Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
28801/15.8T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DOMINGOS MORAIS
Descritores: DESPEDIMENTO
ILICITUDE
CONTROLO DE PONTUALIDADE E ASSIDUIDADE
OFENSA À DIGNIDADE DO TRABALHADOR
Nº do Documento: RP2017062628801/15.8T8PRT.P1
Data do Acordão: 06/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL),(LIVRO DE REGISTOS Nº 259, FLS.143-152)
Área Temática: .
Sumário: I - O empregador deve manter o registo dos tempos de trabalho em local acessível e por forma que permita a sua consulta imediata.
II - O “toque do telefone” para controlo da pontualidade e da assiduidade do trabalhador é uma prática grotesca, face ao legalmente estatuído no artigo 202.º do CT, e constitui uma ofensa à sua dignidade - artigo 15.º do CT.
(da exclusiva responsabilidade do relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 28801/15.8T8PRT.P1
Origem: Comarca Porto-Porto-Inst Central 1.ª S. Trabalho J2.
Relator - Domingos Morais – Registo 678
Adjuntos – Paula Leal de Carvalho
Rui Penha

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
IRelatório
1. – B…, nos autos identificada, apresentou o formulário a que reportam os artigos 98.º-C e 98.º-D, do Código de Processo de Trabalho (CPT), na Comarca Porto-Porto-Inst Central 1.ª S. Trabalho J2.
- C…, frustrada a conciliação na audiência de partes, apresentou o articulado para motivar o despedimento, alegando, em resumo, que:
“- A trabalhadora foi despedida na sequência do processo disciplinar (PD), pelos seguintes factos:
A arguida foi admitida no dia 1.5.1990 e tem a categoria e funções de 1ª Escriturária.
Por email de 5.7.2015 o Dr. D…, Presidente da Direcção, deu-lhe a seguinte ordem: Dê-me sff todos os dias um toque, do telefone fixo da C…, para o meu telemóvel:
* quando chegar de manhã
* quando sair para o intervalo de almoço
* quando regressar do intervalo de almoço
* quando sair no final do dia.
Nos dias 3 e 4 de Agosto de 2015 não cumpriu a ordem e não ligou nem deu toque à entrada e à saída, no período da manhã e da tarde, para o telemóvel do Dr. D…, como tinha sido ordenado.
Esta situação configura uma desobediência dolosa a ordem legítima da empregadora, revelando indisciplina e desautorização.
A intenção da arguida é impedir o controlo do cumprimento do horário e da pontualidade, propositadamente, pois chega continuamente atrasada, com as mais díspares desculpas.
Violou, pois, reiteradamente, o dever de obediência e o dever de zelo e de diligência, denotando quebra de autoridade e indisciplina, em termos que quebram por completo a confiança numa colaboração idónea e que tornam impossível a subsistência do seu contrato de trabalho, pelo que incorreu em justa causa de despedimento, nos termos do nº 1 e das alíneas a) e d) do nº 2 do artigo 351º do Código do Trabalho.”.
Concluiu: “Deve a ação improceder e o despedimento da trabalhadora ser considerado regular e lícito”.
2. - Notificada, a autora apresentou contestação/reconvenção, impugnando, parcialmente, o alegado pela ré, e defendendo que inexiste justa causa de despedimento.
Terminou, pedindo: “deve a presente contestação/reconvenção ser julgada procedente por provada e, em consequência:
a)- Declarar-se ilícito, sem fundamento e sem justa causa o despedimento da Autora, condenando-se a Ré em indemnização de antiguidade a que tem direito, calculada nos termos legais, no valor de 19.322,16€;
b)- Ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de 173,40€; a pagar os proporcionais de subsídio de Natal em falta no montante de 371,53€; e a pagar a título de formação profissional não prestada formação profissional referente aos anos de 2013, 2014 e 2015, a quantia de 479,85€;
c)- Bem como ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de 5.000,00€ a título de indemnização por danos morais que lhe causou com o seu despedimento ilícito e ilegal,
Tudo no montante de 25.346,94€
d) E ainda ser a Ré condenada a pagar à Autora todas as prestações pecuniárias vencidas e vincendas até à data da sentença final, a tudo acrescendo os respectivos juros legais vencidos e vincendos, até integral pagamento, bem como ser a Ré condenada nas custas e demais encargos legais.”.
3. – A ré respondeu, terminando como na petição inicial.
4. - Admitida a reconvenção, proferido o despacho saneador, e realizada a audiência de discussão e julgamento, a Mma. Juiz proferiu decisão:
“Pelos fundamentos expostos, declara-se ilícito o despedimento da trabalhadora B… pela entidade empregadora C…, e decide-se julgar o pedido reconvencional parcialmente procedente e, em consequência, condenar a empregadora:
I. A pagar à trabalhadora a quantia indemnizatória pela cessação do contrato de trabalho a atribuir pela sua antiguidade correspondente de €19.322,16 (dezanove mil, trezentos e vinte e dois euros e dezasseis cêntimos);
II. A pagar à trabalhadora a quantia indemnizatória pelos danos morais infligidos com o despedimento no valor de €3.000,00 (três mil euros);
III. A pagar à trabalhadora a quantia referente a sete dias de férias vencidas e não gozadas de €173,40 (cento e setenta e três euros e quarenta cêntimos);
IV. A pagar à trabalhadora a quantia referente a proporcionais de subsídio de natal no valor de €371,53 (trezentos e setenta e um euros e cinquenta e três cêntimos);
V. A pagar à trabalhadora a quantia referente a horas formativas devidas e não pagas no total de €450,45 (quatrocentos e cinquenta euros e quarenta e cinco cêntimos); valores a que acrescem de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
Vai ainda a ré condenada a pagar à autora o valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito da presente decisão, a que se descontará o valor do subsídio de desemprego entretanto recebido pela autora, nos termos do art.º 390.º, n.º 1 e n.º 2, al. c), do Código do Trabalho.
Fixo o valor da ação em €23.317,54 (vinte e três mil, trezentos e dezassete euros e cinquenta e quatro cêntimos).
Custas por ambas as partes, na proporção de 5% para a trabalhadora e 95% para a ré.”.
5. – A ré, não se conformando, apresentou recurso de apelação, concluindo:
“1ª Salvo o devido respeito, a sentença fez errada aplicação da lei e fixou erradamente a matéria de facto, levando aos factos provados o facto nº 15 e omitindo dos factos provados o artº 9º da resposta (sobre que nem se pronunciou, aliás, seja dando-o como facto provado, seja como facto não provado).
I) Impugnação da matéria de facto
2ª O facto nº 15 foi erradamente fixado porque é conclusivo.
3ª A matéria do artº 9º da resposta à contestação, impeditiva e extintiva do direito da A., não foi por ela impugnado, no momento próprio, e foi provada por acordo das partes (a A. expressamente afirma no artº 62º da contestação que entrou de baixa a 28.9.2015 e que isso a impediu de gozar férias até final e no artº 64º reconhece que recebeu 309,70€ de subsídio de natal) e documentalmente pelos recibos juntos em 11.4.2016 a requerimento da própria A. (e em cumprimento do despacho de referência 365614684) e pelos docs. 2 e 3 da contestação, onde também está evidenciado o pagamento do duodécimo do subsídio de férias e de natal.
4ª Em suma, quanto a este ponto: i) o facto 15º deve ser eliminado dos factos provados e ii) deve ser aditado aos factos provados que «a A. entrou de baixa em 28.9.2015 até ao despedimento, tendo recebido 309,70€ de subsídio de natal em duodécimos».
II) Impugnação da matéria de direito
O despedimento
5ª A empregadora podia submeter a trabalhadora a um controlo da pontualidade e do cumprimento do horário, não obstante não se terem provado falhas anteriores, pois que a A. ia ficar entregue a si própria, sem o controlo presencial da sua superiora hierárquica, que saía da Associação, ou da Direção (ou de outrem).
6ª O controlo podia ser validamente efetuado da forma ordenada, com um toque à entrada e à saída a partir do telefone fixo da Associação para o telemóvel do Presidente da Direção.
7ª Essa forma de controlo era suficiente para a empregadora, não se colocando a priori a questão da prova de um eventual incumprimento, que sempre seria problema da empregadora.
8ª O controlo do cumprimento do horário nada tem a ver com a obrigação do registo do tempo de trabalho do artº 202º do CT.
9ª Tudo visto, a A. desobedeceu dolosamente a uma ordem legítima da empregadora, de forma reiterada, revelando insubordinação e indisciplina, com intenção de impedir e de se subtrair ao controlo do cumprimento do horário e da pontualidade, pelo que violou, repetidamente, o dever de obediência e o dever de zelo e de diligência, em termos que quebram por completo a confiança numa colaboração idónea e que tornam impossível a subsistência do seu contrato de trabalho, pelo que incorreu em justa causa de despedimento, nos termos do nº 1 e das alíneas a) e d) do nº 2 do artigo 351º do Código do Trabalho.
10ª Como tal, o despedimento foi lícito, devendo revogar-se a sentença, nesta parte.
Danos não patrimoniais
11ª Subsidiariamente: A sentença não refere em que factos se baseia para atribuir danos morais, mas os que ficaram provados são insuficientes e insuscetíveis de justificar a condenação.
12ª E mesmo que assim não se entendesse o valor de danos não patrimoniais atribuído era perfeitamente desajustado e excessivo.
Subsídio de natal
13ª A decisão recorrida condenou no pagamento do subsídio de natal como se a trabalhadora não tivesse estado de baixa e em regime de suspensão do contrato de trabalho, como esteve a partir de 28.9.2015 até ao despedimento, pelo que o valor correto a atribuir era o de 247,67€, como alegou a Ré, e não o atribuído pela sentença.
Formação
14ª A sentença não considerou a frequência nos eventos descritos no facto 26 como formação, porque fundamentou que a A. neles participou como funcionária da entidade organizadora, tendo inerentemente tarefas associadas a essa organização, o que não ficou provado.
15ª As 25 horas desses eventos contam como formação e devem ser tidas em conta, ficando a R. a dever apenas 80 horas x 4,29€/hora.
Termos em que, deve o recurso merecer provimento, com as consequências legais, de ser alterada ou revogada a sentença, de ser eliminado ou alterado o facto 15) e aditado o artº 9º da resposta e de o despedimento ser declarado lícito.”.
6. - A autora contra-alegou, concluindo:
“I- Quanto à Impugnação da matéria de facto:
1- A Douta Sentença recorrida fez uma correcta aplicação da Lei, e por isso deve ser confirmada.
2- O facto 15 está correctamente fixado e deve ser mantido.
3- Resulta da Motivação da Sentença: “O presidente da direção da ré, D…, E…, membro da direção da ré e F…, diretor da ré até ao ano de 2005, vieram descrever a motivação da ordem referida em 8, invocando pretender unicamente estabelecer um meio de controlo da assiduidade e pontualidade da autora, por inexistir outro, atenta “ (…) – o sublinhado é nosso.
4- Por essa razão andou bem o Tribunal “ a quo” ao considerar provado que “A ré nunca possuiu qualquer forma legal de registo dos tempos de trabalho (nem mesmo livro de ponto).”
II- Quanto à Impugnação da matéria de Direito:
5- Ao contrário do pretendido pela Recorrente, a douta sentença proferida pelo Tribunal “ a quo”, não faz uma aplicação errada da Lei.
6- Com efeito, não resulta da Douta Sentença recorrida que não se pudesse impor à Recorrida um controlo futuro da pontualidade.
7- O que a Sentença recorrida considera inadmissível é impor-se à Recorrida um controlo da pontualidade e assiduidade que “não deixa registo seguro, transparente, que se baseia essencialmente na palavra do presidente da entidade empregadora como acreditador da sua execução” - como é o caso dos toques de telefone;
8- “Basta mirar o regime previsto no art.º 202.º do Código do Trabalho para rejeitar a valia da ordem em causa.”
9- A sentença recorrida, ao contrário do alegado pela Recorrente, nada confunde.
10- É clara na posição que tomou, tanto mais que a Recorrente nunca alegou e por isso não fez prova de um único facto concreto de onde se pudesse retirar que aquela forma de controlo resultava porventura de eventuais faltas de pontualidade da Recorrida.
11- Por ser destituída de sentido, não ter razão fáctica que a sustentasse e por ser ilegal, é que o Tribunal “ a quo” entendeu e bem, não ser aquela “forma” de controlo da pontualidade admissível.
12- Não é, pois, o Tribunal “a quo” que confundiu a obrigação de registo diário do Art.202º do CT, com o controlo da pontualidade;
13- É antes a Recorrente que desconhece as suas obrigações enquanto entidade patronal, uma vez que a existência de um registo de horas fidedigno destina-se a apurar a conformidade da organização da actividade da empresa com a disciplina do tempo de trabalho.
14- A Recorrida não desobedeceu dolosamente a uma ordem legítima, de forma reiterada, revelando insubordinação ou indisciplina.
15- A Recorrida não violou, reiteradamente, o dever de obediência e o dever de zelo e de diligência, em termos que quebram por completo a confiança numa colaboração idónea e que tornam impossível a subsistência do seu contrato de trabalho,
16- Pelo que não existe justa causa de despedimento (nº 1 e das alíneas a) e d) do nº 2 do artigo 351º do Código do Trabalho).
17- Como tal, o despedimento foi ilícito, devendo a sentença recorrida ser confirmada.
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
18- Os factos “sub judice”, como se diz na Douta Sentença recorrida merecem, pela sua gravidade, a tutela do direito, pela análise que o Tribunal efectuou das circunstâncias objectivas do caso, quando sopesou equitativamente as consequências que o processo disciplinar e o despedimento causou na Recorrida.
19- O valor determinado pelo Tribunal “ a quo” a título de danos não patrimoniais, é inteiramente adequado e justo, considerando os critérios dos arts. 389º do C.T. e 496º do C.C.
FORMAÇÃO
20- No que tange à formação, o Tribunal “a quo” entendeu e bem que entre 2013, 2014 e 2015, a Recorrida não teve qualquer formação continua, para efeitos do disposto no art. 131º nº 1 e 2 do C.T.
21- A Recorrente não fez prova, como lhe competia, que assegurou à autora as 35 horas de formação a que a mesma tinha direito nos anos de 2013, 2014 e 2015,
22- “Sendo assaz óbvio que a presença nas conferências acima descritas, destinadas aos associados da C… e não a escriturários – em que a autora participou não como formanda mas sim como funcionária da entidade organizadora, tendo inerentemente tarefas associadas a essa organização – não cai na categoria de formação como a lei a pretende.”
23- Razão pela qual não merece também, qualquer reparo a sentença recorrida quanto à matéria da formação, pelo que deve ser confirmada.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso interposto pela Recorrente, e em consequência deve ser confirmada, sem mácula, a Douta Sentença recorrida, mantendo-se inalterados os factos considerados provados, e considerando-se a final, o despedimento ILÍCITO, como é de JUSTIÇA.”.
7. - O M. Público emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso.
8. – Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II. – A fundamentação de facto:
Na 1.ª instância foi proferida a seguinte decisão de facto:
Dos factos: Após instrução e julgamento, considera o tribunal demonstrados os seguintes factos com relevo para a decisão a proferir:
1. A empregadora é uma associação patronal (de empregadores, na terminologia do CT), representativa do sector dos C….
2. A empregadora tinha ao seu serviço a trabalhadora arguida e a colega G…, secretária-geral da Associação.
3. O contrato a termo certo da G… terminava (e cessou efetivamente) no dia 9.9.2015, tendo essa trabalhadora iniciado o gozo das férias vencidas, até final do contrato, no dia 6.8.2015.
4. A G… era a superiora hierárquica direta da arguida e que devia exercer a autoridade e fiscalização da sua prestação de trabalho.
5. Os membros da Direção da empregadora são representantes das empresas associadas (os próprios empresários ou trabalhadores dos associados), dedicam o seu tempo às respetivas empresas e exercem o cargo na Associação, de forma não remunerada, nos tempos livres de que dispõem, aí se deslocando quando lhes é possível pelos seus afazeres profissionais.
6. Os factos infra enunciados em 7 a 11 foram descritos na nota de culpa de 5.8.2015 remetida à autora na sequência do processo disciplinar (PD), e o referido em 12 foi descrito no aditamento da nota de culpa de 14.09.15.
7. A arguida foi admitida no dia 1.5.1990 e tem a categoria e funções de 1ª Escriturária.
8. Por email de 5.7.2015 o Dr. D…, Presidente da Direcção, deu-lhe a seguinte ordem: Dê-me sff todos os dias um toque, do telefone fixo da C…, para o meu telemóvel:
- quando chegar de manhã
- quando sair para o intervalo de almoço
- quando regressar do intervalo de almoço
- quando sair no final do dia
9. A arguida (autora nestes autos) cumpriu essa ordem no mês de Julho.
10. No dia 3.8.2015, pelas 11h08, enviou ao Dr. D… o seguinte e-mail: Ainda que queira que eu ligue, desta forma, não se compravam os horários de trabalho. Mesmo sabendo que não era permitido por Lei, dado que não fica qualquer registo, obedeci. Achei que ao fim de 25 anos, sempre cumpridora do horário de trabalho, e durante o ultimo mês sem falhar um dia nos 4 toques diários que me pediu, voltasse a ter confiança na minha assiduidade, que sinceramente não sei porquê a perdeu.
11. Nos dias 3 e 4 de Agosto de 2015 não cumpriu a ordem e não ligou nem deu toque à entrada e à saída, no período da manhã e da tarde, para o telemóvel do Dr. D…, como tinha sido ordenado.
12. Nem nos dias seguintes até que entrou de férias, a 31.8.2015, apesar de notificada da nota de culpa.
13. A autora foi despedida por missiva remetida em 20 de novembro de 2015.
14. Tendo servido, ao serviço da C…, várias direções, sem que alguma vez fosse objeto de qualquer reparo, repreensão e/ou processo disciplinar.
15. A ré nunca possuiu qualquer forma legal de registo dos tempos de trabalho (nem mesmo livro de ponto). – excluída a palavra “legal”, conforme fundamentação infra.
16. A autora recusou em 5 de abril de 2013 uma proposta de redução do tempo de trabalho do seu contrato e consequente diminuição do salário.
17. A autora foi sempre uma pessoa educada e respeitadora, quer em relação aos sócios da ré que com ela lidavam, bem como para com a colega de trabalho e aos seus superiores hierárquicos.
18. O despedimento provocou na autora uma angústia na sua vida pessoal e ainda um profundo desgosto e vexame, por ter sido afastada do seu local de trabalho de há mais de 25 anos.
19. O despedimento causou à autora “stress”, ansiedade, frustração e angústia.
20. E passou a ter necessidade de recorrer a ajuda psiquiátrica,
21. Houve atrasos no pagamento de vencimentos da autora.
22. A autora recebeu €309,70 de proporcionais do subsídio de Natal referentes a 2015.
23. A R. deve à A. 7 dias de férias vencidos em 1.1.2015, no valor de 173,40€.
24. A autora recebe desde 07.01.16 subsídio de desemprego no valor mensal de €507,30, tendo este subsídio termo provável em 06.03.19.
25. Auferia a retribuição mensal ilíquida de €743,16, a que acrescia subsídio de alimentação diário de €4,27.
26. A autora frequentou os seguintes eventos organizados pela ré:
- Conferência no dia 18.1.2013, no Porto, com H… e I… (5 horas);
- Conferência no dia 9.12.2013, com J… e K… (5h);
- Seminário sobre o tema dos apoios à exportação e internacionalização das empresas de vinhos, no dia 30.4.2015 (5h);
- Conferência "O momento actual da distribuição em Portugal. Qual o futuro?", no dia 25.6.2015 (5h);
- Conferência "12 anos depois de Porter. E agora? Como retomar a estratégia de crescimento para os vinhos portugueses?", no dia 14.7.2015, (5h).
*
A - Entende o tribunal não dar como provado que antes da ordem referida em 8 a autora chegava ao seu local de trabalho “continuamente” atrasada.”.
III.A fundamentação de direito
1. - Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) e artigo 87.º do Código de Processo de Trabalho (CPT), e salvo questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões do recorrente.
Mas essa delimitação é precedida de uma outra, qual seja a do reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal recorrido, isto é, o tribunal de recurso não pode criar decisões sobre matéria nova, matéria não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.
2. - Questões em apreciação:
- A reapreciação da matéria de facto.
- A (i)licitude do despedimento da autora.
- Danos não patrimoniais, subsídio de natal e formação.
3. - A reapreciação da matéria de facto
3.1. - Atento o disposto no artigo 662.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC), o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Para o efeito da alteração da decisão de facto, o artigo 640.º, do novo CPC, dispõe:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de poder proceder à respectiva transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)”.
No presente caso, a recorrente cumpriu o ónus que sobre si impendia, por força do citado normativo.
3.2. – Em sede de impugnação da decisão sobre matéria de facto, a recorrente pretende:
- O facto 15º deve ser eliminado dos factos provados, por conclusivo.
- Deve ser aditado aos factos provados que «a A. entrou de baixa em 28.9.2015 até ao despedimento, tendo recebido 309,70€ de subsídio de natal em duodécimos».
Para tanto alega que a factualidade a aditar “não foi por ela (autora) impugnada, no momento próprio”.
O ponto 15. dos factos provados tem a seguinte redacção:
A ré nunca possuiu qualquer forma legal de registo dos tempos de trabalho (nem mesmo livro de ponto).”.
Esta matéria foi alegada pela autora no artigo 17.º da sua contestação e admitida pela ré no ponto 7.º do seu articulado de motivação do despedimento e confirmada pelas testemunhas D…, E… e F….
Do teor do ponto 15., apenas a palavra “legal” é conclusiva, pois, a formulação de um juízo de valor deve extrair-se de factos concretos e não de factos conclusivos.
Assim, o ponto 15. dos factos provados passa a ter a seguinte redacção:
A ré nunca possuiu qualquer forma de registo dos tempos de trabalho (nem mesmo livro de ponto).”
No que reporta à restante alteração, a respectiva matéria corresponde ao alegado no artigo 64.º da contestação, no qual a autora aceita ter recebido a importância de 309,70€, do valor total de 681,23€.
No que se refere às férias não gozadas, foi alegado no artigo 62º da contestação:
Na data do seu despedimento, a Autora ainda não tinha gozado 7 (sete) dias de férias a que tinha direito pelo trabalho prestado em 2014 e vencidas no dia 01/01/2015 (que estavam marcadas para 28 a 30/09/2015 e não foram gozadas devido a baixa; e para 28 a 31/12/2015 e não foram gozadas por via do despedimento da Autora).”.
Ou seja, ao contrário do alegado pela ré, a autora não “entrou de baixa em 28.9.2015 até ao despedimento”. A autora alegou, no citado artigo 62.º da contestação, que esteve de baixa de 28 a 30.09.2015, ou seja, 3 dias.
Assim, competia à ré a alegação e prova da baixa médica da autora, de “28.9.2015 até ao despedimento”, o que não logrou fazer.
Deste modo, improcede o aditamento pretendido pela ré.
4. - A (i)licitude do despedimento da autora.
A ré entende que “a A. desobedeceu dolosamente a uma ordem legítima da empregadora, de forma reiterada, revelando insubordinação e indisciplina, com intenção de impedir e de se subtrair ao controlo do cumprimento do horário e da pontualidade, pelo que violou, repetidamente, o dever de obediência e o dever de zelo e de diligência, em termos que quebram por completo a confiança numa colaboração idónea e que tornam impossível a subsistência do seu contrato de trabalho, pelo que incorreu em justa causa de despedimento, nos termos do nº 1 e das alíneas a) e d) do nº 2 do artigo 351º do Código do Trabalho.”.
A sentença recorrida considerou:
“No caso em apreço a ré despediu a autora, acusando-a de comportamentos que a ré considerou comprometerem definitiva e imediatamente a subsistência da relação laboral, enquadrando-os, conforme consta da decisão disciplinar, no artigo 351.º, nº 2, al. a) e d), do Código do Trabalho, que estabelecem que constitui justa causa:
a) “Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores (…)
d) Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afecto;”
Da prova produzida em julgamento, resultou provado que, por email de 5.7.2015 o presidente da direcção da ré deu à autora a ordem de lhe dar um todos os dias um toque, do telefone fixo da C…, para o seu telemóvel, quando chegasse de manhã, à saída e chegada no intervalo de almoço, e ao sair, no fim do dia, pretendendo a ré justificar esta ordem com a impossibilidade de controlo por outra forma da assiduidade e pontualidade da autora, perante antecedentes de desrespeito do horário de trabalho.
Após cumprir a ordem durante o restante mês de julho, no dia 3.8.2015, pelas 11h08, enviou ao referido presidente da direção e-mail nestes termos: “Ainda que queira que eu ligue, desta forma, não se compravam os horários de trabalho. Mesmo sabendo que não era permitido por Lei, dado que não fica qualquer registo, obedeci. Achei que ao fim de 25 anos, sempre cumpridora do horário de trabalho, e durante o ultimo mês sem falhar um dia nos 4 toques diários que me pediu, voltasse a ter confiança na minha assiduidade, que sinceramente não sei porquê a perdeu.”
E deixou assim de cumprir.
Inexistindo qualquer demonstração de anteriores falhas no cumprimento de horário de trabalho, perante o passado laboral da autora para com a ré, não se estranha o tom da resposta apresentada pela autora.
É manifestamente incompreensível que a ré pretenda após mais de vinte anos de serviço da autora impor-lhe um controlo da pontualidade e assiduidade como o que se descreveu. É um controlo que não deixa registo seguro, transparente, que se baseia essencialmente na palavra do presidente da entidade empregadora como acreditador da sua execução, e que pela sua natureza, face às circunstâncias e ao dito passado anterior de confiança na relação laboral, assoma ofensivo para a dignidade da trabalhadora, percebendo-se a saturação que o seu cumprimento durante cerca de um mês deve ter causado.
Basta mirar o regime previsto no art.º 202.º do Código do Trabalho para rejeitar a valia da ordem em causa.
Pretender, para além disso, da violação desta ordem concluir que se quebrou de forma irremediável a manutenção desta relação laboral, justificando o despedimento da autora por justa causa, revela-se totalmente impertinente e contrário à previsão da lei.
Impor um método de controlo que no caso concreto se mostra claramente ofensivo para a ordem jurídica e para a pessoa da autora é já por si repulsivo. Pretender da violação dessa ordem despedir por justa causa a trabalhadora, é totalmente inaceitável.
Evidencia-se assim a ilicitude do despedimento da autora.”.
Sobre a matéria em causa, regula o artigo 202.º - Registo de tempos de trabalho – do CT, nos seguintes termos:
“1 – O empregador deve manter o registo dos tempos de trabalho, incluindo dos trabalhadores que estão isentos de horário de trabalho, em local acessível e por forma que permita a sua consulta imediata.
2 – O registo deve conter a indicação das horas de início e de termo do tempo de trabalho, bem como das interrupções ou intervalos que nele não se compreendam, por forma a permitir apurar o número de horas de trabalho prestadas por trabalhador, por dia e por semana, bem como as prestadas em situação referida na alínea b) do n.º 1 do artigo 257.º.
3 – O empregador deve assegurar que o trabalhador que preste trabalho no exterior da empresa vise o registo imediatamente após o seu regresso à empresa, ou envie o mesmo devidamente visado, de modo que a empresa disponha do registo devidamente visado no prazo de 15 dias a contar da prestação.
4 – O empregador deve manter o registo dos tempos de trabalho, bem como a declaração a que se refere o artigo 257.º e o acordo a que se refere a alínea f) do n.º 3 do artigo 226.º, durante cinco anos.
5 – Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto neste artigo.”.
No dizer de Pedro Romano Martinez e Outros, Código do Trabalho Anotado, “A norma impõe a todos os empregadores aos quais se aplique o Código do trabalho a criação de registo do tempo de trabalho diário e semanal prestado pelos respectivos trabalhadores, do qual conste a indicação dos momentos em que se iniciaram e terminaram as correspondentes prestações de trabalho diárias”.
Além disso, a grave violação desse dever não só constitui contra-ordenação (cf. n.º 5, do citado artigo 202.º), como “O incumprimento culposo do dever de criar ou de conservar o registo a que alude a norma em anotação inverte o ónus da prova dos factos que possam ser demonstrados através do registo, se com aquele incumprimento o trabalhador, primitivo onerado com aquela prova, ficar impossibilitado de a fazer (artigo 344.º, n.º 2, do CC)” – cf. Autores e obra citada.
Em suma: não só o “toque do telefone” para controlo da pontualidade e assiduidade do trabalhador é uma prática grotesca, face ao legalmente estatuído no citado artigo 202.º do CT, e constitui uma ofensa à sua dignidade (cf. artigo 15.º do CT), como a ré pretende transformar um dever seu, numa desobediência da autora, que, obviamente, não se verificou no sentido jurídico do termo.
Assim, nada a objectar à declaração de ilicitude do despedimento da autora, proferida na sentença recorrida.
5. - Danos não patrimoniais
Nas conclusões de recurso, a ré alega:
11ª Subsidiariamente: A sentença não refere em que factos se baseia para atribuir danos morais, mas os que ficaram provados são insuficientes e insuscetíveis de justificar a condenação.
12ª E mesmo que assim não se entendesse o valor de danos não patrimoniais atribuído era perfeitamente desajustado e excessivo.”.
No corpo das alegações, a ré consignou:
“A sentença não refere em que factos se baseia para atribuir danos morais, refugiando-se em tiradas genéricas absolutamente inócuas. Os factos que parecem relevantes são:
18. O despedimento provocou na autora uma angústia na sua vida pessoal e ainda um profundo desgosto e vexame, por ter sido afastada do seu local de trabalho de há mais de 25 anos.
19. O despedimento causou à autora “stress”, ansiedade, frustração e angústia.
20. E passou a ter necessidade de recorrer a ajuda psiquiátrica.”.
Neste particular, a sentença recorrida pronunciou-se nos seguintes termos:
“ Atendendo ao previsto no art.º 389.º, n.º 1, al. a), do CT, sopesando equitativamente as consequências descrita supra causadas pelo despedimento da autora e por esta padecidas, não esquecendo o no disposto no art.º 496.º do Código Civil, respeitante à ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, que afirma que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, entendendo-se que “a gravidade do dano se há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada)” (in Prof.s Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol I, Coimbra Ed.ª, 3ª ed., p. 473), determina-se condenar a ré a pagar à autora o valor de €3.000,00 (três mil euros) pelos danos morais infligidos.”. (sublinhado nosso).
Ou seja, sobre a questão em apreço, a sentença recorrida teve em consideração os factos descritos sob os números 18), 19) e 20) que a ré transcreveu nas alegações de recurso, os quais são suficientes para fundamentar o direito da autora aos danos não patrimoniais, bem como o montante fixado, atendendo a todo o contexto do despedimento ilícito da autora.
6. - Subsídio de natal
Nas conclusões de recurso, a ré alega:
“13ª A decisão recorrida condenou no pagamento do subsídio de natal como se a trabalhadora não tivesse estado de baixa e em regime de suspensão do contrato de trabalho, como esteve a partir de 28.9.2015 até ao despedimento, pelo que o valor correto a atribuir era o de 247,67€, como alegou a Ré, e não o atribuído pela sentença.”.
Esta matéria está directamente relacionada com a matéria de facto que a ré pretendia aditada, no capítulo da alteração da matéria de facto.
Assim, tendo improcedido o aditamento, nos termos supra referidos, também aqui improcede a pretensão da ré.
7.Formação
Nas conclusões de recurso, a ré alega:
“14ª A sentença não considerou a frequência nos eventos descritos no facto 26 como formação, porque fundamentou que a A. neles participou como funcionária da entidade organizadora, tendo inerentemente tarefas associadas a essa organização, o que não ficou provado.
15ª As 25 horas desses eventos contam como formação e devem ser tidas em conta, ficando a R. a dever apenas 80 horas x 4,29€/hora.”.
Neste particular, foi consignado na sentença recorrida:
Nos termos do art.º 131.º, n.º 2, do Código do Trabalho, o trabalhador tem direito, em cada ano civil, a um mínimo de 35 horas de formação contínua.
A ré não fez prova, como lhe competia, que assegurou à autora as 35 horas de formação a que a mesma tinha direito nos anos de 2013, 2014 e 2015, sendo assaz óbvio que a presença nas conferências acima descritas, destinadas aos associados da C… e não a escriturários – em que a autora participou não como formanda mas sim como funcionária da entidade organizadora, tendo inerentemente tarefas associadas a essa organização – não cai na categoria de formação como a lei a pretende.
Dispõe o art.º 132.º, n.º 1, do mesmo diploma que “as horas de formação previstas no n.º 2 do artigo anterior, que não sejam asseguradas pelo empregador até ao termo dos dois anos posteriores ao seu vencimento, transformam-se em créditos de horas em igual número para formação por iniciativa do trabalhador”, estatuindo o art.º 134.º que “cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado, ou ao crédito de horas para formação de que seja titular à data da cessação”.
Tem a autora direito a receber a retribuição correspondente a 35x3 horas de formação.
A retribuição horária da autora, calculada nos termos do disposto no art.º 271.º, n.º 1, do Código do Trabalho, é de €4,29 (743,16€ X 12) / (52 X 40), pelo que terá a autora direito ao pagamento por parte da ré do total de €450,45 (€4,29 X 105).”.
Sobre esta matéria, está provado no ponto 26. dos factos provados:
26. A autora frequentou os seguintes eventos organizados pela ré:
- Conferência no dia 18.1.2013, no Porto, com H… e I… (5 horas);
- Conferência no dia 9.12.2013, com J… e K… (5h);
- Seminário sobre o tema dos apoios à exportação e internacionalização das empresas de vinhos, no dia 30.4.2015 (5h);
- Conferência "O momento actual da distribuição em Portugal. Qual o futuro?", no dia 25.6.2015 (5h);
- Conferência "12 anos depois de Porter. E agora? Como retomar a estratégia de crescimento para os vinhos portugueses?", no dia 14.7.2015, (5h)”.
Por sua vez, o artigo 131.º - Formação contínua – do CT, dispõe:
“1 – No âmbito da formação contínua, o empregador deve:
a) Promover o desenvolvimento e a adequação da qualificação do trabalhador, tendo em vista melhorar a sua empregabilidade e aumentar a produtividade e a competitividade da empresa;
b) Assegurar a cada trabalhador o direito individual à formação, através de um número mínimo anual de horas de formação, mediante acções desenvolvidas na empresa ou a concessão de tempo para frequência de formação por iniciativa do trabalhador;
c) Organizar a formação na empresa, estruturando planos de formação anuais ou plurianuais e, relativamente a estes, assegurar o direito a informação e consulta dos trabalhadores e dos seus representantes;
d) Reconhecer e valorizar a qualificação adquirida pelo trabalhador.
2 – O trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de trinta e cinco horas de formação contínua ou, sendo contratado a termo por período igual ou superior a três meses, um número mínimo de horas proporcional à duração do contrato nesse ano.”.
E o artigo 133.º - Conteúdo da formação contínua – estatui:
“1 – A área da formação contínua é determinada por acordo ou, na falta deste, pelo empregador, caso em que deve coincidir ou ser afim com a actividade prestada pelo trabalhador.
2 – A área da formação a que se refere o artigo anterior é escolhida pelo trabalhador, devendo ter correspondência com a actividade prestada ou respeitar a tecnologias de informação e comunicação, segurança e saúde no trabalho ou língua estrangeira.
3 – Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no n.º 1.”.
Ora, é manifesto que o teor do ponto 26) dos factos provados não se enquadra na previsão legal dos citados artigos 131.º e 133.º do CT.
Assim, não tendo a ré cumprido o ónus probatório de ter proporcionado à autora a formação contínua prevista nos citados normativos, outra solução não resta do que concordar com o decidido na 1.ª instância, sobre esta questão.
Em conclusão: o recurso da ré não merece provimento.
III. - A Decisão
Atento o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso apresentado pela ré e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela ré.

Porto, 2017.06.26
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
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Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator)
I - O empregador deve manter o registo dos tempos de trabalho em local acessível e por forma que permita a sua consulta imediata.
II - O “toque do telefone” para controlo da pontualidade e da assiduidade do trabalhador é uma prática grotesca, face ao legalmente estatuído no artigo 202.º do CT, e constitui uma ofensa à sua dignidade - artigo 15.º do CT.

Domingos Morais