Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
631/15.4T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO DO PLANO
PRORROGAÇÃO DO PRAZO
Nº do Documento: RP201600602631/15.4T8VNG.P1
Data do Acordão: 06/02/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 62, FLS.157-165)
Área Temática: .
Sumário: I - No âmbito do processo especial de revitalização, o plano de recuperação da devedora requerente deve ser apresentado no prazo das negociações previsto no art. 17.º-F, n.º 1, do ClRE, que é um prazo de caducidade.
II - Ultrapassado tal prazo não deve ser homologado o plano, nos termos do art. 215.º do ClRE, por a sua homologação, nesse caso, constituir violação não negligenciável de norma imperativa.
III - O Tribunal não pode considerar, oficiosamente, a prorrogação do prazo judicial previsto no art. 139.º, n.º 5, do CPC.».
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 631/15.4T8VNG.P1
Relator: Fernando Baptista
Adjuntos:
Des. Ataíde das Neves
Des. Amaral Ferreira

I. RELATÓRIO

Acordam na Secção Cível do tribunal da Relação do Porto

Na Instância Central da Comarca do Porto – 2ª Secção de Comércio – Juiz 1, correm termos, sob o nº 631/15.4T8VNG, uns autos de Processo Especial de Revitalização, requerido por B….

Por despacho de 6.5.2015, foi admitido liminarmente o Processo Especial de Revitalização.

Por despacho de 29.04.2015 (fls. 61) foi decidido converter a lista provisória de créditos apresentada em lista definitiva, dado não ter sido apresentada qualquer impugnação, ordenando-se que os autos aguardassem o prazo previsto no artº 17º-D, nº5 do CIRE.
Este despacho foi notificado em 30.06.2015 ao mandatário da Requerente do Processo Especial de Revitalização e ao Administrador provisório nomeado.

Por requerimento de 20 de Agosto de 2015 a Devedora B… vem, por requerimento aos autos, juntar o “ACORDO” de fls. 65, onde se lê que a Devedora e o Sr. Administrador Provisório “acordam pelo presente, em requerer a prorrogação do prazo das negociações, a que alude o nº 5 do artº 17º-D do CIRE”.
Em 8.10.2015, são os autos conclusoscom a informação que a Secção não providenciou atempadamente à publicação do pedido de prorrogação de prazo a que alude o n° 5 do artigo 17° D do CIRE (fls. 64-65), sendo que, a ter procedido a tal publicitação o termo do prazo para as negociações teria ocorrido no passado dia 20 do mês de Setembro”, tendo-se, na mesma data, proferido o seguinte
Despacho:
«O acordo de prorrogação é efectuado entre o devedor e o administrador judicial provisório e é junto aos autos e publicado no portal Citius sem qualquer intervenção do juiz.
O dever de publicação do acordo recai sobre qualquer um dos subscritores (devedor ou administrador judicial provisório).
Assim, nada há a determinar relativamente à falta de publicação do acordo de prorrogação junto aos autos.
Compulsados os autos, verifica-se que se mostra ultrapassado o prazo previsto no art. 17°-D, n.° 5, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, sem que haja notícia da existência de qualquer acordo, o que constitui motivo de encerramento do processo negocial (n.° 1 do art. 17°-G do referido Código).
Nestes termos, notifique a devedora e o Sr. Administrador Judicial Provisório para, querendo, no prazo de 5 dias, se pronunciarem, devendo o último, porém, no mesmo prazo, emitir o parecer a que se refere o n.° 4 do art. 17°-G do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.» - destaque nosso.

Sobre este despacho pronuncia-se (em 14.10.2015 – Refª 20799861) a Devedora B…, argumentando, em suma: que cumpriu todos os termos legais, nomeadamente apresentando o acordo de prorrogação a que alude o nº 5 do artº 17º-D dó CIRE no prazo para o efeito; que ao não ser publicado, tal não ocorreu por qualquer acto que possa ser imputado à Devedora; que o plano de revitalização foi remetido, pelo Administrador Judicial Provisório, a todos os credores no prazo legal, para que estes pudessem votar.
Como tal, conclui a Devedora que “não poderá desde já considerar-se que o processo negocial redundou na não aprovação de plano, pois que se aguarda ainda pela votação ao mesmo”.

O Credor Reclamante Banco C…, S.A., pronunciou-se (em 26.10.2015) sobre o aludido requerimento da Devedora de 14.10.2015, sustentando que a sua pretensão é desprovida de qualquer fundamento legal, pois (diz) o prazo para a conclusão das negociações “terminou no passado dia 20 de Setembro – por força do acordo de prorrogação referido no antecedente artigo 2º - sem que conste dos autos a existência de qualquer plano de revitalização aprovado, o que por força dos artigos invocados no antecedente artigo 5º determina o encerramento do processo negocial” (fls. 88 vº-89).

O Sr. Administrador Judicial Provisório, porém, juntou aos autos o Plano de Revitalização (cfr. fls. 71-82 – em 12.10.2015), para votação, o qual foi aprovado – sendo que a lista provisória de credores havia sido publicada em 12.06.2015 no portal citius (cfr. fls. 55-57)

Sobre os requerimentos da Devedora de 14.10.2015 e do Credor Reclamante Banco C…, S.A. de 26.10.2015, é proferido, em 11.11.2015, o seguinte
Despacho (fls. 92-93):
«... O despacho proferido a 8 de Outubro de 2015 não padece, cremos, de qualquer contradição.
De facto:
1. O dever de publicação do acordo de prorrogação recai sobre qualquer um dos seus subscritores (devedor ou administrador judicial provisório);
2. O prazo para a conclusão das negociações conta-se a partir do final do prazo para apresentação das impugnações da lista provisória dos créditos e não se suspende;
3. A lista provisória de créditos foi publicada a 12 de Junho de 2015;
4. O prazo máximo de três meses para a conclusão das negociações mostrava-se ultrapassado a 8 de Outubro de 2015, sem que houvesse notícia da existência de qualquer acordo.
Pelo exposto, mantenho o despacho em causa.
*
Considerando o despacho de 8 de Setembro de 2015 e o anterior, nos termos do disposto no art. 17°-G, n.° 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, declaro encerrado o processo negocial (sendo certo que a homologação do plano de recuperação entretanto junto aos autos sempre deveria ser recusada, por ter sido objecto de votação para além do prazo para a conclusão das negociações, nos termos acima descritos).».
**

Inconformada com este despacho de encerramento do processo negocial, sem aprovação de Plano de Recuperação, dele recorreu a Devedora B…, apresentando alegações que remata com as seguintes

CONCLUSÕES[1]:
«26.º
Vem o presente recurso interposto da decisão que concluiu que, uma vez ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º-D do CIRE, sem que haja notícia da existência de qualquer acordo, se considera encerrado o processo negocial nos termos do n.º 1 do artigo 17.º-G do CIRE e, consequentemente encerrado o processo de revitalização, sem aprovação de plano de recuperação.
27.º
Contudo, não pode a Recorrente concordar com o teor da decisão proferida quanto a este aspeto, pelos motivos que infra se expõe.
Ora,
28.º
A decisão referenciada parte do pressuposto – errado – de que foi ultrapassado o prazo para concluir as negociações sem que houvesse notícia da existência de qualquer acordo.
29.º
Com efeito, foi proferido douto despacho judicial decretando o PER, o qual foi publicado em 07 de maio de 2015.
30.º
Em 12 de junho de 2015, foi publicada no portal Citius a lista provisória de créditos, nos termos do n.º 3 do artigo 17.º-D do CIRE.
31.º
Em 20 de agosto de 2015 (dois meses após o período negocial, acrescido dos cinco dias úteis previstos para as impugnações) foi requerida a prorrogação do prazo negocial por mais um mês, mediante declaração assinada pela ora Recorrente e pelo APJ.
32.º
O aludido pedido de prorrogação em momento algum foi publicado no portal Citius por parte do Tribunal, conforme decorre legalmente do n.º 5 do artigo 17.º-D do CIRE.
33.º
Não obstante tal omissão, foi remetido pelo AJP, o plano final de revitalização aos credores da ora Recorrente, para votação em 21 de setembro de 2015, ou seja, no 1.º dia útil após o término dos três meses de negociações (20 de setembro foi um domingo).
34.º
Sendo concedido o prazo legal de dez dias para que os credores da ora Recorrente procedessem à respetiva votação do plano (até dia 02 de outubro de 2015); tendo o dito plano logrado obter aprovação.
35.º
Destarte, foi remetido aos autos, o parecer previsto no artigo 17.º-F do CIRE, dando conta da aprovação do plano, para homologação por parte do Tribunal.
36.º
Assim, realça-se que o facto do acordo de prorrogação do prazo das negociações não ter sido publicado não poderá ser imputado, nem ao AJP, nem à ora Recorrente, pois que, todos os prazos foram cumpridos tendo em conta a aprovação do plano.
37.º
Ademais, resulta cristalino que o prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º-D do CIRE não tem natureza peremptória.
38.º
Pelo que, prolongando-se as negociações, justificadamente, para além do prazo inicialmente previsto, e alcançado o pretendido acordo com os credores – o que sucedeu in casu – esta circunstância não constitui fundamento para a recusa da homologação do plano de recuperação aprovado pelos credores.
39.º
Pelo que, o desidrato processual seria sempre a viabilização da Devedora ora Recorrente, pois que, caso assim não seja, ocorre prejuízo evidente para todos os envolvidos no processo negocial, designadamente e principalmente com prejuízo para todos os credores que, com o prosseguimento da ação, viam acautelada a sua possibilidade de vir a ser pagos nos termos acordados.
40.º
Pelo que, deverá ser revogada a decisão ora posta em crise, e em consequência, ser proferida decisão diversa, isto porque, o Tribunal a quo formulou a sua convicção num pressuposto errado, sendo que constam do processo documentos e outros elementos, que importam decisão diversa da então proferida.

Nestes termos e nos melhores de direito, deverá com o doutro suprimento de V. Exas, Venerandos Desembargadores, ser revogada a decisão que declarou encerrado o processo negocial sem aprovação do plano de recuperação, devendo ser ordenada a prossecução dos autos para a aprovação e homologação do plano;

Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.».

Contra-alegou o Credor Reclamante BANCO C…, S.A, pugnando (sem prejuízo de entender que o recurso é extemporâneo) pela improcedência da apelação.

Foram colhidos os vistos legais.

O recurso foi admitido por despacho de 5.4.2016, que o julgou tempestivo (fls. 139).

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. AS QUESTÕES

Tendo presente que:
- O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 635º, nº4 e 639º, do C. P. Civil);
- Nos recursos se apreciam questões e não razões;
- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

a questão suscitada na apelação consiste em saber se bem andou o tribunal a quo ao declarar encerrado o processo negocial sem aprovação do plano de recuperação, por considerar que se havia esgotado o prazo para a conclusão das negociações – o mesmo é perguntar se o desrespeito do prazo para a conclusão das negociações é per se (por si mesmo) fundamento para o encerramento do processo negocial, ao abrigo do nº 1 do artº 17º do CIRE; ou, ao invés, se deveria ter-se prosseguido com os autos para aprovação do plano.

II.2. OS FACTOS

Os factos relevantes a ter em consideração são os supra referidos.

III. O DIREITO

Vejamos, então, a questão suscitada na apelação – que consiste, como dito, em saber se o tribunal a quo andou bem ao declarar encerrado o processo negocial sem aprovação do plano de recuperação, por considerar que se havia esgotado o prazo para a conclusão das negociações – ou seja, saber se o desrespeito do prazo para a conclusão das negociações é por si mesmo fundamento para o encerramento do processo negocial, ao abrigo do nº 1 do artº 17º do CIRE; ou, ao invés, se deveria o tribunal a quo ter prosseguido com os autos para aprovação do plano.
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No direito insolvencial português vigoram, actualmente, o Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), o Processo Especial de Revitalização (PER) introduzido no CIRE pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril[2].
Aqueles dois são processos judiciais e este último tem natureza extrajudicial. A existência destes instrumentos jurídicos não coarcta a possibilidade ou o direito das partes, no contexto da autonomia negocial e da liberdade contratual, usarem outras ferramentas do sistema jurídico para regularem os seus interesses.

Dito isto, salvo o devido respeito por diferente opinião, cremos que nenhuma razão assiste à Apelante.
Efectivamente, podemos desde já adiantar que a decisão de encerramento do processo negocial não nos merece qualquer censura, pois é isso mesmo que resulta claro da (boa) leitura dos artºs 17º-D e G do CIRE.

Rezam os aludidos artigos (na parte que aqui importa considerar):
Artigo 17.º -D
Tramitação subsequente
(...)
2 — Qualquer credor dispõe de 20 dias contados da publicação no portal Citius do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo anterior para reclamar créditos, devendo as reclamações ser remetidas ao administrador judicial provisório, que, no prazo de cinco dias, elabora uma lista provisória de créditos.
3 — A lista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias úteis e dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas.
4 — Não sendo impugnada, a lista provisória de créditos converte -se de imediato em lista definitiva.
5 — Findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius.
(...).

Artigo 17.º -G
Conclusão do processo negocial sem a aprovação de plano de recuperação
1 — Caso o devedor ou a maioria dos credores prevista no n.º 3 do artigo anterior concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º -D, o processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo, se possível, por meios eletrónicos e publicá-lo no portal Citius.
(...).

Perante estes normativos e a factualidade assente, supra elencada, não vemos que outra actuação devesse ter tomado o Sr. juiz.

Insurge-se a Apelante contra o facto de o Tribunal não ter publicado (atempadamente) o pedido de prorrogação do prazo a que alude o nº 5 do artº 17º-D do CIRE.
Mas tal não colhe, desde logo porque essa publicação não é incumbência do tribunal, mas, sim, do Sr. Administrador – ou da Devedora, claro. E de forma alguma é pressuposto para se iniciar o “prazo extra” de um mês que aquele nº 5 concede[3].
O prazo previsto no nº 5 do artº 17º-D do CIRE para a conclusão das negociações encetadas não pára com o pedido de prorrogação do acordo. Simplesmente, junto que seja aos autos (antes do terminus dos 2 meses previstos naquele normativo) o acordo escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor, passa a acrescer, sem mais, aos 2 meses de que os declarantes dispunham para concluir as negociações encetadas, o período de prorrogação de um mês.
Mas as coisas não param. Ultrapassado que seja, sem mais, o prazo previsto no nº 5 do artº 17º-D (isto é, os 3 meses – portanto, já com a prorrogação de um mês, a única possível, como diz o nº5 do mesmo preceito), a lei é clara: “o processo negocial é encerrado”!

Não pode, de facto, olvidar-se que estamos perante um processo negocial que, tal como está concebido e regulado na lei, tem carácter eminentemente privado, sob fiscalização e mediação do administrador provisório. Donde os termos a que obedece sejam, sem primeira linha, os concertados entre o devedor e os credores inicialmente envolvidos e, na falta de acordo, pelo que o administrador, no seu papel de mediador, fixar.
E deve também ter-se presente que, como observam LUIS A. CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA[4], o prazo para o decurso das negociações previsto no nº 5 do artº 17-D do CIRE é um prazo corrido, comungando a fase negocial do carácter de urgência que é genericamente atribuído ao processo de revitalização pelo artº 17º-A, nº3.
Donde, até por via dessa urgência (não se pode olvidar que o PER é dominado pela autonomia dos credores e da devedora, pela desjudicialização e, sobretudo, pela celeridade), se exija particular atenção e celeridade na prática dos actos, maxime (no que aqui importa) no que tange à publicitação do acordo de prorrogação do prazo a que alude o nº 5 do artº 17º-D do CIRE e se não compreendesse que o prazo em curso pudesse parar ou se suspender só porque quem devia diligenciar por tal publicitação (o Sr. Administrador Judicial provisório ou a Devedora), simplesmente, o não fez atempadamente!

Como ensinam os Autores supra citados, o prazo fixado aquele nº 5 do artº 17º-D do CIRE é de “caducidade, razão pela qual, se o acordo só for obtido para além dele, não pode já ser homologado por violação não negligenciável da lei...- art.º 215.º, aplicável por imperativo do art.º 17.º-F, n.º 5. Aliás, segundo a disposição expressa do art.° 17.°G, n.º 1, o processo negocial é encerrado se for ultrapassado o prazo aqui estabelecido.
Por esta mesma ordem de razões, para poder ser válido e eficaz, o acordo de prorrogação entre o devedor e o administrador terá de ser concluído antes de terminado o prazo inicial, exactamente porque doutra forma há a caducidade que não é reversível.» “.
Já quanto à publicação, tendo em conta que o motivo que a justifica se prende com a vantagem da possibilidade de conhecimento geral da situação por parte de qualquer interessado, entendemos que a sua eventual falta não afecta a validade nem a eficácia do acordo” – de prorrogação, claro – “, por não consubstanciar a violação de uma regra procedimental ou substantiva que interfira com a posição dos sujeitos processuais não devendo, por isso, inserir-se no leque das normas não negligenciáveis.
A irregularidade é, sim, susceptível de implicar a responsabilidade do administrador, visto que é sobre ele que se deve considerar impender o dever de publicitação, visto que lhe compete vigiar e assegurar a regularidade do processo negocial, segundo a estatuição do nº 9”[5].

Não vemos que outro caminho deva seguir-se.
Não tem, assim, razão a Apelante ao sustentar que se as negociações se prolongarem para além do prazo fixado para o efeito e vierem a culminar com a aprovação do plano, o plano assim aprovado pelos credores não deve deixar de ser homologado.
Mas se assim fosse, então ficaria sem sentido o estatuído naqueles nºs 5 do artº 17º-D e 1 do artº 17º-G.
Alega igualmente a Apelante que o artº 17º-G apenas contempla a hipótese de o processo negocial ser obrigatoriamente encerrado no caso de as negociações terminarem (antecipadamente ou por ser ultrapassado o prazo previsto no nº 5 do artº 17º-D do CIRE), sem que tivesse sido aprovado o plano de recuperação, e já não vale para o caso de as negociações se prolongarem para além do prazo fixado para o efeito e vierem a culminar com o acordo.
Mas, salvo o devido respeito, não vemos que isso faça qualquer sentido: se for ultrapassado o ultrapassado o prazo previsto no nº 5 do artº 17º-D do CIRE é claro que já não tem qualquer utilidade um eventual prolongamento das negociações, pois... a lei é peremptória no sentido de que, findo o prazo previsto naquele nº 5, o processo é encerrado!
A não ser assim, poder-se-ia transformar um prazo com termo certo (de 2 meses....+1 de prorrogação – única) num prazo sem termo, para a possibilidade de obtenção de um acordo! Bastaria, no dizer da Apelante, que as “negociações se prolonguem para além do prazo fixado para o efeito e, apesar disso, ou provavelmente até por causa disso, culminarem com a aprovação do plano” (cfr. ponto 17 das doutas alegações) para o tribunal ficar “amarrado” à homologação do acordo havido, independentemente do tempo que decorra até à sua efectivação.
Não pode ser!

Parece-nos claro, perante a estatuição legal, que o prazo para concluir as negociações encetadas tem natureza peremptória.
E não se diga que assim não deve entender-se pelo facto de a própria lei prever a sua eventual prorrogação.
Com efeito, quando o nº 1 do artº 17º-G do CIRE prevê o encerramento do processo negocial (para além do caso em que o devedor ou a maioria dos credores prevista no n.º 3 do artigo anterior concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo) caso seja ultrapassado o prazo previsto no nº 5 do artigo 17º-D, é claro que se refere, quer ao prazo de dois meses sem ter havido prévio pedido de prorrogação, quer ao prazo de 3 meses havendo prorrogação!
Decorrido um ou outro (conforme seja ou não pedida a prorrogação – que, repete-se, terá de ser prévia, isto é, antes do terminus do prazo inicial de 2 meses) sem que se mostre ter sido alcançado o acordo, parece claro que o encerramento do processo é uma fatalidade, por via do carácter peremptório desse prazo.
A aceitar-se “explicações” do Sr. Administrador ou da Devedora para justificar o prolongamento do prazo, cairíamos num “poço sem fundo”: passava a não haver prazo para se concluir as negociações encetadas. O mesmo é dizer que lá se ia ao ar o carácter urgente atribuído ao processo de revitalização pelo artº 17º-A, nº3!

Note-se que o momento a quo para a contagem do prazo é o fim do prazo para as impugnações, e não a decisão final das impugnações[6].

E no sentido da “inoperacionalidade” do acordo de prorrogação junto ao processo depois de terminado o prazo das negociações, veja-se SILVA, FÁTIMA REIS, Processo Especial de Revitalização – Notas Práticas e Jurisprudência Recente, Porto Editora, 2014, p. 50.

Também entendendo que o dever de publicação do acordo de prorrogação recai sobre qualquer um dos subscritores (devedor ou administrador judicial provisório), cfr. CASANOVA, NUNO SALAZAR/DINIS, DAVID SEQUEIRA, PER – O Processo Especial de Revitalização – Comentários aos artigos 17º-A a 17º-I do Código de Insolvência e da Recuperação e Credores, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, p. 81.
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Assim, portanto, considerando que terminou no dia 20 de Agosto de 2015 o período negocial de 2 meses previsto no supra n.º 5 do art. 15.º-D do CIRE e que foi requerida a prorrogação do prazo negocial por mais um mês – o que tornou o dia 21 de Setembro de 2015 (visto que o dia 20 desse mês foi um domingo) o último dia para a conclusão das negociações conducentes à aprovação do plano de revitalização apresentado pela Devedora – e não tendo sido apresentado dentro desse prazo (legalmente imposto para
o efeito) a existência de qualquer plano de revitalização aprovado (como confessa, aliás, a Devedora no artigo 8.º das suas doutas alegações, dizendo que o plano de revitalização só foi remetido aos credores para votação no dia 21 de Setembro de 2015, tendo sido concedido o prazo de 10 dias para os credores se pronunciarem acerca do mesmo), parece e vidente que o prazo (de três meses) previsto no referido n.º 5 do artigo 17.º D foi ultrapassado, o que não podia deixar de conduzir, como conduziu, ao encerramento do processo negocial no dia 21 de Setembro de 2015, por imposição do estatuído no n.º 1 do art. 17.º-G do CIRE.
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Para além da doutrina citada, assim também tem entendido douta jurisprudência[7].
Veja-se, v.g., o acórdão do T.R.L de 02/07/2015[8], em cujo sumário se escreveu: “Findo o prazo para as impugnações da lista provisória de créditos, o devedor dispõe do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas com vista à aprovação do PER, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor, findo o qual implica o encerramento do processo negocial, devendo o juiz recusar a sua homologação se for aprovado para além daquele prazo - n.º5 do art.º 17.º-D, do C.I.R.E.”.

Idem Ac. Acórdão da RL de 21/05/2015[9], onde, a propósito das consequências jurídicas da ultrapassagem do prazo previsto no nº 5 do artº 17º-D do CIRE, (muito bem) se observou que «.... O processo em que foi proferida a decisão recorrida produz severos efeitos na esfera jurídica de terceiros alheios às dificuldades económicas dos Requerentes da revitalização e sua génese. Com efeito, a decisão judicial de nomeação de administrador judicial provisório referida a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C «obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as ações em curso com idêntica finalidade». Esta compressão de direitos alheios tem que ser, atentos os seus efeitos e destinatários, reduzida à menor expressão temporal possível. Daqui se deve extrair a noção da plena justificabilidade. (…) Sob um tal contexto que revela a teleologia das normas de Direito adjetivo envolvidas, a prorrogação acima referida antes se configura como a concessão de um oportunidade final em atenção aos fins de reparação do tecido económico que subjazem ao diploma que as contém e não como indício da inexistência de uma baliza temporal fixa. (...)».

Ainda no mesmo sentido, veja-se o Ac. do STJ de 08/09/2015[10], assim sumariado:
«I - No âmbito do processo especial de revitalização, o plano de recuperação da devedora requerente deve ser apresentado no prazo das negociações previsto no art. 17.º-F, n.º 1, do ClRE, que é um prazo de caducidade.
II - Ultrapassado tal prazo não deve ser homologado o plano, nos termos do art. 215.º do ClRE, por a sua homologação, nesse caso, constituir violação não negligenciável de norma imperativa.
III - O Tribunal não pode considerar, oficiosamente, a prorrogação do prazo judicial previsto no art. 139.º, n.º 5, do CPC.»[11].
Os destaques são nossos
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CONCLUINDO:
• A publicação do pedido de prorrogação do prazo a que alude o nº 5 do artº 17º-D do CIRE não é incumbência do tribunal, mas, sim, do Sr. Administrador – ou do Devedor. E de forma alguma é pressuposto para se iniciar o “prazo extra” de um mês que é concedido naquele nº 5.
• Para poder ser válido e eficaz, o acordo de prorrogação de tal prazo (que é de caducidade) entre o devedor e o administrador terá de ser concluído antes de terminado o prazo inicial, pois a aludida caducidade não é reversível.
• Decorrido o prazo (de 2 ou 3 meses – conforme seja ou não pedida a prorrogação) sem que se mostre ter sido alcançado o acordo, o encerramento do processo é uma fatalidade, por via do carácter peremptório desse prazo, devendo o juiz recusar a homologação de plano se for aprovado para além daquele prazo.

IV. DECISÃO

Termos em que acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida

Custas pelo apelante.

Porto, 2 de Junho de 2016
Fernando Baptista
Ataíde das Neves
Amaral Ferreira
_______
[1] A numeração das Conclusões é aquela que consta da peça apresentada pela Recorrente – anotando-se que que deveria tê-las numerado sob os nºs 1 e segs!
[2] Cfr. alteração advinda do DL.nº26/2015, de 6.2 – art.17º-F.
[3] Da mesma forma, v.g., que incumbe ao Sr,. Administrador fazer a publicitação do portal citius do encerramento do processo (cit. artº 17º-D, fine).
[4] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª ed., em anotação ao atº 17º-D.
[5] In anotação ao mesmo preceito.
[6] Assim, Ac. RC de 26.02.2013 (ARLINDO OLIVEIRA), Ac. RG, de 10.10.2013 (ISABEL ROCHA), e SILVA, FÁTIMA REIS, Processo Especial de Revitalização – Notas Práticas e Jurisprudência Recente, Porto Editora, 2014, p. 50.
[7] Designadamente, a citada pela Apelada.
[8] Processo n.º 168/14.9T8BRR.L1-6, in www.dgsi.pt (TOMÉ RAMIÃO).
[9] Proc. n.º 1557/14.4TBMTJ.L1 (CARLOS MARINHO).
[10] Processo n.º 570/13.3TBSRT.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt (FONSECA RAMOS).
[11] Também aqui, na mesma senda, se escreveu:
«...O prazo para as negociações decorre independentemente de quaisquer vicissitudes, sendo que o plano deve ser apresentado com a conclusão das negociações, não para além delas, como decorre do espírito da Lei, sobretudo, da celeridade e da improrrogabilidade do prazo negocial senão por uma única vez e de forma consensual solenizada.
Não há um prazo para a conclusão das negociações, no máximo de três meses e um prazo posterior para apresentação do Plano de revitalização, que nem sequer está previsto – art. 17º -F, nº1, do PER.
Do nº2 resulta que as negociações e a aprovação do plano se devem conter num prazo único –“Concluindo-se as negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, sem observância do disposto no número anterior o devedor remete o plano de recuperação aprovado ao tribunal”.
(…) Nos termos em que está concebido, trata-se de um prazo de caducidade, razão pela qual, se o acordo só for obtido para além dele, não pode já ser homologado por violação não negligenciável da lei – art. 215.°, aplicável por imperativo do art. 17.°-F, n.°5.
Aliás, segundo a disposição expressa do art. 17.°-G, n.°1, o processo negocial é encerrado se for ultrapassado o prazo aqui estabelecido”.
Por esta mesma ordem de razões, para poder ser válido e eficaz, o acordo de prorrogação entre o devedor e o administrador terá de ser concluído antes de terminado o prazo inicial, exactamente porque doutra forma há a caducidade que não é reversível.».