Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1658/21.2T8VFR-.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: DESPACHO DE ADMISSÃO DE MEIOS DE PROVA
RECURSO
DEPOIMENTO DE PARTE
FACTOS CRIMINOSOS
Nº do Documento: RP202205041658/21.2T8VFR-C.P1
Data do Acordão: 05/04/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Tendo o Tribunal a quo, ao pronunciar-se sobre os requerimentos de prova no despacho saneador, admitido o depoimento de parte do autor aos factos indicados pela Ré, discordando e querendo impugnar tal decisão, deveria ter interposto recurso de apelação autónomo, no prazo de 15 dias [artigos 79.º -A n.º2, al. d) e 81.º 2, do CPT].
II - Não tendo recorrido, conformou-se com aquela decisão e, logo, a mesma transitou em julgado, visto já não ser susceptível de recurso ordinário ou de reclamação [art.º 628.º do CPC].
III - A lei processual penal consagra não só um total e direito do arguido ao silêncio, como também que ele não pode ser prejudicado por exercer esse direito (art.º 343.º do CPP).
IV - O aludido direito ao silêncio não é transponível para o direito processual civil, tendo o seu campo de aplicação restrito ao processo penal. A expressão “qualquer entidade” do art.º 61.º n.º 1 al. d), do CPP, refere-se às autoridades judiciárias e órgãos de polícia criminal com intervenção na investigação, instrução e julgamento do processo penal.
V - No processo civil o direito que lhe assiste é a não prestar depoimento de parte, por não ser admissível, “sobre factos criminosos”, nos termos estabelecidos pelo art.º 454.º 2, do CPC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO nº 1658/21.2T8VFR-C.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I.RELATÓRIO
I.1 No Tribunal da Tribunal da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira - Juiz 1, AA, intentou acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, demandando “S..., Lda.”, com o propósito de impugnar o despedimento que por esta lhe foi comunicado por escrito na sequência de procedimento disciplinar.
No âmbito da tramitação processual própria, a Ré veio, nos termos do art.º 98.º-J do CPT, apresentar articulado motivador do despedimento e juntar o procedimento disciplinar.
Nesse articulado refere, para além do mais, que com base nos factos imputados no procedimento disciplinar requereu ao Ministério Público a instauração do competente procedimento criminal, conforme cópia da participação que consta daquele procedimento. E, na nota de culpa do procedimento disciplinar (art.º 43.º), consta que “Após o conhecimento destes factos, a entidade patronal apresentou em Janeiro de 2021, junto do DIAP de Santa Maria da Feira, o competente processo crime, que corre os seus termos sob o Processo n.º 41/21.9VFR”.
No que aqui releva, no final do mesmo articulado, na indicação dos meios de prova, a R. empregadora “Requer o depoimento pessoal de parte do requerente à matéria dos itens 8 a 13, 16, 17, 19, 20 e 39 deste articulado”.
Alcançada a fase de saneamento do processo, pronunciando-se sobre aquele requerimento de prova, o Tribunal a quo decidiu o seguinte:
iii) Depoimento de parte.
Ao abrigo do artigo 452.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, por ser requerido por quem tem legitimidade para o efeito, deferindo ao peticionado pela empregadora, admito o depoimento de parte do trabalhador aos factos indicados, por constituírem factos pessoais ou de que a parte deva ter conhecimento directo».
I.2 Subsequentemente, na audiência de discussão e julgamento - em 18 de Novembro de - 2021, foi pedida a palavra pelo Ilustre Mandatário do autor e tendo-lhe sido concedida no seu uso, requereu o seguinte:
-«[..]
De seguida, pelo Ilustre Mandatário do Trabalhador foi ainda requerido, no que respeita ao depoimento de parte, que o Trabalhador não preste depoimento por considerar, em súmula, que os factos que se pretende que incida o depoimento são os mesmos que lhe são imputados no processo crime sob o nº41/21.9T9VFR, motivo pelo qual se pode recusar a depor e pretende exercer esse direito ao silêncio (artigo 61º, nº1, alínea d) do C. Proc. Penal)».
A Ré respondeu, pedindo o indeferimento do requerido.
E, em seguida, o Tribunal a quo proferiu a decisão seguinte:
-«No que se refere à impossibilidade do Autor prestar depoimento de parte, afigura-se-nos que alguns dos factos aos quais foi admitido a depor poderão contender com o seu invocado direito ao silêncio, por respeitarem a matéria eventualmente de índole criminal.
Assim não sucede, contudo, em relação à sua totalidade, sendo que se nos afigura igualmente não ser de excluir, desde já, o depoimento de parte do Autor, cabendo-lhe a este, devidamente advertido pelo tribunal para o efeito se poder recusar a depor sempre que considere que as respostas a dar poderão implicar a sua responsabilidade criminal.
Por conseguinte, embora se nos afigure, em abstrato, que em relação aos factos alegados nos artigos 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 16º em parte, 17º e 20º que o Autor poderá depor sem qualquer restrição, em concreto, ainda assim poderá o mesmo, à medida que a sua inquirição for realizada, recusar-se a depor.
Termos em que se indefere a não prestação do depoimento de parte pelo Autor.
Notifique».
Pelo ilustre mandatário do autor foi de novo pedida a palavra e tendo-lhe sido concedida, “no seu uso disse, em súmula, que considera, em concreto, e não só em abstrato, que todos os factos objeto do depoimento de parte estão relacionados e respeitam à denúncia criminal, pelo que mantém a recusa em que o Trabalhador preste depoimento de parte, [..]»
O Ilustre Mandatário da Ré Entidade Empregadora exerceu o direito de resposta.
E, «de seguida, pela Mmª Juiz foi proferido o seguinte:
Despacho
Uma vez que o Trabalhador se recusa a depor, na sede própria se decidirá em conformidade».
I.3 Discordando desta decisão, o Autor interpôs recurso de apelação, o qual foi admitido e fixado o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram sintetizada nas conclusões seguintes:
Conclui, pedindo o provimento do recurso com as legais consequências.
I.4 A recorrida Ré apresentou contra-alegações, mas sem as finalizar com conclusões.
Refere, no essencial, que nenhum dos factos referidos no despacho recorrido poderá conduzir à incriminação do Trabalhador, porquanto dos mesmos não consta qualquer conduta criminosa. E o Trabalhador, se o entender, sempre poderá recusar-se, caso a caso, no momento em que for questionado. O que não pode é escusar-se a depor, na sua generalidade, baseando-se na circunstância abstracta de contra ele correr um processo criminal no Ministério Público.
É o art.º 454.º do CPC que elenca os factos sobre os quais pode recair o depoimento de uma parte, só podendo ter por objecto factos pessoais de que o depoente deva ter conhecimento, não sendo admissível sobre factos criminosos ou torpes, de que a parte seja arguida. O depoimento de parte já foi admitido quanto aos factos dos artigos 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 16 (em parte), 17.º e 20.º do articulado motivados do despedimento.
Conclui, pugnando pela improcedência do recurso.
I.5 O Digno Magistrado do Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer nos termos do art.º 87.º3, do CPT, pronunciou-se pela improcedência do recurso, na consideração, no essencial, de que “relativamente à restante matéria de facto (factos 11 a 13, 16, 17 e 20, da nota de culpa, fl. 95 e ss.), sobre a qual deverá incidir o depoimento de parte do, ora, apelante, porque tal matéria se apresenta, aparentemente, como alheia à factualidade denunciada na queixa, já o mesmo não deverá poder usar de tal direito.”
I.6 Foram cumpridos os vistos legais, remeteu-se o projecto de acórdão aos excelentíssimos adjuntos e determinou-se a inscrição para julgamento em conferência.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] a questão colocada pelo recorrente para apreciação consiste em saber se o despacho recorrido “violou o art.º 61.º n.º1, do CPP”.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. O elenco factual a considerar é o que resulta do relatório.
II.2 Insurge-se o recorrente contra a decisão do tribunal quo que recaiu sobre o seu requerimento apresentado na sessão de audiência de discussão e julgamento, em 18-11-2021, dizendo “que admitiu o depoimento de parte do A. à matéria de facto dos factos dos art.ºs 8.º, 9.º. 10.º. 11.º, 12.º, 13.º, a 16.º (em parte), 17.º e 20.º do articulado motivador do despedimento, por considerar não contenderem com o direito ao silêncio do arguido em processo penal, e que no caso de recusa do A.. e, sede própria se decidiria em conformidade”.
Refere, no essencial, que o despacho “viola o direito do arguido ao silêncio e à não auto incriminação, previsto no art.º 61.º, n.º1, d), do CPT”, dado resultar da denúncia criminal apresentada pela Ré, documentada no processo disciplinar – processo n.º 41/21.9T9VFR do DIAP de Santa Maria da Feira, que “os factos sobre os quais ia incidir o depoimento de parte eramos mesmos que a R. participou criminalmente”.
Defende que o direito ao silêncio e à não autoincriminação não é cindível e compreende todos os factos da denúncia e garante-lhe que não tem de se pronunciar sobre todos eles, sejam ou não facto típicos do crime (“criminosos”) perante qualquer entidade. Podia invocar o direito ao silêncio, que deveria ter sido deferido na totalidade, sem que a sua recusa motivasse qualquer tipo de consequência negativa ou desfavorável, a ser apreciada em sede própria. O Despacho recorrido violou o art.º 61.º n.º1 al. d), do CPP.
II.2.1 Como primeira nota, contrariamente ao que parece sugerir a afirmação do recorrente na sua primeira conclusão, importa ter presente que o seu depoimento de parte foi requerido pela Ré no articulado motivador do despedimento, com indicação dos factos sobre os quais pretendia que recaísse, tendo o Tribunal a quo apreciado esse requerimento de prova no despacho saneador e decidido, como se refere no despacho recorrido, admiti-lo “aos factos indicados, por constituírem factos pessoais ou de que a parte deva ter conhecimento directo”.
O depoimento de parte visa obter a prova através de confissão judicial, o que se traduz no reconhecimento em juízo, pela parte, da veracidade de um facto que lhe é desfavorável e favorável à parte contrária (art.ºs 352.º e 335.º 2, do CC).
Como elucida José Lebre de Freitas, “Diz-se confissão o reconhecimento da realidade dum facto (passado, ou presente duradoiro) desfavorável ao declarante (art.º 352.º CC), isto é, dum facto constitutivo dum seu dever ou sujeição, extintivo ou impeditivo dum seu direito ou modificativo duma situação jurídica em sentido contrário ao seu interesse, ou, ao invés, a negação da realidade dum facto favorável ao declarante, isto é, dum facto constitutivo dum seu direito, extintivo ou impeditivo dum seu dever de sujeição ou modificativo” [A Acção Declarativa Comum, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2013, p.255].
O mesmo autor assinala, ainda, que “O art. 352 CC, ao definir a confissão, não se limita a enunciar a desfavorabilidade do facto ao confitente: acrescenta-lhe a favorabilidade do mesmo à parte contrária. O sacrifício do interesse do autos da declaração tem o seu correlato na satisfação do interesse de quem, no âmbito da relação jurídica em causa, é titular da situação jurídica que lhe opõe (..)” [Op. cit, p. 256, nota 3].
A confissão judicial diz-se que é provocada, quando resulta do impulso da parte contrária, que para o efeito requere o depoimento de parte, ou quando obtida em prestação de informações ou esclarecimentos ao tribunal (art.º 356.º n.º2, do CC).
Quando produzida no processo, provocadamente em depoimento de parte (art.º 356.º CC), por iniciativa oficiosa do Tribunal ou a requerimento da parte contrária ou comparte (art.º 452º CPC), só pode “(..) ter por objecto factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento”., mas não sendo “admissível o depoimento sobre factos criminosos ou torpes, de que a parte seja arguida” (art.º 454.º 1 e 2, CPC).
Quanto a esta última limitação à possibilidade do depoimento poder ser requerido – n.º2, do art.º 454.º -, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora [Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1985, p. 569], observam que «[..] afasta a mesma disposição legal a admissibilidade do depoimento sobre factos criminosos ou torpes de que a parte seja arguida. Não sendo o processo civil o meio judiciário adequado para a investigação dos factos criminosos imputados às partes, entende-se que o requerimento do depoimento sobre factos dessa natureza ou sobre factos torpes imputados ao próprio litigante pode constituir uma ofensa à sua dignidade ou uma violação da intimidade da vida privada, em que o tribunal não deve colaborar [..]».
A este propósito observa José Lebre de Freitas, que «[..] o depoente não deve ser exposto à necessidade de se pronunciar sobre certos factos ilícitos (…) pessoais, cuja realidade se sentirá inclinado a negar”[Op. cit., p. 259].
No caso, como se disse, o Tribunal a quo admitiu o depoimento de parte do autor aos factos indicados pela recorrida Ré. Tratando-se de um despacho que admitiu meio de prova, discordando a parte afectada e querendo impugná-lo, deverá interpor recurso de apelação autónomo, no prazo de 15 dias [artigos 79.º -A n.º2, al. d) e 81.º 2, do CPT].
Acontece que o autor não recorreu, ou seja, conformou-se com aquela decisão e, logo, a mesma transitou em julgado, visto já não ser susceptível de recurso ordinário ou de reclamação [art.º 628.º do CPC].
Como elucidam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora “Tanto podem transitar em julgado as sentenças ou despachos recorríveis, relativos a questões de carácter processual. Como a decisão referente à relação material em litígio. No primeiro caso, forma-se o caso julgado formal ou externo; no segundo, o caso julgado material, substancial ou interno” [Op. cit, p. 703].
No que respeita ao caso julgado formal, diz-nos o art.º 620.º do CPC, o seguinte:
1 - As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.
2 - Excluem-se do disposto no número anterior os despachos previstos no artigo 630.º.
Em suma, a excepção do caso julgado formal pressupõe a repetição de qualquer questão sobre a relação processual dentro do mesmo processo, dela estando excluídos os despachos previstos no art.º 630.º.
A força e a autoridade atribuída à decisão transitada em julgado visa evitar que a questão decidida pelo órgão jurisdicional possa ser validamente definida em termos diferentes, por outro ou pelo mesmo tribunal. Como elucidam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “trata-se de acautelar uma necessidade vital de segurança jurídica e de certeza do direito (..)”. A excepção de caso julgado assenta na força e autoridade da decisão transitada, destina-se ainda a prevenir o risco de uma decisão inútil, já que havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumprir-se-á a que passou em julgado em primeiro lugar (art.º 625.º), o que significa que a instauração do segundo processo, ou a nova arguição da questão no mesmo processo, “(..) representaria um gasto inútil de tempo, de esforço e de dinheiro, além de constituir um perigo para o prestígio da administração da justiça, que cumpre naturalmente prevenir” [Op. cit., pp. 309/310].
Recorrendo de novo à lição de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, «[..] O caso julgado formal tem força obrigatória dentro do processo, obstando a que o juiz possa, na mesma acção, alterar a decisão proferida, mas não impedindo que, noutra acção, a mesma questão processual concreta seja decidida em termos diferentes pelo mesmo tribunal, ou por outo entretanto chamado a apreciar a causa [Op. cit. pp. 703 e 704]».
Em suma, como se retira do que se veio expondo, formou-se caso julgado quanto à decisão que deferiu o requerido depoimento de parte do autor aos factos indicados pela recorrida Ré, obstando a que o Tribunal a quo a altere, por sua iniciativa ou a requerimento das partes, sob pena de violação do caso julgado formal.
Mas o recorrente confrontou o Tribunal a quo, já em sede de audiência de discussão e julgamento, com questão diferente, desse modo pretendendo afastar o dever de prestar o depoimento de parte admitido, contra o qual não se insurgiu, estribando-se no direito ao silêncio e à não autoincriminação, consagrado no art.º 61.º n.º1, al. d), do CPP, ao estabelecer que o arguido goza do direito a “Não responder a perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar”.
Nas palavras do Ac. do STJ de 25-03-2015 [Proc.º 504/12.8PHLRS.L1.S1 Conselheiro Santos Cabral, disponível em www.dgsi.pt] “O CPP garante ao arguido um total e absoluto direito ao silêncio (al. c) do n.º 1 do art. 61.º) e para reforçar a consistência do conteúdo material do princípio nemo tenetur impõe às autoridades judiciárias e aos órgãos de polícia criminal, perante os quais o arguido é chamado a prestar declarações, o dever de esclarecimento ou a advertência sobre os direitos decorrentes daquele princípio (arts. 58.º, n.º 2, 61.º, n.º 1, al. a), 141.º, n.º 4, e 343.º, n.º 1)”.
Releva referir, ainda, que a lei processual penal consagra não só um total e direito do arguido ao silêncio, como também que ele não pode ser prejudicado por exercer esse direito (art.º 343.º do CPP). Nas palavras de Maia Gonçalves [Código de Processo Penal Anotado, 3.ª ed., Almedina- Coimbra, 1990, p. 123], o arguido «[..] não pode ver desfavorecida a sua posição por ter exercido o direito ao silêncio, o qual não pode ser de modo algum valorado como indício ou presunção de culpa, nem tão pouco como circunstância influenciadora da dosimetria da pena».
Porém, contrariamente ao defendido pelo recorrente, o aludido direito ao silêncio não é transponível para o direito processual civil, tendo o seu campo de aplicação restrito ao processo penal. A expressão “qualquer entidade” do art.º 61.º n.º 1 al. d), do CPP, refere-se às autoridades judiciárias e órgãos de polícia criminal com intervenção na investigação, instrução e julgamento do processo penal.
No processo civil o direito que lhe assiste é a não prestar depoimento de parte, por não ser admissível, “sobre factos criminosos”, nos termos estabelecidos pelo art.º 454.º 2, do CPC.
Sendo de sublinhar, que mesmo no caso de haver confissão sobre factos relativamente aos quais é admissível e foi admitido o depoimento de parte, tal não importa o efeito desfavorável que o recorrente parece querer evitar, dado que nos termos do n.º 3, do art.º 355.º do CC, “A confissão [judicial] feita num processo só vale como judicial nesse processo; [..]”, elucidando Pires de Lima e Antunes Varela [Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 1987, p. 316] que “A limitação da força probatória especial de que goza a confissão judicial à instância em que foi produzida, ou seja, ao processo em que foi feita. Explica-se porque a parte pode ter confessado (renunciando a discutir ou a confessar a realidade do facto), tendo apenas em vista os interesses que estão em jogo naquele processo. Mas poderia ter adoptado atitude diferente se outros valores estivessem em causa”.
Por último, cabe ter presente que, nos termos do art.º 357.º n.º 2, do CC, sendo o depoimento de parte admissível e tendo disso ordenado, se a parte recusar prestá-lo, sem provar justo impedimento, ou responder que não se recorda ou nada sabe, “o tribunal apreciará livremente o valor da conduta da parte para efeitos probatórios”.
Assim, mesmo que porventura o depoimento de parte tivesse sido admitido em violação do art.º 454.º 2, do CPC, podendo colocar-se a questão de saber se o depoente, já no momento em que seja chamado a prestá-lo, pode ou não recusar responder a perguntas sobre quaisquer factos que considere estarem efetivamente abrangidos por essa previsão legal, essa questão estará já ligada ao modo como o tribunal, no momento próprio, venha ou não a valorar essa recusa, nomeadamente, para efeitos do regime estabelecido no referido art.º 357.º n.º 2, do CC.
Porém, não é propriamente esse o objecto do recurso, ou seja, não está em causa a recusa do Recorrente a responder, no momento em que prestava já o seu depoimento, opondo que a pergunta incide sobre “facto criminoso”, nem eventual valoração indevida de tal recusa pelo Tribunal em prejuízo do depoente, na aplicação do princípio da livre apreciação dessa sua conduta para efeitos probatórios.
Por conseguinte, não assiste razão ao recorrente, restando concluir pela improcedência do recurso.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente.

Custas do recurso, a cargo do recorrente, atento o decaimento (art.º 527.º CPC).
***
Porto, 5 de Maio de 2022
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira