aliena a sua posição jurídica relativa a esse bem?
Constata-se, desde logo, que a relação processual constituída entre o autor A, o réu B e o tribunal, deixou de ter correspondência com a situação jurídica substantiva, pois uma das partes já não é, do ponto de vista material, titular do bem e por isso, a decisão tomada já não lhe diz respeito, não o pode afectar, pois o titular do bem já não é B, mas sim C, porque B transmitiu a sua posição jurídica a C e como C não é parte na acção, os efeitos da decisão tomada não o atingem.
O réu B ao deixar de ser titular do bem perdeu inclusive legitimidade processual e a solução para o pedido seria a absolvição da instância por essa razão.
Com efeito, o pedido formulado na acção já não poderia proceder contra B, pois tinha deixado de ser titular do bem.
Logo se constata que estas situações podem revelar-se altamente lesivas para uma das partes consoante a configuração dos interesses concretos que estiverem em jogo em cada processo.
Um exemplo.
Numa acção de impugnação pauliana, o réu B, demandado por A, e procedentemente demandado, por se verificarem quanto a ele os requisitos da impugnação previstos nos artigos 610.º e 612.º do Código Civil (Crédito anterior ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor/ Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade/ má fé do devedor e do terceiro sendo o acto oneroso) aliena onerosamente o bem a C que se encontra de boa fé ou estando C de má fé, este aliena de seguida a um subadquirente que está de boa fé.
Face a esta realidade, o legislador ou intervém para proteger o credor ou não intervem.
Se o legislador não intervier, os direitos dos credores serão facilmente inviabilizados pelos devedores demandados em juízo e respectivos subadquirentes, tornando-se o direito impotente para travar o comércio jurídico conduzido de má fé e dirigido intencionalmente em desfavor ou em prejuízo de quem tem o direito do seu lado.
Mas o legislador pode intervir perante esta realidade.
Relativamente à transmissão de posições jurídicas litigiosas pode assumir duas opções fundamentais:
- Proibir, sob pena de invalidade, a transmissão de coisas ou direitos litigiosos;
- Permitir essa transmissão, mas protegendo a parte estranha à transmissão (que pode ser o autor ou o réu).
Nas palavras de Paula Costa e Silva, «Optando o legislador pela consagração de um regime de proibição, será vedada, no plano substantivo, qualquer transmissão da coisa em litígio. Interferir-se-á no plano material, impedindo-se e declarando-se consequentemente inválida toda e qualquer transmissão cujo objecto seja constituído por um direito litigioso.
Os dados disponíveis parecem apontar no sentido de ser esta a alternativa de resolução do problema da transmissão de coisa ou direitos em litígio consagrada no direito romano, em qualquer das fases da sua longa evolução» [5].
Ainda segundo esta Autora, a proibição da transmissão não é defensável nos casos em que a acção interposta pelo credor acaba por ser julgada improcedente. Além disso, argumenta ainda, «…a proibição de transmissão de direitos e coisas em litígio cria graves entraves ao comércio jurídico, que não se justificam com a mera necessidade de protecção dos interesses da parte estranha à transmissão», e que «…a protecção da parte estranha à transmissão pode ser obtida através de mecanismos puramente processuais. Tal protecção é, não apenas suficiente, mas a mais consentânea com os interesses em conflito. A tutela da parte estranha à transmissão não tem de ser obtida à custa de uma amputação do poder de disposição da parte processual, geradora de uma paralisação injustificada de parte do tráfego jurídico» [6].
Cumpre, pois, fazer sobressair desde já uma ideia, que é esta: a protecção da posição jurídica da parte estranha à transmissão de coisa ou direito litigiosos é digna de tutela e implica que a ordem jurídica a assuma.
II – Relativamente à disciplina processual constante da norma do artigo 271.º do Código de Processo Civil, Alberto dos Reis referiu que «A partir da transmissão o alienante passa a figurar no processo como substituto do adquirente; a transmissão operou uma conversão: de defensor dum interesse próprio o transmitente transforma-se em defensor de um interesse alheio.
E não se diga que há nisto artifício ou violência. Abre-se a porta ao adquirente para que ele venha, quando quiser, assumir a defesa da sua posição, substituindo-se ao transmitente; não se prejudica a parte contrária, porque, embora o adquirente não intervenha no processo, a sentença que puser termo ao litígio constitui caso julgado quanto a ele. Também se não agrava o transmitente, porque este pode promover a substituição» [7].
Resulta desta norma, com interesse para o caso dos autos, que a transmissão efectuada pela B…, Lda. (numa altura em que já estava citada para a acção pauliana), para a executada H…, Lda., e desta última para o executado G…, ambas na pendência da acção de impugnação pauliana, foi uma transmissão de coisa litigiosa, isto é, transmitiu-se sucessivamente o bem nomeado à penhora na presente execução.
A executada H…, Lda., interveio na acção de impugnação pauliana, na qual foi requerida a sua intervenção principal, mas não o executado G….
Porém, nos termos da primeira parte do mencionado n.º 3 do artigo 271.º do Código de Processo Civil, a decisão proferida na acção de impugnação pauliana produziu e continua a produz efeitos em relação a estes novos adquirentes [8].
Isto significa que a decisão aí tomada tem validade em relação à executada H…, Lda., e ao executado G….
A decisão tomada foi no sentido de declarar a ineficácia das vendas do prédio (nomeado à penhora na presente execução) por parte de F… a I… e desta para a recorrente B…, Lda.
Por conseguinte, o valor jurídico da decisão é o que vem mencionado no n.º 1 do artigo 616.º, do Código Civil, ou seja, «Julgada procedente a impugnação, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei».
Nas palavras de Antunes Varela, «A restituição – como quem diz retorno – dos bens alienados ao património do devedor, para colmatar a brecha na garantia patrimonial do credor impugnante, significa naturalmente duas coisas:
1.ª que o impugnante pode executar os bens alienados como se eles não tivessem saído do património do devedor, mas sem a concorrência dos demais credores deste, uma vez que a procedência da pauliana só ao impugnante aproveita:
2.ª que, executando os bens alienados, como se eles tivessem retornado ao património do devedor e não se mantivessem na titularidade do adquirente, o impugnante pode executá-los na medida do necessário para a satisfação do seu crédito, sem sofrer a competição dos credores do adquirente» [9].
Ora, esta decisão só pode ter efeitos úteis em relação aos executados H…, Lda., e G…, se ela puder ser efectivada no confronto com eles, pois se tal não ocorrer a sentença não produzirá qualquer efeito do ponto de vista da tutela que o credor procurou ao instaurar a acção [10].
É precisamente este efeito que o n.º 3 do artigo 271.º, do anterior Código de Processo Civil (e n.º 3 do artigo 263.º actual), implementa na ordem jurídica, tutelando a posição da parte estranha à transmissão através da extensão dos efeitos da decisão, aos subadquirentes.
Que efeitos? Naturalmente os efeitos produzidos pela decisão, pela declaração de ineficácia das vendas impugnadas através da acção, nas quais se alicerçaram as vendas posteriores.
Verifica-se também que em processo executivo é possível nomear e penhorar bens de terceiro, desde que, segundo a lei substantiva, possam responder pela dívida que se executa.
Neste caso, a lei exige que a execução seja dirigida também contra o titular desses bens, como se vê pelo disposto no artigo 821.º, n.º 2 do Código de Processo Civil («Nos casos especialmente previstos na lei, podem ser penhorados bens de terceiro, desde que a execução tenha sido movida contra ele») – redacção em vigor à data da instauração da execução.
No caso dos autos, como a impugnação pauliana foi julgada procedente, opera-se juridicamente um retorno dos bens ao património do devedor e a lei permite que o credor possa executar os bens no património do adquirente, neste caso, no património do executado G… [11] e, daí, a sua demanda.
d) Vejamos agora as objecções colocadas pela Recorrente.
I - A Recorrente dirige a sua argumentação na defesa dos interesses dos executados H…, Lda., e G…, referindo que estes executados não foram partes na acção de impugnação pauliana e sendo assim os bens destes não podem ser atingidos pela presente execução.
A este respeito cumpre referir que esta afirmação não é totalmente exacta, pois dos factos provados consta que a sociedade H…, Lda., foi chamada a intervir na acção.
A Recorrente cita a propósito o acórdão desta Relação de 3 de Julho de 2003, proferido no processo referenciado pelo n.º 0322757 (em www.dgsi.pt).
Considerou-se efectivamente neste acórdão, que não pode ser chamado a intervir na acção executiva um adquirente subsequente de um bem recebido de um anterior subadquirente em relação ao qual procedeu a acção de impugnação pauliana.
A Recorrente sustenta, por isso, que os executados G… e H…, Lda., não podem ser demandados na acção executiva porque nenhuma obrigação recai sobre estes no sentido de restituírem o bem ao devedor, pois estes executados não foram demandados em acção pauliana.
Como resulta do exposto, não se pode concordar com esta argumentação, pois já se deixou dito que a partir do momento em que as alienações posteriores, em relação àquela que é objecto de impugnação pauliana, ocorrem na pendência da acção de impugnação, tais alienações são afectadas e têm o mesmo destino que tiver o pedido formulado na acção de impugnação, por força do disposto no n.º 3 do artigo 263.º do Código de Processo Civil (salvo nas situações excepcionadas na 2.ª parte deste n.º 3).
II - Por isso, não se torna necessário demonstrar, nos termos do artigo 613.º do Código Civil, que os subadquirentes H…, Lda., e G… agiram de má fé.
Não se torna necessário fazer tal prova porque a aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 263.º do Código de Processo Civil o dispensa.
Já seria necessário mostrar essa má fé dos subadquirentes, por exigência do artigo 613.º do Código Civil, se as vendas tivessem sido anteriores à instauração da acção de impugnação pauliana, ou seja, se os subadquirentes não tivessem adquirido coisa litigiosa, como adquiriram.
É neste condicionalismo que deverá ser interpretada a posição de Vaz Serra assinalada pela recorrente, pois este Autor não analisou a matéria na perspectiva da transmissão de coisa ou direito litigiosos.
Efectivamente Vaz Serra referiu que «Os subadquirentes adquiriram do verdadeiro titular do direito, pelo que a sua aquisição não se torna ineficaz pelo simples facto de ser julgada procedente a acção contra o primitivo adquirente; para que possam ser obrigados, é necessário que sejam, por seu lado, accionados e se verifiquem, a seu respeito, os requisitos gerias da acção (Cód. Civil, art.º 613.º)» [12].
Esta afirmação corresponde à regulação de interesses consagrada no mencionado artigo 613.º do Código Civil, mas esta regulação de interesses não invalida a regulação de interesses que também se encontra prevista na 1.ª parte do n.º 3, do artigo 263.º do Código de Processo Civil (correspondente à 1.ª parte do n.º 3, do artigo 263.º).
Isto é, as normas do artigo 613.º do Código Civil valem na sua plenitude fora dos casos em que seja de aplicar o disposto no artigo 263.º do Código de Processo Civil e devem ser harmonizadas com as normas deste último dispositivo processual quando tenha existido venda de coisa ou direito litigiosos na pendência de uma acção de impugnação pauliana.
III - A Recorrente alega ainda que quando o prédio agora nomeado à penhora foi vendido à recorrente B… e à executada H…, Lda., ainda não tinham sido citados todos os primitivos réus para os termos da referida acção pauliana e por isso não lhe era permitido deduzir incidente de intervenção principal para fazer intervir a executada H…, Lda., carecendo de deduzir um pedido específico contra esta adquirente.
De qualquer forma, não só não dirigiu a acção pauliana contra a adquirente H…, Lda., como não requereu nessa acção o incidente de habilitação de cessionário.
Destas considerações a Recorrente conclui que a decisão obtida na impugnação pauliana não faz caso julgado em relação aos subadquirentes G… e H…, Lda.
Não tem razão.
Em primeiro lugar, quando o prédio agora nomeado à penhora foi vendido pela recorrente B… à executada H…, Lda., a ora recorrente já tinha sido citada para a acção pauliana e, por outro lado, como já se disse, a executada H…, Lda., foi chamada a intervir na acção de impugnação pauliana.
Ora, tendo sido chamada, tal chamamento não pode ser avaliado na presente acção quanto à sua validade processual.
Em segundo lugar, o facto de ainda não estarem citados todos os réus na acção de impugnação pauliana, não constituía obstáculo a que fosse deduzido o chamamento, mas ainda que constituísse um obstáculo, tal chamamento foi requerido e admitido.
Por fim, a promoção, por iniciativa do autor da acção de impugnação pauliana, do incidente de habilitação de cessionário não é requisito para a produção dos efeitos assinalados pelo n.º 3 do artigo 263.º (antigo artigo 271.º) do Código de Processo Civil, pois tal requisito não é exigido [13] e não sendo exigido pela norma não deve o tribunal exigi-lo, sob pena de ofender a confiança do cidadão no texto da lei e de promover a insegurança no comércio jurídico.
Concluindo:
Em processo executivo é possível nomear e penhor bens de terceiro, desde que, segundo a lei substantiva possam responder pela dívida que se executa.
A lei exige que a execução seja dirigida também contra o titular desses bens, como se vê pelo disposto no artigo 821.º, n.º 2 do Código de Processo Civil («Nos casos especialmente previstos na lei, podem ser penhorados bens de terceiro, desde que a execução tenha sido movida contra ele») – redacção em vigor à data da instauração da execução.
No caso da impugnação pauliana ser julgada procedente, opera-se juridicamente um retorno dos bens ao património do devedor e a lei permite que o credor possa materialmente executar os bens no património do adquirente, neste caso, no património do executado G….
Improcede, pelo exposto, o recurso.
IV. Decisão.
Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
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Porto, 16 de Março de 2015
Alberto Ruço
Correia Pinto
Ana Paula Amorim.
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[1] «Não pode deixar de considerar-se taxativa a menção feita no artigo 668.º. (…) Desde que o artigo não insere as palavras «entre outras» ou «além de outras» ou palavras semelhantes que imprimam à enumeração carácter exemplificativo, tem de entender-se que a sentença de tribunal singular só é nula quando se verifique algum dos casos previstos no artigo» - Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 137, (reimpressão), Coimbra Editora/1984.
[2] Idem, pág. 145.
[3] Cfr. o cabeçalho do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31-10-2006 a fls. 16 a 23 da execução.
[4] Com refere Paula Costa e Silva, «Afirmando-se que é litigioso o direito que constitui o objecto processual, parece coerente concluir que a litigiosidade surge com a propositura da acção. Porém, e quanto ao réu, a situação material somente se pode considerar litigiosa depois da sua citação. Este o regime geral constante do art. 267.º, que não é afastado por qualquer outra regra. Assim, diremos que, sem pendência processual, não pode o direito ser litigioso, pois que esta característica pressupõe a existência de um conflito de interesses processualizado»- Um Desafio à Teoria Geral do Processo. Repensando a Transmissão da Coisa ou Direito em Litígio, Ainda um Contributo para o Estudo da Substituição Processual. Coimbra Editora, 2009, pág. 82. E mais à frente, «Deste modo, o direito litigioso, porque determinante da legitimidade das partes, pressuposto que, na sua conformação singular, tem de estar verificado desde a propositura da acção, estará fixado a partir deste momento» - idem, pág. 83.
[5] Ob. cit., pág. 35.
[6] Ob. cit., pág. 39.
[7] Comentário ao Código de Processo Civil, Vol 3.º, Coimbra editora, 1946, pág. 77.
[8] De referir que a acção pauliana não se encontra legalmente sujeita registo.
Decidiu neste sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 6/2004, de 27 de Maio de 2003, para uniformização de jurisprudência: «A acção pauliana individual não está sujeita a registo predial».
[9] Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7.ª edição (reimpressão). Coimbra, Almedina, 1999, pág. 457.
[10] Como assinalou Antunes Varela, «…o fundamento jurídico da pauliana está na lesão da consistência prática do direito de execução, considerada como fonte de ineficácia do acto jurídico em face dos credores» - Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 3141, pág. 383.
[11] Neste sentido, ver o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27-02-2003, em http://www.gdsi.pt, processo n.º 0230603: «I - No caso de impugnação pauliana procedente o credor pode executar os bens que por força da alienação são propriedade de terceiro. II - Nesse caso, a execução deve ser movida também contra o terceiro adquirente, dono do bem (artigo 821 n. 2 do Código de Processo Civil). III - Se apenas foi demandado o devedor constante do título e depois se nomeia à penhora bens do terceiro adquirente, nada obsta a que se faça intervir na acção executiva esse terceiro através do respectivo incidente (artigos 320/325 do Código de Processo Civil)».
[12] Revista de Legislação e de Jurisprudência. Ano 111, pág. 156, repetindo o que já havia escrito anteriormente no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 75, pág. 295.
[13] Defendendo a relevância da habilitação a promover pela parte estranha à transmissão, se houver conhecimento nos autos dos respectivos pressupostos, ver Paula Costa e Silva, ob. cit., pág. 326.