Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
938/15.0TXPRT-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LÍGIA FIGUEIREDO
Descritores: REVOGAÇÃO DA LIBERDADE CONDICIONAL
REMANESCENTE A CUMPRIR
REGIME LEGAL
Nº do Documento: RP20181031938/15.0TXPRT-D.P1
Data do Acordão: 10/31/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º47/2018, FLS. 3-7)
Área Temática: .
Sumário: I – Assente que, por força do disposto no artigo 64º, nº 3, em relação à pena que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61º.ambos os preceitos do Código Penal, a pena a considerar para efeito deste último normativo é a pena originária aplicada e não o seu remanescente.
II – Consequentemente, se a liberdade condicional revogada tiver sido concedida aos cinco sextos do cumprimento da pena, o recluso não terá direito a nova liberdade condicional, independentemente do resto que faltar cumprir.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 1ª secção criminal
Proc. nº 938/15.0TXPRT-D.P1
Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO:
No processo de liberdade condicional n.º 938/15.0TXPRT-A.P1 referente a B… foi proferido despacho de liquidação da pena efectuada pelo MP nos seguintes termos: (fls.42-43) transcrição:
(…)
Tomei conhecimento da doma promoção do Digno Procurador da República.
Autos de condenação: processo n° 96/97.OGBBCL
Remanescente da pena a cumprir após revogação da liberdade condicional: 2 anos, 5 meses e 6 dias
Data de início de cumprimento do remanescente: 08/05/2018
Termo da pena: 14/10/2020
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Face ao exposto, concordo com o cômputo de pena — quanto ao termo — efetuado pelo Ministério Público e homologo-o, nos termos do art. 185°, 8 do CEP.
Notifique o Ministério Público e o condenado.
Comunique aos autos da pena em execução e aos demais das penas a cumprir. Remeta cópia ao EP para junção ao processo individual do recluso.
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Encontra-se novamente em execução a pena de prisão de l6 anos (reduzida a 14 anos e 7 meses de prisão — Lei n°29/99, de 12 de maio) no âmbito da qual foi aplicado a B…, identificado nos autos, o regime de liberdade condicional, posteriormente revogado devido ao incumprimento de condições (designadamente, não manteve a residência fixada, não se sujeitou à tutela da DGRSP e ausentou-se para local desconhecido).
Tendo o condenado beneficiado de liberdade aos cinco sextos da pena (em 23/08/2007), não é aplicável o regime da renovação anual da instância previsto no artigo 180º, n° 1 do CEP, cujo âmbito de aplicação se circunscreve, no dizer dessa norma, aos “casos em que a liberdade condicional não tenha sido concedida”, o que, manifestamente, não traduz a situação em presença.
Tem assim de se concluir que, no caso dos autos, a pena ora (novamente) em execução em resultado de revogação de liberdade condicional, reconduzindo-se a um remanescente de 2 anos, 5 meses e 6 dias de prisão’, há-de ser cumprida por inteiro, com o que, por força da realidade jurídica em causa, sofre limitação a regra consagrada no artigo 64°, n° 3 do Código Penal.
Pelo exposto, entende-se não haver lugar a renovação da instância no âmbito da pena dc prisão ora em execução, a qual será, em consequência, integralmente cumprida em regime de prisão efetiva e, em consequência, indefere-se o requerido a fis. 367-369. Notifique (o Digno Procurador da República, o recluso e o seu mandatário), e comunique (ao EP e à equipa de reinserção social).
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Após trânsito, remeta cópia da presente decisão ao processo da condenação (96/97.OGBBCL), para emissão de mandado de libertação por termo de pena (previsto para 14/10/2020).
(…)
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Inconformado, o Magistrado do Ministério Público interpôs recurso, no qual formula as seguintes conclusões:
(…)
1.O condenado B… cumpre o remanescente da pena aplicada no processo 96/97.0GBBCL correspondente a 2 anos, 5 meses e 6 dias resultante de revogação de liberdade condicional de que aí beneficiou.
2. Não lhe cabe cumprir qualquer outra pena.
3. O despacho recorrido entendeu que o art. 612 Cód. Penal e 180ºnº2 Cód. Execução das Penas não são aplicáveis ao remanescente de peno decorrente de revogação de liberdade condicional aos 5/6 da pena.
4. Mas, este remanescente de pena, por ser cumprido isoladamente, deve ser tratado como uma pena nova.
5. Pelo que deve ser apreciada a liberdade condicional quanto ao mesmo, em termos idênticos aos de outra pena.
6. Como se prevê nos artº. 64., nº 2 e 3 e 612 Cód. Penal.
7. E a jurisprudência dos Tribunais superiores vem defendendo.
8. Deve pois o despacho recorrido ser revogado na parte recorrida e substituído por outro que estabeleça os marcos de reapreciação da concessão de liberdade condicional.
9. Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.
(…)
Não foi apresentada resposta.
Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu fundamentado parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida.
Cumprido que foi o disposto no artº 417º nº2 do CPP não foi apresentada resposta.
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Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
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À decisão dos autos relevam as seguintes ocorrências processuais:
O condenado B…, cumpre a pena de 14 anos e 7 meses de prisão (da pena inicial de 16 anos e 8 meses, após perdão) à ordem do proc.comum nº 96/97.0 do 1º J Barcelos.
Em cumprimento de decisão de 25/7/2007 foi colocado em Liberdade condicional em 23/8/2007 aos 5/6 da pena.
Por decisão de 4/3/2008 foi revogada a liberdade condicional concedida e e determinada a execução da pena de prisão ainda não cumprida no âmbito do processo nº96/07 do 1º Juízo de Barcelos.
Detido que foi o condenado para cumprimento daquela pena, o MP procedeu à liquidação da pena e promoveu a reabertura da instância da liberdade condicional tomando por referência o meio do remanescente da pena a cumprir nos seguintes termos:
(…)
() recluso obteve liberdade condicional para o período compreendido entre 23/8/2007 e 29/1/2010, correspondente a 2 anos, 5 meses e 6 dias. Tal liberdade condicional veio a ser revogada e o recluso retomou o cumprimento de tal remanescente de pena 8/5/2001.
Terminará assim o cumprimento do remanescente de pena aplicada no processo 96/97.0GBI3CL em 14-10-2020.
O meio (deste remanescente de pena terá lugar em 26-7-2019 e os 2/3 22-12-2019.
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A liberdade condicional foi concedida aos 5/6 da pena 14 anos e 7 meses de prisão aplicada no aludido processo 96/97.0GBBCL.
Não há conhecimento de qualquer outra pena a ser cumprida pelo recluso.
Apesar de a jurisprudência se dividir quanto à ocasião de renovação da instância em caso de cumprimento de remanescente de pena decorrente de revogação da liberdade condicional isoladamente (i. e. em situações em que não haja outras penas de prisão a cumprir), v.g. Ac. T.H.C. de 16-2-2017 in www.dgsi.pt/jtrc, proferido no processo 616/1.TXCBR, somos de opinião que a renovação da instância deve ter lugar por referência à parcela concreta da pena que resta cumprir (até pela distância temporal à data em que foi concedida) em vez de retomada a normal renovação da instância desde a última vez que foi apreciada, que no caso seria de 1 anos após a data em o recluso reingressou no E.P.,uma vez que a liberdade condicional foi já concedi da por referência a os 5/6 da pena.
Assim sendo somos de opinião que se deverá proceder à abertura de instância de liberdade condicional tomando por referência o meio do remanescente de pena a cumprir (26-7.2019 ).
O recluso poderá desde já requerer a adaptarão a liberdade condicional.
Face a tudo o que vem exposto, p. se indefira o requerido a fls.369
(…)
Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, há que decidir as seguintes questões:
Se o remanescente de uma pena resultante da revogação da liberdade condicional deve ser tratado como uma nova pena e não reportada à pena originária.
Se tendo o condenado beneficiado já da liberdade condicional aos 5/6 da pena, deverá em relação remanescente resultante da revogação da liberdade condicional ser efectuado o cômputo do meio da pena e dos 2/3 para efeitos de liberdade condicional.
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II - FUNDAMENTAÇÃO:
A questão que importa decidir nos autos é a de saber se no caso de revogação da liberdade condicional a para efeitos de aplicação do artº 64º nº3 do CP a contagem da pena deve ser efectuada relativamente à pena original ou considerando apenas o remanescente.
Nota-se que no caso dos autos não está em causa uma situação de cumprimento de penas sucessivas, o que exclui à partida a ponderação do disposto no artº 63º nº3 do CP, mas antes o cumprimento de uma pena isolada em relação ao qual foi já concedida a liberdade condicional aos 5/6 da pena.
Por força da decisão de revogação da liberdade condicional o condenado tem a cumprir à ordem do proc. comum nº96/97 do 1º Juízo de Barcelos, 2(dois) anos 5 (cinco) meses e 6 (seis) dias de prisão.
O digno recorrente sustenta que este remanescente da pena originária deve ser considerado como uma pena autónoma para efeito de concessão da liberdade condicional, apoiando-se além do mais na fundamentação do Ac de 30/19/2014 do STJ proferido no proc. 181/13.3TXPRT no qual de perfilha o entendimento de que “.Nos presentes autos, o requerente já beneficiou de liberdade condicional em relação à pena inicialmente fixada; não aproveitou a oportunidade e violou os deveres de conduta que lhe tinham sido impostos. Ao iniciar o cumprimento do remanescente, relativamente a este, uma nova liberdade condicional terá que ser avaliada; e só com base neste remanescente. Na verdade, relativamente à pena inicialmente fixada já beneficiou daquela, sendo agora outra a pena que permite nova concessão de liberdade condicional.”.
Porém, conscientes das divergências doutrinais e Jurisprudenciais sobre tal questão, que o Srº Procurador da Republica elucidativamente expõe no seu parecer, e bem enunciadas no ac. desta Relação de 26/4/17 aí citado, com o devido respeito, não perfilhamos o entendimento do Digno recorrente.
Assente que por força do disposto no artº 64º nº3 do CP, em relação à pena que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artº 61ºdo CP, entendemos que a pena a considerar para efeito deste último preceito é a pena originária aplicada e não o remanescente dessa pena.
Afigura-se que a referência no artº 64º nº3 do CP, de que a nova liberdade condicional é feita nos termos do artº 61º do CP, deverá ser interpretada no sentido de que os momentos em que a mesma pode ser apreciada, terão de ser os fixados neste último preceito, vale dizer, cumpridos que estejam metade da pena, dois terços da pena para a liberdade facultativa e cinco sextos da pena no caso de penas superiores a seis anos de prisão.
Ora, a pena é a pena originariamente aplicada e não o seu remanescente, sedo que o nº2 do artº estabelece que “A revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida.
Neste sentido pronunciaram-se os acórdãos desta Relação de 12/9/2018, proferido no proc. 1374/10.0TXCBR-G.P1 e o acórdão de 26/4/2017 proferido no proc.441/13.3TXPRT-L.P1, em casos em que o condenado ainda não havia beneficiado da liberdade condicional aos 5/6 da pena, tendo-se escrito neste último acórdão que, “Do que temos vindo a dizer decorre já que aderimos à tese interpretativa de que após uma revogação da liberdade condicional, para os efeitos do artigo 64º nº 3, o cômputo dos prazos do artigo 61º se faz tendo em conta toda a pena originária e não apenas a parte dela não cumprida. Quer isto dizer que um arguido libertado a meio ou aos dois terços de uma pena de prisão superior a 6 anos e que viu a liberdade condicional revogada beneficiará ainda da libertação ope legis aos cinco sextos da pena. Consequentemente, se a liberdade condicional revogada for a concedida aos cinco sextos da pena, o recluso não terá direito a nova liberdade condicional, independentemente do resto que faltar cumprir...” (negrito nosso)
Também no referido acórdão de 12/9/2018 fundamentou-se a consideração da pena total inicial e não do remanescente da mesma nos seguintes termos: “.Deste modo, nada permite a interpretação de que, na execução da pena “ainda não cumprida”, deva ter-se em consideração esta medida da pena, para efeitos de determinação do momento em que são atingidos a metade, os dois terços ou cinco sextos da mesma. Na verdade, sem uma referência expressa ou pelo menos inequívoca do legislador, não é legítimo ver no remanescente da pena (por cumprir) uma pena autónoma, para efeitos de aplicação do regime da liberdade condicional. Note-se que quando o condenado se encontra em liberdade condicional está ainda em cumprimento de pena. A revogação desse regime coloca o condenado no cumprimento dessa pena, agora em reclusão. Mas, em boa verdade, trata-se da mesma pena e, portanto, o tempo que falta cumprir reporta-se (como não podia deixar de ser) à mesma pena.
Pensamos assim que, em caso de revogação da liberdade condicional, o art. 64º, 3, do CP permite a aplicação de nova liberdade condicional, desde que verificados os respectivos requisitos, tomando como medida da pena, para esse efeito, a que lhe foi aplicada e não a que falta cumprir..”
Perfilhando nós este entendimento, e tendo o arguido beneficiado já da liberdade condicional aos 5/6 da pena de 14 anos e 7 meses de prisão, claro se torna de que não pode beneficiar de nova liberdade condicional, e não haver como tal lugar à renovação da instância nos termos do artº 180º nº 1 do CP, tal como decidiu o despacho recorrido.
Como realça o MP nesta Relação, também a natureza e finalidades subjacentes ao instituto da liberdade condicional apontam neste sentido, conforme se extrai do ponto 9 da introdução do Código Penal DL.nº 400/82 de 23 de Setembro, quando aí se escreveu: “É no quadro desta política de combate ao carácter criminógeno das penas detentivas que se deve ainda compreender o regime previsto nos artigos 61º e seguintes para a liberdade condicional. Definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a liberdade condicional serve, na política do Código, um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar, o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito de reclusão.”, não podendo ser intenção do legislador que alguém que nunca reuniu os pressupostos materiais, e veio a ser apenas libertado aos 5/6, possa vir a beneficiar de nova liberdade condicional.
Improcede pois o recurso.
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III – DISPOSITIVO:
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Publico e confirmar a decisão recorrida.
Sem tributação (artº 522º do CPP)

Elaborado e revisto pela relatora

Porto, 31/10/2018
Lígia Figueiredo
Neto de Moura