Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
33/19.3GAARC.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CLÁUDIA RODRIGUES
Descritores: PROVA POR RECONHECIMENTO
MEIO DE PROVA
MODALIDADES
REQUISITOS
CONFIRMAÇÃO
IDENTIFICAÇÃO DO SUJEITO
AUDIÊNCIA
FOTOGRAFIA
ARGUIDO QUE SE AUSENTOU DO JULGAMENTO
PROVA PROIBIDA
PROVA LEGAL
Nº do Documento: RP2022110233/19.3GAARC.P1
Data do Acordão: 11/02/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO.
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO (CRIMINAL)
Área Temática: .
Sumário: I – A nossa lei, no artigo 147º do Código de Processo Penal, prevê três modalidades de reconhecimento, a saber, o reconhecimento por descrição, o reconhecimento presencial e o reconhecimento com resguardo.
II – O reconhecimento por descrição, previsto no seu nº 1, funciona como acto preliminar dos demais, e nele não existe qualquer contacto visual entre os intervenientes, ou seja, entre a pessoa que deve fazer a identificação e a pessoa a identificar.
III – O reconhecimento presencial, previsto no seu nº 2, tem lugar quando a identificação realizada através do reconhecimento por descrição não for cabal.
IV – O reconhecimento com resguardo, previsto no seu nº 3, tem lugar quando existam razões para crer que a pessoa que deve efectuar a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efectivação do reconhecimento, tratando-se, pois, de uma forma de protecção da testemunha, pelo que a pessoa que vai efectuar a identificação deve poder ver e ouvir o cidadão a identificar, mas não deve por este ser vista.
V – O reconhecimento de pessoas que não tenha sido efectuado nos termos ali descritos não vale como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorreu.
VI – O reconhecimento é essencialmente um meio de prova “pré-constituído”, e deve ser realizado temporalmente o mais próximo possível da prática do acto ilícito, no inicio do inquérito, portanto, inadequado para, “ex novo”, ser praticado em audiência de julgamento.
VII – A exibição em audiência de uma fotografia do arguido, já previamente identificado, dada a ausência do mesmo, não corresponde a um reconhecimento da pessoa, conforme previsto no supra mencionado preceito, mas apenas uma confirmação informal de uma identidade já conhecida e que poderá, ou não, reforçar a credibilização do depoimento, ao abrigo do disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal.
VIII - Assim sendo, e porque não estamos perante um reconhecimento no sentido literal do termo, a inobservância do estatuído formalismo acima mencionado não encaixa na proibição de valoração de prova à luz do preceituado no artigo 355º do Código de Processo Penal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo Comum Singular nº 33/19.3GAARC.P1

Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
*
1. RELATÓRIO

Após realização da audiência de julgamento no Processo Comum Singular nº 33/19.3GAARC do Juízo de Competência Genérica de Arouca do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, foi em 29.06.2021 proferida sentença, na qual se decidiu (transcrição):

“V- Dispositivo
Pelo exposto, julgo a acusação procedente e, em consequência, decido condenar o arguido AA, como autor material de:
- um crime de burla, p. e p. pelos artigos 14.º, n.º 1, 26.º, 1.ª parte, 217.º, n.º 1, todos do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão.
- um crime de burla, p. e p. pelos artigos 14.º, n.º 1, 26.º, 1.ª parte, 217.º, n.º 1, todos do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão.
Em cúmulo jurídico na pena única de 1 ano e 6 meses de prisão.
Suspendo a execução da pena pelo período de 1 ano e 6 meses, mediante a entrega ao Lar S ... da quantia de €400,00 até ao final do período da suspensão.
O arguido vai ainda condenado no pagamento das custas do processo, que fixo em 3 UC´s”

Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o arguido AA com os fundamentos descritos na respectiva motivação e contidos nas seguintes conclusões, que se transcrevem:

“A.
Durante o julgamento do arguido, efectuado na sua ausência, foi necessário proceder a reconhecimentos fotográficos, pois anteriormente aos factos as testemunhas não conheciam o seu autor, sendo tal necessidade a única justificação possível para lhes ter sido exibida a fotografia de fls. 11 e perguntado se a pessoa aí retratada era o agente dos crimes. [Ver acta de 22 de Junho e passagens da gravação indicadas nas conclusões M, S e T.]
B.
O tribunal a quo serviu-se, preponderantemente, de tais reconhecimentos fotográficos para formar a sua convicção no sentido de ter sido o arguido o agente dos crimes, contudo os mesmos não têm valor como meio de prova, nos termos do artigo 147.º, n.os 2, 5 e 7, do Código de Processo Penal, pois não foram seguidas de reconhecimentos presenciais.
C.
Ao utilizar e valorar reconhecimentos fotográficos efectuados em audiência sem obediência ao formalismo legal previsto no artigo 147.º, n.os 2, 5 e 7, do Código de Processo Penal, o tribunal a quo violou, além destas normas, o artigo 32.º, n.os 1, 2 e 5, da Constituição.
D.
Tal violação traduz ainda uma intromissão ilegítima na vida privada do arguido e constitui uma prova proibida e nula nos termos do artigo 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, e do artigo 32.º, n.º 8, da Constituição, pelo que o tribunal a quo violou ainda estas normas e o artigo 127.º do primeiro diploma, uma vez que as normas legais que estabelecem proibições de prova constituem limites ao princípio constante deste último artigo.
E.
Fundando-se a douta decisão recorrida numa prova proibida e nula, é também ela nula por força do artigo 122.º, n.º 1, do Código de Processo Penal – o que aqui se vem arguir, nos termos do artigo 410.º, n.º 3, do mesmo diploma, requerendo-se que seja declarada tal nulidade e ordenada a remessa do processo ao tribunal a quo para proferir nova sentença na qual não valore os reconhecimentos fotográficos do arguido.
F.
Prevenindo interpretação e decisão diversas, por mera cautela invoca-se o seguinte:
− É inconstitucional, por violação dos artigos 32.º, n.os 1, 2, 5 e 8 da Constituição, a norma extraída dos artigos 125.º, 127.º e 147.º, n.os 2, 5 e 7, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que é válido como meio de prova, podendo ser livremente apreciado por se inserir no âmbito da prova testemunhal e não no da prova por reconhecimento, o depoimento de uma testemunha/vítima na parte em que identificar um arguido ausente, por fotografia mostrada pelo tribunal no decurso da sua inquirição em julgamento, mesmo que a tal identificação não se siga um reconhecimento efectuado nos termos do n.º 2 daquele artigo 147.º
G.
Sem prescindir e por mera cautela, a título subsidiário do pedido da conclusão E, impugna-se a decisão proferida pelo tribunal a quo sobre matéria de facto, sendo que se consideram incorrectamente julgados os factos dados como provados nos seguintes pontos:
− Episódio de 15 de Janeiro: pontos 1, 2, 4, 5, 7, 8, 9, 10 e 11, concretamente na parte em que referem o arguido;
− Episódio de 13 de Abril: pontos 12, 13, 15, 16, 18, 19, 20, 21 e 22, concretamente na parte em que referem o arguido.
H.
As provas invocadas pelo tribunal a quo na motivação são insuficientes e, por isso, impõem decisão diversa em relação aos pontos impugnados, mediante a substituição das referências neles feitas ao arguido pela expressão “indivíduo cuja identidade não foi possível apurar”.
I.
Para demonstrar a insuficiência de prova e a consequente incorrecção do julgamento quanto à intervenção do arguido nos factos daqueles dois episódios, acima especificados na conclusão G, a impugnação é feita em função das razões e provas concretas que de seguida se passam a invocar.
J.
Começando pelo episódio de 15 de Janeiro, dir-se-á, em primeiro lugar, que o auto de notícia de fls. 3 é desprovido de força probatória, pois o guarda autuante não presenciou os factos, antes se limitou a reproduzir alegadas declarações da ofendida BB, obviamente não valoráveis dado nem sequer estarem por ela assinadas.
K.
Em segundo lugar, dos autos de apreensão de fls. 5 e 16 do processo apensado nada de indiciariamente relevante se pode retirar quanto à intervenção do arguido porque:
a) Reportam-se a bidões apreendidos ao arguido em 13 de Abril, pelo que esta posse não pode constituir um indício concludente quanto à autoria dos factos de 15 de Janeiro;
b) Não há fotografias nos autos dos bidões que a ofendida BB comprou, logo não há possibilidade de comparação com os apreendidos ao arguido;
c) A ofendida BB não foi confrontada com as fotografias dos bidões apreendidos ao arguido, pelo que nem sequer disse que estes eram semelhantes aos que comprou. [Cfr. a gravação integral do seu depoimento, prestado entre as 10:22 e as 10:29 de 22 de Junho de 2021.]
L.
Em terceiro lugar, o aditamento de fls. 8, as fotografias de fls. 4 e o relatório fotográfico de fls. 12 a 15, nada podem provar porque não se referem ao episódio de 15 de Janeiro.
M.
Em quarto lugar, a ofendida BB, que só viu o autor da burla uma vez, no dia dos factos, nem sequer manifestou certeza na identificação da pessoa retratada a fls. 11, pelo que o seu depoimento, face às dúvidas que deixa, não tem nessa parte qualquer valor. [Cfr. sessão de 22 de Junho, passagens 00:20 a 00:30, 05:36 a 05:47 e 05:02 a 05:35, transcritas nos pontos 26 e 28 da motivação.]
N.
Em quinto lugar, o documento de fls. 189 só demonstra que o arguido é proprietário do veículo ..-..-EU, mas daí não se pode inferir a sua participação nos factos de 15 de Janeiro, pois a ofendida BB, única pessoa que os presenciou, nunca referiu qual o veículo com que o autor da burla se fazia transportar, sendo que inexistem outras provas válidas acerca disso.
O.
Em sexto e último lugar, os depoimentos da ofendida CC e das testemunhas DD e EE nada podem provar porque nada disseram sobre os factos de 15 de Janeiro. [Cfr. a gravação integral dos depoimentos na sessão de 22 de Junho: CC, entre as 10:30 e as 10:37; DD, entre as 10:17 e as 10:22; EE, entre as 10:39 e as 10:45.]
P.
Passando agora ao episódio de 13 de Abril, dir-se-á, em primeiro lugar, que o auto de notícia de fls. 3 nada pode provar porque não se refere aos factos desse dia.
Q.
Em segundo lugar, o depoimento da ofendida BB nada pode provar porque ela nada disse sobre os factos de 13 de Abril. [Cfr. a gravação integral do mesmo, entre as 10:22 e as 10:29.]
R.
Em terceiro lugar, o documento de fls. 189 só demonstra que o arguido é proprietário do veículo ..-..-EU, não se podendo daí inferir a sua participação nos factos de 13 de Abril, ademais porque a ofendida CC e a testemunha EE, únicas pessoas que os presenciaram, nunca referiram nos seus depoimentos qual o veículo em que o autor da burla se fazia transportar, sendo que aquela matrícula chega aos autos através de uma informação policial. [Cfr. a gravação integral dos depoimentos indicados e o auto de notícia de fls. 2 do processo apensado.]
S.
Em quarto lugar, não podem ser valoradas as respostas que as depoentes CC e a EE deram quando lhes foi perguntado se a pessoa retratada a fls. 11 era o agente do crime, pois estas são perguntas sugestivas e legalmente inadmissíveis, nos termos do n.º 2 do artigo 138.º do Código de Processo Penal, na medida em que foram acompanhadas da exibição de uma única fotografia. [Cfr. passagens 05:11 a 05:34 do depoimento da ofendida CC e passagens 04:15 a 04:55 do depoimento da testemunha EE, transcritas no ponto 43 da motivação.]
T.
Para acentuar a desconformidade com a lei e o due process of law das perguntas sugestivas em causa, tenha-se em conta que visavam a identificação, direccionada para uma única fotografia,
não de um amigo, conhecido, vizinho ou familiar, mas sim de um desconhecido que as inquiridas só viram no dia dos factos. [Cfr. passagens 00:34 a 00:46 do depoimento de CC e passagens 00:35 a 00:51 do depoimento de EE, transcritas no ponto 44 da motivação.]
U.
Em quinto e último lugar, apesar de o arguido ter sido encontrado, a 13 de Abril, na posse de bidões semelhantes aos que a ofendida CC comprou nesse dia, a verdade é que a relevância deste facto indiciante esbate-se devido à dilação temporal entre a hora da burla (17:30) e a hora da apreensão (20:05).
V.
Por si só, tal facto indiciante não pode fundamentar uma condenação criminal para além de qualquer dúvida razoável, sendo que inexistem outras provas ou indícios que, conjugados com ele, permitam desvirtuar a presunção de inocência do arguido.
W.
Assim, pelas razões e provas concretas acima invocadas, impõe-se decisão diversa da recorrida quanto aos factos especificados na conclusão G, na parte em que referem o arguido, substituindo-se tais referências pela expressão “indivíduo cuja identidade não foi possível apurar” e absolvendo-se, por conseguinte, o arguido dois crimes de burla em que foi condenado.
Pelo exposto:
Deve este recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta sentença recorrida nos termos peticionados nas conclusões que antecedem.
Contudo, Vossas Excelências, Venerandos/as Desembargadores/as, como quer que decidam farão seguramente Justiça!”

Por despacho proferido em 13.05.2022 foi o recurso regularmente admitido, sendo fixado o regime de subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

Respondeu a Magistrada do Ministério Público junto do tribunal a quo às motivações de recurso vindas de aludir, sustentando que a sentença recorrida lógica e coerentemente fundamentada, não é passível de censura, pelo que, deve o recurso ser julgado improcedente e, desta forma, mantida a decisão recorrida nos seus exactos termos, abstendo-se de formular conclusões.

Subiram os autos a este Tribunal da Relação, onde a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que se reporta o art. 416º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de CPP), por entender que a prova é abundante e totalmente consistente no que diz respeito à autoria dos factos típicos e à sua verificação e porque da fundamentação do recurso apresentado pelo arguido resulta claramente que o mesmo quer impor ao tribunal uma conclusão quanto à fixação da matéria de facto completamente contrária às regras da lógica e razão e regras de experiência comum, conclui pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.

Na sequência da notificação a que se refere o art. 417º, nº 2, do CPP, nada mais foi acrescentado.

Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
*
2. FUNDAMENTAÇÃO

Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (art. 412º, nº 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior. Entre outros, pode ler-se no Ac. do STJ, de 15.04.2010, in www.dgsi.pt. “Como decorre do art. 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso”.
No mais, e em face daquilo que se apreende das efectivas conclusões trazidas à discussão pelo recorrente, as questões que importa dirimir prendem-se com:

1ª A validade do reconhecimento fotográfico do arguido feito em audiência de discussão e julgamento 2ª Impugnação da matéria de facto dada como provada nos pontos 1, 2, 4, 5, 7, 8, 9, 10 e 11 no que se refere ao episódio de 15 de Janeiro e pontos 12, 13, 15, 16, 18, 19, 20, 21 e 22, no que tange ao episódio de 13 de Abril, todos na parte em que referem o arguido

Perante as questões suscitadas no recurso, importa recordar a fundamentação de facto da decisão recorrida (transcrição)

II- FUNDAMENTAÇÃO
Factos Provados
1. No dia 15 de janeiro de 2019 pelas 12h30m o arguido AA deslocou-se à residência da ofendida BB sita no lugar..., ... ..., Arouca.
2. O arguido informou a ofendida que era vendedor de azeite, e questionou-a se a mesma estaria interessada em adquirir garrafões de 5 litros de azeite, tendo aberto um dos garrafões, para exibir à ofendida, com vista a que a mesma acreditasse que todos os garrafões continham no seu interior azeite.
3. O preço era de 25,00€ cada garrafão de azeite.
4. Como a ofendida não demonstrou grande interesse, o arguido desde logo propôs um preço inferior, oferecendo 3 garrafões de azeite por 50,00€, ou seja, supostamente ofereceria um garrafão.
5. A ofendida aceitou e entregou ao arguido 50,00€ em numerário e o arguido entregou-lhe os 3 garrafões que foi buscar ao seu veiculo, ainda lacrados.
6. Após o que, abandonou de imediato o local.
7. Sucede que os 3 garrafões entregues pelo arguido à ofendida, não continham azeite, mas sim água.
8. O arguido quis e conseguiu convencer a ofendida a comprar os garrafões, através da utilização de ardil que passava pela simulação de que possuíam azeite no seu interior, o que não era verdade.
9. Foi com base em tal convicção criada pelo arguido, que a ofendida lhe entregou os 50,00€.
10. Com tal conduta o arguido sabia que obtinha para si um benefício patrimonial indevido equivalente à quantia paga, à custa do correspectivo empobrecimento da ofendida, o que conseguiu.
11. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a conduta como a descrita era proibida e punida pela lei penal.
12. No dia 13 de Abril de 2019 pelas 17h30m o arguido AA deslocou-se à residência da ofendida CC sita no lugar..., ..., ... ..., Arouca.
13. O arguido informou a ofendida que era vendedor de azeite e questionou-a se a mesma estaria interessada em adquirir garrafões de 5 litros de azeite, tendo aberto um dos garrafões, para exibir à ofendida, com vista a que a mesma acreditasse que todos os garrafões continham no seu interior azeite.
14. O preço era de 25,00€ cada garrafão de azeite.
15. Como a ofendida não demonstrou grande interesse, o arguido desde logo propôs um preço inferior, de 12,50€ por cada garrafão.
16. A ofendida aceitou comprar dois garrafões e entregou ao arguido 25,00€ em numerário e o arguido entregou-lhe os 2 garrafões que foi buscar ao seu veiculo, ainda lacrados.
17. Após o que, abandonou de imediato o local.
18. Sucede que os garrafões entregues pelo arguido, não continham azeite, mas sim água.
19. O arguido quis e conseguiu convencer a ofendida a comprar os garrafões, através da utilização de ardil que passava pela simulação de que possuíam azeite no seu interior, o que não era verdade.
20. Foi com base em tal convicção criada pelo arguido, que a ofendida lhe entregou os 25,00€.
21. Com tal conduta o arguido sabia que obtinha para si um benefício patrimonial indevido equivalente à quantia paga, à custa do correspectivo empobrecimento da ofendida, o que conseguiu.
22. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a conduta como a descrita era proibida e punida pela lei penal.
23. Do certificado de registo criminal constam as seguintes condenações anteriores:
a. Processo 611/11.9GBOAZ do 2º juízo criminal do Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis.
Por Acórdão de 09.10.2012, transitado em 08.11.2012, foi o arguido condenado na pena de 5 anos de prisão suspensa por igual período pela prática de 2 crimes de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 153º e 155º, nº1, a) do CP, 2 crimes de dano, p. e p. pelo artigo 212º, nº1 do CP, 1 crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº1, a) e nº2 do CP e 1 crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº1, d) e nº2 em conjugação com o artigo 2º, nº1, m) e artigo 3º, nº2, f) da lei 5/2006 de 23 de fevereiro, todos em outubro de 2011.
b. Processo 8/15.1GTAVR do juízo de competência genérica da Anadia – Tribunal Judicial de Aveiro.
Por sentença de 26.06.2019, transitada em 18.12.2020, foi o arguido condenado pela pratica de um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo artigo 348º, nº1 e 2 do CP em 22.10.2014, na pena de 240 dias de multa à taxa diária de €5,00.
c. Processo 23/14.2FDCBR do juízo de competência genérica da Anadia – Tribunal Judicial de Aveiro.
Por sentença de 05.12.2014, transitada em 20.01.2015, foi o arguido condenado pela pratica de um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo artigo 348º, nº1 e 2 do CP em 24.11.2014, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de €7,00, substituída por 119 dias de prisão subsidiária.
d. Processo 83/15.9GBETR do juízo de competência genérica de Estarreja – Tribunal Judicial de Aveiro.
Por sentença de 06.03.2015, transitada em 20.04.2015, foi o arguido condenado pela pratica de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, nº1 e 2 do CP em 05.03.2015, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de €5,00.
e. Processo 93/14.3GTSJM do juízo local criminal de Santa Maria da Feira – Juiz 2 – Tribunal Judicial de Aveiro.
Por sentença de 20.06.2016, transitada em 05.09.2016, foi o arguido condenado pela pratica de um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo artigo 348º, nº1 e 2 do CP em 02.10.2014, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de €6,00.
f. Processo 23/18.3GBETR do juízo local criminal de Ovar – Tribunal Judicial de Aveiro.
Por sentença de 11.12.2018, transitada em 23.01.2019, foi o arguido condenado pela pratica de um crime de burla simples, p. e p. pelo artigo 217º do CP em 28.08.2017, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de €6,00 substituída por 133 dias de prisão subsidiária, suspensa por 1 ano, com a obrigação de o arguido cumprir em tal lapso de tempo 200 horas de trabalho a favor da comunidade.
g. Processo 887/17.8GAEPS do juízo de competência genérica de Esposende – Tribunal Judicial de Braga.
Por sentença de 21.10.2019, transitada em 21.11.2019, foi o arguido condenado pela prática de um crime de burla simples, p. e p. pelo artigo 217º do CP em 05.10.2017, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de €6,00.
24. O arguido quando não tem nada para fazer ajuda o pai na agricultura.
25. Tem o 3º ano de escolaridade.

FACTOS NÃO PROVADOS
Não há.

Motivação

A convicção do Tribunal fundou-se no conjunto da prova produzida, consistente nos documentos juntos aos autos, designadamente - Auto de notícia de fls. 3, o Auto de apreensão de fls. 5 e 16 do processo apensado, Aditamento de fls. 9, Fotografia do arguido, de fls. 11, Documento pesquisa de matrícula de fls. 189, Fotografias de fls. 4 do processo apensado e Relatório Fotográfico de fls. 12 a 15 e no depoimento das testemunhas ouvidas.
A testemunha DD, Guarda da GNR a prestar serviço no Posto ... referiu que receberam uma denuncia de que haveria um indivíduo a vender garrafões de água, dizendo ser azeite e que utilizava um veículo automóvel ..-..-EU, pelo que foram averiguar do que se tratava.
No mesmo dia interceptaram a viatura e o arguido no parque de estacionamento do restaurante “O...”. Aí pediram para ver o que o arguido tinha na bagageira e constataram que aí se encontravam bidões de côr branca com capacidade de 5 litros e 3 sacas com tampas para selar os mesmos, estando um vazio, dois com pouca quantidade de azeite e quatro selados com água.
Reconheceu o arguido da foto de fls. 11 dos autos principais e reconheceu o relatório fotográfico de fls.12 do apenso, onde são visíveis os garrafões opacos.
BB, doméstica e reside no ... é ofendida nos autos. Disse que era meio dia do dia 15 de janeiro de 2019 e o arguido parou à sua porta e disse-lhe se queria comprar azeite que era puro.
Acedeu e comprou 3 garrafões de plástico com lacre vermelho por €50,00. Abriu os garrafões e viu que eram água e não azeite.
O arguido era moreno, de estatura média e forte. Reconheceu o arguido da fotografia de fls. 11 dos autos CC, doméstica, mora no lugar.... É ofendida e referiu que em 2019 no dia em que apresentou queixa e após o almoço chegou a sua casa um sujeito que lhe perguntou se não queria comprar azeite. Deu-lhe a provar uma rolhinha e confirmou que o azeite era bom, razão pela qual acedeu a comprar 2 garrafões por €25,00, que pagou em dinheiro.
Posteriormente constatou que os garrafões que eram brancos com lacre vermelho tinham água.
Reconheceu o arguido da foto de fls. 11.
Foi confrontada com as fotos de fls.4 do apenso e reconheceu os garrafões.
EE, operadora de supermercado, reside em ..., ....
Esclareceu que é filha da testemunha CC e assistiu aos factos relatados pela testemunha.
Da conjugação da prova produzida, designadamente os depoimentos prestados e os documentos juntos aos autos não se suscitaram dúvidas em dar como provados os factos vertidos na acusação.
Na verdade as testemunhas /vítimas relataram os factos com clareza e precisão, tendo reconhecido o arguido da fotografia de fls. 11.
Por outro lado, o militar da GNR confirmou o auto de notícia e reportagem fotográfica junta aos autos, não deixando dúvidas sobre a identidade do arguido, uma vez que o indivíduo que identificou no seu auto é o indivíduo que abordou no estacionamento do restaurante “O...” com os garrafões e lacres na bagageira.
Quanto aos antecedentes criminais foi valorado o certificado do registo criminal do arguido junto aos autos.
Quanto às condições pessoais valorou-se o que consta da Sentença junta aos autos a fls. 21.”

Apreciação do mérito do recurso:

Passamos, agora, a apreciar as questões colocadas no recurso, anotando-se previamente que são alegadas duas questões distintas, porém correlacionadas, uma concernente a erro de julgamento e impugnação da matéria de facto alargada (artº 413 nº 3 e 4 do CPP) e a outra, uma questão de direito: o reconhecimento do arguido alicerçado em valoração de prova proibida, mas ainda assim aclaremos em separado, seguindo a ordem da sua suscitação.

A validade do reconhecimento fotográfico do arguido feito em audiência de discussão e julgamento

O recorrente insurge-se em primeira linha contra a utilização como prova, de fotografia de fls. 11 dos autos, para o seu reconhecimento.
Nessa decorrência afirma que é incontestável que o tribunal a quo se serviu dos reconhecimentos fotográficos para formar a sua convicção no sentido de ter sido o arguido o agente dos crimes, porém os mesmos não têm valor como meio de prova, nos termos do art. 147º, nºs 2, 5 e 7, do CPP, pois não foram seguidos de reconhecimentos presenciais.
E acrescenta, a par da violação do art. 32º, nºs 1, 2 e 5 da CRP, esta traduz ainda uma intromissão ilegítima na vida privada do arguido e constitui uma prova proibida e nula nos termos do art. 126º, nº 3, do Código de Processo Penal, e do art. 32º, nº 8, da CRP, pelo que o tribunal a quo violou ainda estas normas e o art. 127º do primeiro diploma, uma vez que as normas legais que estabelecem proibições de prova constituem limites ao princípio constante deste último artigo.
Pede, pois, que seja declarada a nulidade da sentença recorrida, porque fundada numa prova proibida, ordenando-se a remessa do processo ao tribunal a quo para proferir nova sentença na qual não valore os reconhecimentos fotográficos do arguido.
Examinemos a questão.
Como se depreende do vindo de expor, o recorrente defende que não podia ser condenado com base no reconhecimento fotográfico efetuado em sede de audiência de julgamento, sem ser seguido de um reconhecimento presencial, como resulta do disposto no art. 147º, nºs 2, 5 e 7 do CPP, o que não aconteceu.
Vejamos.
Cumpre preliminarmente anotar que o julgamento foi realizado na ausência do arguido AA, considerando o tribunal a quo que a sua presença não era fundamental para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, como decorre da acta de audiência de julgamento de 22.06.2021.
É conhecido o regime do art. 147º do Cód. de Processo Penal, que aqui se transcreve por mera facilidade de análise :
“Reconhecimento de pessoas
1 - Quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa, solicita-se à pessoa que deva fazer a identificação que a descreva, com indicação de todos os pormenores de que se recorda. Em seguida, é-lhe perguntado se já a tinha visto antes e em que condições. Por último, é interrogada sobre outras circunstâncias que possam influir na credibilidade da identificação.
2 - Se a identificação não for cabal, afasta-se quem dever proceder a ela e chamam-se pelo menos duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, com a pessoa a identificar. Esta última é colocada ao lado delas, devendo, se possível, apresentar-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que procede ao reconhecimento. Esta é então chamada e perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual.
3 - Se houver razão para crer que a pessoa chamada a fazer a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efectivação do reconhecimento e este não tiver lugar em audiência, deve o mesmo efectuar-se, se possível, sem que aquela pessoa seja vista pelo identificando.
4 - As pessoas que intervierem no processo de reconhecimento previsto no n.º 2 são, se nisso consentirem, fotografadas, sendo as fotografias juntas ao auto.
5 - O reconhecimento por fotografia, filme ou gravação realizado no âmbito da investigação criminal só pode valer como meio de prova quando for seguido de reconhecimento efectuado nos termos do n.º 2.
6 - As fotografias, filmes ou gravações que se refiram apenas a pessoas que não tiverem sido reconhecidas podem ser juntas ao auto, mediante o respectivo consentimento.
7 - O reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer.”
Distinguem-se aqui três modalidades de reconhecimento: o reconhecimento por descrição, o reconhecimento presencial e o reconhecimento com resguardo.
Sucintamente se dirá que o reconhecimento por descrição, previsto no nº 1, funciona como acto preliminar dos demais, e nele não existe qualquer contacto visual entre os intervenientes, ou seja, entre a pessoa que deve fazer a identificação e a pessoa a identificar.
O reconhecimento presencial, previsto no nº 2 do mesmo artigo, tem lugar quando a identificação realizada através do reconhecimento por descrição não for cabal.
O reconhecimento com resguardo, previsto no nº3 ainda do art.147º, tem lugar quando existam razões para crer que a pessoa que deve efectuar a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efectivação do reconhecimento. Trata-se, pois, de uma forma de protecção da testemunha. Esta modalidade de reconhecimento obedece à sequência descrita para o reconhecimento presencial, mas agora a pessoa que vai efectuar a identificação deve poder ver e ouvir o cidadão a identificar, mas não deve por este ser vista.
O reconhecimento de pessoas que não tenha sido efectuado nos termos que ficaram expostos, não vale como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorreu.
Sucede, e desde já se antecipa, que o recorrente incorre em confusão quando fala em reconhecimento posto que a sua identificação nunca esteve em causa e foi feita em inquérito e não se suscitaram dúvidas quanto à mesma, não se tratando de conceitos equivalentes, já que aquele é um meio para obter esta.
O reconhecimento é essencialmente um meio de prova “pré-constituído”.
É um dado incontroverso que o reconhecimento do arguido na fase de julgamento também era materialmente impossível, pela circunstância de estar ausente, apesar de devidamente notificado e logo assim o tribunal a quo não o entendeu necessário quando, abrigado no disposto no art. 333º do CPP, não considerou indispensável a sua presença em audiência para a descoberta da verdade material.
No entanto, o próprio tribunal recorrido tomou a iniciativa de efectuar um reconhecimento fotográfico, com recurso a uma fotografia retirada do registo na base de dados do IMT, acto que, perante tal atitude de não considerar necessária a presença do arguido na audiência se nos afigura desnecessário e mesmo contraditória, porquanto, se tinha dúvidas sobrestava no julgamento, e fazia comparecer o arguido com os meios legais ao seu alcance, mas, ainda assim, não se descortina qual a necessidade posto que arguido foi devidamente identificado, e aliás emerge da prova produzida.
Relembra-se que está o arguido plenamente identificado no auto de notícia do dia 12.02.2019, no qual consta a sua identidade como suspeito, a qual foi obtida pela descrição dada pela vítima, modus operandi e viatura utilizada e que correspondiam à de um outro NUIPC.
Em 15.04.2019 foi junto aos autos um aditamento ao auto de noticia no qual e mais uma vez se confirma a identidade do suspeito, que viria a ser constituído arguido, aí se relatando que no dia 13 de Abril de 2019 o arguido foi identificado pela GNR de Oliveira de Azeméis, estando ao volante do veículo da sua propriedade (Renault modelo ... matrícula ..-..-EU) e transportando os bidões fotografados (7 brancos de plástico com capacidade para cinco litros, 4 deles com água, 2 com uma pequena quantidade de azeite e um vazio e 23 tampas de côr vermelha), na sequência da denúncia contra este suspeito relacionado com a compra de azeite, descrevendo um modo operandis em tudo idêntico aos factos denunciados no dia 15 de Janeiro de 2019 e a outras situações também denunciadas e que deram origem a outros processos e já conhecidas do OPC.
As duas ofendidas e testemunha descreveram então o arguido ao OPC em termos das suas características físicas no mesmo dia em que foram abordadas por ele e indicaram o veículo em que o mesmo se fazia transportar, fazendo referência a modelo e marca, assim se chegando à sua identificação, que, assinale-se, nunca esteve em duvida durante a marcha do processo.
Aliás, o suspeito (cujo processo de identificação observou o disposto no art. 250º do CPP) foi depois constituído arguido, como se disse, e sujeito a TIR, sem qualquer contestação.
Donde, a ideia de reconhecer/identificar o arguido por foto, da iniciativa do Tribunal, é um plus, desnecessário como se acabou de explicar, pois não obstante a identificação estar definida e estabilizada processualmente, o Tribunal, decidiu cimentar a convicção com um meio de prova suplementar que, de todo o modo consideramos plenamente legal.
Daí que esta identificação de arguido ausente é perfeitamente legal e insere-se nos poderes cognitivos do tribunal, exercidos ao abrigo do disposto no art. 127º do CPP – princípio da livre apreciação da prova, tal como se extrai do Ac. desta Relação de 11.04.2020 acessível in www.dgsi.pt., cujo entendimento sufragamos.
Ainda no Ac. também desta Relação de 10.07.2019, proferido no processo n.º 4755/15.0T9MTS.P1, disponível na mesma plataforma se retira o mesmo raciocínio: “O reconhecimento/identificação do arguido feito através da apresentação à testemunha de fotografia ampliada do cartão de cidadão, aquando do seu depoimento, não se tratando de um reconhecimento em sentido próprio, mas, antes, de uma mera identificação fotográfica do arguido, em que a testemunha reconhece naquela foto o autor dos factos em discussão, pode concluir-se que esta identificação do arguido se insere no âmbito do depoimento da testemunha e segue o regime estabelecido no CPP para esse depoimento, podendo, por isso, ser valorado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, estabelecido no artigo 127.° do CPP..”
A ideia de um reconhecimento presencial (físico) posterior, neste caso concreto, é impraticável, uma vez que o arguido está ausente. Repare-se que nunca houve necessidade de reconhecer o arguido em sede de inquérito, não tendo sido efectuado nessa fase qualquer reconhecimento e o tribunal a quo apenas procurou reforçar a identificação do arguido ao inquirir as testemunhas confrontando-as com a fotografia de fls. 11.
Na nossa ótica serviu-se de todos os meios legais ao seu alcance para procurar a verdade material e reforçou-a com a exibição da fotografia de fls. 11.
Donde, o reconhecimento formal nunca foi processualmente necessário, de resto confirmado pela passividade da defesa que não requereu esse meio de identificação (art. 147º do CPP).
Por sua vez, a pretensa inconstitucionalidade não tem qualquer cabimento no caso em apreciação, pois insiste-se o arguido sempre esteve identificado. O processo decorreu sem qualquer questão sobre a identificação e nada foi arguido em tempo útil, mormente por via da fase instrutória.
Como já supra se deixou dito, o reconhecimento é essencialmente um meio de prova “pré-constituído”, e deve ser realizado temporalmente o mais próximo possível da prática do acto ilícito – no início do inquérito, portanto – inadequado para, ex novo, ser praticado em audiência de julgamento – cfr. o estudo de João Henrique Gomes de Sousa na Revista Julgar nº 1 – 2007, pags. 155 e ss., sobre o Reconhecimento de Pessoas no Projecto do Código de Processo Penal.
Todavia, in casu, no inquérito, sequer foi considerado tal meio de prova por a identificação do arguido ter afirmativamente levada a efeito, pelas razões já supra explicitadas.
Daí que, e porque não havia duvidas quanto ao autor dos factos, o processo prosseguiu sem recurso a tal meio de prova, já que perante a simplicidade da questão, reforçada por situação de presunção legal de flagrante delito, não se equacionou a utilidade de se proceder a um reconhecimento.
É que da análise do normativo que define o flagrante delito (art. 256º do CPP) resulta que a lei distingue 3 situações distintas: flagrante delito em sentido estrito – “está cometendo”, previsão da 1ª parte do n.º1; quase flagrante delito – “acabou de cometer”, prevista na 2ª parte do n.º1; e presunção legal de flagrante delito n.º2) – em que o agente é perseguido ou, mesmo não sendo perseguido é encontrado (já não no local do crime), acompanhado de objectos ou sinais do crime.
No caso que temos em mão, foi precisamente o que ocorreu no que se refere ao episódio concernente ao dia 13 de Abril de 2019, cujos factos ocorreram cerca das 17.30, sendo que por volta das 20.00 horas o arguido foi identificado pela GNR de Oliveira de Azeméis, estando ao volante do veículo da sua propriedade (Renault modelo ... matricula ..-..-EU) e transportando os bidões fotografados ((7 brancos de plástico com capacidade para cinco litros, 4 deles com água, 2 com uma pequena quantidade de azeite e um vazio e 23 tampas de côr vermelha).
Ou seja, o então suspeito foi encontrado na posse de objectos directamente relacionados com o crime, decorrido um curto período de tempo e não dilatado ante as circunstâncias (duas horas e meia), e foi identificado.
E como justamente observa o Ministério Público nesta Relação “não subsistiu durante a investigação qualquer dúvida quanto à identificação do autor dos factos denunciados, pelo que em sede de julgamento não havia, nem foi assumida pelo tribunal a quo, a necessidade de dissipar dúvidas quanto à identificação da pessoa a quem era atribuída a autoria dos factos que estavam descritos na acusação (…).Não se trata de um reconhecimento da pessoa, conforme previsto no artigo 147.º do CPP, mas apenas uma confirmação informal de uma identidade já conhecida e que poderá ou não reforçar a credibilização do depoimento, ao abrigo do disposto no artigo 127.º do CPP”.
E não se desconhece que esta questão do reconhecimento por fotografia tem gerado alguma controvérsia na doutrina e jurisprudência, havendo quem defenda um reconhecimento rigoroso nos termos do art. 147º do CPP, e consequentemente uma proibição de valoração de prova em caso da sua inobservância à luz do preceituado no art. 355º do CPP.
Todavia não é esse o nosso entendimento, mormente no caso dos autos, já que, repete-se, não estava em causa um reconhecimento no sentido literal do termo.
Mais se diga em relação à arguida nulidade da sentença que em matéria de nulidades de sentença, a lei processual não prevê nenhuma que decorra da omissão de uma diligência que respeite à produção da prova.
Com efeito, as nulidades são apenas as elencadas nas três alíneas do nº 1 do art. 379º do CPP, aí se determinando:
“1- É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º -A e 391.º -F;
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
No entanto, prevê a lei, que a omissão, em fase de julgamento, de uma diligência reputada como essencial para a descoberta da verdade, traduza uma nulidade do procedimento, prevista no art. 120º, nº 2, al. d), 2.ª parte, a qual depende de arguição pelos interessados, no prazo referido no nº 3 al. a), do mesmo artigo. Tratando-se de nulidade do acto a que o interessado assista, até ao final desse acto, caso contrário, no prazo geral de dez dias, referido no art. 105º, nº 1, tendo a mesma de ser arguida perante o tribunal de primeira instância, o qual deverá sobre ela tomar posição em primeiro lugar, na medida em que, só as nulidades de sentença podem ser invocadas no recurso desta, perante o tribunal superior.
Das demais, o tribunal superior só conhecerá em recurso da decisão que sobre elas for proferida na primeira instância.
Consequentemente, a nulidade referida, a existir, estaria neste momento sanada, porque não invocada no aludido prazo, perante o tribunal recorrido.
Ainda assim, mesmo só podendo ser discutida a pertinente questão - se se trata ou não de prova proibida - em sede de reapreciação da prova, no âmbito da impugnação da matéria de facto, e tal como já se expendeu, é manifesto que não assiste razão ao recorrente.
Ademais não se mostra posta em causa qualquer garantia de defesa do arguido constitucionalmente consagrada, nomeadamente as constantes dos nºs 5 e 8 do art. 32º da CRP.
Por seu turno a fotografia exibida do arguido foi retirada, como se disse, do registo na base de dados do IMT, ou seja, de documento público identificativo, não havendo, como é evidente, qualquer intromissão na vida privada do arguido.
Impõe-se desta forma concluir que não foi valorada pelo tribunal recorrido qualquer prova proibida, nem a decisão condenatória assentou em qualquer meio de prova dessa natureza.
Improcede, pois, a invocada nulidade prevista do art 147º nº 7 do CPP e assim nesta parte a pretensão recursiva.

Impugnação da matéria de facto dada como provada nos pontos 1, 2, 4, 5, 7, 8, 9, 10 e 11 no que se refere ao episódio de 15 de Janeiro e pontos 12, 13, 15, 16, 18, 19, 20, 21 e 22, no que tange ao episódio de 13 de Abril, todos na parte em que referem o arguido

O arguido, a título subsidiário, impugna a matéria de facto deixada elencada, entende que os sobreditos pontos dos factos provados foram incorretamente julgados, pois em seu entender as provas invocadas pelo tribunal a quo são insuficientes e impõem decisão diversa da recorrida em relação aos concretos pontos de facto impugnados, e pede a substituição das referências neles feitas ao arguido pela expressão “indivíduo cuja identidade não foi possível apurar”, ou por outra de natureza semelhante. Em relação ao episódio de 15 de Janeiro argumenta essencialmente, em abono da sua posição, que o auto de notícia de fls. 3 é desprovido de força probatória, pois o guarda autuante não presenciou os factos, não houve apreensão, nem constam fotografias nos autos, dos bidões que a ofendida BB comprou em 15 de Janeiro, motivo pelo qual não há possibilidade de comparação com os apreendidos ao arguido em 13 de Abril. Acrescenta que a ofendida BB não foi confrontada com as fotografias dos bidões apreendidos ao arguido em 13 de Abril, pelo que nem sequer disse que estes eram semelhantes aos que comprou em 15 de Janeiro, tão pouco referiu o veículo com que o autor da burla se fazia transportar nesse dia. Para além do mais aquela ofendida não identifica o arguido com certeza e confiança pelo que o seu depoimento não tem nessa parte qualquer valor e transcreve excertos do depoimento desta.
E no que ao episódio do dia 13 de Abril concerne, a ofendida CC e a testemunha EE, únicas pessoas que presenciaram os factos, nunca referiram nos seus depoimentos qual o veículo em que o autor da burla se fazia transportar
Devem ademais ser desconsideradas as respostas das depoentes CC e EE em relação à dentificação do arguido porque as perguntas foram sugestivas e legalmente inadmissíveis, nos termos do n.º 2 do artigo 138.º do CPP, na medida em que foram acompanhadas da exibição de uma única fotografia.
E apesar de o arguido ter sido encontrado, a 13 de Abril, na posse de bidões semelhantes aos que a ofendida CC comprou nesse dia, a verdade é que a relevância deste facto indiciante esbate-se devido à dilação temporal entre a hora da burla (17:30) e a hora da apreensão (20:05).
Em consonância, pede que seja absolvido da prática dos crimes de burla pelos quais veio a ser condenado.
Prosseguindo com a análise da questão:
A matéria de facto pode ser questionada por duas vias, a saber:
- no âmbito restrito, mediante a arguição dos vícios decisórios previstos no art. 410º, n.º 2 do CPP, cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo, por isso, admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar, ainda que se trate de elementos existentes nos autos e até mesmo provenientes do próprio julgamento;
- na impugnação ampla a que se reporta o art. 412º, nº 3, 4 e 6 do CPP, caso em que a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência.
Certo é que que nos termos do art. 428º, nº 1 do CPP, as Relações conhecem de facto e de direito e à luz do preceituado no art. 431º do CPP “Sem prejuízo do disposto no art. 410º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do nº 3, do artigo 412º; ou c) Se tiver havido renovação da prova.”
Assim, dispõe o aludido art. 412º, nº 3 que “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.”.
O nº 4 “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”
E no nº 6 “No caso previsto no nº 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa”.
Sucede que no presente recurso não é apontada a existência de qualquer vício decisório – muito embora o Ministério Público aluda na resposta à invocação de erro notório na apreciação da prova mas que de todo foi invocado -, sendo antes e apenas deduzida impugnação ampla.
Como já se deixou enunciado, o recorrente sustenta que não há razão para que o tribunal a quo desse como provada a sua participação nos factos pelos quais foi condenado, atendo-se unicamente ao reexame de alguns meios de prova.
Todavia, no que a esta última modalidade de impugnação se refere, impõe-se ao recorrente o dever de especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa. Sendo que tal ónus tem de ser observado para cada um dos factos impugnados, devendo ser indicadas em relação a cada facto as provas concretas que impõem decisão diversa e bem assim tem de ser referido qual o sentido em que devia ter sido produzida a decisão.
Como se destaca no Ac. do STJ de 02.06.2008, disponível in www.dgsi.pt., mesmo essa reapreciação ampla sofre as limitações que decorrem e resultam dos seguintes factores:
- da necessidade de observância pelo recorrente do ónus de especificação, restringindo aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;
- da falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações, postergando-se assim a “sensibilidade” que decorre de tais princípios;
- de a análise e ponderação a efectuar pelo Tribunal da Relação não constituir um novo julgamento, porque restrita à averiguação ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros indicados pelo recorrente; e de
- o tribunal só poder alterar a matéria de facto impugnada se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b) do nº 3 do citado art. 412º), e não apenas a permitirem.
O tribunal de recurso não realiza, pois, um segundo julgamento da matéria de facto, procedendo a uma reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas lhe incumbe emitir juízos de censura crítica a propósito dos pontos concretos que sejam especificados e indicados como não correctamente julgados (sem prejuízo da audição da prova para contextualização do alegado, nos termos impostos no nº 6 do art. 412º).
Em suma, o recurso da matéria de facto não representa um novo julgamento (o que só ocorre nos casos restritos de renovação da prova em segunda instância, nos termos do art. 430º); ele constitui um meio de cura para os eventuais vícios de julgamento em primeira instância, sempre tendo em atenção que este último tribunal julga em condições diversas do tribunal de recurso: a oralidade e a imediação são princípios basilares na recolha dos elementos probatórios
E posto que o juízo de credibilidade (das provas oralmente produzidas) depende logicamente do carácter, da postura e da integridade moral de quem as presta e não sendo tais qualidades apreensíveis mediante leitura, exame e análise das peças processuais onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto com as pessoas, é notório e evidente que o tribunal superior, salvo algumas excepções, adoptará o juízo valorativo formulado pelo e no tribunal a quo. Esta linha orientadora de pensamento encontra eco e está hoje traduzida de forma duradoura na jurisprudência dos tribunais superiores.
É que no nosso sistema processual vigora o princípio da livre apreciação da prova - cfr. art. 127º do CPP -, em conformidade com o qual o juiz tem total liberdade, de acordo com a sua íntima convicção, de proceder à valoração dos meios de prova obtidos. Mas a livre apreciação da prova só está sujeita ao controlo desta instância de recurso, quando a violação do princípio da objetividade for manifesta.
Por outras palavras, pode-se dizer que, por regra, e ressalvadas as exceções previstas na lei, na apreciação da prova e partindo das regras de experiência, o tribunal é livre de formar a sua convicção.
O duplo grau de jurisdição na apreciação da decisão da matéria de facto não tem, portanto, a virtualidade de abalar o princípio da livre apreciação da prova que está conferido ao julgador de primeira instância, que ainda assim se encontra vinculado às regras da experiência e da lógica comum, bem como às provas que estão subtraídas a essa livre convicção, sendo esta motivada.
E tecidas estas considerações, cabe concluir que assim e para além da violação das provas subtraídas à livre apreciação do julgador, ou da violação dos referidos princípios, o juízo decisório da matéria de facto só é susceptível de ser alterado, em sede de recurso, quando a racionalidade do julgamento da matéria de facto corresponda, de um modo objectivo, a um juízo desrazoável ou mesmo arbitrário da apreciação da prova produzida.
Donde, não basta para a procedência da impugnação e correspectiva modificação da decisão de facto que as provas produzidas permitam uma decisão diversa da proferida pelo tribunal, sendo necessário que as provas especificadas pelo recorrente imponham decisão diversa da recorrida.
Volvendo à situação em análise, começamos por destacar que a alegação recursiva não obedece às exigências legais que decorrem do aludido preceito legal, porquanto apenas exprime a divergência do recorrente relativamente à avaliação da prova efectivada pelo tribunal a quo, e em concreto na formação da convicção no que aos sobreditos itens dos factos provados concerne, mas sem especificar no entanto, em relação a cada um dos factos impugnados, as provas concretas que impõem – e não apenas permitem - decisão diversa da tomada pelo tribunal a quo (sublinhado nosso).
Por seu turno, o recorrente invoca alguns depoimentos, mas ainda assim limitados a algumas partes truncadas dos mesmos, o que, de modo algum dá satisfação às supra enunciadas exigências legais.
E, para além de terem que ser analisados na íntegra, tem ademais, complementarmente, que atender-se à globalidade da prova produzida.
De todo o modo, basta atentar na motivação da sentença acima reproduzida, para se perceber que foram analisados e ponderados cuidadosa e criteriosamente todos os meios de prova, ou seja, compaginaram-se todos os elementos de prova produzidos, testemunhal e documental, em conjugação com juízos de normalidade e das regras da experiência, dos quais emerge clara e suficientemente comprovada a actuação do arguido nos moldes tidos como assentes.
O que se extrai, pois, da sua motivação, são conclusões baseadas em excertos desgarrados, passagens incompletas, dos nomeados depoimentos testemunhais, e na tentativa de os descredibilizar, sem atentar à demais prova produzida e concatenação da globalidade dessa mesma prova produzida e devidamente elencada na sentença.
Dúvidas não temos que o tribunal a quo valorou corretamente a prova, não há qualquer insuficiência de prova, e a identificação do arguido pela fotografia de fls. 11 bem podia ser dispensada, pois a prova produzida é suficiente para incriminar o arguido.
Na verdade, como já se aflorou, o mais importante foi definir como se procedeu à identificação do arguido no auto de notícia, para a partir daí, confrontada com a demais prova produzida se concluir pela participação do arguido nos factos, aferida de acordo com juízos de racionalidade, de lógica e de experiência que confirmam os factos cuja veracidade cumpria demonstrar.
No caso vertente, o tribunal a quo explicitou claramente e de forma perfeitamente lógica e sustentada na prova produzida, a decisão de facto, não podendo deixar de trazer a liça, que a actuação criminosa discutida nos presentes autos, era em tudo semelhante à ocorrida e denunciada já noutros processos cuja investigação estava em curso, sempre numa área geográfica circunscrita a Ovar, Santa Maria da Feira e Arouca e o suspeito desde cedo identificado.
Elucidativos meios de prova foram reunidos nos autos, documentado o modo de agir do arguido idêntico em todas as suas abordagens, utilizando o veículo identificado e da sua propriedade como transporte, veículo esse identificado pelas ofendidas EE e CC, que mesmo desconhecendo a matrícula referiram a marca (Renault), modelo ..., côr (cinza), e no caso da ofendida BB referindo ainda parte da matrícula (EU); utilizando o mesmo tipo de garrafão plástico para a suposta venda de azeite; referindo valores aproximados de preço e fazendo o mesmo tipo de descontos para convencer à venda; e fulcral quanto a nós, o arguido foi abordado pelo OPC no dia 13 de abril de 2019 conduzindo o veículo já identificado no processo e transportando na mala do carro os garrafões plásticos descritos em denúncias anteriores, com tampas para selar os mesmos, nomeadamente, na situação denunciada pela testemunha BB e contendo parte desses bidões apenas água e em dois pouca quantidade de azeite.
Por fim e quanto às declarações quer das ofendidas quer das testemunhas, destaca-se o militar da GNR que confirmou os sobreditos auto de notícia e reportagem fotográfica, e confirmou com toda a certeza a identidade do arguido, tratando-se do mesmo indivíduo que abordou no estacionamento do restaurante “O...” com os garrafões e tampas na bagageira do veículo que conduzia e lhe pertencia identificado logo de início. As demais testemunhas descreveram-no, assim como ao seu modo de actuação similar nas duas situações apreciadas nos autos, e ao veículo que conduzia pertencente ao aqui arguido.
Uma pequena nota no que se refere ao depoimento da testemunha BB que não evidenciou hesitação relevante ou significativa, apenas fez um esforço de memória o que é perfeitamente natural e compreensível.
Já quanto à pretensa violação do art. 138º, nº 2, do CPP por referência aos depoimentos das testemunhas EE e CC por alegada sugestionabilidade das perguntas efectuadas pelo tribunal, considerando-as o recorrente legalmente inadmissíveis, dir-se-á apenas que não foi pelo arguido, na pessoa do seu defensor, suscitada qualquer irregularidade no próprio acto da sua inquirição, até porque na ótica daquele teria sido o próprio juiz a formular as perguntas inadmissíveis, sendo este o garante do cumprimento das regras da inquirição da testemunha à luz do preceituado no art. 323º, al. f) do CPP.
Em consonância, o prazo para a arguição da pretensa irregularidade é, de acordo com a regra geral do art. 123º do CPP, até ao fim da inquirição de cada testemunha, pois é esse o ato processual que está em causa. Não o fazendo até ao final da inquirição da testemunha, a irregularidade fica sanada.
De todo o modo, escutados os depoimentos em questão não descortinamos a convocada irregularidade limitando-se aquelas a confirmar que a pessoa que as abordou correspondia à da fotografia exibida.
Donde, foi a prova testemunhal concatenada com a prova documental carreada e produzida nos autos, nela incluída a fotografia de fls. 11, sendo esta livremente apreciada nos termos já supra aclarados e decididos.
Em suma, da análise conjugada das declarações das ofendidas, dos depoimentos prestados pelas mencionadas testemunhas e da prova documental contida no processo - mostrando-se, no essencial, tais meios de prova coerentes e congruentes entre si - que retira o tribunal a sua convicção.
Reiterando a posição do Ministério Público podemos sem incerteza afirmar que compulsado o acervo probatório, o qual deve ser analisado como um todo e não de forma meramente atomista, é evidente o raciocínio lógico e acertado do Tribunal a quo, pelo que, os factos que o tribunal julgou provados não contrariam as regras da lógica ou da experiência comum, estando a sentença recorrida, lógica e coerentemente fundamentada.
Donde, não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada.
Verifica-se, desta feita, que os elementos de prova que o recorrente indica para contrariar as conclusões obtidas pelo tribunal não impõem, efectivamente, decisão diversa da recorrida.
Donde, o recorrente, embora com referenciação e/ou transcrição de depoimentos, limita-se a expressar o seu desacordo relativamente ao modo como o tribunal de 1ª instância valorou a prova produzida, contrapondo a sua própria análise valorativa, verificando-se, porém, inequivocamente que o tribunal a quo explica de forma coerente o motivo pelo qual se convenceu de que o arguido/recorrente adoptou os comportamentos descritos na decisão sob recurso.
O acervo de provas que o tribunal examinou com detalhe, não contrariado por outros elementos, dúvidas, não permite ficar com dúvidas acerca da participação do arguido nos factos, e que assim vieram a ser dados como provados.
Nenhuma censura merece, assim, a firme convicção do tribunal a quo, quanto à demonstração da factualidade impugnada pelo recorrente, mostrando-se esta decisão congruente com a prova produzida, aferida segundo juízos de normalidade decorrentes das regras da experiência comum e, portanto, com o princípio da livre apreciação da prova, e sem violação do princípio da presunção de inocência do arguido (art. 32º, nº 2 da CRP) como arremessa o arguido.
Pelo que, lidos e analisados os segmentos da prova reproduzidos não se extraem motivos objectivos que justifiquem a modificação da matéria de facto impugnada e determinem o afastamento do raciocínio lógico desenvolvido pelo tribunal a quo, mas antes se confirmam os fundamentos em que se alicerçou a convicção do tribunal sobre a matéria provada. Posto que, e de forma a não deixar dúvidas, o tribunal a quo explicou de forma coerente e consistente porque se convenceu acerca da descrita actuação do recorrente nos moldes tidos como assentes na decisão recorrida.
Por outro lado, e como outrossim se destacou, a alteração da matéria de facto, por via da impugnação ampla, não pode basear-se na virtualidade de formulação de um juízo probatório diverso daquele que subjaz à decisão recorrida, mais exige a lei que a prova indicada pelo recorrente infirme ou invalide a decisão que foi tomada e determine, de modo inequívoco e inabalável, a apreciação proposta pelo impugnante, desiderato não alcançado no caso presente.
Nestes termos, carece de fundamento a pretensão recursiva de modificação da matéria de facto.
Consequentemente, improcede o recurso na totalidade.

3. DECISÃO:

Em conformidade, acordam os juízes desta Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso confirmando integralmente a decisão recorrida.
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Custa pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) Ucs.
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Notifique.

(Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º, nº 2, do CPP – e assinado digitalmente).

Porto, 02 de novembro de 2022

Cláudia Rodrigues
João Pedro Pereira Cardoso
Raul Cordeiro