Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
360/14.6T8PRD-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL
INVENTÁRIO
DIVISÃO
PENHORA DE DIREITO
TORNAS
Nº do Documento: RP20161011360/14.6T8PRD-B.P1
Data do Acordão: 10/11/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 735, DE FLS 155-158)
Área Temática: .
Sumário: I Em inventário divisório, para partilha de bens do casal, se for penhorado, noutro processo de execução, o direito à meação do Requerido/Interessado, entretanto transmutado na penhora do direito a tornas, por adjudicação dos bens à Cabeça-de-Casal, deverá na partilha descontar-se o valor do crédito exequendo no valor das tornas, cabendo o prévio depósito do referido crédito no processo, independentemente da reclamação e depósito de tornas.
II No caso do Requerido/Interessado ter falecido na pendência do inventário divisório, o crédito exequendo deve ser abatido ao valor total das tornas e o remanescente dividido por igual entre as duas filhas e sucessoras do Requerido/Interessado.
III – Não tendo sido efectuado o desconto e depósito referidos, e no caso de ausência de depósito de parte das tornas, o Exequente, justificando o seu direito à referida parte das tornas, poderá lançar mão do disposto no artº 1378º nº3 CPCiv61, não cabendo responsabilizar uma única das sucessoras (aquela que reclamou e viu depositadas as respectivas tornas) pela totalidade de um crédito, da responsabilidade originária e exclusiva do falecido antecessor.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ● Rec.360/14.6T8PRD-B.P1. Relator – Vieira e Cunha. Adjuntos – Des. Maria Eiró e Des. João Proença Costa. Decisão recorrida – 21/6/2016.
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Súmula do Processo
Recurso de apelação interposto na acção com processo especial de inventário divisório, na sequência de divórcio, nº360/14.6T8PRD-B, da Secção de Família e Menores, da Instância Central da Comarca de Porto-Este (Paredes).
Requerente e Cabeça-de-Casal – B….
Requerido – C….
Interessadas (filhas do Requerido, falecido na pendência do processo) – D… e E... (menor).
Apelado – Digno Magistrado do Ministério Público.

Concluído o inventário em referência, transitada a sentença, veio F…, em representação da sua filha menor, E…, invocar que:
- a interessada E… está prejudicada ao receber de tornas somente o valor de € 6.942,35;
- a penhora da quantia de € 12.000,00 de tornas nunca poderia ser retirada, na integra, do valor respeitantes às tornas a receber pela requerente;
- a cabeça-de-casal deveria ter procedido ao depósito da totalidade das tornas e ser retirado o valor de € 6.000,00 a cada uma das interessadas.
Terminou requerendo que fossem efectuadas as diligências possíveis para reparar os seus interesses, designadamente o depósito de tornas a favor da menor.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido de que a interessada B… deverá depositar € 6.000,00 a favor da sua filha maior, parte que responderá parcialmente pelas tornas penhoradas, sendo este valor depositado na conta da menor.
Foi então proferido o despacho recorrido, do seguinte teor fundamental:
“Conforme resulta da matéria supra exposta, a penhora teve lugar no âmbito do processo executivo, sendo certo que o Sr AE, notificado de que as tornas depositadas à ordem dos autos respeitavam apenas a uma das interessadas, declarou manter interesse na penhora.”
“Ora, reconduzindo-se a pretensão da requerente à inadmissibilidade da extensão com que a penhora foi realizada, sempre a mesma terá de ser suscitada no processo onde a penhora foi ordenada (cfr artigo 784º do CPC), estando vedado a este Tribunal pronunciar-se quanto à mesma. Em face do exposto, nada mais há a determinar no âmbito dos presentes autos, pelo que se indefere o requerido.”
Conclusões do Recurso:
I - Vem o presente recurso interposto do douto despacho com a referência n.º70840133, proferido pelo tribunal a quo que indefere o requerido pela recorrente.
II – O motivo do inconformismo da recorrente perante o decidido no despacho, ora recorrido é relativamente à errada aplicação do direito.
III – No decorrer do presente processo, foi adjudicado à cabeça de casal, B…, o bem objecto de divisão, ficando esta obrigada ao pagamento, a título de tornas, ao interessado C… o valor de 37.884,70 €.
IV – Antes da cabeça-de-casal proceder ao depósito das tornas devidas, o interessado faleceu (20 de setembro de 2014), tendo deixado como herdeiras as suas duas filhas, a aqui recorrente e a d. D….
V – Paralelamente a este processo de partilha, corre termos no tribunal judicial da comarca do Porto-Este – instância local – secção criminal de Marco de Canaveses – j1, tendo no âmbito desse processo o sr. agente de execução solicitado a penhora das tornas do requerido, entretanto falecido, até ao montante de 12.000 €.
VI – O tribunal recorrido teria de ter especial atenção a este processo, uma vez que figurava nos autos, como interessada, uma menor, que deveria ver os seus interesses e direitos acautelados pelo Ministério Público.
VII – O que não aconteceu, pois com a elaboração e consequente notificação ao Ministério Público dos mapa informativo e mapa de partilha, destes não houve qualquer reclamação, não obstante os mesmos não terem em consideração a penhora anteriormente solicitada pelo sr. agente de execução.
VIII – E a cabeça-de-casal só procedeu ao depósito das tornas a que caberiam à menor, segundo o mapa de partilha, no valor de 18.942,35 €.
IX – No entanto, como a cabeça-de-casal não procedeu ao depósito da totalidade das tornas de que era responsável, o tribunal retirou, única e exclusivamente, da meação que pertencia à recorrente a quantia total da penhora.
X – Não obstante, bem sabendo o tribunal recorrido que o pagamento da penhora era da responsabilidade da Recorrente e bem assim da outra herdeira do interessado – cfr. artigo 2136.º do Código Civil.
XI – Pelo que a Recorrente só tem responsabilidade no pagamento da quantia de 6.000 €, tendo direito a receber a quantia de 12.942,35 €, quando na realidade só recebeu a quantia de 6.942,35 €.
XII – Estando, portanto, a menor, ora recorrente, lesada no seu património na quantia de, pelo menos, 6.000 €.
XIII – O tribunal a quo errou na aplicação do direito quando ordenou que fosse transferida para a conta do sr. agente de execução a quantia de 12.000 €, sendo esta quantia paga por força da quota-parte da herança da recorrente.
XIV – Porquanto, o tribunal deveria ter tido em consideração tal penhora, aquando da realização do mapa de partilha e solicitado à cabeça-de-casal, o depósito das tornas devidas à recorrente e bem assim do valor do pagamento da penhora que estaria a cargo da outra herdeira, no mínimo.
XV – Além de não ter sido apresentada qualquer nota discriminativa do valor solicitado para penhora, deveria o tribunal ter acautelado tal situação, tendo em consideração até que a menor não tinha à data qualquer advogado a representar os seus interesses.
XVI – Assim sendo, deverá o tribunal a quo ser responsabilizado por tal situação, que em muito lesa os interesses da ora recorrente, e como tal ordenar que se tomem as diligências ainda possíveis para reparar os interesses da menor, aqui recorrente, designadamente através do depósito do valor de 6.000 €, por parte da cabeça-de-casal ou da outra herdeira do interessado, caso esta já tenha efectuado o pagamento das tornas, por forma a pagar aquilo que a recorrente pagou em sua substituição.
XVII – O presente despacho viola os artigos 13.º, da Constituição da República Portuguesa, artigo 2136.º, do Código Civil e bem assim artigos 773.º e 777.º do Código de Processo Civil.
Espera-se assim, no provimento do recurso, a modificação da decisão do douto despacho ora recorrido, substituindo-o por outro que ordene a realização de diligências possíveis e que se entendam por necessárias para a reparação dos interesses e direitos da menor.

A Cabeça-de-Casal apresentou contra-alegações, nas quais sustenta a confirmação do despacho recorrido.

Factos Provados
- no âmbito da execução nº 16/01.0TBMCN-A, o respectivo agente de execução remeteu aos presentes autos o ofício de fls 155, datado de 18/12/2013, onde consta, para além do mais, … se digne considerar penhorado o montante de € 12.000,00, referente à quantia exequenda, crédito reclamado, juros e custas prováveis…;
- no despacho de fls 156 e ss, proferido em 16/06/2014, consta Tenha em consideração a penhora de tornas efectuada no processos indicado, notificando
ainda a cabeça-de-casal para os efeitos tidos por convenientes. Não obstante, informe o Sr AE de que a penhora do crédito de tornas do aqui interessado deve ser efectuada através de notificação/citação do devedor de tornas e não através de notificação a este Tribunal.
- na sequência do falecimento do interessado C…, em 20/09/2014, foram tomadas declarações complementares à cabeça-de-casal, que identificou como herdeiras deste as suas filhas, D… e E… (cfr fls 170 e ss);
- em 10/09/2015 foi proferido despacho determinativo da forma à partilha, constando do mesmo, para além do mais, que O quinhão pertencente ao interessado C… caberá, em conjunto, às suas duas filhas, por direito de transmissão (fls 179 e ss);
- foi elaborado mapa informativo, do qual resultou que a cabeça-de-casal seria devedora de tornas às filhas do interessado falecido, no montante de € 18.942,35 a cada uma (fls 191 e ss);
- cumprido o disposto no artigo 1377º/1 do CPC, foram reclamadas tornas pela interessada E…, as quais foram depositadas pela cabeça-de-casal, no montante de € 18.942,35 (cfr fls 194, 197, 199 e ss e 208 e ss);
- em 13/01/2016, foi proferido despacho que determinou que se desse conhecimento à execução do depósito das tornas, solicitando fosse esclarecido se se mantinha a penhora, ao que foi dado cumprimento, informando-se o Sr AE de que as tornas depositadas respeitavam unicamente a uma das interessadas, tendo o Sr AE respondeu afirmativamente (fls 216 e 222);
- em 04/02/2016 foi ordenada a transferência do montante de € 12.000,00 para a conta indicada pelo AE (cfr fls 224).
Fundamentos
Em função das conclusões apresentadas pelo Recorrente, a questão em apreciação será a de saber se a penhora do direito à meação do ex-cônjuge C…, no inventário divisório dos bens que integravam o seu dissolvido casal, tendo-se transmutado na penhora do direito às tornas, por parte das sucessoras por morte do ex-cônjuge no decorrer do inventário, poderá incidir exclusivamente sobre a parte das tornas que cabem a uma das duas sucessoras do falecido (menor), aliás tornas essas que são as únicas que se mostram reclamadas e depositadas no processo.
Vejamos então.
I
A primeira nota que há que efectuar é a da obrigação que, nos presentes autos de inventário, podem produzir os eventuais despachos judiciais produzidos na execução movida contra o falecido e interessado C….
Salvo o merecido e devido respeito, o despacho recorrido escuda-se precisamente no que foi decidido no processo de execução para dizer que se mostra vinculado ao decidido no citado processo.
Todavia, não é assim. O juiz da execução não tem jurisdição no inventário, não determina os termos do inventário, nem muito menos a forma como se efectua a partilha dos bens.
Porque, quando falamos de dívidas passivas no inventário, como é o caso da dívida exequenda, é de dívidas passivas, a considerar no inventário, aquilo de que se trata. As dívidas passivas, como é sabido, influenciam a forma como se efectua a partilha e cumpre que sejam referidas na forma à partilha e no mapa.
Independentemente de tal ter sido assim levado a efeito nos autos, ou não, o que é uma questão lateral ao presente recurso, o poder do juiz da execução, que determinou a penhora do direito à meação do Executado, disso dando conhecimento no inventário, esgota-se nesse preciso momento, cabendo ao juiz do inventário as decisões necessárias, quer à penhora, quer à genérica satisfação dos direitos do Exequente, designadamente o direito a ser pago do montante exequendo.
Não se trata assim, no caso da pretensão deduzida pela Interessada e materializada no presente recurso, de uma matéria de oposição à penhora, como alude o douto despacho recorrido, mas de oposição à forma como a penhora incidiu nos direitos das sucessoras do Executado, matéria que é da exclusiva responsabilidade jurisdicional do juiz do inventário, independentemente do que haja sido decidido na execução.
Por essa mesma ordem de razões, tem este Tribunal da Relação plena jurisdição para conhecer da matéria do presente recurso.
II
E conhecendo.
O pagamento da dívida exequenda (€ 12 000) terá que ser suportado pelos bens que integram o património do interessado falecido, no caso, a respectiva meação no presente inventário divisório.
Tendo os bens (ou bem) inventariados sido adjudicados à cabeça-de-casal B…, a penhora transfere-se para os bens que constituirão o quinhão do devedor relapso, no caso dos autos as tornas e o respectivo valor.
O devedor de tornas passa a ficar colocado na posição de fiel depositário, com os deveres inerentes, incluindo o dever de prestar contas – artºs 843º e 1023º CPCiv95/96.
Sendo conhecedor da pendência da acção executiva e da penhora efectuada, o devedor de tornas não pode exonerar-se da respectiva obrigação de depósito, invocando que se entendeu extrajudicialmente com o credor das tornas (no caso, a filha maior e sucessora de seu ex-marido). Não se poderia conceber uma forma tão fácil e injustificada de postergar os legítimos direitos e interesses do Exequente, na execução movida contra um interessado em inventário.
O acto de disposição das tornas, na forma aludida, é ineficaz, em relação ao Exequente – artº 819º CCiv.
Por outro lado, tendo o Interessado, e Executado em outro processo, falecido na pendência do inventário, tendo-lhe sucedido duas filhas, é óbvio que a penhora das tornas deve afectar por igual o direito que, às mesmas tornas, tenha uma e outra filha.
O contrário seria fazer uma das filhas (a menor) suceder exclusivamente nas dívidas, o que não faz sentido – na forma à partilha, e subsequente mapa, o valor das dívidas é abatido ao valor do activo, em momento anterior ao da divisão dos quinhões dos sucessores.
O contrário seria o equivalente de considerar a filha menor a pessoa que efectivamente contraiu a dívida, uma conclusão aberrante.
E assim, tem a Interessada E… o direito à reposição do montante de € 6 000 que, a título de tornas, lhe foi depositado no processo.
Tal montante de € 6 000 deve responsabilizar as tornas que couberam à filha maior D….
A cabeça-de-casal invoca, porém, que tais tornas não foram reclamadas no processo, tendo existido aliás uma compensação débitos e créditos recíprocos entre a cabeça-de-casal e sua filha.
A posição do credor exequente, face ao montante de tornas que a cabeça-de-casal estava obrigada a satisfazer a sua filha D…, encontra assim consistência, em última análise, no disposto no artº 1378º nº3 CPCiv61.
O preceito alude genericamente aos credores de tornas, mas a expressão não deve ser tomada em sentido estrito, no sentido de proteger apenas os directos credores, “mas antes envolvendo todos aqueles que justificam o seu direito às tornas, o que encontra no preceito um mínimo de correspondência verbal – artº 9º CCiv – e serve de sustentáculo a uma justa composição do litígio” – cf. Ac.R.C. 13/11/2001 Col.18 e 19, relatado pelo Desemb. Emídio Rodrigues; veja-se também com interesse o Ac.R.C. 2/11/99 Bol.491/336, relatado pelo Consº Garcia Calejo.
Assim, o Exequente e credor do depósito das tornas, em função da anterior penhora, na ausência de depósito de € 6 000 relativamente às tornas em dívida, pode pedir a venda dos bens adjudicados ao devedor de tornas, até onde seja necessário para o pagamento das referidas tornas.
O que não poderá, salvo o devido respeito, é manter-se a solução do douto despacho recorrido.
A fundamentação poderá resumir-se por esta forma:
I – Em inventário divisório, para partilha de bens do casal, se for penhorado, noutro processo de execução, o direito à meação do Requerido/Interessado, entretanto transmutado na penhora do direito a tornas, por adjudicação dos bens à Cabeça-de-Casal, deverá na partilha descontar-se o valor do crédito exequendo no valor das tornas, cabendo o prévio depósito do referido crédito no processo, independentemente da reclamação e depósito de tornas.
II – No caso do Requerido/Interessado ter falecido na pendência do inventário divisório, o crédito exequendo deve ser abatido ao valor total das tornas e o remanescente dividido por igual entre as duas filhas e sucessoras do Requerido/Interessado.
III – Não tendo sido efectuado o desconto e depósito referidos, e no caso de ausência de depósito de parte das tornas, o Exequente, justificando o seu direito à referida parte das tornas, poderá lançar mão do disposto no artº 1378º nº3 CPCiv61, não cabendo responsabilizar uma única das sucessoras (aquela que reclamou e viu depositadas as respectivas tornas) pela totalidade de um crédito, da responsabilidade originária e exclusiva do falecido antecessor.
Dispositivo (artº 202º nº1 C.R.P.):
Na procedência do recurso interposto, revoga-se o douto despacho recorrido e determina-se que, no montante depositado a título de tornas em dívida à Interessada E…, seja considerado ou reposto o valor de € 6 000, a acrescer à quantia de € 6 942,35, já recebida pela Interessada em causa.
Custas a cargo da Apelada Cabeça-de-Casal.

Porto, 11/X/2016
Vieira e Cunha
Maria Eiró
João Proença