Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
214/09.8TTPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
TÁXI
Nº do Documento: RP20140407214/09.8TTPRT.P1
Data do Acordão: 04/07/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: Não se verificando na execução do contrato uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de subordinação do trabalhador, o facto de, em situação de crise nas relações contratuais, a sociedade proprietária de um táxi ter lançado mão do procedimento disciplinar com vista a fazer cessar o contrato que mantinha com a pessoa que procedia à exploração do táxi com total autonomia, comportando-se aí como empregadora, não é suficiente, para a caracterização laboral do vínculo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 214/09.8TTPRT.P1
4.ª Secção

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
П
1. Relatório
1.1. B... intentou em 5 de Fevereiro de 2009 a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “C…, Lda.”, peticionando se declare a ilicitude do despedimento e seja a Ré condenada a pagar-lhe a quantia total de € 29.739,00, as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal e uma indemnização de € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais.
Para tanto, e em síntese, alegou que foi admitido ao serviço da Ré em Março de 1985 para, sob as suas ordens e direcção e contra remuneração, exercer as funções de motorista de táxi, o que fez até Novembro de 2008, altura em que foi despedido ilicitamente e sem justa causa, pelo que tem direito às indemnizações por danos patrimoniais e não patrimoniais previstas na lei e prestações salariais.
Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação foi ordenada a notificação da R. para contestar, vindo a mesma a apresentar contestação em que invocou que o A. foi despedido com justa causa e, além do mais, que desde a data em que iniciou as funções de motorista de táxi, utilizando o táxi da Ré, nos termos estabelecidos entre as partes, sempre competiu àquele arrecadar o produto dos alugueres efectuados, com o qual sempre pagou o combustível, as despesas de manutenção da viatura, as revisões e inspecções e ainda os encargos com a segurança social, despesas de contabilidade, depositando no final de cada mês o remanescente. Alegou, ainda, que o A. sempre explorou o táxi da R. como bem entendeu, em horário por si livremente escolhido, contratando outros motoristas para conduzirem o táxi da R. quando, pelo tempo e condições que entendeu e remunerando tais motoristas. Defende, a final, a improcedência da acção.
O A. respondeu à contestação nos termos de fls. 119 e ss., concluindo como na petição inicial.
Foi proferido despacho saneador e dispensada a fixação da matéria de facto assente e organização da base instrutória (fls. 126-A).
Dando-se notícia nos autos do registo da dissolução e encerramento da liquidação da sociedade R., foi por despacho de fls. 195 declarado que a acção continuará a correr os seus termos, sendo a sociedade substituída pelos seus dois únicos sócios D… e E… nos termos do artigo 162.º, n.ºs 1 e 2 do Código das Sociedades Comerciais, sem necessidade de incidente de habilitação.
Os RR. apresentaram um articulado superveniente que foi rejeitado (fls. 216 e ss.).
Deu-se início ao julgamento em 2012.10.18, prestando o seu depoimento de parte o R. e o A. (fls. 264), após o que foi suspensa a instância a requerimento das partes.
Finda a decretada suspensão da instância, a Mma Julgadora a quo proferiu em 2013.05.14 o despacho constante de fls. 267-268 com o seguinte teor:
«[…]
O Autor B… interpôs a presente acção de impugnação de despedimento, alegando que foi admitido pela Ré em Março de 1985 para, sob as suas ordens e direcção, e contra remuneração, exercer as funções de motorista de táxi. Esta factualidade foi impugnada pela Ré, que acrescentou ter o Autor ficado, desde Março de 2008 até 01 de Setembro de 2008, contra a sua vontade, da totalidade das importâncias por ele recebidas nesse período a título de alugueres do táxi, confiado à sua guarda e cuidados. Mais alegou a Ré no artigo 17.º que “…desde a data em que iniciou as funções de motorista de táxi, utilizando o táxi da Ré, nos termos estabelecidos entre A. e R., sempre competiu àquele arrecadar o produto dos alugueres efectuados, com o qual sempre pagou o combustível gasto, as despesas da manutenção da viatura, em oficina por ele escolhida, bem assim as revisões periódicas e as inspecções semestrais, e ainda os encargos com a segurança social, as despesas com a contabilidade, as coimas e outras despesas, depositando no final do mês o remanescente.”
No artigo 18.º a Ré alegou também que o Autor sempre explorou o táxi, propriedade da Ré, como bem entendeu, no horário por si livremente acordado, contratando outros motoristas para conduzirem o táxi da Ré quando, pelo tempo e condições que entendeu, remunerando tais motoristas nos termos que ele próprio entendeu e sem que previamente tivesse obtido a concordância da Ré, cobrando o Autor os alugueres do táxi da Ré pelo preço que entendeu.
Ignorando a Ré se o Autor conduziu o táxi aos sábados, domingos e feriados e mesmo se gozou férias e se período—v. art. 19.º a 22.º. (sublinhado e negrito nosso)
O Autor, no seu depoimento, e em resumo, declarou que começou a conduzir o táxi em 15/03/85, propriedade de outra firma (“F…”) e em 1987 é que passou a ser propriedade da Ré. Sempre conduziu esse táxi, com total liberdade, sem obedecer a qualquer horário de trabalho imposto pela Ré. Conduzia à noite porque andavam outras pessoas com o táxi, de dia, com autorização do legal representante da Ré. Com o dinheiro que recebia dos clientes que utilizavam o táxi, pagava as despesas da oficina, o combustível, retirava para si cerca de 400 e poucos euros por mês e o que sobrava, depositava numa conta do G… pertencente ao legal representante da Ré.
Por conseguinte, verifica-se que o Autor confessou parte da matéria factual acima descrita, da qual se conclui que não foi celebrado qualquer contrato de trabalho entre as partes face ao acordado e prática verificada desde 1987 até 01 de Setembro de 2009, data em que entregou a viatura.
Portanto, face ao objecto da presente acção e perante o reconhecimento de factualidade relevante pelo Autor, que afasta a qualificação do acordo como contrato de trabalho, entendo ser desnecessária a inquirição das testemunhas por configurar um acto inútil.
Notifique e oportunamente abra conclusão.
[…]»
Nenhuma das partes veio alegar ou requerer o que quer que fosse a propósito deste despacho.
Por despacho de 2013.07.08 foi designada data para a decisão sobre a matéria de facto, vindo a proceder-se à mesma em audiência que teve lugar em 2013.09.16, através de despacho que não foi objecto de reclamação (fls. 270 e ss.).
A Mma. Julgadora a quo proferiu em 07 de Outubro de 2013 sentença que julgou totalmente improcedente a acção, e em consequência, absolveu a Ré dos pedidos.
1.2. O A., inconformado, interpôs recurso desta decisão e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“I. O contrato celebrado tacitamente entre as Partes foi um contrato de trabalho.
II. Os indícios negociais internos e os indícios negociais externos utilizados apontam in casu para a existência de relação laboral.
III. O Apelante foi alvo de processo disciplinar instaurado pela Apelada.
IV. Por processo disciplinar entende-se o conjunto dos actos que se destinam a apurar a responsabilidade do trabalhador, em consequência de um determinado comportamento por este praticado, de maneira a poder-lhe ser aplicada uma sanção disciplinar.
V. Tal poder disciplinar é uma faculdade atribuída à entidade patronal de aplicar internamente aos seus trabalhadores uma sanção pela prática de conduta(s) que estejam em conflito com os padrões estabelecidos e se mostrarem contrários ao normal cumprimento da relação laboral.
VI. Qualquer processo disciplinar pressupõe a existência do vínculo laboral, que é instaurado quando o trabalhador assume determinado comportamento que ponha em causa o justo e equilibrado comportamento que ponha em causa o desenvolvimento da relação laboral, consubstanciando uma qualquer infracção disciplinar.
VII. O exercício do poder disciplinar sobre o trabalhador compete à entidade empregadora durante a vigência do contrato de trabalho.
VIII. O poder disciplinar constitui prerrogativa da entidade patronal, traduz-se na faculdade de esta punir o trabalhador, por meio de sanções correctivas ou até expulsivas, a fim de assegurar a conformidade da conduta do trabalhador com os interesses do serviço para que foi contratado e defender a empresa, enquanto corpo organizado, de quaisquer actuações susceptíveis de a afectar.
IX. O processo disciplinar destina-se exclusivamente às relações laborais.
X. Pois que, o facto de alguém decidir instaurar um processo disciplinar, pressupõe o reconhecimento do visado como seu trabalhador e visa exercer o inerente poder disciplinar e aplicar-lhe uma sanção ou não prevista na Lei.
XI. A instauração de procedimento disciplinar é intrínseco à relação laboral.
XII. Qualquer relação de prestação de serviços exclui de per si o poder disciplinar.
XIII. As Partes juntaram documentos aos autos com os respectivos articulados que demonstram e provam a existência de descontos obrigatórios para a Segurança Social por banda da Apelada figurando o Apelante como seu trabalhador.
XIV. O Apelante nunca efectuou descontos obrigatórios para a Segurança Social como trabalhador independente, modelo existente e adequado aos trabalhadores independentes, mas como trabalhador dependente da Apelada durante 23 anos.
XV. Acresce que, o Apelante beneficiou do subsídio de desemprego, que é sabido só é concedido a trabalhadores por conta de outrém, nunca aos prestadores de serviço.
XVI. O exercício de prerrogativas laborais, como o poder disciplinar, tem forte valor indiciário positivo no sentido da qualificação da relação como de trabalho.
XVII. Subsidiariamente, sempre se conclui que não deveriam ter sido rejeitadas todas as provas oferecidas pelas Partes e que não foram por estas prescindidas
XVIII. Devendo ser anulada a decisão da 1ª instância, repetindo-se o julgamento e efectuada a produção de prova em falta.
XIX. Ao não dar como não provada e improcedente a acção, a sentença recorrida violou o disposto no Art. 1152º do Código Civil, do n.º 1 º do DL 49408, de 24 de Novembro de 1969, do Art. 59º da C. R. P., dos Art. 11º, 12º, 328º do Código do Trabalho, e arts. 615, n.º 1 alínea d], art. 662º do Código de Processo Civil e Art. 3º do CIRS.
Termos em que, nos melhores de Direito e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve a decisão do Tribunal a quo ser alterada, conduzindo à condenação das Apeladas, assim se fazendo, serena e objectiva Justiça.”
1.3. Os RR. apresentaram contra-alegações ao recurso do A., defendendo a improcedência deste. Concluíram a sua peça processual do seguinte modo:
”1º - Através do presente recurso não pode merecer provimento a pretensão do Apelante ao pagamento das quantias que por lei tem direito a título de indemnização e créditos salariais;
2º - A factualidade dada como assente na douta sentença recorrida assentou na integral confissão do ora Apelante;
3º - Ao longo de todo o iter disciplinar, a primitiva R. sempre alinhou os factos em que assentou a realidade da relação jurídica pre-existente entre Apelante e aquela, pelo que só por mero exercício maniqueísta se pode alvitrar que a instauração do dito processo “pressupõe o reconhecimento do visado como seu trabalhador”;
4º - Bem pelo contrário, da matéria de facto assente resulta como provado que o A. sempre explorou o táxi propriedade da R. como bem entendeu, em horário por si livremente escolhido, contratando outros motoristas para conduzirem o táxi da R. quando, pelo tempo e condições que entendeu, remunerando tais motoristas nos termos que ele próprio, A., entendeu, cobrando o A. os alugueres do táxi da R. pelo preço que entendeu;
5º - Tal facto, por si só, arreda qualquer presunção a favor da caracterização da relação jurídica entre Apelante e Apelados como consubstanciadora de um contrato de trabalho;
6º - Ciente disso, é que o Apelante, como confessado e provado, nunca interpelou a primitiva R. sobre a falta de pagamento de qualquer subsídio de natal, ou sobre o gozo de férias;
7º - Bem andou, pois, a Mma. Juiza a quo ao decidir, como decidiu, não estarmos, perante o caso dos autos, de um contrato de trabalho;
8º - A douta sentença recorrida não merece, por isso, qualquer censura, bem pelo contrário.
REQUERIMENTO: Admitindo por mera hipótese, a admissibilidade da requerida junção aos autos dos documentos que acompanham as alegações, desde já se requer que, para prova da falsidade do teor e da assinatura pelo Apelado-marido do documento junto sob o nº 1, - seja efectuada ao referido documento uma perícia grafológica pelo Laboratório do Dr. H...a, nesta cidade do Porto, devendo, para tanto, recolher-se autógrafos do Apelante e do Apelado-marido; - seja inquirida a testemunha I.., residente na ..., nº ..., Porto.”
1.4. Pedida pelos RR. a rectificação de um erro material na sentença, foi prolatado despacho em 2013.12.09 que rectificou tal erro e admitiu o recurso (fls. 326).
1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido de que se deve negar provimento ao recurso em douto Parecer a que as partes, notificadas, não responderam.
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
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Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013[1], de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal prendem-se com a análise:
1.ª – de saber se entre as partes se estabeleceu um vínculo contratual de natureza laboral;
2.ª – em caso afirmativo, se deve proceder-se à anulação do julgamento para ampliação da matéria de facto e apuramento dos factos necessários à apreciação da justa causa de despedimento.
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3. Questão prévia
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Antes de enfrentar as questões suscitadas na apelação, cabe aferir da legalidade da junção aos autos dos documentos de fls. 305 a 311, que consistem: num denominado “acordo de isenção de horário” (fls. 305); no rosto de um sobrescrito registado figurando a R. no lugar destinado ao remetente (fls. 306); no texto de uma carta da R. dirigida ao A. (fls. 307); em duas declarações emitidas pela R. com vista ao preenchimento de declarações de rendimentos (fls. 308 e 311) e numa declaração de situação de desemprego (fls. 309-310).
Com estes documentos, todos eles com datas anteriores ao início do julgamento em 1.ª instância, com excepção da declaração de desemprego (que não tem data), pretende o recorrente demonstrar que o contrato que o vinculou à R. consiste num contrato de trabalho e não num contrato de prestação de serviço.
A fase de recurso “não é naturalmente ajustada à apresentação ou produção de novos meios de prova, antes à reapreciação dos anteriormente apresentados”[2]. A instrução do processo faz-se, em princípio, na primeira instância, onde devem ser produzidos todos os meios de prova designadamente a prova documental, pelo que a faculdade de apresentar documentos com a alegação é de natureza excepcional.
Como escreve Antunes Varela:
«A junção de documentos com as alegações da apelação, afora os casos da impossibilidade de junção anterior ou de prova de factos posteriores ao encerramento da discussão de 1ª instância, é possível quando o documento só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido em 1ª instância. E o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou da dedução da defesa) quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado.
Todos sabem, com efeito, que nem o Juiz nem o Colectivo se podem utilizar de factos não alegados pelas partes (salvo o disposto nos artºs 514º e 665º do CPC). Mas que podem, em contrapartida, realizar todas as diligências probatórias que considerem necessárias à averiguação da verdade sobre os factos alegados (artºs 264º nº 3, 535º, 612º etc.) e que nem o juiz nem o tribunal se têm de cingir, na decisão da causa, às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação ou aplicação das regras de direito (artº 664º - 1ª parte).
A decisão de 1ª instância pode por isso criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam. Só nessas circunstâncias a junção do documento às alegações da apelação se pode legitimar à luz do disposto na parte final do nº 1 do artº 706º do CPC.[3]»
No Código de Processo Civil actualmente em vigor, e também vigente à data da apresentação das alegações de recurso (em 2013.10.30), regem sobre esta matéria os artigos 425.º – segundo o qual “[d]epois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento” – e 651.º, n.º 1 – este último prescrevendo que “[a]s partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.
Como se refere no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Janeiro de 1994 (BMJ 433/467), em considerações que se mantêm pertinentes, o legislador, na última parte do art. 706.º do CPC (equivalente ao actual art. 651.º), ao permitir às partes juntar documentos às alegações no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância “quis cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença, ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida, significando o advérbio «apenas», inserto no segmento normativo em causa, que a junção só é possível se a necessidade era imprevisível antes de proferida a decisão em 1ª instância”[4].
Assim, a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam.
Ora no caso sub judice os factos que o recorrente pretende demonstrar com os documentos juntos com a apelação, referentes ao desenvolvimento das relações contratuais estabelecidas entre as partes, são anteriores à propositura da acção. E os próprios documentos são anteriores ao julgamento efectuado em 1.ª instância, não tendo o recorrente feito o menor esforço para demonstrar que não foi possível apresentá-los até ao momento do recurso, pelo que não é admissível a sua junção à luz do artigo 425.º do CPC.
E, perante a tramitação concreta que os autos prosseguiram após o início do julgamento, não pode dizer-se que a junção dos documentos para prova da existência de um contrato de trabalho se tornou necessária “em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância” como exige o artigo 651.º do CPC.
A sentença recorrida nem se baseou em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal – que não determinou a produção oficiosa de qualquer meio de prova e teve essencialmente em consideração na decisão de facto o depoimento de parte do A. ora recorrente – ou em fundamentação jurídica com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado, pois que por despacho proferido em momento em que ainda não havia findado a audiência de julgamento – no dia 14 de Maio de 2013 (a fls. 267 e acima transcrito) –, o tribunal a quo afirmou ter o A. confessado matéria factual “da qual se conclui que não foi celebrado qualquer contrato de trabalho entre as partes face ao acordado e prática verificada desde 1987 até 01 de Setembro de 2009, data em que entregou a viatura” e afirmou também que “face ao objecto da presente acção e perante o reconhecimento de factualidade relevante pelo Autor, que afasta a qualificação do acordo como contrato de trabalho, entendo ser desnecessária a inquirição das testemunhas por configurar um acto inútil”. Depois deste despacho nada foi requerido por qualquer das partes, vindo a ser proferida decisão da matéria de facto no dia 16 de Set. de 2013 (em audiência em que o A. esteve representado), bem como sentença 07 de Outubro seguinte, a qual, como era previsível, acolheu a perspectiva jurídica já anunciada no despacho proferido em Maio de 2013.
É certo que a tramitação que os autos prosseguiram após o início do julgamento não respeitou estritamente os cânones processuais, mas as partes não reagiram no momento próprio, arguindo as nulidades de que entendessem padecer os actos processuais que foram sendo praticados e de que foram tomando conhecimento [cfr. os artigos 201.°, n.° 1, 203.° n.º l, e 205.° n.º l, todos do CPC em vigor à data da audiência de julgamento] ou interpondo imediato recurso das decisões que rejeitaram, ainda que implicitamente, a produção de meios de prova requeridos pelas partes [artigo 79.º-A, n.º 2, alínea i) do CPT e 691.º, n.º 1, alínea i) do mesmo CPC], pelo que se consolidaram os actos praticados antes da prolação da sentença.
Assim, perante o que estabelecem as disposições conjugadas dos artigos 425.º e 651.º do CPC, ambos aplicáveis ex vi dos artigos 1.º, n.º 2, alínea a) do CPT e o segundo ainda por força do artigo 87.º, n.º 1 do mesmo CPT, é inadmissível a junção com a alegação da apelação dos documentos de fls. 305 e ss., pelo que se determinará o seu desentranhamento, ficando prejudicadas as questões suscitadas quanto aos mesmos nas contra-alegações dos RR.
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4. Fundamentação de facto
Os factos materiais relevantes para a decisão da causa foram fixados pela sentença recorrida nos seguintes termos:
«[...]
1--Desde 1987, ano em que iniciou a actividade de motorista de táxi utilizando o táxi da R., o veículo ..-..-FZ, nos termos estabelecidos entre A. e R., sempre competiu àquele arrecadar o produto dos alugueres efectuados de cerca de 400 € por mês, com o qual sempre pagou o combustível gasto, as despesas de manutenção da viatura, em oficina por ele escolhida, bem assim como as revisões periódicas e as inspecções semestrais, depositando no final de cada mês em benefício da Ré o remanescente.
2--O A. sempre explorou o táxi propriedade da R. como bem entendeu, em horário por si livremente escolhido, contratando outros motoristas para conduzirem o táxi da R. quando, pelo tempo e condições que entendeu, remunerando tais motoristas nos termos que ele próprio, A., entendeu, cobrando o A. os alugueres do táxi da R. pelo preço que entendeu.
3--A Ré instaurou ao Autor processo disciplinar que concluiu com decisão de despedimento com justa causa, datada de 26 de Novembro de 2008 que se dá por reproduzida.
4-- O Autor comunicou à Ré que o veículo que conduzia, “..-..-FZ”, necessitava de uma revisão geral, caso contrário, não passaria na inspecção periódica que teria lugar no mês de Junho seguinte;
5--Essa comunicação sucedeu porque o autor não dispunha monetariamente de verba para pagar a despesa da revisão por conta e em nome da Ré;
6--No dia 7 de Outubro de 1991, verificou-se um acidente de viação em que foi interveniente o veículo automóvel de matrícula “RO-..-..” em que o condutor seria J….
7-- Por carta datada de 2008.08.21, a Ré interpelou o Autor para que este procedesse à entrega na sede do veículo táxi no dia 2008.09.01 a fim de submeter a viatura a uma revisão geral.
8--O Autor entregou o táxi de matrícula “..-..-FZ” na sede da Ré, sita em ….
9--O A., desde Janeiro de 2008, até ao dia 01 de Setembro do mesmo ano, fez suas, contra a vontade da R., a totalidade das importâncias por ele recebidas nesse período a título de alugueres do táxi propriedade da R.
10-- O painel do rádio foi alvo de roubo em Abril de 2008, situação reportada à Ré.
11--O A. nunca interpelou a R. sobre a falta de pagamento de qualquer subsídio de natal, ou sobre o gozo de férias.
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No caso sub judice não foi impugnada a decisão de facto emitida pelo tribunal a quo. O recorrente sustenta a tese que pretende fazer valer com base nestes factos que ficaram assentes na 1.ª instância e invocando, ainda, outros que entende estarem provados por prova documental, como é o caso da existência de descontos obrigatórios para a Segurança Social (conclusão XIII) e de ter o A. beneficiado de subsídio de desemprego (conclusão XV).
Uma vez que não foram admitidos os documentos juntos ex novo com a apelação, a nossa apreciação incidirá sobre os demais documentos constantes dos autos, tendo presente que nos termos do artigo 663.º, n.º 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, se aplicam ao acórdão da Relação as regras prescritas para a elaboração da sentença, entre as quais o artigo 607.º, n.º 4, por força do qual o juiz deve tomar em consideração na fundamentação, além do mais, os factos provados por documento.
Apesar de o recorrente não localizar no processo os documentos em que se funda – com excepção dos que junta com a apelação – compulsados os autos verificamos que deles consta a fls. 137 e ss. uma informação prestada pelo Centro Distrital do Porto do Instituto da Segurança Social, I.P. da qual é possível retirar que o A. auferiu subsídio de desemprego da Segurança Social a partir de 4 de Fevereiro de 2009 no montante diário de € 13,97 e que esteve inscrito na Segurança Social como trabalhador por conta da sociedade C…, Lda., efectuando descontos entre Julho de 2001 e Novembro de 2008 (informação que neste aspecto se mostra consonante com as cópias de “recibos” dos meses de Janeiro e Março de 2008, juntas pelo A. a fls. 28 e 49, das quais consta a realização desses descontos).
Assim, aditam-se à matéria de facto os seguintes:
12 – O A. auferiu subsídio de desemprego da Segurança Social a partir de 4 de Fevereiro de 2009 no montante diário de € 13,97.
13 – O A. esteve inscrito na Segurança Social como trabalhador por conta da sociedade C…, Lda., efectuando descontos entre Julho de 2001 e Novembro de 2008.
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Estes os factos a atender para a decisão jurídica do pleito
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5. Fundamentação de direito
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5.1. A questão fundamental a analisar no presente recurso consiste em saber se, como decidiu a sentença de 1.ª instância, o A. não provou a existência de um contrato de trabalho, o que constituía pressuposto dos direitos que pretendia fazer valer através da presente acção, ou se, como entende o recorrente, os factos provados demonstram ter-se firmado um contrato com tal natureza.
Como decorre do disposto no artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, recai sobre o autor que pretende ver reconhecido o direito às indemnizações e outras prestações que peticiona em consequência de um despedimento, o ónus de alegar e provar os factos necessários à conclusão pela existência do contrato de trabalho e do despedimento, os quais emergem como factos constitutivos do seu alegado direito[5].
No período de tempo em análise (entre 1987 e 2008), estiveram em vigor regimes laborais sucessivos, mas a noção de contrato de trabalho manteve-se incólume na lei civil ao longo deste tempo – artigo 1152º do Código Civil – e não sofreu igualmente alterações, no que diz respeito à sua essência, nas definições constantes, sucessivamente, do artigo 1.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.° 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (LCT), do artigo 10.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto, que entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2003 (artigo 3.º, n.º 1 desta lei) e do artigo 11.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que entrou em vigor em 17 de Fevereiro de 2009 e por isso não logra aplicação ao caso sub judice.
Os elementos constitutivos da noção de contrato de trabalho, em qualquer destes textos normativos, são: a prestação de actividade, a retribuição e a subordinação jurídica.
Perante as dificuldades muitas vezes inerentes ao cabal cumprimento do ónus de provar estes elementos, a jurisprudência que se firmou no âmbito da LCT passou a recorrer ao denominado “método indiciário”, lançando mão de vários índices – cuja verificação tinha igualmente de ser demonstrada por quem estava onerado com o ónus da prova do contrato – sobre os quais formulava um juízo global sobre a qualificação contratual, extraindo a conclusão pela autonomia na prestação do trabalho ou pela subordinação jurídica, a partir de factos índice essencialmente emergentes da fase de execução do contrato.
Como indícios negociais internos a captar apontam-se, geralmente, a vinculação a horário de trabalho, a prestação da actividade em local definido pelo empregador, a utilização de bens ou utensílios fornecidos pelo mesmo, a retribuição em função do tempo, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa, o pagamento das férias, subsídios de férias e de Natal e a inserção na organização produtiva.
Como indícios externos do contrato, aponta-se a exclusividade do empregador, a inscrição, ou não, na Repartição de Finanças como trabalhador dependente, o tipo de recibos emitidos, o tipo de declaração de IRS, o registo na Segurança Social, com os respectivos descontos, no fundo a observância dos regimes fiscal e de segurança social, próprios dos trabalhadores por conta de outrem[6].
Os indícios a ponderar têm um valor relativo se individualmente considerados[7] e têm sempre que reconduzir-se ao único critério incontroversamente diferenciador e verdadeiramente típico do contrato de trabalho, ou seja, a subordinação jurídica pressuposta na norma laboral definidora desta figura contratual.
A partir de 2003, e com o mesmo objectivo de obviar às dificuldades de prova dos elementos que preenchem a noção de contrato de trabalho, bem como de facilitar a operação qualificativa nas denominadas “zonas cinzentas” entre o trabalho autónomo e o trabalho subordinado, nesta matéria, o artigo 12º do Código do Trabalho de 2003, na sua redacção inicial, estabeleceu uma “presunção” de que as partes celebraram um contrato de trabalho assente no preenchimento cumulativo dos requisitos nela enunciados.
Este preceito foi alterado pela Lei n.º 9/2006 – que lhe conferiu uma nova redacção, entrada em vigor em 25 de Março de 2006 –, passando a dispor que “[p]resume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as ordens, direcção e fiscalização deste, mediante retribuição”. Se a primeira redacção do preceito veio a revelar-se de uma extrema exigência e trouxe pouca utilidade à presunção de laboralidade ali estabelecida, também esta redacção se não furtou a críticas da doutrina, já que, afinal, os factos base da presunção coincidiam integralmente com os factos cuja conclusão se pretendia alcançar com a prova dos primeiros e ainda acrescentava mais alguns (a dependência do beneficiário da actividade e a inserção na estrutura organizativa deste)[8].
Actualmente, o Código do Trabalho de 2009 regressou a uma norma presuntiva com uma estrutura semelhante à redacção originária de 2003, mas aligeirando o esforço do trabalhador que não terá que provar cumulativamente os vários factos-base, mas apenas alguns, para que se possa aferir a existência dos elementos caracterizadores do contrato de trabalho.
Caso não funcione a presunção de laboralidade prevista na lei, por não preenchimento de algum dos requisitos cumulativos enunciados em 2003, pode o trabalhador provar que estão preenchidos os elementos constitutivos do contrato de trabalho tal como o mesmo se mostra definido no preceito que o define, caso demonstre factos que os integrem ou que constituam índice relevante da sua verificação[9].
Tem constituído jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça a de que a qualificação de uma relação contratual como de trabalho deverá ser aferida face ao normativo em vigor à data em que se constituiu e, especificamente sobre o art. 12.º do Código do Trabalho de 2003, tem-se também pronunciado no sentido de não ser ele aplicável a relação contratual iniciada em data anterior à da entrada em vigor do referido Código se, da matéria de facto provada, não se extrair que as partes, a partir de 01 de Dezembro de 2003 alteraram os termos da relação jurídica firmada em data anterior[10].
Tendo presente este quadro normativo, e não se extraindo da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado, a partir de 1 de Dezembro de 2003, os termos da relação jurídica entre eles estabelecida, vejamos se pode concluir-se que à luz do Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (L.C.T.) se estabeleceu entre as partes um contrato de trabalho, como defende o recorrente, ou se, tal como foi decidido na 1.ª instância, os factos não permitem tal conclusão.
5.2. A sentença da 1.ª instância, no que diz respeito à qualificação contratual, discorreu nos seguintes termos:
«O Autor pretende o pagamento de uma indemnização por despedimento sem justa causa e de créditos salariais, baseando-se, para tanto, na celebração de um contrato de trabalho com a Ré.
Segundo o art. 11.º do CT/2009, actualmente em vigor, sob a epígrafe Noção de contrato de trabalho: “Contrato de trabalho é aquele pela qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito da organização e sob a autoridade destas.”.
A diferença, em relação às anteriores noções, respeita ao enquadramento da «subordinação jurídica» na organização da pessoa a quem é prestada a actividade.
Para podermos concluir pela existência de um contrato de trabalho face às afinidades que o mesmo muitas vezes tem com o contrato de prestação de serviços, é necessário, como tem sido reiteradamente afirmado pelos nossos Tribunais Superiores, que se prove a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador de conformar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou (consequentemente, a subordinação jurídica reconduz-se ao dever de obediência do trabalhador, no que concerne à execução e disciplina da prestação de trabalho fixados pelo empregador), e contrato de trabalho que, assim, se apreende, determina, através de um conjunto de indícios-- assumindo cada um deles um valor relativo, pelo que o juízo a fazer deve ser de globalidade face à situação concreta apurada — como sejam a vinculação a horário de trabalho, a prestação da actividade em local definido pelo empregador, a actividade exercida sob as ordens deste, a sujeição do trabalhador à disciplina da empresa, a modalidade da retribuição, a propriedade dos instrumentos de trabalho e a observância dos regimes fiscal e de segurança social próprios dos trabalhadores por conta de outrem.
Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II. 2ª Ed., Coimbra, 1988), esclarecem que «enquanto que no contrato de trabalho um dos contraentes se obriga a prestar ao outro o seu trabalho, a prestação de serviço tem por objecto o resultado do trabalho e não o trabalho em si, e, para chegar a esse resultado, não fica o obrigado sujeito à autoridade e direcção do outro contraente.»
Porque todo o trabalho conduz a um resultado e este não existe sem aquele, a questão a decidir consiste em saber se o Autor prometeu à Ré o seu trabalho ou um seu resultado.
Sendo essa a questão principal, Inocêncio Galvão Telles (ob. cit., p. 165), ensinava que «o único critério legítimo está em averiguar se a actividade é ou não prestada sob a direcção da pessoa a quem ela aproveita, que dela é credora.». (negrito nosso)
Recorre-se, assim, ao critério da subordinação ou da autonomia na execução do contrato o que permite traçar a linha de fronteira entre a área do contrato de trabalho e a do contrato de prestação de serviço.
Ao julgador podem surgir sérias dificuldades em qualificar uma dada situação concreta que se situe numa zona cinzenta entre o âmbito do trabalho subordinado e o do trabalho autónomo.
Para a resolução destas dificuldades, a jurisprudência e a doutrina desenvolveram um método indiciário: considera-se a subordinação como um conceito tipo, susceptível de se revelar por uma série de indícios, que mais não são do que características do trabalho subordinado.
No actual CT/2009 também está consagrada uma presunção de contrato de trabalho no art. 12.º, n.º 1:
(…)
Estamos perante um caso em que não existe qualquer dificuldade em concluir que as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho.
Com efeito, o Autor, ao longo de vinte e um anos, sempre explorou o táxi propriedade da R. como bem entendeu, em horário por si livremente escolhido, contratando outros motoristas para conduzirem o táxi da R. quando, pelo tempo e condições que entendeu, remunerando tais motoristas nos termos que ele próprio, A., entendeu, cobrando o A. os alugueres do táxi da R. pelo preço que entendeu.
Sempre competiu ao Autor arrecadar o produto dos alugueres efectuados de cerca de 400 € por mês, com o qual sempre pagou o combustível gasto, as despesas de manutenção da viatura, em oficina por ele escolhida, bem assim como as revisões periódicas e as inspecções semestrais, depositando no final de cada mês em benefício da Ré o remanescente de cerca de € 400 euros.
Nunca interpelou a R. sobre a falta de pagamento de qualquer subsídio de natal, ou sobre o gozo de férias.
Por conseguinte, nunca existiu qualquer subordinação jurídica do Autor à Ré, sendo que esta resolveu instaurar-lhe processo disciplinar provavelmente para se acautelar contra diverso entendimento da relação jurídica.
Assim sendo, não assiste ao Autor qualquer direito a reclamar indemnização por despedimento ou por alegados créditos salariais.»
5.3. O contrato individual de trabalho vem definido no art. 1º da LCT e no art. 1152º do Código Civil, nos seguintes termos:
“Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta”.
O contrato de prestação de serviço, por seu turno, é assim descrito no art. 1154º do Código Civil:
“Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”.
Das definições legais de contrato de trabalho e de contrato de prestação de serviço resulta que os elementos que essencialmente os distinguem são: o objecto do contrato (prestação de actividade ou obtenção de um resultado) e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).
O contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e como elemento típico e distintivo a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador conformar através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou. Diferentemente, no contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efectiva por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte.
Em última análise, o relacionamento entre as partes - a subordinação ou autonomia - é que permite caracterizar a “locatio operarum”, ou contrato de trabalho, e a “locatio operis”, ou contrato de prestação de serviço[11]. Esta característica fundamental do vínculo laboral implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de subordinação do trabalhador cuja conduta pessoal na execução do contrato está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.

5.4. Cabe pois aferir se os factos provados permitem concluir que se firmou um vínculo de natureza laboral entre as partes com o trabalho prestado pelo recorrido à recorrente a partir de 1987.
Como o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a defender, repetidamente, os indícios de subordinação jurídica não podem ser avaliados de uma forma atomística, antes deve ser efectuado um juízo global, em ordem a convencer ou não da existência, no caso, da subordinação jurídica do prestador do trabalho em relação à entidade a quem o presta[12].
Ou seja, não basta o preenchimento, em abstracto, de um ou mais indícios apontados como susceptíveis, em princípio, de revelar a subordinação jurídica para se poder concluir, desde logo, que se está perante um contrato de trabalho, nem basta que o número de indícios nesse sentido seja maior que o dos indícios que apontam em sentido diverso, havendo sempre que avaliar, em concreto, o valor sintomático dos respectivos factos. Nesta avaliação, cada um dos indícios tem naturalmente um valor muito relativo e, por isso, o juízo a fazer é sempre um juízo de globalidade, formulado com base na totalidade dos elementos de informação disponíveis, a partir de uma maior ou menor correspondência com o conceito-tipo.
Analisando para o efeito a factualidade apurada no âmbito do presente processo, podemos adiantar que o juízo de globalidade a que se procede não permite a afirmação de que o recorrente prestava trabalho de modo juridicamente subordinado quando desenvolvia a sua actividade em benefício da recorrida.
Com efeito, apesar de o recorrente ser motorista de táxi – actividade que é, em abstracto, compatível com a existência de um contrato de trabalho ou com outro tipo de vinculações contratuais – e de o táxi ser propriedade da primitiva ré – o que geralmente é apontado como indício de uma vinculação laboral, mas é também compatível com outro tipo de convénios –, o modo como o recorrente exercia aquela actividade e cumpria o demais convencionado entre as partes não se coaduna com a existência das ordens e instruções que necessariamente caracterizam a subordinação jurídica (embora com maior ou menor intensidade, consoante o tipo de actividade desenvolvida), nada constando também da matéria assente quanto a eventuais factos caracterizadores da existência de fiscalização da actividade do recorrente por parte da recorrida.
Como se provou, desde 1987, ano em que iniciou a actividade de motorista de táxi utilizando o táxi da R. (o veículo 30-51-FZ) nos termos estabelecidos entre A. e R., sempre competiu ao A. arrecadar o produto dos alugueres efectuados de cerca de 400 € por mês, com o qual sempre pagou o combustível gasto, as despesas de manutenção da viatura, em oficina por ele escolhida, bem assim como as revisões periódicas e as inspecções semestrais, depositando no final de cada mês em benefício da Ré o remanescente (facto 1.).
Além disso, ficou provado que o A. sempre explorou o táxi propriedade da R. como bem entendeu, em horário por si livremente escolhido, contratando outros motoristas para conduzirem o táxi quando, pelo tempo e condições que entendeu, remunerando tais motoristas nos termos que ele próprio, A., entendeu, cobrando o A. os alugueres do táxi da R. pelo preço que entendeu (facto 2.).
Ou seja, não se demonstra a existência de qualquer interferência da R. no modo como o recorrente se encarregava das múltiplas tarefas inerentes à exploração do táxi, sendo que, de acordo com o convencionado entre as partes do contrato, competia ao recorrente arrecadar o produto dos alugueres efectuados, pagando com ele o combustível gasto, as despesas de manutenção da viatura, as revisões periódicas e as inspecções semestrais, depositando no final de cada mês em benefício da Ré o remanescente.
Na gestão a que procedia, o recorrente explorava o táxi como bem entendia e dispunha de liberdade mesmo para fixar o preço que cobrava pelos alugueres do táxi e para contratar outros motoristas para o conduzirem quando, pelo tempo e condições que entendeu, remunerando tais motoristas nos termos que ele próprio, também entendeu, sendo igualmente livre para escolher a oficina em que procedia à manutenção do veículo.
Se é certo que no âmbito da exploração do táxi o A. se encarregava da condução do veículo, ou seja, exercia as tarefas de motorista – e, mesmo aí, cabendo ao recorrente a organização do seu tempo e horário de trabalho – a verdade é que a sua actividade profissional era bem mais ampla e era exercida num contexto de grande autonomia, a qual incluía o não exercício da actividade de motorista, o que necessariamente acontecia quando o recorrente contratava outros motoristas para conduzirem o táxi, quando, pelo tempo e condições que entendeu, remunerando tais motoristas nos termos por si decididos.
A única situação provada em que a R. teve interferência na revisão do veículo sucedeu numa ocasião em que o A. não dispunha da verba necessária para a revisão, o que motivou aquela interferência sob impulso do A. (factos 4. e 5.). E a única interpelação da R. ao A. que se provou ocorreu numa ocasião já perto do términus do contrato em que o A. já há cerca de 8 meses que fazia sua a totalidade das importâncias recebidas dos alugueres do veículo da R. e esta o interpelou para entregar o veículo na sua sede (factos 7. a 9.).
Tratando-se de situações pontuais, e com uma justificação que não se confunde com o exercício dos poderes de autoridade característicos do contrato de trabalho – a primeira por falta de dinheiro e a segunda quando se verificava já um mau estar nas relações contratuais estabelecidas – entendemos que delas não se pode retirar o significado de que o A. obedecia à R. no exercício da sua actividade, como parece pretender o recorrente.
Para além destas duas situações pontuais, a liberdade de actuação do recorrente no exercício da sua actividade profissional de modo algum permite que se conclua pela prestação de uma actividade de modo juridicamente subordinado e denota uma autonomia no relacionamento profissional com a R., e na organização dos próprios tempos de actividade, muito pouco compatível com a heterodisponibilidade que caracteriza o contrato de trabalho.
Além disso, se no decurso da execução das relações contratuais estabelecidas entre as partes o A. contratava outros motoristas nos termos referidos, tal denota que o interesse da R. era o de que o A. explorasse o táxi e assegurasse a continuidade desta exploração por si, ou por outra pessoa que era livre de contratar, ou seja, que à R. interessava, apenas, a produção de um determinado resultado (a exploração do táxi) e que as relações contratuais se mantinham e eram cumpridas ainda que, para o efeito, o recorrente não prestasse a sua actividade intelectual ou manual em benefício da R., como é característico do contrato de trabalho[13].
Neste contexto em que não existia uma forma de direcção e definição concreta do conteúdo da actividade prestada pelo recorrente, em que não se demonstrou que a R. exercesse sobre este um poder de conformação da actividade, nem sequer fixando os limites temporais do seu exercício e em que o A. se encarregou da exploração do táxi, actividade que exercia com ampla liberdade, torna-se muito difícil divisar no contrato sub judice os contornos da subordinação jurídica inerente à vinculação laboral.
E alcançamos esta conclusão apesar de se ter provado que a partir de 2001 o A. esteve inscrito na Segurança Social como trabalhador por conta da R. e efectuou descontos que lhe permitiram vir a auferir subsídio de desemprego (factos 12. e 13.) e de se ter provado que a R. instaurou ao A. um procedimento disciplinar que concluiu pelo despedimento deste (facto 3.).
Ambos estes aspectos – a efectivação de descontos para a Segurança Social e a prática de um acto que corresponde ao exercício do poder disciplinar – são próprios de uma relação contratual de trabalho.
E, se o primeiro aspecto não é, por si só, muito relevante, pois que se trata de um indício de natureza externa ao contrato, o segundo, relacionado com o exercício do poder disciplinar constitui, na verdade, um elemento que à partida se prefigura como muito relevante, por ser especialmente característico de uma relação de trabalho subordinado.
Deve contudo notar-se que a instauração do procedimento disciplinar não se coaduna com tudo o mais que ficou provado quanto ao modo como se executou o contrato em vigor entre A. e R. desde 1987 e, também, que nenhum facto provado demonstra ter-se verificado o exercício do poder disciplinar ao longo dos mais de 20 anos por que perduraram as relações contratuais estabelecidas entre as partes, bem como que este específico acto surge já num contexto de crise contratual (em que o A. entre Janeiro e Setembro de 2008 fez suas, contra a vontade da R., todas as quantias recebidas dos alugueres do táxi propriedade da R.) e com vista à cessação do contrato que veio a ter lugar por decisão de 26 de Novembro de 2008.
Assim, e atenta essencialmente a absoluta dessintonia deste acto da R. com o que ficou provado quanto ao modo como se desenvolveram as relações contratuais estabelecidas entre as partes, entendemos que a sua intensa - mas fugaz - força indiciadora de uma vinculação laboral se esbate, não sendo de molde a alterar o juízo feito na 1.ª instância de que o contrato estabelecido entre as partes não é de trabalho[14].
Não se verificando a característica fundamental do vínculo laboral – a constatação de uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e da correlativa posição de subordinação do trabalhador cuja conduta pessoal na execução do contrato está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador dentro dos limites do contrato e das normas que o regem – o facto de, em situação de crise nas relações contratuais, a sociedade proprietária do táxi ter lançado mão do procedimento disciplinar com vista a fazer cessar o contrato que mantinha com a pessoa que procedia à exploração do táxi, comportando-se aí como empregadora e pondo fim ao contrato por via da aplicação de uma sanção disciplinar que apenas tem lugar no âmbito de um contrato de trabalho, não é suficiente para a caracterização laboral de relações contratuais que se desenvolveram fora do modelo típico do trabalho subordinado.
Deve finalmente notar-se que é consonante com a não vinculação laboral, embora sem relevo decisivo, o facto de o A. nunca ter interpelado a R. sobre a falta de pagamento de qualquer subsídio de Natal ou sobre a falta de gozo de férias (facto 11.), o que surge como coadjuvante para se aferir do tipo de vínculo estabelecido entre as partes.
Em suma, em face da natureza consensual dos tipos contratuais em presença (artigos 6.º da LCT e 102.º do Código do Trabalho de 2003), procedendo a uma ponderação global dos factos que se provaram relativos ao modo de execução do contrato e a um juízo de valoração face ao tipo enunciado nos arts. 1.º da LCT e 10º do Código do Trabalho de 2003, entendemos que não estão presentes nas relações contratuais estabelecidas entre a recorrente e o recorrido a partir de Setembro de 2001 indícios de subordinação jurídica que apontem para a existência de uma relação de trabalho subordinado.
5.5. Porque a existência de um vínculo de natureza laboral constituía pressuposto necessário da procedência dos pedidos formulados pelo A. na presente acção, devem julgar-se improcedentes as conclusões da apelação relacionadas com a qualificação contratual e queda prejudicada a questão da anulação do julgamento para ampliação da matéria de facto com produção da prova oferecida para apuramento dos factos relacionados com a invocada inexistência de justa causa de despedimento (cfr. o artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 663.º, n.º 2 do mesmo diploma).
*
5.6. Ficando vencido no recurso interposto, incumbe ao recorrente o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º do Código de Processo Civil). Deverá, contudo, atender-se a que beneficia de apoio judiciário (fls. 26).
*
*
6. Decisão
Em face do exposto:
6.1. determina-se o desentranhamento e entrega ao recorrente dos documentos juntos com as alegações da apelação a fls. 305-311, condenando o recorrente na multa de 0,5 UC (artigos 443.º do Código de Processo Civil e 27.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais);
6.2. aditam-se à matéria de facto os pontos 12. e 13., nos termos sobreditos;
6.3. nega-se provimento à apelação e confirma-se a decisão absolutória contida na sentença da 1.ª instância.
Custas pelo recorrente, atendendo-se a que beneficia de apoio judiciário.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Porto, 7 de Abril de 2014
Maria José Costa Pinto
João Nunes
António José Ramos
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[1] Preceito a ter em vista pelo Tribunal da Relação no presente momento processual, por força dos arts. 5.º a 8.º da Lei Preambular do Código de Processo Civil de 2013.
[2] Vide Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil-Novo Regime, Coimbra, 2010, pp. 312, à luz do Código de Processo Civil de 1961 mas que mantém inteira pertinência, uma vez que o regime da apresentação de documentos no Código de Processo Civil de 2013 se mantém essencialmente idêntico.
[3] In RLJ, Ano 115,º, pág. 95 e ss.
[4] Vide também o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça 2012.09.26, Processo n.º 174/08.2TTVFX.L1.S1, sumariado in www.stj.pt.
[5] Entre muitos outros, afirmaram que incumbe ao trabalhador, nos termos do artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, a alegação e prova dos factos reveladores da existência de uma relação de natureza jurídico-laboral e de um despedimento, porque são constitutivos dos direitos que pretende ver reconhecidos, os Acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 2002.12.19, Recurso n.º 3070/02 - 4.ª Secção, de 2005.11.16, Recurso n.º 255/05 - 4.ª Secção, de 2008.03.25, Recurso n.º 2575/08 - 4.ª Secção, e de 2008.04.17, Recurso n.º 1930/07 - 4.ª Secção, todos sumariados in www.stj.pt.
[6] Vide o Ac. do STJ de 2003.03.27 (Revista n.º 4672/02, da 4.ª Secção).
[7] Nenhum deles é decisivo, e não é pelo número de indícios que se procede à qualificação, exigindo-se sempre um juízo de valoração relativamente ao tipo enunciado no art.º 10.º do Código do Trabalho de 2003.
[8] Vide João Leal Amado, O contrato de trabalho entre a presunção legal de laboralidade e o presumível desacerto legislativo, in Temas Laborais 2, Coimbra, 2007, pp. 9 e ss..
[9] Vide nesse sentido os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2007.05.02, Processo 06S4668, de 2010.05.12, Processo 1394/06.0TTPNF.P1.S1, e de 2010.12.16, Processo n.º 996/07.1TTMTS.P1.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt, à luz do Código do Trabalho de 2003.
[10] Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2009.02.14., de 2008.12.08, de 2009.01.14 e de 2009.02.05, de 2010.03.03 e de 2012.04.19, respectivamente nos processos nºs 08S2278, 08S2572, 08S2578, 08S2584, 4390/06.3TTLSB.S1 e 30/80.4TTLSB.L1.S1, todos in www.dgsi.pt.
[11] Galvão Teles, Contratos Civis (in B.M.J. 63/166), Albino Mendes Baptista, in Jurisprudência do Trabalho Anotada, 3ª edição, pp. 21 e ss e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2000.04.06 (in B.M.J. 496/139), de 2002.01.09 (proferido na Rev. n.º 881/01 da 4ª Secção), de 2002.04.30 (proferido na Rev. n.º 4278/01 da 4ª Secção), de 2002.05.29 (proferido na Rev. n.º 2419/01 da 4ª Secção), de 2003.01.29 (proferido na Rev. n.º 3497/02 da 4ª Secção), de 2003.05.21 (proferido na Rev. n.º 191/03 da 4ª Secção), todos sumariados in www.stj.pt.
[12] Vide, entre muitos outros, os acs. STJ, de 2000.11.22 (Rev. n.º 2450/00), de 2002.04.30 (Rev. n.º 4278/01), de 2002.05.29 (Rev. n.º 4419/01), de 2006.12.06, (Rev. n.º 3318/06) de 2007.05.02 (Rev. n.º 4368/06) e de 2007.10.24 (Rev. n.º 2189/07), todos da 4.ª Secção e sumariados in www.stj.pt.
[13] Tem sido jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça a de negar a qualificação laboral a contratos em que o prestador da actividade pode fazer-se substituir por outrem, ainda que, nalgumas das situações, com o conhecimento ou aprovação do beneficiários da actividade, o que no caso sub judice não era sequer necessário, atenta a liberdade de que dispunha o recorrente. Segundo o texto do Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2010.11.10, “não resultando provada uma intervenção directa da Ré no modo como deveria ser prestada a actividade do Autor, quedando, daí, improvado, que aquela detivesse o poder conformativo da prestação; não resultando provado que as horas e entradas do Autor fossem controladas pela Ré ou que esta controlasse a sua assiduidade e resultando, ao invés, provado que o Autor, nas suas ausências, poderia fazer-se substituir, na prestação, por outra pessoa – o que é incompatível com o carácter intuitu personae do contrato de trabalho e a natureza infungível da prestação laboral – não pode concluir-se que, entre as partes, vigorasse um contrato de trabalho” - Recurso n.º 684/06.6TTLRS.L1.S1- 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt. Vide também os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2010.12.09, Recurso n.º 1155/07.9TTBRG.P1.S1, de 2011.05.04, Recurso n.º 3304/06.5TTLSB.L1.S1, de 2011.06.30, Recurso n.º 2933/04.6TTLSB.L1.S1, de 2011.09.22, Recurso n.º 192/07.8TTLSB.L1.S1, de 2013.02.14, Recurso n.º 2549/07.5TTLSB.L1.S1, todos da 4.ª Secção
[14] Em situação em que também foi instaurado um procedimento disciplinar no termo de relações contratuais caracterizadas como prestação de serviço, o Acórdão da Relação de Coimbra de 2013.07.03 decidiu que “[n]ão estando presentes na relação contratual indícios suficientes de subordinação jurídica, a instauração de procedimento disciplinar que veio a culminar com o despedimento com invocação de justa causa, não é suficiente para concluir pela existência de um contrato de trabalho se há uma divergência interpretativa entre as partes sobre a natureza da relação e a ré usa de modo cautelar o enunciado formalismo para a cessação do contrato” (sumariado in Colectânea de Jurisprudência, tomo IV, p. 311).
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Nos termos do artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
I - A junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam.
II – Recai sobre o autor que pretende ver reconhecido o direito às indemnizações e outras prestações que peticiona em consequência de um despedimento ilícito, o ónus de alegar e provar os factos necessários à conclusão pela existência de um contrato de trabalho e do despedimento, os quais emergem como factos constitutivos do seu alegado direito.
III – Não se verificando na execução do contrato uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de subordinação do trabalhador, o facto de, em situação de crise nas relações contratuais, a sociedade proprietária de um táxi ter lançado mão do procedimento disciplinar com vista a fazer cessar o contrato que mantinha com a pessoa que procedia à exploração do táxi com total autonomia, comportando-se aí como empregadora, não é suficiente para a caracterização laboral do vínculo.

Maria José Costa Pinto