Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4570/08.7TBVNG-A.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MÁRCIA PORTELA
Descritores: CONTRATO DE MÚTUO
FIADOR
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
CLÁUSULA DE EXCLUSÃO
CONTRATO
PERDA DO BENEFÍCIO DO PRAZO
Nº do Documento: RP201606144570/08.7TBVNG-A.P2
Data do Acordão: 06/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS, N.º 722, FLS.82-99)
Área Temática: .
Sumário: I - A cláusula constante de um contrato de mútuo celebrado com uma instituição de crédito, que estabelece que determinados outorgantes se constituem fiadores, com renúncia ao benefício da excussão prévia, correspondente a uma cláusula tipo idêntica em todos os contratos celebrados, é uma cláusula contratual geral.
II - Não tendo a apelada /exequente logrado provar que essa cláusula resultou de negociação prévia, aplica-se o regime do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações que introduzidas pelos Decreto-Lei n.°s 220/95, de 31 de Janeiro, e 249/99, de 07 de Julho (cfr. artigo 1.º, n.º 3 deste diploma).
III - A circunstância de não se ter provado que tal cláusula foi comunicada não implica automaticamente a sua exclusão do contrato, nos termos do artigo 8.º desse diploma, porque o conceito de fiador é de fácil apreensão: quem se constitui fiador sabe que terá de pagar se a pessoa afiançada falhar o pagamento.
IV - Já a expressão «renúncia ao benefício da execução prévia» é de pendor técnico-jurídico, carecendo de ser explicada.
V - Seria contrário à boa fé excluir a vinculação como fiador quando resulta da prova que ele já tinha tido contacto com o instituto da fiança.
VI - Nessa conformidade é adequado excluir apenas o segmento «com renúncia do benefício da excussão prévia» do contrato, mantendo a fiança a característica da acessoriedade.
VII - A perda do benefício do prazo não é extensiva ao fiador nos termos do artigo 782.º CC.
VIII - Não tendo sido afastada a regra constante do artigo 782.º CC, os fiadores não perderam o benefício do prazo, razão por que apenas lhes podem ser exigidas as prestações que se venceram pelo decurso do prazo e até à propositura da execução, acrescidas de juros vencidos e vincendos, e das que forem cumuladas e respectivos juros, sem prejuízo da acessoriedade da fiança.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 4570/08.7TBVNG-A.P2
Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório

B… e C…, por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa fundada em escritura pública do contrato de mútuo com hipoteca deduzida por Banco D…, S.A., na qualidade de fiadores, arguir a nulidade das cláusulas referentes à fiança, devendo, por conseguinte, ser as mesmas excluídas do contrato celebrado, por serem nulas nos termos e para os efeitos dos artigos 8.º, 12.º e 14.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro.
Alegaram para tanto, e em síntese, que que o contrato celebrado é um contrato de adesão, cujas cláusulas são genéricas e pré-fixadas e que não esteve ao alcance do mutuário nem dos seus fiadores realizar quaisquer negociações prévias quanto ao conteúdo das cláusulas que integram o contrato celebrado, com excepção da cláusula que determina o montante do negócio e que os mutuários se limitaram a subscrever, aceitando por conseguinte as condições impostas. A exequente não informou nem clarificou aos oponentes, enquanto fiadores, o sentido das obrigações assumidas, designadamente que, no caso de não cumprimento do contrato, seriam responsabilizados, nos mesmos termos e medida, que o próprio mutuário.
Tão pouco, lograram os oponentes compreender em que consistia a renúncia ao benefício da excussão prévia ou sequer foram informados que o incumprimento do contrato acarretaria determinados juros que agravariam consideravelmente montante afiançado, nem lhes foi explicado que poderiam ser demandados judicialmente caso o mutuário faltasse ao cumprimento do contrato, mais do que acessoriamente, como verdadeiros devedores principais, até porque o grau de instrução dos oponentes é bastante baixo. E atendendo a que os oponentes apenas tiveram contacto com o contrato de mútuo a celebrar no próprio dia e na própria hora da celebração da escritura pública, não tendo sido informados das implicações que o mesmo para aqueles acarretaria e, nem tão pouco, tiveram tempo para tal, por não terem tido tempo para indagar junto de algum técnico para que fossem informados sobre o real conteúdo das cláusulas inscritas no contrato. Ora a falta de cumprimento deste dever, por parte da exequente, com a prévia antecedência, relativamente à data de celebração do contrato, e o facto de no mesmo constarem termos e institutos jurídicos desconhecidos do comum dos cidadãos levará, necessariamente, a que a fiança e, em consequência, o benefício da excussão prévia, sejam excluídos do contrato celebrado, por serem nulas tais cláusulas.
Concluem pedindo a declaração de nulidade da cláusula relativa à fiança e à renúncia ao benefício de excussão prévia e, em consequência, deve ser extinta a execução quanto aos oponentes, e peticionam ainda a redução do montante da quantia exequenda, em virtude da inexistência de título quanto aos juros remuneratórios.
Respondeu exequente, afirmando que o contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança celebrado em 1998.10.29 foi previamente negociado e discutido entre as partes outorgantes, designadamente, no que respeita às contrapartidas monetárias a conceder ao co-executado E… ao prazo e modo de reembolso dos montantes financiados e às garantias de pagamento das obrigações contratualizadas, entre outras, várias, questões escrutinadas entre as partes, de modo a serem ajustadas no contrato dado à execução porquanto o mesmo foi redigido com respeito integral pelo previamente acordado e discutido e, finalmente, assinado. Pelo que os oponentes, na qualidade de fiadores, tiveram todo o tempo necessário para pensarem naquelas condições, se aconselharem como muito bem entendessem e, eventualmente esclarecerem quaisquer dúvidas, tendo o banco prestado todos os esclarecimentos devidos.
Foi proferida sentença julgando a oposição improcedente, sentença essa que foi anulada, tendo sido determinada a ampliação da base instrutória.
Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a oposição improcedente.
Inconformados, apelaram os oponentes, apresentando as seguintes conclusões:
A Na oposição à execução os Recorrentes alegaram a nulidade de algumas das cláusulas do contrato que serviu de título executivo. Ao contrário do que decidiu o Tribunal “a quo”, o contrato de mútuo para aquisição da habitação, é um contrato de adesão e é composto por cláusulas contratuais gerais. Aliás é a própria sentença quem o refere: das cláusulas contratuais gerais constantes do contrato (sublinhado nosso) ”
B O nº 2 do Artº 1º do RGCCG refere que: “O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar”. Sendo certo que nos termos do nº 3 do Art.º 1º e também do nº 3º do Art. 5º do referido diploma legal tal prova, compete à parte que pretende beneficiar do conteúdo das ditas Cláusulas.
C Isto é, competia, in casu, à Recorrida, fazer prova de que o conteúdo das Cláusulas constantes do contrato de mútuo junto aos autos resultou de negociação prévia com os Apelantes. Não apenas de uma forma geral, ou genérica, mas, teria que demonstrar, que Cláusula a Cláusula foi feita tal negociação, de forma a tornar evidente que seria impossível que os Apelantes desconhecessem o verdadeiro conteúdo daquilo que estava a assinar. Razão pela qual, aos apelantes competia a alegação e a prova sumária ou prima facie de tal facto, competindo à Recorrida fazer prova de que não se poderia aplicar, às cláusulas em questão, o regime especial referido.
D A matéria dada por provada (dos pontos 4, 9, 10, 14 e 15 dos factos provados, correspondentes às respostas aos quesitos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 11, 12 e 13 da base instrutória) está em contradição com a prova produzida, e impunha decisão diametralmente oposta, com as necessárias consequências legais.
E As várias testemunhas ouvidas e apresentadas pela Recorrida referiram que os contratos de mútuo eram “minutas” e “contratos tipo” dos quais as referidas testemunhas também não se lembram de alguma vez terem sido alterados consoante o cliente. Aliás, referiram apenas que só algumas cláusulas é que são negociadas, nomeadamente as inerentes aos montantes de empréstimo e respetivos prazos de pagamento.
F Efetivamente, as várias testemunhas ouvidas e apresentadas pela Recorrida, não estiveram nos preliminares da concretização do contrato, nem eles próprios sabiam explicar cláusulas que estão contempladas, nomeadamente a renuncia ao benefício da excussão prévia.
G Sendo que, inclusivamente o Sr. F… (testemunha da Recorrida) referiu que o documento era igual para todos os clientes do Banco.
H A testemunha G… referiu que existiam cláusulas que a Recorrida não abdica de celebrar nos contratos que realiza.
I Em face da prova produzida, não existe qualquer fundamento para que tenha ficado provado que a Cláusula em causa nos autos e relativa à fiança e respetivo benefício da excussão prévia havia sido explicada aos Recorrentes.
J Na verdade, o contrato de mútuo, celebrado por escritura pública, em 29/10/1998, é, como resultou claríssimo da prova produzida, um contrato de mera adesão, sujeito por isso, ao regime das cláusulas contratuais gerais.
K Pelo que, competia à Recorrida realizar a prova de que as mesmas haviam sido devidamente explicadas aos Apelantes.
L Ora, não só não se realizou tal prova, como ficou claro que nada foi informado aos Apelantes.
M Os Recorrentes não têm qualquer preparação jurídica, são pessoas modestas, de recursos modestos.
N O marido foi operário da construção civil e tem a 4ª classe estando actualmente reformado por invalidez.
O A mulher foi empregada numa empresa têxtil estando actualmente desempregada.
P O dever de informação da Recorrida é, no caso dos autos, imprescindível, para que as pessoas percebessem bem o que lhes poderia acontecer e a gravidade que implicaria qualquer incumprimento.
Q Se é vá ido o que se disse quanto á falta de explicação o conteúdo da obrigação assumida pelos Oponentes, enquanto “fiadores e principais pagadores”, não será menos válido dizer-se que era obrigação da Exequente, informa-los concretamente, no que consistia o benefício da excussão prévia, nomeadamente a renúncia ao mesmo.
R A intensidade do dever de informação relaciona-se, directamente, com as circunstâncias concretas do negócio a celebrar.
S Bem como, se relaciona o dever de informação, com as características da contraparte, nomeadamente a sua formação, conhecimento e experiência no que toca ao negócio a celebrar e suas condições.
T O que, no caso em apreço, sempre faria com que o correcto exercício do dever de informação fosse vital, para assegurar a boa-fé da Exequente no contrato celebrado.
U Pelo exposto se verifica que não foi dado cumprimento às disposições legais citadas, o que deveria ter acontecido, atendendo a todos os factos já expostos.
V A falta de cumprimento deste dever, por parte da Exequente, com a prévia antecedência, relativamente à data de celebração do contrato, e o facto de, do mesmo constarem termos e institutos jurídicos desconhecidos do comum dos cidadãos, levará, necessariamente, a que a fiança e, em consequência, o benefício da excussão prévia, sejam excluídos do contrato celebrado, por serem nulas tais cláusulas.
W Assim, deveria ter sido dado por provado, nos pontos da matéria de facto acima elencados, que o contrato em causa se tratava de um contrato de adesão que não foi discutido ou negociado entre as partes (ponto 10).
X Deveria também ter sido dado por provado que não foi explicado aos Apelantes o conteúdo do contrato elaborado pela Exequente que nunca informou os mesmos sobre as obrigações legais inerentes a tal acordo. (ponto 15).
Y Situação que implicaria uma diferente redação dos pontos 4, 9 e 14 dos factos provados, nos quais se deveria deixar claro o que acima se expõem.
Z No que toca ao conteúdo do Requerimento executivo, sempre competirá dizer que os montantes peticionados, pela exequente, carecem de título executivo.
AA Porém, a douta sentença de que aqui se recorre não se chega sequer a pronunciar sobre esta matéria o que constitui uma nulidade, nos termos do disposto na alínea d) do nº 1 do Art.º 615º.
BB Isto porque, no requerimento executivo, são peticionados os juros remuneratórios, que não são devidos nos termos sobreditos.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve a sentença recorrida ser revogada por douto Acórdão que julgue procedente a oposição à execução nos termos sobreditos, só assim se fazendo
JUSTIÇA
2. Fundamentos de facto
A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
1. Por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança celebrada em 29.10.1998, no Porto, o Banco reclamante mutuou ao executado E…, a quantia de PTE 11.200.000$00, que corresponde a 55.865,36 €, da qual o mesmo se confessou devedor, pelo prazo de 30 anos, conforme os termos e nas condições do documento junto ao requerimento executivo inicial sob o documento n.º 1 que se dá aqui por integralmente reproduzido
2. Ainda nos termos da referida escritura ficou acordado que parte do empréstimo, no montante de 39.903,83 €, se destinava à aquisição de habitação própria e permanente e o remanescente, no montante de 15 961,53 €, seria aplicado em obras de beneficiação do mesmo imóvel.
3. A quantia mutuada foi efectivamente entregue e foi concedida ao abrigo das normas do crédito jovem bonificado.
4. No âmbito da escritura referida em 1), para garantia e bom pagamento da quantia mutuada, os oponentes constituíram-se fiadores e principais pagadores por tudo quanto viesse a ser devido ao Banco exequente em consequência do empréstimo concedido ao mutuário, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia, dando o seu acordo a quaisquer modificações de taxas de juros e, bem assim, às alterações de prazo que viessem a ser convencionadas entre o banco exequente e o mutuário. Tendo ficado convencionado que a fiança constituída se manteria plenamente em vigor enquanto subsistisse qualquer dívida de capital, juros ou de despesas, constituída de qualquer forma, imputável ao mutuário, conforme resulta daquela escritura que aqui se dá por reproduzida.
5. A fracção autónoma correspondente à letra “J” e à habitação do quinto andar esquerdo inscrita na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia tem sua aquisição provisória, por natureza, inscrita a favor de E…, na Ap. 33/081098, do artigo predial nº. 00487/140187, conforme teor da certidão predial junta aos autos e que aqui se dá por integralmente por reproduzida.
6. A supracitada fracção autónoma tem ainda inscritas duas hipotecas provisórias por natureza a favor do H…, ambas fundadas em empréstimos, respectivamente, no valor de capital de 8.000.000$00 e de 3.200.000$00 Esc., nas Ap. 34/081998 e Ap 35/081098, nos valores máximos de 10.204.000$00 e 4.081.600$00, conforme teor da certidão predial junta aos autos e que aqui se dá por integralmente por reproduzida.
7. No âmbito da execução comum para pagamento da quantia certa, fundada em contrato e instaurada, em 7 de Maio de 2008, contra os executados E…, C… e B… por falta de pagamento da prestação vencida em 29.12.2005 foi penhorada a referida fracção, conforme auto de penhora lavrado em 2011.10.25 e junto aos autos a fls. 71 e 72 que aqui se dá por integralmente por reproduzido.
8. A penhora da fracção “J” para garantia da quantia exequenda de 65.921,56 €, foi inscrita na Ap. 2491 de 2011.10.06, conforme teor de fls. 74 e seguintes que aqui se dá por reproduzido.
9. Os oponentes declararam de forma expressa no dia da celebração da escritura pública e perante o notário terem conhecimento do teor de todas as cláusulas do referido contrato.
10. O contrato referido em 1) foi previamente negociado, discutido e acertado entre as partes, quanto às contrapartidas monetárias a conceder ao co-executado E… e ainda quanto ao prazo, modo de reembolso dos montantes financiados e às garantias de pagamento das obrigações contratualizada (resposta conjunta aos nºs. 1 e 2 da Base Instrutória).
11. O oponente marido foi durante décadas operário de construção civil, estando reformado há 8 anos, por motivos de doença grave.
12. A oponente mulher encontra-se actualmente desempregada.
13. Tendo ambos, apenas, frequentado o ensino até à 4.ª classe.
14. Tendo o mutuário e os fiadores subscrito o contrato e respectivo clausulado, (resposta parcialmente positiva ficando provado apenas a primeira parte do fixado no ponto 12 da base instrutória ampliada a fls. 178 dos autos).
15. Os fiadores declararam aderir ao texto das cláusulas fixadas, nomeadamente, as referentes ao conteúdo da obrigação de fiança, (resposta parcialmente positiva e explicativa ficando provado apenas a primeira parte do fixado no ponto 13 da base instrutória ampliada a fls. 178 dos autos).

Factos Não Provados:
— A redacção do contrato referido em A) ocorreu após as negociações prévias havidas entre as partes tendo, por fim, sido assinado.
— Os oponentes como fiadores tiveram o tempo necessário para apreciar as condições do contrato referido em A), se aconselhar e esclarecer quaisquer dúvidas.
— No decurso das negociações, a exequente esclareceu dúvidas e prestou todas as informações solicitadas, quanto ao conteúdo da obrigação assumida pelos oponentes.
— Assim como quanto ao agravamento dos juros que o não cumprimento do acordado acarretava.
— O contrato celebrado e descrito em A) verificou-se, sem que estivesse ao alcance do mutuário e fiadores, a realização de qualquer negociação prévia, quanto ao conteúdo das cláusulas fixadas.

3. Do mérito do recurso

O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigo 608.º, n.º 2, in fine, e 635.º, n.º 5, CPC), consubstancia-se nas seguintes questões:
— impugnação dos pontos 4, 9, 10, 14 e 15 dos factos provados, correspondentes às respostas aos quesitos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 11, 12 e 13 da base instrutória;

— contrato de adesão e cláusulas contratuais gerais — consequências;

— nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia;

3.1. Da impugnação da matéria de facto

Tendo sido observados os ónus legalmente impostos pelo artigo 640.º CPC a quem impugna a matéria de facto, passemos à sua apreciação.

São os seguintes os artigos da base instrutória referidos pelos apelantes:

1). O contrato referido em A) foi previamente negociado, discutido e acertado entre as partes quanto às contrapartidas monetárias a conceder ao co-executado E…?

2). E ainda quanto ao prazo, modo de reembolso dos montantes financiados e às garantias de pagamento das obrigações contratualizadas?

3). A redacção do contrato referido em A) verificou- se após as negociações prévias ocorridas entre as partes tendo, por fim, sido assinado?

4). Os oponentes como fiadores tiveram tempo para apreciar as condições do contrato referido A). e se aconselhar?

5). No decurso das negociações, a exequente esclareceu dúvidas e prestou todas as informações solicitadas, quanto ao conteúdo da obrigação assumida pelos oponentes?

6). Assim como quanto ao agravamento dos juros que o não cumprimento do acordado acarretava?

7). Os oponentes declararam, de forma expressa, no dia da celebração da escritura pública e perante o notário terem conhecimento do teor de todas as cláusulas do referido contrato?
(…)
11). O contrato celebrado e descrito em A) verificou-se, sem que estivesse ao alcance do mutuário e fiadores, a realização de qualquer negociação prévia, quanto ao conteúdo das cláusulas fixadas?

12). Tendo o mutuário e os fiadores subscrito o contrato e respectivo clausulado, limitando-se a aceitar as condições impostas no mesmo?

13). Os fiadores aderiram ao texto das cláusulas fixadas, nomeadamente, as referentes ao conteúdo da obrigação de fiança, sem que a exequente lhes tivesse comunicado ou previamente prestado os devidos esclarecimentos, mediante uma explicação clara e exacta sobre o respectivo sentido, designadamente, em que consistia benefício da excussão prévia e quais as responsabilidades que decorreriam, como por exemplo, em matéria de juros em caso de incumprimento do mutuário?

A matéria de facto impugnada consta dos seguintes pontos da matéria provada:

4. No âmbito da escritura referida em 1), para garantia e bom pagamento da quantia mutuada, os oponentes constituíram-se fiadores e principais pagadores por tudo quanto viesse a ser devido ao Banco exequente em consequência do empréstimo concedido ao mutuário, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia, dando o seu acordo a quaisquer modificações de taxas de juros e, bem assim, às alterações de prazo que viessem a ser convencionadas entre o banco exequente e o mutuário. Tendo ficado convencionado que a fiança constituída se manteria plenamente em vigor enquanto subsistisse qualquer dívida de capital, juros ou de despesas, constituída de qualquer forma, imputável ao mutuário, conforme resulta daquela escritura que aqui se dá por reproduzida.
9. Os oponentes declararam de forma expressa no dia da celebração da escritura pública e perante o notário terem conhecimento do teor de todas as cláusulas do referido contrato.
10. O contrato referido em 1) foi previamente negociado, discutido e acertado entre as partes, quanto às contrapartidas monetárias a conceder ao co-executado E… e ainda quanto ao prazo, modo de reembolso dos montantes financiados e às garantias de pagamento das obrigações contratualizada (resposta conjunta aos nºs. 1 e 2 da Base Instrutória).
14. Tendo o mutuário e os fiadores subscrito o contrato e respectivo clausulado, (resposta parcialmente positiva ficando provado apenas a primeira parte do fixado no ponto 12 da base instrutória ampliada a fls. 178 dos autos).
15. Os fiadores declararam aderir ao texto das cláusulas fixadas, nomeadamente, as referentes ao conteúdo da obrigação de fiança (resposta parcialmente positiva e explicativa ficando provado apenas a primeira parte do fixado no ponto 13 da base instrutória ampliada a fls. 178 dos autos).
A 1.ª instância fundamentou a sua convicção nos termos seguintes:
Da análise crítica e ponderada, em conformidade com as regras da experiência e os juízos de normalidade, da prova documental junta aos autos com os depoimentos prestados pelas testemunhas e ainda as declarações prestadas pelos próprios oponentes, concluímos que as testemunhas arroladas pelos oponentes, incluindo a I… irmã da oponente revelaram nos depoimentos prestados possuir um conhecimento indirecto dos factos pelo que, quanto aos factos propriamente ditos, não tiveram os mesmos qualquer relevância no juízo dos factos propriamente ditos que ora foi efectuado.

Embora, todas elas, de forma unânime tivessem revelado saber que os oponentes tinham sido fiadores do executado E… porque a própria B… lhes terá dado conhecimento desse facto; mais confirmarem que a oponente está desempregada há pelo menos 8 anos e que o oponente marido é uma pessoa doente, depoimentos que quanto a estes factos foram aceites pelo tribunal.

Por sua vez, as testemunhas da exequente prestaram depoimentos lógicos, claros e congruentes, nos quais de forma suficiente esclareceram e clarificaram os procedimentos que, por norma a instituição bancária, adopta designadamente na celebração do contrato de mútuo com hipoteca e fiança e, especial, durante a celebração das respectivas escrituras públicas. Sendo que, especificamente, a testemunha F… foi congruente e claro no depoimento prestado, tanto quanto se mostrou possível decorridos que estão já mais de 10 anos sobre a prática dos factos, quando descreveu os procedimentos que adoptava junto das partes quando estava na área de celebração de escrituras públicas, tendo confirmado que o banco exequente para o qual trabalhou tinha por norma negociar previamente com as partes as taxas, os prazo, elementos que fazem parte do documento complementar e que só raramente as partes questionavam o teor das cláusulas inseridas nos contratos, mais tendo acrescentado que no acto do celebração tudo era lido em voz alta pelo notário.

Por último, as declarações prestadas pelos oponentes revelaram entre si uma divergência fundamental porquanto inicialmente mantiveram ambos a versão que desconheciam o que era ser-se fiador e as responsabilidades que a prestação de fiança acarreta, mas acabaram por admitir que um ano antes à ocorrência dos factos em apreço também eles haviam contraído um contrato mútuo com hipoteca para o qual necessitaram de um fiador, conforme aliás resultou evidente das declarações do oponente C… que de forma clara e relutante admitiu saber em que consiste ser-se fiador e as responsabilidades decorrentes da fiança pelo menos no respeitou ao seu contrato à habitação, mantendo sempre a versão que no caso concreto nada lhes foi dito, explicado ou informado, sendo que concluir que quanto a este último as declarações do oponente foram ilógicas e incongruentes.

Ainda neste ponto as declarações da oponente foram mais defensivas porquanto a mesma refugiou-se sempre nas suas habilitações escolares, dizendo sempre nada saber. Assim, das declarações dos depoentes podemos concluir existir evidente falta de congruência e lógica na versão apresentada porquanto os oponentes na tentativa de se eximirem de quaisquer responsabilidades e fazer proceder a versão dos factos que apresentaram, conforme já referido refugiaram-se sempre na baixa de instrução escolar de ambos; nas dificuldades económicas e num ingénuo altruísmo pelo próximo nada credível e incompatível com a experiência de vida e as actividades profissionais desenvolvidas ao longo de uma vida, argumentos com base nos quais pretendiam demonstrar que nada foi discutido previamente à celebração da escritura com os mesmos, designadamente, quanto ao teor e conteúdo s cláusulas inseridas no contrato, não tendo merecido qualquer acolhimento a versão dos oponentes.

Por último, os factos não provados resultaram da absoluta falta de prova e ainda da circunstância dos factos ter ficado demonstrada uma outra versão dos mesmos.

Apreciando:

O ponto 4 da matéria de facto provada corresponde, no essencial, ao teor da escritura de mútuo com hipoteca e fiança, que constitui o título executivo, não se percebendo o alcance da impugnação.

A matéria do ponto 9 da matéria de facto corresponde ao que consta da escritura pública, surgindo no seguinte contexto:

DECLARARAM OS SEGUNDO E TERCEIRO OUTORGANTES. NA QUALIDADE EM QUE INTERVÊM:

1. (….)
(…)
12. § (…)
§ (…)
§ Que estes empréstimos regem-se ainda pelas cláusulas e termos constantes do documento complementar, elaborado nos termos do número dois do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado, que os outorgantes declararam conhecer perfeitamente pelo que foi dispensada a sua leitura.

Ora, os segundo e terceiros outorgantes são o executado mutuário, E…, e o representante do banco mutuante, respectivamente, e a dispensa de leitura reporta-se ao documento complementar.

Os apelantes oponentes figuram como quartos outorgantes na referida escritura, e em relação a eles não consta qualquer dispensa de leitura.

O que consta na parte final da escritura é o seguinte:
Esta escritura foi lida e o seu conteúdo explicado em voz alta aos outorgantes, na presença simultânea de todos.

Nessa conformidade, o ponto 9 da matéria de facto não pode subsistir.

No que às negociações prévias à celebração da escritura de compra e venda concerne (ponto 10 da matéria de facto), o que releva para os autos é saber se os oponentes intervieram nessas negociações, o que não foi demonstrado.

A testemunha F…, que interveio na escritura em representação do banco mutuário, não participou de quaisquer negociações, que eram feitas ao balcão. Nada sabia de concreto quanto a este contrato. O seu depoimento baseou-se no que normalmente sucedia.

Naturalmente que o montante do empréstimo e as condições de reembolso são negociadas caso a caso. O que releva para o caso vertente é determinar se os termos da fiança foram objecto de negociação.

Segundo esta testemunha, há questões de que o banco não abdica, mormente as garantias.

Referiu ainda que existia um contrato tipo que não tinham autorização para alterar fosse o que fosse, e que não se lembra de haver contratos diferentes, que em termos gerais as cláusulas eram sempre as mesmas.

A testemunha G…, igualmente funcionário bancário arrolado pela apelada, declarou que nunca acompanhou o processo em causa, assentando o seu depoimento nos procedimentos habituais.

Nenhuma destas testemunhas soube explicar o que é o benefício da excussão prévia, embora a primeira se tenha desculpado com o tempo que se encontra afastado do banco (oito anos).

Do exposto, e relativamente ao ponto 10 da matéria de facto provada, apenas podemos afirmar que:

O contrato referido em 1) foi previamente negociado, discutido e acertado entre mutuante e mutuário, quanto às contrapartidas monetárias a conceder ao co-executado E… e ainda quanto ao prazo e modo de reembolso dos montantes financiados.

Fica assim alterada a redacção do ponto 10 da matéria de facto provada.

Em contrapartida, e com base no depoimento destas duas testemunhas, considera-se provado o seguinte:

As cláusulas do contrato referido em 1), à excepção das relativas ao prazo e modo de reembolso dos montantes financiados correspondem às cláusulas tipo que o banco utilizava em todos os contratos desta natureza.

É, aliás, do conhecimento geral que as cláusulas aqui em apreço — as relativas à fiança — são idênticas em contratos desta natureza, e não apenas nos contratos celebrados pela apelada, mas também nos contratos celebrados por outras instituições bancárias. E que normalmente as entidades bancárias são inflexíveis na sua alteração.

Daí que raramente se encontre um contrato de crédito à habitação que não contenha cláusulas similares.

Relativamente à questão da não comunicação das cláusulas do contrato aos fiadores, a prova foi inconclusiva: temos apenas as declarações de parte dos apelantes que, desacompanhadas de qualquer outra prova, se afiguram insuficientes para considerar tal facto como provado.

De igual modo, o depoimento das testemunhas F… e G…, que não intervieram nas negociações e se limitaram a reportar o alegado procedimento habitual, não permite concluir que tal comunicação tenha sido efectuada.

A matéria dos pontos 14 e 15 da matéria de facto não merece qualquer censura, pois a verdade é que, não tendo sido feita prova de que a cláusula em apreço foi comunicada, já que nenhuma das testemunhas da apelada interveio em qualquer negociação, a prova apresentada pelos apelantes também não foi de molde a convencer o tribunal, pois sobre essa questão apenas foram produzidas declarações de parte.

Ora, as declarações de parte, sujeitas ao princípio da livre apreciação, desacompanhadas de outros meios de prova, de um modo geral são insuficientes para formação da convicção do tribunal, atento o manifesto interesse das partes.

Nessa conformidade, mantém-se a matéria de facto constante dos pontos 14 e 15 da matéria de facto provada.

3.3. Contrato de adesão e cláusulas contratuais gerais — consequências

O título executivo que suporta a execução a que os apelantes se opuseram é uma escritura pública de mútuo com hipoteca e fiança, em que figuram como fiadores, através da seguinte cláusula:

PELOS QUARTOS OUTORGANTES FOI DITO:
Que em seu nome pessoal constituem-se fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido ao Banco J…, S.A., em consequência do empréstimo que o mutuário contraiu junto do Banco J…, S.A., e aqui titulado, com expressa renúncia ao beneficio da excussão prévia, dando já o seu acordo a quaisquer modificações de taxa de juro e, bem assim às alterações de prazo que venham a ser convencionadas entre o Banco credor e o devedor.

Os apelantes foram demandados juntamente com o mutuário pela dívida decorrente do vencimento imediato de todas as prestações do referido contrato, em consequência da falta de pagamento da prestação vencida em 29 de Dezembro de 2005, quantia que inclui capital, juros remuneratórios e juros de mora.

Os apelantes pretendem a exclusão desta cláusula do contrato, por alegada violação do diploma que rege as cláusulas contratuais gerais — Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações que introduzidas pelos Decreto-Lei n.°s 220/95, de 31 de Janeiro, e 249/99, de 07 de Julho.

Não se mostra questionado que este regime seja aplicável ao fiador (embora se trate de questão controvertida, como dá conta o acórdão da Relação de Lisboa, de 2014.10.01, Tomé Ramião, www.dgsi.pt.jtrl, proc. 10610/11.5TBOER.L1), posição que subscrevemos, em conformidade com o acórdão do STJ, de 2015.07.09, Ana Paula Boularot, www.dgsi.pt.jstj, proc. n.º 1728/12.8TBBRR-A.L1.S1, e acórdão da Relação do Porto, de 2014.03.18, João Proença, www.dgsi.pt.jtrp, proc. 400/12.3TBCNF.P1, e de 2009.11.12, Filipe Caroço, www.dgsi.pt.jtrp, proc. 4925/07.4TBVFR-A.P1, entre outros.

A anterior sentença foi anulada para ampliação da matéria de facto, por se ter entendido, na esteira do acórdão do STJ, de 2007.05.10, João Bernardo, www.dgsi.pt.jstj, proc. 07B841, que por sua vez segue os acórdãos do mesmo Tribunal de 24.2.2005 e de 25.5.2006, que, previamente à demonstração a que os ónus de prova se reportam, teria de haver a demonstração, a cargo da parte que quer beneficiar da invalidade das cláusulas contratuais gerais, de que estamos em terreno próprio destas.

Assim, aos apelantes /oponentes cabe provar que estamos no domínio das cláusulas contratuais gerais, definidas pelo artigo 1.º, n.º 1, do citado Decreto-Lei 446/85, como aquelas que são elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar.

O n.º 2 deste artigo acrescenta que o diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar.

Importa, pois, ampliada que foi a matéria de facto provada, determinar se estamos perante um contrato de adesão, em que os apelantes se limitaram a aceitar.

Resultou apurado que As cláusulas do contrato referido em 1), à excepção das relativas ao prazo e modo de reembolso dos montantes financiados, correspondem às cláusulas tipo que o banco utilizava em todos os contratos desta natureza (facto aditado na sequência da impugnação de matéria de facto).

Aliás, os contratos bancários são um dos domínios privilegiados na utilização de cláusulas contratuais gerais.

Qualquer pessoa que tenha contratado com entidades bancárias e financeiras já se deparou seguramente com a inflexibilidade dessas instituições. Só pessoas com condições muito especiais conseguem escapar a algumas cláusulas contratuais gerais.

No caso em que não é dispensada a fiança, as cláusulas respectivas inevitavelmente consagram a renúncia ao benefício da excussão prévia.

A circunstância de o negócio se ter formalizado por escritura pública não invalida a utilização de cláusulas contratuais gerais: a intervenção do notário na celebração da escritura pública ocorre num momento posterior às negociações. O oficial público limita-se a exarar as declarações das partes, sem curar se as mesmas decorreram de negociações ou não.

Estabelecido que a cláusula relativa à fiança correspondia a uma cláusula tipo utilizada pela apelada nos seus contratos, importa aplicar o disposto no n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei 446/85, que dispõe que O ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo.

A apelada pretende prevalecer-se da cláusula que estabeleceu a responsabilidade dos fiadores, pelo que lhe incumbia provar que tal cláusula resultou de negociação prévia.

Nada se provou acerca da negociação da cláusula relativa à fiança.

O ónus da prova traduz-se, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantagens da sua falta (acórdão da Relação de Coimbra, de 87.11.17, C.J., 87, V, 20).
Nessa conformidade, é aplicável à cláusula em apreço o regime do Decreto-Lei 446/85.
Nos termos do artigo 8.º deste diploma, consideram-se excluídas dos contratos singulares, designadamente:
a) As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º;
b) As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo;
De acordo com o artigo 5.º do mesmo diploma:
1 - As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.
2 - A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.
3 - O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.

Através da consagração do dever de comunicação pretende-se que a contraparte tome efectivo conhecimento das cláusulas que vão integrar o contrato singular e do seu efectivo alcance (acórdão do STJ, de 2006.04.18, Sebastião Póvoas, www.dgsi.pt.jstj, proc. 06A818).

O acórdão da Relação do Porto, de 2009.05.19, Manuel Pinto dos Santos, www.dgsi.pt.jtrp, proc. 5651/04.1TVPRT.P1, numa situação de fiança com renúncia ao benefício da excussão prévia relativa a um contrato de aluguer de viatura sem condutor, considerou a cláusula em que se previa essa garantia devia ser excluída do contrato por não se ter demonstrado a sua comunicação ao fiador.

Em sentido oposto, considerando que o dever de comunicação não pode ser entendido acriticamente, dissociado das circunstâncias concretas, destaca-se o o acórdão do STJ, de 2008.05.13, Fonseca Ramos, www.dgsi.pt.jstj, proc. 08A1287:

«Por isso e, desde logo, importa ponderar que o aderente pelo simples facto de o ser não pode prevalecer-se de qualquer omissão do dever de informação cometido ao proponente.

Este deve informar afere-se pelo tipo contratual em causa e pelas circunstâncias da contratação.

Contenderia com as regras da boa-fé exigíveis aos contraentes, mesmo no âmbito de contratos de adesão, se o aderente pudesse, sem mais, invocar o dever de informação, por mais claro que fosse o clausulado contratual e o ambiente em que negociou.

No caso de um empréstimo concedido por um Banco, não constando do contrato cláusulas envolvendo um exigente conhecimento de conceitos técnico-jurídicos, ou uma complexa teia de direitos e deveres recíprocos a demandar exigente esforço interpretativo, o dever de informar não pode ser erigido em dogma para que, invocada a sua violação, o aderente se desvincule das obrigações assumidas.
(…)

Daí que a natureza do contrato, o objectivo que a parte que contrata com entidade que recorre a cláusulas pré-ordenadas, sejam decisivos para se considerar a intensidade do dever de informação.

No caso, começaremos por dizer que as cláusulas pré-determinadas do contrato não envolvem compreensão que não esteja ao alcance de quem se dirige a um Banco e com ele negoceia como garante de alguém que pede um empréstimo».

É certo que, como reconhece o acórdão do STJ, de 2007.05.03, Pires da Rosa, www.dgsi.pt.jstj, proc. 06B1650
«A ideia de fiança e fiador está, de há muito, no domínio do senso comum – toda e qualquer pessoa sabe que se é fiador de alguém é chamado a pagar quando esse alguém não paga».

Aliás, como resultou das declarações de parte do apelante, já lhe tinha sido exigido fiador num contrato de mútuo que celebrara.

Nessa conformidade não se afigura consentâneo com a boa fé, princípio estruturante do direito das obrigações, que venha pretender se exonerar dessa responsabilidade com fundamento na falta de comunicação dessa cláusula: afinal os apelantes deslocaram-se ao notário e apuseram a sua assinatura numa escritura pública relativa a um negócio celebrado com um banco.

Por essa razão, não se aceita que os apelantes ignorassem que estavam a constituir-se fiadores de um empréstimo bancário.

No entanto, o mesmo já não se pode dizer da expressão «com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia», que tem carácter técnico-jurídico, não sendo facilmente apreensível a não juristas, muito menos por pessoas que apenas possuem a 4.ª classe de escolaridade (cfr. ponto 13 da matéria de facto), a ponto de não suscitar qualquer interrogação. Veja-se a este propósito o voto de vencido de Júlio Manuel Vieira Gomes, ao acórdão do STJ, de 2015.07.09 citado.

Aliás, não deixa de ser sintomático que as duas testemunhas apresentadas pela apelada não tivessem conseguido explicar o significado desta expressão.

E não se afigura que se possa imputar aos apelantes, atento o seu grau de escolaridade, uma negligência que esvazie o dever de comunicação legalmente imposto à parte forte da relação negocial, invertendo a lógica que presidiu à legislação relativa às cláusulas contratuais gerais.

Finalmente, a circunstância de o notário ter declarado ter lido e explicado as cláusulas do contrato não é susceptível de colmatar a falta de comunicação, já que esta exige alguma antecedência. O acórdão do STJ, de 2007.05.10, citado, considerou mesmo irrelevante a declaração da parte de que conhecia as cláusulas integralmente e dispensava a sua leitura (contra acórdão do STJ, de 2015.07.09 citado.

Pelo exposto, por que seria desproporcionado e contrário à boa fé excluir a cláusula relativa à fiança do contrato na sua totalidade, quando apenas o segmento relativo à excussão prévia estava fora da compreensão exigível aos apelantes, considera-se apenas excluído o segmento «com renúncia ao benefício da excussão prévia, nos termos do artigo 8.º, alínea a), do Decreto-Lei 446/85.

Significa isto que a fiança se mantém, nos termos gerais do artigo 627.º, n.º 2, CC, mantendo a característica da acessoriedade (cfr. acórdão da Relação do Porto, de 2014.03.18 citado).

3.2. Da nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia

Arguiram os apelantes a nulidade da sentença por omissão de pronúncia por não ter conhecido a questão da falta de título executivo relativamente aos juros remuneratórios.

Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
Este artigo tem de ser equacionado com o artigo 608.º, n.º 2, CPC, 1ª parte, CPC, que impõe que o juiz resolva todas as questões que as partes tenham posto à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Por «questões» entende-se «os pedidos deduzidos, toda as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cumpre [ao juiz] conhecer (art.660-2)» (Lebre de Freitas, Montalvão Machado, e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. II, 2ª edição, pg. 704).

Nas palavras do acórdão do STJ, de 2005.01.13, Oliveira Barros, www.dgsi.pt.jstj, proc. 04B4251,

«… a omissão de pronúncia prevenida no art. 668º, nº 1º, al. d) [actual artigo 615.º, n.º 1, alínea d)], diz respeito às questões a que alude o nº 2 do art. 660º [actual artigo 608.º, n.º 2, 1.ª parte]
Trata-se aí do dever de conhecer por forma completa do objecto do processo.
Definido este pelo(s) pedido(s) deduzido(s) e respectiva(s) causa(s) de pedir, terão, por conseguinte, de ser apreciadas todas as pretensões processuais das partes - pedidos, excepções, reconvenção -, e todos os factos em que assentam.
Bem assim deverão ser apreciados os pressupostos processuais desse conhecimento - sejam eles os gerais, sejam os específicos de qualquer acto processual, quando objecto de controvérsia das partes.
Como tudo melhor elucidado, com menção da pertinente doutrina, em Ac.STJ de 11/1/2000, BMJ 493/387-7».

Efectivamente, a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia por não ter conhecido da questão da falta de título para as quantias peticionadas a título de juros remuneratórios.

Esta questão suscita outra, de conhecimento oficioso, que é a da perda do benefício prazo não ser extensiva ao fiador, por força do artigo 782.º CC.

Transcrevemos a propósito desta questão o que dissemos no acórdão da Relação do Porto, de 2015.06.23, www.dgsi.pt.jtrp, proc. 6559/13.5TBVNG-A.P1:

«Do artigo 782.º CC

Os apelantes constituíram-se fiadores dos mutuários num contrato de mútuo celebrado com a apelada.

A fiança traduz-se numa garantia pessoal, pois, nos termos do artigo 627.º, n.º 1, CC, o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor.

Assim, o credor, para além da garantia que constitui o património do devedor, beneficia ainda do património de um terceiro, que passa a responder pela satisfação do crédito (responsabilidade pessoal pelo cumprimento de obrigação alheia).
Dispõe o n.º 2 do artigo 627.º CC que a obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o devedor principal, traduzindo-se a acessoriedade na estrita ligação entre a obrigação principal e a obrigação do devedor, por forma a que a obrigação do fiador acompanha as vicissitudes da obrigação principal desde o nascimento até à extinção — quanto à (in)validade veja-se o artigo 631.º CC, e quanto à extinção o artigo 651.º do mesmo diploma.
Outra consequência da acessoriedade consiste na possibilidade de o fiador invocar perante o credor os meios de defesa do afiançado (artigo 637.º CC).
De acordo com o artigo 634.º CC, a fiança tem o conteúdo das obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora e da culpa do devedor.

Os mutuários obrigaram-se a restituir o capital mutuado em 360 prestações mensais, tendo, no entanto, entrado em incumprimento no ano de 2005.

Estamos perante uma dívida fraccionada, liquidada em prestações, que convoca o regime do artigo 781.º CC, nos termos do qual, se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.

(…)

Nas palavras do acórdão do STJ, de 2007.02.06, Alves Velho, www.dgsi.pt.jstj, proc. 06A4524,

«É entendimento generalizado que a norma do art. 781º C. Civil, dispondo que “se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importará o vencimento de todas”, visa proteger o interesse do credor que, perante a falta de pagamento de uma das fracções da dívida, pode ter razões para a perda de confiança na pessoa do devedor, confiança em que se apoia o plano de pagamento. Por isso, concede-se àquele o benefício de não se manter sujeito aos prazos escalonadamente estabelecidos de vencimento das prestações, perdendo este o benefício desses prazos.

Quando tal suceda, o credor goza do direito de exigir o pagamento, não só da prestação em falta, mas ainda de todas as restantes, não vencidas, não se operando o vencimento destas ex vi legis, mas mediante interpelação do credor, nos termos gerais».

Analisado o regime estabelecido no artigo 781.º CC, importa sublinhar que ele não se aplica aos fiadores, por força do disposto no artigo 782.º CC.

Dispõe este artigo que a perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia.

Como explicam Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. I, 4.ª edição, pg. 652,

«O artigo 782.º, quanto às obrigações a prazo, estabelece um princípio que é extensivo aos co-obrigados do devedor e a terceiros que tenham constituído qualquer garantia a favor do crédito. Não lhes pode ser imposta a perda do benefício do prazo (cfr. arts. 780.º e 781.º), o que traduz um desvio da regra do artigo 634.º»

E em anotação ao artigo 782.º CC, op. cit., vol. II, 4.ª ed., pg. 33, comentam:

«A perda do benefício do prazo também não afecta terceiros ue tenham garantido o cumprimento da obrigação. A lei não distingue entre garantias pessoais e reais. É aplicável a disposição, portanto, não só ao fiador como a terceiros que tenham constituído uma hipoteca, um penhor, ou uma consignação de rendimentos.

Qualquer destas garantias só pode ser posta a funcionar depois de atingido o momento em que a obrigação normalmente se venceria».

A perda do benefício do prazo com a falta de pagamento de uma das prestações não se estende, pois, ao fiador, a não ser que tenha sido convencionado o afastamento do regime constante do artigo 782.º CC, pois se trata de norma supletiva (cfr. artigo 405.º CC) conforme têm defendido a doutrina e jurisprudência (veja-se acórdão da Relação de Lisboa, de 2014.02.11, Rosa Ribeiro Coelho, www.dgsi.pt.jtrl, proc. 12878/09.8T22SNT-A.L1; de 2013.05.16, Catarina Arelo Manso, www.dgsi.pt.jtrl, proc. 426-B/2011.L1; de 2011.11.17, Ezagüi Martins, www.dgsi.pt.jtrl, proc. 1156/09.2TBCLD-D.L1; de 2009.11.19, Manuel Gonçalves, www.dgsi.pt.jtrl, proc. 701/06.0YXLSB.L1); da Relação de Coimbra, de 2012.07.03, Carlos Querido, www.dgsi.pt.jtrc, proc. 1959/11.8T2OVR-A.C1).

Nesse contexto, o credor tem direito apenas às prestações vencidas e não pagas até à data da instauração da execução, acrescida de juros, sem prejuízo da cumulação sucessiva de execuções (artigo 711.º CPC) Veja-se, por todos, o acórdão da Relação de Lisboa, de 2011.11.17, Ezagüy Martins, supra citado».

.Não tendo havido afastamento da regra constante do artigo 782.º CC, os apelantes não perderam o benefício do prazo, razão por que apenas lhes podem ser exigidas as prestações que se venceram pelo decurso do prazo e até à propositura da execução, acrescidas de juros.

Assim, a execução deverá seguir pela quantia correspondente às prestações vencidas e não pagas e respectivos juros de mora, e demais que forem cumuladas e respectivos juros, ficando prejudicada a questão dos juros remuneratórios.

4. Decisão

Termos em que, julgando a apelação parcialmente procedente, revoga-se a decisão recorrida, devendo a execução seguir contra os apelantes apenas pelas prestações vencidas e não pagas à data da propositura da acção, acrescidas dos juros vencidos e vincendos, e das que forem cumuladas e respectivos juros, ficando prejudicada a questão dos juros remuneratórios, sem prejuízo da acessoriedade da fiança.

Custas por apelantes e apelada na proporção do decaimento.

Porto, 14 de Junho de 2016
Márcia Portela
Maria de Jesus Pereira
José Igreja Matos
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Sumário
1. A cláusula constante de um contrato de mútuo celebrado com uma instituição de crédito, que estabelece que determinados outorgantes se constituem fiadores, com renúncia ao benefício da excussão prévia, correspondente a uma cláusula tipo idêntica em todos os contratos celebrados, é uma cláusula contratual geral.
2. Não tendo a apelada /exequente logrado provar que essa cláusula resultou de negociação prévia, aplica-se o regime do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações que introduzidas pelos Decreto-Lei n.°s 220/95, de 31 de Janeiro, e 249/99, de 07 de Julho (cfr. artigo 1.º, n.º 3 deste diploma).
3. A circunstância de não se ter provado que tal cláusula foi comunicada não implica automaticamente a sua exclusão do contrato, nos termos do artigo 8.º desse diploma, porque o conceito de fiador é de fácil apreensão: quem se constitui fiador sabe que terá de pagar se a pessoa afiançada falhar o pagamento.
4. Já a expressão «renúncia ao benefício da execução prévia» é de pendor técnico-jurídico, carecendo de ser explicada.
5. Seria contrário à boa fé excluir a vinculação como fiador quando resulta da prova que ele já tinha tido contacto com o instituto da fiança.
6. Nessa conformidade é adequado excluir apenas o segmento «com renúncia do benefício da excussão prévia» do contrato, mantendo a fiança a característica da acessoriedade.
7. A perda do benefício do prazo não é extensiva ao fiador nos termos do artigo 782.º CC.
8. Não tendo sido afastada a regra constante do artigo 782.º CC, os fiadores não perderam o benefício do prazo, razão por que apenas lhes podem ser exigidas as prestações que se venceram pelo decurso do prazo e até à propositura da execução, acrescidas de juros vencidos e vincendos, e das que forem cumuladas e respectivos juros, sem prejuízo da acessoriedade da fiança.

Márcia Portela