Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1488/12.2TBFLG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
JUNÇÃO DE DOCUMENTO COMPROVATIVO
PEDIDO
INTERRUPÇÃO DO PRAZO EM CURSO
Nº do Documento: RP201612061488/12.2TBFLG-A.P1
Data do Acordão: 12/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 744, FLS.9-14)
Área Temática: .
Sumário: I – Não se mostra gravoso para o requerente do Apoio Judiciário, em termos de lesar o seu direito de aceder à Justiça, exigir que ele documente nos autos a apresentação do requerimento de Apoio nos serviços de segurança social, no prazo judicial em curso, para que este se interrompa, pois que se trata de uma diligência que não exige quaisquer conhecimentos jurídicos e que, portanto, a parte pode praticar por si só, com o mínimo de diligência a que, como interessado, não fica desobrigada pelo facto de se encontrar numa situação de carência económica.
II – Da mesma forma, se inexiste alerta, na citação efectuada, da possibilidade de recurso ao Apoio Judiciário, tal não coloca em causa as modalidades de garantia da via judiciária, a que alude o disposto no artº 20º CRP, conjugadas com um princípio de proporcionalidade em sentido estrito, de justa medida e de expectativa de um comportamento razoável por parte do visado no acto de citação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ● Rec.1488/12.2TBFLG-A.P1. Relator – Vieira e Cunha. Adjuntos – Des. Maria Eiró e Des. João Proença Costa. Decisão de 1ª instância – 7/7/2016.
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Súmula do Processo
Recurso de apelação interposto na acção com processo especial de oposição à execução por embargos de executado nº1488/12.2TBFLG-A, da comarca do Porto Este, Instância Central, Secção de Execução (Lousada).
Apelante / Executado / Oponente – B….
Exequente – Banco C…, S.A.

O requerimento executivo foi proposto em 22/8/2012.
A citação da Executada ocorreu em 29/12/2015.
A oposição à execução foi apresentada em juízo em 18/4/2016.
A presente oposição à execução foi interposta em juízo na data de 1/9/2009. Foi acompanhada de documento comprovativo do deferimento, pelos competentes serviços da Segurança Social, do requerimento de protecção jurídica, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e de demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento de compensação de patrono.
Recebida em juízo a referida oposição, foi proferido despacho liminar de indeferimento, nos seguintes termos:
“Compulsados estes autos e o processo principal de execução verifica-se que a executada, quando apresentou os seus embargos de executado, já o fez para além do prazo legal, uma vez que não juntou previamente aos autos os documentos comprovativos do pedido de apoio judiciário formulado e, por isso, não chegou a interromper o prazo em curso para deduzir embargos (cfr. o art. 24º, n.ºs 4 e 5, da LAJ e o Ac. da RP de 13/07/2011, processo n.º 1558/09.6TBVNG-A.P1, in www.dgsi.pt).”
“Pelo exposto, por serem manifestamente extemporâneos, indefiro liminarmente os presentes embargos de executado, nos termos do art. 732º, n.º 1, al. a), do CPC.”
“Custas a suportar pela executada/embargante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia nesta parte.”
De tal despacho vem interposto recurso de apelação.

Conclusões do Recurso de Apelação:
1. A ora Recorrente foi citada por Agente de Execução para a execução à qual os presentes embargos correm por apenso, em 29.12.2015, para, em 20 dias, pagar ou se opor à execução através de embargos de executado, sendo para tal obrigatória a constituição de Advogado.
2. A nota de citação é omissa quanto à possibilidade conferida à Executada de requerer, no âmbito do apoio judiciário, a nomeação de patrono e, com conhecimento aos autos, interromper o decurso do referido prazo de oposição até à nomeação de patrono.
3. A citação mencionada em 1. foi efectuada em pessoa diversa da citanda, pelo que, por notificação de 17.01.2016, o Senhor Agente de Execução fez saber à Executada, ora Recorrente, que ao prazo indicado na nota de citação acresce uma dilação de 5 dias.
4. A Recorrente requereu junto dos competentes serviços do Centro Distrital de Leiria do Instituto da Segurança Social, em 29.01.2016, o benefício de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo e ainda de nomeação e pagamento da compensação de patrono, não tendo no entanto comunicado a promoção de tal procedimento administrativo aos autos de execução.
5. Em 29.03.2016, o Centro Distrital de Leiria do Instituto da Segurança Social remeteu aos autos de execução um ofício no qual deu conta do deferimento do requerimento de protecção jurídica formulado pela Executada para intervir naqueles autos de execução, tendo sido concedido o benefício de apoio judiciário nas modalidades de (1.) dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de (2.) nomeação e pagamento da compensação de patrono
6. Em tal ofício, o Instituto da Segurança Social informa ainda o processo de apoio judiciário deu entrada no dia 29.01.2016.
7. Em 22.03.2016, a Ordem dos Advogados já havia informado os autos de execução da nomeação de patrono à Executada.
8. Entre a nota de citação, junta pelo Senhor Agente de Execução em 17.01.2016 e a informação proveniente da Ordem dos Advogados junta em 22.03.2016, não se verificou qualquer movimentação processual nos autos de execução.
9. A Recorrente, apresentou o seu requerimento de embargos de executado em 18.04.2016.
10. Por D. despacho de fls.. proferido em 07.07.2016, ora recorrido, a apresentação do requerimento de embargos executado foi considerada intempestiva, o que determinou o indeferimento liminar dos embargos, nos seguintes termos (transcrição): «(…)»
11. Como é consabido, o sistema de acesso ao direito e aos tribunais estabelecido, além do mais, pela Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, cumpre o imperativo constitucional assegurado pelo artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual a ninguém deve ser denegada a justiça por insuficiência de meios económicos.
12. Por outro lado, como é igualmente consabido, o cidadão comum não tem, por regra, os conhecimentos técnicos e funcionais necessários ao exercício da defesa dos seus interesses e direitos em processos judiciais.
13. A esta conveniência técnica junta-se a obrigatoriedade da constituição de advogado nas acções em que seja admissível recurso, conforme imposto pelo artigo 40.º, n.º 1 do CPC.
14. O patrocínio judiciário assume assim uma dimensão que ultrapassa a mera defesa dos interesses privados das partes em juízo, ascendendo ainda a uma dimensão de interesse público, na medida em que constitui uma peça determinante para a boa administração da justiça.
15. E esta dimensão pública está igualmente patente no texto constitucional e no sistema de acesso ao direito estabelecido pela Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, ao assegurar, além do mais, o patrocínio judiciário a quem demostre não possuir capacidade financeira para constituir advogado.
16. Voltando ao caso presente, a Recorrente foi citada, no âmbito de uma instância executiva, para, em determinado prazo, pagar a quantia reclamada pela Exequente ou, no mesmo prazo, opor-se à execução através da apresentação de embargos, sendo que, na mesma notificação, é alertada – em face do valor da acção – para a circunstância de, querendo opor-se, ter obrigatoriamente que constituir advogado.
17. Sublinha-se – e lamenta-se – o facto de a citação ser absolutamente omissa quanto à questão do apoio judiciário. Ou seja, a Executada é notificada para pagar ou se defender, nesta última opção obrigatoriamente mediante constituição de advogado. Mas é omissa quanto à possibilidade da executada, em face de incapacidade económica para o efeito, poder requerer a nomeação de patrono, no mesmo prazo que lhe foi concedido para pagar ou opor-se à execução. E, não menos importante, de informar o processo, no mesmo prazo, que aguarda a nomeação de patrono. De resto, face à extensão das menções que constam da nota de citação – a maioria das quais absolutamente indecifráveis para o comum dos mortais – mal se compreende tal omissão.
18. O que é certo é que a Executada, no prazo que lhe foi concedido, requereu, de facto, junto dos competentes serviços da Segurança Social, o benefício do apoio judiciário nas modalidades de isenção de custas e encargos e de nomeação e compensação de patrono. Ou seja, demonstrou vontade em defender-se e preocupou-se em procurar ajuda, face à incapacidade de constituir advogado e assumir os respectivos encargos. Para tanto, muniu-se da necessária documentação à instrução do processo administrativo, preencheu os respectivos formulários e apresentou-os nos respectivos serviços.
19. Numa palavra, confiou na entidade pública a quem se dirigiu e confiou na eficiência do Estado em assegurar-lhe que a sua parca situação financeira não a iria impedir ou dificultar a defesa dos seus interesses em juízo. Aliás, como manda a Constituição e como é suposto acontecer num verdadeiro Estado de Direito Democrático.
20. Mas falhou uma etapa! Não informou o Tribunal do requerimento de apoio judiciário que havia formulado junto dos serviços da Segurança Social.
21. E porque não o fez? Mostrou preocupação e diligência ao recorrer ao instituto do apoio judiciário, com tudo o que isso implicou em termos de empenho, na expectativa de não se ver impedida de defender os seus direitos e interesses em juízo e, na linha final, perdeu pura e simplesmente tal preocupação e diligência? É evidente que não!
22. A resposta a estas questões, como decorre do senso comum e da decorrência lógica dos acontecimentos, é evidente: A Executada, ora Recorrente, não estava devidamente informada a este propósito.
23. Como se constatou, a nota de citação é absolutamente omissa quanto à possibilidade de requerer a nomeação de patrono e da possibilidade que tal possibilidade abre em termos de interrupção do curso do prazo para a apresentação da oposição.
24. E, como se afigura evidente, igualmente pela decorrência lógica e racional dos acontecimentos, a Recorrente não foi alertada na Segurança Social para a necessidade de comunicar ao Tribunal a promoção do pedido de apoio judiciário, nomeadamente para efeitos de interrupção do prazo em curso – diga-se, aliás, como era obrigação moral e funcional daqueles serviços. Sempre por decorrência lógica e racional, é evidente que se a Recorrente tivesse alertada para tal circunstância, não teria deixado de fazer tal comunicação ao Tribunal. Dito de outro modo, não deitaria tudo a perder por causa dessa omissão.
25. Com todo o respeito, estas considerações não são inócuas em termos do exercício da interpretação da norma do artigo 24.º, n.º 4 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, nomeadamente à luz dos imperativos constitucionais insertos nos artigos 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa.
26. Desde logo se verifica que a norma não é taxativa a propósito de a quem impende a obrigação de comunicação ao processo judicial da promoção do procedimento administrativo.
27. Dir-se-á – é certo – que o interessado nessa interrupção do prazo é, em primeira linha, o requerente e, nessa decorrência, é legítimo supor que a ele caberá tal ónus.
28. Porém, se em termos de interpretação da norma nos ficássemos por aqui, o preço de tal omissão seria demasiado pesado, face ao conjunto de interesses – públicos e privados – em causa.
29. E aqui voltamos a chamar à colação o interesse público subjacente à norma, repete-se, o assegurar que a ninguém, em função de insuficiência de meios económicos, seja dificultado ou impedido o exercício dos seus direitos em juízo! Repete-se, por imperativo constitucional.
30. Mais, as consequências de tal omissão, a saber, o incumprimento de prazo para defesa de direitos em juízo no momento que se aguarda a nomeação de patrono, com a consequente impossibilidade de vir a exercer tais direitos – como sucede in casu – resultam de tal forma injustas, excessivas e desproporcionais que, com todo o devido respeito, a interpretação da norma do artigo 24.º, n.º 4 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Junho, impõe devidas cautelas, designadamente em face da proibição do excesso resultante dos princípios da confiança, do equilíbrio, da proporcionalidade e, a final, da justiça material, princípios estes estruturantes do Estado de Direito Democrático, tal qual configurado pelo artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.
31. A acrescer a tal ponderação, impõe-se relembrar o princípio da proibição da indefesa consagrado, além do mais, no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
32. E voltando ao caso presente, relembremos que (1.) na nota de citação é conferida a possibilidade à Executada de apresentar oposição à execução, em determinado prazo, porém com constituição obrigatória de Advogado, (2.) a nota de citação é omissa quanto à possibilidade da Executada em requerer a nomeação de patrono no âmbito do apoio judiciário e, por essa via, com comunicação aos autos, interromper o dito prazo até à nomeação de patrono, (3.) a Executada, no decurso do prazo para de opor à execução, requereu junto da Segurança Social, a nomeação de patrono, (4.) como resulta de decorrência lógica e racional, a Executada não comunicou aos autos tal pedido por desconhecimento, desconhecendo igualmente as respectivas consequências, (5.) a Segurança Social comunicou aos autos a nomeação de patrono, após o decurso do prazo, com indicação da data em que foi promovido o respectivo procedimento administrativo e (6.) no período compreendido entre a citação e a informação aos autos da nomeação de patrono, não se verificou qualquer movimentação processual nos autos de execução.
33. Neste enquadramento, será legítimo impor à Recorrente, e face à sua omissão, um preço tão elevado? Com todo o respeito, parece-nos que não.
34. De modo que, sempre com todo o devido respeito, o Tribunal a quo, em face deste circunstancialismo, procedeu a uma incorrecta interpretação da norma do artigo 24.º, n.º 4 da Lei n.º 34/2004, de 28 de Julho, designadamente, porque a comunicação oficiosa do pedido de nomeação de patrono e sua procedência efectuada pela Segurança Social aos autos de execução, sempre deveria ter por virtualidade impor a interrupção do prazo de oposição à execução e o reinício do seu curso com a nomeação do patrono e, consequentemente, considerar como tempestiva, a apresentação dos embargos de executado de fls..
35. Sendo que a norma do artigo 24.º, n.º 4 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, será inconstitucional, por violação da proibição do excesso resultante dos princípios da confiança, do equilíbrio, da proporcionalidade e a final, da justiça material, princípios estes estruturantes do Estado de Direito Democrático, tal qual configurado pelo artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, e bem assim, articuladamente, do princípio da proibição da indefesa consagrado, além do mais, no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, se interpretada no sentido de que, no âmbito de instância executiva, a informação oficiosa aos autos de execução, por parte da Segurança Social, de ter sido requerido pelo executado a nomeação de patrono, não terá por virtualidade interromper o prazo de oposição à execução por reporte à data em que foi promovido o procedimento administrativo de apoio judiciário, nomeadamente quando seja obrigatória a constituição de advogado e a respectiva nota de citação seja omissa quanto à possibilidade que é conferida ao executado, em caso de insuficiência de meios económicos, de vir a requerer, no âmbito do apoio judiciário, a nomeação de patrono e, por essa via, e com a comunicação aos autos, do prazo de oposição em curso ser interrompido até ao momento da nomeação de patrono.
Sempre com todo o devido e merecido respeito, o D. despacho a quo decidiu com base em erro nos pressupostos de facto e de direito, violando, além do mais, o disposto nos artigos 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa e 24.º, n.º 4 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho.
Factos Provados
Encontram-se provados os factos supra resumidamente expostos no relatório do presente acórdão, relativos à alegação das partes e aos termos do processo.
Fundamentos
A pretensão resultante do presente recurso de apelação será a de saber se a norma do artº 24º nº4 Lei nº34/2004 de 29/7 é inconstitucional, por violação da proibição do excesso resultante dos princípios da confiança, do equilíbrio, da proporcionalidade e da justiça material, princípios estruturantes do Estado de Direito Democrático, configurado pelo artº 2º CRP, e do princípio da proibição da indefesa do artº 20º CRP, se interpretada no sentido de que, no âmbito de instância executiva, a informação oficiosa aos autos de execução, por parte da Segurança Social, de ter sido requerido pelo executado a nomeação de patrono, não tem por virtualidade interromper o prazo de oposição à execução por reporte à data em que foi promovido o procedimento administrativo de apoio judiciário, nomeadamente quando seja obrigatória a constituição de advogado e a respectiva nota de citação seja omissa quanto à possibilidade que é conferida ao executado, em caso de insuficiência de meios económicos, de vir a requerer, no âmbito do apoio judiciário, a nomeação de patrono.
Vejamos pois.
I
A primeira nota que entendemos por bem salientar prende-se com o decurso do prazo para a dedução de embargos nos presentes autos.
Como a Recorrente reconhece, a citação para a acção executiva foi efectuada em pessoa diversa da citanda, pelo que, por notificação de 17/1/2016, o Agente de Execução fez saber à Executada que ao prazo indicado na nota de citação acrescia uma dilação de 5 dias.
Por outro lado, entre a nota de citação de 17/1/2016 e a informação nos autos, por parte da Ordem dos Advogados, da nomeação oficiosa de patrono à Executada, por parte da referida Ordem dos Advogados, em 22/3/2016, não se verificou qualquer movimentação processual nos autos de execução.
Daqui se segue, apodicticamente, que, na data referida de 22/3/2016, decorrera também já, por igual, o prazo para dedução de embargos nos autos, acrescida da respectiva dilação, pelo que o problema suscitado relativamente ao despacho recorrido não pode situar-se tout court em saber se a informação dada nos autos de que foi efectuado pedido de Apoio Judiciário na modalidade de nomeação de patrono valeria por igual caso tivesse sido efectuada, não pela beneficiária do Apoio (a ora Recorrente), mas, ou pela Ordem dos Advogados, ou pelo competente serviço da Segurança Social.
De todo o modo, no caso concreto, a primeira informação dada nos autos foi efectuada decorrido já o prazo a que se reportou o despacho em crise, isto é, o prazo para a dedução em concreto de embargos de executado nos presentes autos.
Assim, a questão a dilucidar prende-se tão só com a eventual inconstitucionalidade da exigência de comunicação nos autos do requerimento apresentado na Segurança Social, a fim de que o beneficiário veja suspenso o prazo judicial em curso, decorrente da citação, bem como a conjugação desta matéria com a omissão de informação (no acto de citação) da possibilidade conferida ao executado de requerer apoio judiciário.
II
A matéria que nos é colocada pelo presente recurso foi já tratada pelo Tribunal Constitucional, designadamente no Ac.T.C. 350/2016 de 7/6/2016, relatado pela Consª Mª de Fátima Mata-Mouros, e, como sobre a matéria, em boa verdade, nada vemos que haja a adiantar, permitimo-nos, com a devida vénia, citar parte relevante do texto do referido aresto (disponível a partir de www.oa.pt[1]), que segue:
“A norma sob escrutínio” (artº 24º nº4 Lei nº 34/2004 de 29/7, acrescento do presente relator) “dispõe sobre os efeitos da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo de concessão do apoio judiciário e da junção aos autos do documento comprovativo desse requerimento determinante da interrupção do prazo que estiver em curso.”
“(…) O benefício do apoio judiciário visa obstar a que, por insuficiência económica, seja denegada justiça aos cidadãos que pretendem fazer valer os seus direitos nos tribunais, decorrendo a sua instituição do imperativo constitucional plasmado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição.”
“Como o Tribunal Constitucional tem referido abundantemente, para cumprir tal imperativo não basta a mera previsão daquele instituto no ordenamento; impõe-se que seja dotado de uma modelação adequada à defesa dos direitos e ao acesso à Justiça, por parte daqueles que carecem dos meios económicos suficientes para suportar os encargos inerentes à instauração e desenvolvimento de um processo judicial, designadamente custas e honorários forenses.”
“Importa, pois, que a lei estabeleça medidas que também no plano processual permitam acautelar a defesa dos direitos do requerente do benefício do apoio judiciário. Em particular, se o pedido de apoio judiciário é formulado já na pendência de uma acção judicial há que conciliar o respeito pelos prazos previstos na respectiva tramitação com a possibilidade do seu cumprimento.”
“Quando o pedido de apoio tem por objecto a nomeação de patrono, as especificidades exigíveis para promover aquela conciliação adensam-se, uma vez que não é possível contar ainda com a representação daquela parte processual por mandatário forense. Dado que o procedimento de concessão do apoio judiciário não constitui incidente do processo judicial a que se destina - nem sequer corre no tribunal, torna-se necessário exigir a documentação daquele pedido na acção judicial de forma a garantir a segurança jurídica na definição do decurso dos prazos processuais tendo em conta o seu efeito interruptivo.”
“É neste ponto de confluência de interesses potencialmente conflituantes que o artigo 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004 encontra a sua razão de ser ao determinar a interrupção dos prazos em curso com a junção aos autos do documento comprovativo do requerimento de apoio judiciário naquela modalidade nos casos de pedido de nomeação de patrono, na pendência de acção judicial.”
Como referido no Acórdão n.º 467/2004 (n.º 10):
«Os prazos processuais são interregnos de tempo que são conferidos aos interessados para tomarem posição no processo na defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, maxime, para virem ao processo expor os factos e as razões de direito de que estes decorrem, a decisão. Uma tal decisão poderá envolver a utilização de conhecimentos técnicos especializados da área do direito, sendo que a capacidade para a sua prática apenas é reconhecida às pessoas que estão legalmente habilitadas a exercer o patrocínio judiciário, em regra, os advogados. Ora, estando pendente de apreciação o pedido de concessão de apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento de honorários de patrono que há-de tomar aquela posição do interessado, apreciação essa levada a cabo, no domínio do Lei n.º 30-E/2000, pelas autoridades administrativas da Segurança Social (no sistema anterior essa tarefa era levada a cabo pelo próprio tribunal), se o prazo em curso não se interrompesse com a apresentação do pedido de apoio à autoridade administrativa competente e a prova dessa apresentação perante a autoridade judiciária perante quem corre a acção, correr-se-ia o risco de o interessado não poder defender de forma efectiva e eficaz os seus direitos e interesses legalmente protegidos, quer porque o prazo entretanto se poderia ter esgotado, quer porque disporia sempre de um prazo inferior ao estabelecido na lei para a prática do acto ao qual o prazo está funcionalizado. A não acontecer essa interrupção, o interessado ficaria sempre numa posição juridicamente desigual quanto à possibilidade do uso dos meios processuais a praticar dentro do prazo em relação aos demais interessados que não carecessem economicamente de socorrer-se do apoio judiciário por poderem contratar um patrono para defender as suas posições na acção».
“(…) A questão de constitucionalidade que constitui objecto do presente recurso coincide com a que já foi apreciada por este Tribunal no Acórdão n.º 98/2004. Este aresto não julgou inconstitucional a norma decorrente do artigo 25.º, n.º 4, da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, interpretado no sentido de competir ao requerente do apoio judiciário para nomeação de patrono, a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo. No mesmo sentido, o Acórdão n.º 285/2005 julgou também não inconstitucional a norma do mesmo preceito interpretado no sentido de impor ao requerente de pedido de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, apresentado na pendência de acção judicial, o ónus de juntar aos autos documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo, para efeitos de interrupção dos prazos processuais que estiverem em curso.”
“Debruçando-se embora sobre uma dimensão normativa não inteiramente coincidente o Acórdão n.º 57/2006 reiterou os fundamentos expressos nos acórdãos acima identificados ao decidir não julgar inconstitucional o artigo 25.º, n.º 4 da Lei n.º 30-E/2000, na interpretação de que compete ao requerente do apoio judiciário informar o tribunal do pedido de apoio judiciário formulado.”
“A Lei n.º 30-E/2000 foi posteriormente revogada pela Lei n.º 34/2004, que estabelece o regime do acesso ao direito e aos tribunais. Nesse âmbito, é verificável que a letra do artigo 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004 replica o texto normativo do artigo 25.º, n.º 4, da revogada Lei n.º 30-E/2000. Nessa medida, a norma ora sob juízo - ainda que reportada a preceito constante de diploma legal já não em vigor - corresponde à norma já anteriormente objecto de fiscalização pelo Tribunal Constitucional, pelo que os fundamentos que determinaram o não julgamento de inconstitucionalidade, na interpretação então apreciada, são transponíveis para a norma em causa no presente processo.”
“Importa, por isso, atender ao Acórdão n.º 98/2004 (n.º 3) para aferir se a sua decisão de não inconstitucionalidade pode ser replicada no caso sob juízo. Este aresto baseou-se essencialmente na seguinte fundamentação:
«(…) a questão de constitucionalidade está em saber se pôr a cargo do requerente da nomeação de patrono o acto de dar a conhecer e documentar no processo a apresentação do pedido, para efeitos de interrupção do prazo em curso, constitui um ónus que compromete (ou compromete desproporcionadamente) o direito de acesso à justiça por parte dos cidadãos economicamente carenciados.”
“Sem dúvida que se poderia congeminar outro sistema, fazendo, p. ex.., recair sobre os serviços de segurança social o dever de darem a conhecer, de imediato, nos pertinentes processos judiciais os pedidos de nomeação de patrono. Mas, independentemente da praticabilidade dessa ou de outras alternativas, a questão - repete-se - é a de saber se o regime, tal como o acórdão recorrido o interpretou, ofende a Constituição.”
“Ora, não se considera gravoso para o requerente, em termos de lesar o seu direito de aceder à Justiça, exigir que ele documente nos autos a apresentação do requerimento de apoio judiciário nos serviços de segurança social, no prazo judicial em curso, para que este se interrompa.”
“Trata-se, com efeito, de uma diligência que não exige quaisquer conhecimentos jurídicos e que, portanto, a parte pode praticar por si só, com o mínimo de diligência a que, como interessada, não fica desobrigada pelo facto de se encontrar numa situação de carência económica.”
“Note-se, aliás, - o que não é despiciendo - que, no modelo de impresso aprovado, em que o requerente inscreve o seu pedido, consta uma declaração, a subscrever pelo interessado, no sentido de que tomou conhecimento de que deve apresentar cópia do requerimento no tribunal onde decorre a acção, no prazo que foi fixado na citação/notificação. Com o que nem sequer pode legitimamente invocar o desconhecimento daquela obrigação.”
“A protecção constitucionalmente garantida pelo artigo 20.º, n.º 1, da CRP aos cidadãos que carecem de meios económicos para custear os encargos inerentes à defesa jurisdicional dos seus direitos não é, pois, afectada pela norma contida no artigo 24.º, n.º 5, da Lei n.º 30-E/2000, na interpretação dada pelo acórdão recorrido».
Como se assinalou ainda naquele acórdão, e foi também reiterado no Acórdão n.º 285/2005 (n.º 2):
«Não se trata de apurar (…) se a solução legislativa em causa (mantida, aliás, no n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, que substituiu a Lei n.º 3º-E/2000) é a mais adequada, designadamente face à possibilidade de se instituir a obrigação de comunicação oficiosa por parte dos serviços de Segurança Social ao tribunal identificado como aquele onde pende a causa para que se solicita a nomeação de patrono da apresentação do requerimento de concessão de apoio judiciário (recorde-se que os artigos 26.º, n.º 4, da Lei n.º 30-E/2000 e 25.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004 impõem aos serviços da Segurança Social o envio mensal de relação dos pedidos de protecção jurídica tacitamente deferidos a diversas entidades, entre elas, “se o pedido envolver a nomeação de patrono e se o requerimento tiver sido apresentado na pendência de acção judicial, ao tribunal em que esta se encontra pendente”), assim obviando ao inconveniente de manter durante um período indefinido de tempo o tribunal da causa no desconhecimento da apresentação do pedido de nomeação de patrono, com todos os riscos de insegurança jurídica e de desenvolvimento de actividade judicial inútil que daí derivam».
“Atente-se que no caso que deu origem ao presente recurso os serviços da Segurança Social chegaram a comunicar ao tribunal que o pedido de apoio judiciário fora formulado e concedido. Simplesmente - refere-se na decisão do tribunal a quo - nessa data já tinha decorrido o prazo para o réus apresentarem a contestação, não podendo interromper-se um prazo já esgotado.”
“Independentemente, pois, de serem configuráveis outras alternativas de solução legal para o problema, a dimensão normativa em apreço concilia adequadamente o interesse na sujeição da tramitação processual da acção judicial a prazos certos e definidos com a garantia do acesso ao direito, acautelando a necessidade de comunicação entre procedimentos processados diante de entidades diferenciadas, sem fazer impender sobre o beneficiário um ónus excessivo.”
“Não se verificando, pois, especificidades que determinem uma apreciação distinta da já anteriormente efectuada na jurisprudência citada, deve igualmente concluir-se pela não inconstitucionalidade da norma em apreço.”
III
Idêntico raciocínio nos é permitido formular quanto à matéria relativa à isenção de alerta, na citação efectuada, da possibilidade de recurso ao Apoio Judiciário, isto é, mutatis mutandis, a dimensão normativa em apreço deve conciliar adequadamente o interesse no esclarecimento da pessoa que é chamada a litigar em juízo com a garantia do acesso ao direito, sem fazer impender sobre o beneficiário um ónus excessivo.
Na verdade, o que nos actos de citação se encontra em causa são as modalidades de garantia da via judiciária, a que alude o disposto no artº 20º CRP, conjugado com um princípio de proporcionalidade em sentido estrito, de justa medida, de expectativa de um comportamento razoável por parte do visado no acto de citação.
Ora, essa razoabilidade é garantida adequadamente pelas normas processuais em causa, como o caso dos autos elucida, pois que a Apelante recorreu, em prazo, aos serviços relacionados com o Apoio Judiciário na Segurança Social – em 29/1/2016.
Aquilo que realmente ficou em falta foi a informação a prestar no processo, matéria já dilucidada supra, em II.
Nestes termos, cumprirá confirmar o teor decisório do douto despacho recorrido.
Resumindo a fundamentação:
I – Não se mostra gravoso para o requerente do Apoio Judiciário, em termos de lesar o seu direito de aceder à Justiça, exigir que ele documente nos autos a apresentação do requerimento de Apoio nos serviços de segurança social, no prazo judicial em curso, para que este se interrompa, pois que se trata de uma diligência que não exige quaisquer conhecimentos jurídicos e que, portanto, a parte pode praticar por si só, com o mínimo de diligência a que, como interessado, não fica desobrigada pelo facto de se encontrar numa situação de carência económica.
II – Da mesma forma, se inexiste alerta, na citação efectuada, da possibilidade de recurso ao Apoio Judiciário, tal não coloca em causa as modalidades de garantia da via judiciária, a que alude o disposto no artº 20º CRP, conjugadas com um princípio de proporcionalidade em sentido estrito, de justa medida e de expectativa de um comportamento razoável por parte do visado no acto de citação.
Dispositivo (artº 202º nº1 CRP):
Julga-se improcedente, por não provado, o recurso de apelação interposto e, em consequência, confirma-se o douto despacho recorrido.
Custas pela Apelante, sem prejuízo do Apoio Judiciário que lhe foi concedido.

Porto, 6/XXII/2016
Vieira e Cunha
Maria Eiró
João Proença
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[1] https://www.oa.pt/cd/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?sidc=31634&idc=32038&idsc=40210&ida=149646