Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1033/10.4TBLSD-A.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LEONEL SERÔDIO
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
LIVRANÇA EM BRANCO
INEXIGIBILIDADE
PACTO DE PREENCHIMENTO
PREENCHIMENTO ABUSIVO
ÓNUS DA PROVA
NULIDADE
CLÁUSULAS GERAIS
DEVERES DE COMUNICAÇÃO E DE INFORMAÇÃO
AVAL
Nº do Documento: RP201404031033/10.4TBLSD-A.P2
Data do Acordão: 04/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O avalista de livrança em branco que tenha subscrito também o pacto de preenchimento está nas relações imediatas com o portador, enquanto aquela não for transmitida a terceiro, pelo que pode discutir a validade desse pacto, se o mesmo foi violado ou se a outra parte procedeu de má fé ou abusivamente.
II - O princípio da boa fé e o dever de actuação em conformidade com ele impõem ao exequente a obrigação de informar aos avalistas dos títulos, simultaneamente partes no pacto de preenchimento, os montantes em dívida, as datas de vencimento e em que termos os títulos serão preenchidos em caso de não pagamento.
III - A falta de interpelação pelo credor/exequente, na ausência de prazo no pacto de preenchimento, implica que a obrigação apenas se considera vencida com a citação, relevando somente para efeitos de contagem dos juros moratórios.
IV - O pacto de preenchimento será nulo, por indeterminabilidade do seu objecto, apenas se, no momento da sua assinatura, não for possível saber qual o âmbito do seu objecto através da estipulação de um critério para a sua determinação.
V - A nulidade do pacto de preenchimento, por violação dos deveres de comunicação e informação de cláusulas contratuais gerais, inquina o aval, afectando-o do mesmo vício.
VI - O ónus da prova do preenchimento abusivo cabe ao obrigado cambiário, por ser facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito emergente do título de crédito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1033/10.4TBLSD-A.P2
Relator - Leonel Serôdio (328)
Adjuntos - Amaral Ferreira
- Ana Paula Lobo

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

B… deduziu oposição à execução comum que pelo 2º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Lousada sob o n.º 1033/10.4TBLSD, corre termos contra ela e C… e é movida pelo D…, S.A para obter o pagamento da quantia de € 89.385,18, tendo por títulos duas livranças, uma, no montante de € 80.635,67,com data de emissão de 16.12. 2009 e com data de vencimento de 22.12.2009 e outra no montante de € 6.986,67, com data de emissão de 16.12.2009 e com data de vencimento de 28.12.2009, ambas subscritas pela sociedade “E…, S.A. e avalizadas pelos executados.
Pede que seja declarada extinta contra ela a presente execução, por inexequibilidade dos títulos, nulidade deles por indeterminabilidade do objecto dos pactos de preenchimento, seu preenchimento abusivo e ainda por falta de comunicação das cláusulas gerais constantes dos contratos de financiamento e dos pactos de preenchimento.

O exequente contestou, alegando que comunicou à executada que ia preencher as livranças e sustenta que a obrigação dela enquanto avalista é materialmente autónoma, da obrigação do avalizado e que, por isso, a avalista não pode defender-se com as excepções do avalizado e serem infundadas as arguidas excepções.

Findos os articulados, foi proferido saneador/sentença que julgou a oposição à execução improcedente e ordenou o prosseguimento da execução.
Por decisão sumária proferida nesta Relação do Porto, foi revogado esse saneador e ordenado o prosseguimento da oposição à execução, para apuramento da factualidade controvertida.
O processo prosseguiu os seus termos e oportunamente realizou-se a audiência de julgamento e foi proferida sentença que julgou a oposição à execução procedente e extinta a execução.

A Exequente apelou e terminou a sua alegação, com as seguintes conclusões que se transcrevem:
«1. Em 09 de Julho de 2010, o ora Recorrente D…, S.A. deu entrada de uma acção executiva no valor de € 89.385,18 contra a Recorrida B… e outro, tendo sido distribuída com o n.º 1033/10.4TBLSD, a correr termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Lousada.
2. O Recorrente apresentou como títulos executivos duas livranças: a) livrança no valor de € 80.635,67, emitida em 10/12/2009 e com vencimento em 22/12/2009; e b) livrança no valor de € 6.986,67, emitida em 16/12/2009 e com vencimento em 28/12/2009, ambas subscritas por “E…, S.A.” e avalizadas por C… e B….
3. A Recorrida B… deduziu a sua Oposição à Execução, alegando, entre outros fundamentos, a sua falta de interpelação para proceder ao pagamento das quantias em dívida ao D…, S.A., pelo que o Recorrente apresentou a sua Contestação pugnando pela improcedência da Oposição à Execução deduzida, uma vez que, entre outros fundamentos, a Opoente ter sido interpelada por carta registada enviada em 10 e 16 de Dezembro de 2009.
4. Por sentença datada de 8 de Novembro de 2013, o tribunal de 1ª. instância julgou procedente a Oposição à Execução por entender que “não podemos considerar devidamente efetuada a interpelação em causa, pelo que será inexigível a obrigação exequenda no que avalista, ora opoente, concerne” e, em consequência , absolveu da instância a Executada/Opoente B….
5. A ora Requerente não pode deixar de discordar com entendimento do M. Juiz do Tribunal a quo, uma vez que, salvo melhor opinião, por um lado, a Opoente enquanto avalista não tem de ser interpelada pelo Banco Exequente, e por outro, a inexigibilidade da obrigação exequenda que derive apenas da falta de interpelação da avalista/opoente não implica, salvo melhor entendimento, a extinção da acção executiva, mas tão somente o vencimento da obrigação com a citação do Executado.
6. A Exequente acionou dois títulos de créditos consubstanciados em duas livranças subscritas pela sociedade “E…, Lda.” e avalizadas por C… e pela Opoente B…, bem assim como os respetivos pactos de preenchimento, sendo facto dado como provado que a Opoente B… assinou os títulos de créditos dados como títulos executivos, bem como os pactos de preenchimento das livranças em causa.
7. As livranças dadas à presente execução são livranças caução do bom cumprimento das responsabilidades contraídas pela sociedade “E…, Lda.” em virtude de um saldo devedor na conta a descoberto e de uma garantia bancária pelo que, foram entregues ao Banco Exequente em branco, acompanhadas dos respetivos pactos de preenchimento, através dos quais os avalistas autorizam o Banco Exequente, enquanto tomador, a preencher os espaço em branco, uma vez incumpridos os negócios subjacentes.
8. É praticamente unânime junto da jurisprudência, conforme ali assim entendeu o Douto Tribunal da Relação do Porto por Acórdão proferido em 07 de Novembro de 2011 no âmbito dos presentes autos, que a livrança não tem de ser apresentada a pagamento ao avalista, pelo que “não há necessidade de o interpelar, ou sequer de protesto.”
9. A livrança, enquanto título cambiário, incorpora uma obrigação materialmente autónoma, sendo o aval uma garantia cambiária pela qual o dador de aval garante ou cauciona ao beneficio do pagamento do título, pelo que, o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, nos termos do artigo 32,1º parág. da LULL, uma vez que os avalistas prometem executar a ordem que o título de crédito contém.
10. Trata-se, portanto, de uma responsabilidade solidária pessoal do avalista, e autónoma do avalizado, pelo que o avalista é um obrigado principal no pagamento do título paralelamente ao subscritor, não tendo privilégio de excussão prévia dos seus bens.
11. Entende, por isso, a jurisprudência que o portador da livrança, neste caso, o Banco Exequente pode apresentar a livrança, a pagamento ao avalista, mas não tem necessariamente de o interpelar:
“As comunicações do Exequente materializadas nos documentos de fls. 62 a 77 em que este comunica ao subscritor e aos avalistas deste que a livrança caução foi acabar de preencher, indicando o montante, a data de vencimento, e informando que está patente para pagamento até à data de vencimento já aposta, são actuações de mera informação e cortesia, de relacionamento institucional entre banco e cliente e não correspondem a qualquer exigência da legislação cambiária ” – Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de Fevereiro de 2009.
12. A falta de interpelação diz apenas respeito aos pactos de preenchimento das livranças dadas à presente execução, uma vez que as livranças foram entregues ao Banco Exequente em branco e o avalista só tem alegadamente conhecimento da quantia em dívida após prévia interpelação, entendimento com o qual não podemos acordar.
13. Conforme vimos, estamos perante uma obrigação cartular do avalista que se molda pela obrigação do avalizado, nos termos do artigo 32., 1º parág., da LULL, e nesse sentido, a obrigação do avalista é uma obrigação acessória, pelo que, por um lado, o avalista fica na situação do devedor cambiário, sendo responsável perante o beneficiário na mesma medida em que é o avalizado, e por outro, a obrigação do avalista mede-se pela do avalizado.
14. Neste sentido, a responsabilidade do avalista é solidária da do avalizado, sendo certo que o avalista não goza do benefício da excussão prévia , mas responde pelo pagamento do título solidariamente com os demais subscritores, nos termos do artigo 47., 1º parág, da LULL.
15. A Opoente/avalista assinou dois pactos de preenchimento: i) documento nº 1 junto com o requerimento executivo, segundo o qual a Opoente avalizou “todos os valores que por nós se mostrarem em dívida a V. Ex., por crédito concedido e/ou a conceder, e valores descontados e/ou adiantados, até ao limite de € 600.000,00 (seiscentos mil euros), acrescido dos respetivos juros, despesas e encargos (…)”; ii) documento n.º 2’A junto com o requerimento executivo (note-se que a Opoente aqui assinou o próprio negocio jurídico subjacente no qual se inseriu o pacto de preenchimento), segundo o qual a Opoente avalizou “qualquer valor coberto pela Garantia prestada” no valor de € 7.433,17.
16. A Opoente sabia quais as responsabilidades assumidas e por que quantias se estava a responsabilizar quando assinou os pactos de preenchimento supra mencionados.
17. Não existe qualquer norma jurídica na legislação cambiária que imponha ao beneficiário da livrança a obrigação o de informar os subscritores dos títulos acerca dos montantes em dívida e datas de vencimento. Mas ainda assim, o Banco Exequente enviou Opoente em 12 e 16 de Dezembro de 2009, para a morada por si conhecida e disponibilizada, cartas destinadas a dar a conhecer os montantes em dívida, conforme ali foram dados como factos provados em H) e I), tendo sido dado como igualmente provado que a Opoente não recebeu as cartas referidas em H) e I), tendo sido apanhada de surpresa com a citação para a presente acção.
18. O Banco Exequente remeteu cartas de interpelação para a morada conhecida e disponibilizada da Opoente/avalista, pelo que não lhe pode ser exigível conhecer uma morada, designadamente, da residência da Opoente, que não lhe foi facultada e, por tal, extinção a acção executiva.
19. Acresce ainda que a sociedade subscritora “E…, S.A.” foi declarada insolvente a 17 de Novembro de 2009 no âmbito do processo n.º 1557/09.6TBLSD, a correr termos no 1º.Juizo do Tribunal Judicial de Lousada. A declaração de insolvência pressupõe que a sociedade se encontre impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações, tonando exigíveis todas as obrigações do insolvente e permitindo ao portador exercer o seu direito de acção sobre os restantes obrigados cambiários (artigo 44., 5º.parág, da LULL).
20. Não existe qualquer norma jurídica constante da legislação cambiária que imponha ao Banco Exequente, enquanto portador dos títulos de crédito, a obrigação de interpelar previamente os avalistas que assinaram os pactos de preenchimento e conheciam o âmbito das suas responsabilidades.
Sem prescindir,
21. Ainda que por mera cautela de patrocínio se entenda ser necessário a prévia interpelação dos avalistas, de forma a permitir que estes tenham conhecimento dos montantes em dívida e das datas de vencimento, nunca a falta de interpelação implicaria uma extinção da acção executiva quanto à Opoente B…, embora, note-se, que tal imperativo – a existir – somente resultar dos princípios gerais do direito, uma vez que não resulta de qualquer norma jurídica legal.
22. Perante a falta de interpelação, a qual terá ocorrido por causa não imputável ao Banco Exequente, a obrigação considera-se vencida, quanto muito, com a citação da Executada para a presente acção, tal como aliás assim entendeu o Douto Tribunal da Relação do Porto, por Acórdão proferido a 07 de Novembro de 2011.
23. Nos termos do artigo 662., n.º 2, al. b) do CPCivil, na sua anterior redacção, “quando a inexigibilidade derive da falta de interpelação ou do facto de não ter sido pedido o pagamento no domicilio do devedor, a dívida considera-se vencida desde a citação o.”, o que significa que a falta de interpelação a Opoente implica tão somente para efeitos da contagem dos juros moratórios os quais se começam a contar desde a citação da Executada para a presente execução .
24. “A interpelação (judicial ou extrajudicial) do devedor pelo credor releva, assim e apenas, para efeitos da contagem dos juros moratórios.” – Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 01 de Abril de 2009.
25. No entendimento, que perfilhamos, do Prof. Doutor José Lebre de Freitas, em A Acção Executiva, Depois da Reforma “quando a inexigibilidade deriva apenas da falta de interpelação ou do facto de não ter sido pedido o pagamento no domicílio do devedor, a obrigação considera-se vencida com a citação do executado.”
26. Pelo exposto, a falta de interpelação da Opoente, salvo melhor entendimento, só pode denotar que o vencimento da obrigação ocorreu com a citação da Opoente para a presente execução, o que implica que serem devidos juros somente desde a data de vencimento, ou seja, da citação da Executada, a qual aliás confessou a dívida exequenda, nunca a tendo posto em causa.
27. A falta de interpelação da Opoente não tem como consequência a inexigibilidade da obrigação exequenda, a qual se tornou exigível aquando da citação da Executada, e por conseguinte, a extinção quanto à Executada, até porque esta confessa a dívida.
28. É forçoso concluir que a falta de interpelação da Opoente não tem como consequência a extinção da acção executiva, sendo devidos juros somente desde a citação da Executada para a presente acção, data do vencimento da obrigação quanto à Opoente.»
A final pede que se revogue a sentença.

A Apelada contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença recorrida, mantendo a argumentação quanto à nulidade dos pactos de preenchimento.

Factos dados como provados na 1ª instância:

A)
Foi dada à execução uma livrança com o nº………………. na qual se encontra no lugar destinado aos subscritores a identificação da sociedade E…, SA, encontrando-se preenchido como local e data de emissão, Porto 09.12.10, constando como data de vencimento 2009.12.22 e valor € 80.635,67.
B)
Foi dada à execução uma outra livrança com o nº ………………. na qual se encontra no lugar destinado aos subscritores a identificação da sociedade E…, SA, encontrando-se preenchido como local e data de emissão Porto 09-12-16, constando como data de vencimento 2009.12.28 e valor €6.986,67.
C)
No verso das livranças referidas em A) e B) encontram-se inscritos os dizeres «por aval firma subscritora» seguido das assinaturas da oponente B….
D)
Com data de 30/082008 a E…, SA enviou ao D…, S.A. missiva com o seguinte teor: Assunto:
Garantia de Responsabilidades.
Envio de Livrança – Autorização de preenchimento.
Exmos.Senhores:
Nos termos acordados com V. Exa., enviamos uma livrança em branco, por nós subscrita, destinada a garantir o pagamento de todos os valores que por nós se mostrarem em dívida a V. Exa., por crédito concedido e/ou a conceder e valores descontados e/ou adiantados, até ao limite de €600.000,00 (seiscentos mil euros), acrescidos dos respectivos juros, despesas e encargos, desde já autorizando V. Exa. a completá-la com todos os restantes elementos, nomeadamente quanto à data de vencimento, local de pagamento (D… - Porto) e ao valor a pagar, o qual corresponderá aos valores que por nós forem devidos aquando da sua eventual utilização.
O D… conforme melhor lhe convier pode apresentar a livrança a pagamento ou descontá-la, utilizando o seu produto para pagamento dos seus créditos, ficando desde já autorizado a apor nela a cláusula «sem despesas» com a consequente dispensa de apresentação a protesto no caso de não pagamento. Os subscritores autorizam o D… a proceder ao débito na sua conta de depósitos à ordem, pelo montante relativo correspondente ao pagamento do correspondente imposto de selo. ...”
E)
Na parte final do documento referido em D) constam os seguintes dizeres:
«AUTORIZAÇAO DOS AVALISTAS: Estamos de acordo com preenchimento da livrança nos termos supra referidos», seguindo-se a assinatura da ora oponente.
F)
A executada ora oponente apôs a sua assinatura no campo destinado a avalista, na parte final do documento junto a fls. 15 dos autos principais que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, datado de 28.11.2003 denominado «Pedido de emissão de garantia bancária
«
(…) Valor da Garantia Eur 7.433,17.
(…) Prazo de Validade: Sem validade.
Finalidade: Para cumprimento do contrato de arrendamento do espaço situado no F…. (…)
Garantia de liquidação (…)
Livrança em Branco subscrita pelo ordenador e avalizada por C… e esposa.
«O Banco no caso de ser chamado a pagar o valor coberto pela Garantia prestada fica desde já autorizado, de forma irrevogável, a completar a livrança com todos os restantes elementos, nomeadamente quanto à data de vencimento, local de pagamento (que será à escolha do Banco, as suas agências do Porto, de Lisboa ou do domicílio do Ordenador em Portugal) e ao valor a pagar, o que corresponderá aos valores que forem devidos ao Ordenador, aquando da sua eventual utilização, resultantes do valor que o Banco tenha pago, por força da garantia prestada, acrescida dos juros comissões e demais despesas.»
G)
As livranças descritas em A) e B) foram assinadas pela oponente no contexto e como garantia dos acordos descritos em D), E) e F), respetivamente, sendo que, nesse momento não lhe foi aposto qualquer valor, data de emissão ou de vencimento.
H)
O exequente enviou à ora oponente para a morada …, … …. Lousada, a carta registada, datada de 10.12.2009 constante de fls. 91 dos presentes autos, que se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais com o seguinte teor: ASSUNTO: Saldo devedor na conta de depósitos à ordem nº ……. titulada por E…, SA.
Exma. Senhora,
Encontra-se a sociedade E…, SA devedora ao D…, SA, da quantia de €80.635,67 (…) relativa ao saldo devedor existente na conta de depósitos à ordem nº ……. titulada pela mesma junto do D…, SA.
Tais valores, como sabe, estão titulados pela livrança, em nosso poder, avalizada por V. Exa., para garantia do montante referido, cujo pagamento deverá ser efetuado até ao dia 22 de Dezembro de 2009, data do respetivo vencimento.
Na falta de pagamento, até aquela data, do valor em questão, procederemos à instauração, em Tribunal, do respetivo processo de execução (…).
I)
O exequente enviou à ora oponente para a morada …, … …. Lousada, a carta registada, datada de 16.12.2009 constante de fls. 93 dos presentes autos, que se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais com o seguinte teor. ASSUNTO: Garantia Bancária nº …./...... prestada a favor de G…, SA.
Exma. Senhora,
Encontra-se V. Exa. devedor ao D…, SA, da quantia de € 6.986,67 (…) relativa ao acionamento da garantia bancária em epigrafe por parte da respetiva beneficiária, sobre a qual incidem juros.
Tais valores, como sabe, estão titulados pela livrança, em nosso poder, avalizada por V. Exa., para garantia do montante referido, cujo pagamento deverá ser efetuado até ao dia 28 de Dezembro de 2009, data do respetivo vencimento.
Na falta de pagamento, até aquela data, do valor em questão, procederemos à instauração, em Tribunal, do respetivo processo de execução (…)
J)
Até à presente data nem a oponente nem nenhum dos outros executados procedeu ao pagamento das quantias tituladas nas livranças descritas em A) e B)
L)
A oponente está separada de facto do co-avalista C… desde Outubro de 2004.
M)
A ora oponente não recebeu as cartas referidas em H) e I), tendo sido apanhada de surpresa com a citação para a presente acção.
N)
A ora oponente assinou os documentos referidos de A) a F) na sua residência, sem qualquer representante da ora exequente.
O)
A ora oponente assinou as livranças em causa na qualidade de cônjuge do Presidente da Administração da E…, nunca tendo trabalhado naquela sociedade, nem feito parte dos seus órgãos sociais.
P)
Nunca lhe foram comunicadas ou informadas as condições dos contratos de financiamento concedidos ou a conceder à sociedade E…, SA
Q)
A oponente não detinha qualquer controlo sobre as quantias concedidas e não detinha qualquer controle sobre os débitos futuros da sociedade devedora.
R)
Aquando da assinatura dos documentos referidos em D), E) e F) a não foi explicado à oponente o conteúdo dos mesmos, não tendo ela solicitado informações ou esclarecimentos.
*
Questões a decidir:

I - Saber se há ou não fundamento para julgar a oposição à execução procedente por inexigibilidade da obrigação exequenda.
1 – Se o Exequente estava ou não obrigado a notificar a executada (avalista) que ia preencher a livrança assinada em branco e em que termos.
2 – Se essa obrigação foi cumprida e na hipótese negativa, qual a sua consequência.

II – Caso proceda a posição da Exequente temos de conhecer as questões suscitadas pela Apelada, que não foram conhecidas na sentença recorrida e que esta retoma na sua contra-alegação:
1- Se os pactos de preenchimento são nulos por indeterminabilidade do seu objecto;
2 - Se são nulos por violação dos deveres de comunicação e informação, por aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais.
*
Antes de entrar na apreciação das questões elencadas, importa assentar que a decisão sumária proferida em 07.11.2011 e constante de fls. 174 a 181 dos autos, que julgou haver factos controvertidos com interesse para a decisão e, por isso, revogou o saneador/sentença, ordenando a prossecução regular da oposição à execução, não constitui quanto às questões suscitadas pela Oponente caso julgado, dado que se limitou a justificar atentas as várias soluções plausíveis que a factualidade alegada e controvertida tinha interesse e, por isso, não se podia conhecer do mérito da causa no saneador.
*
I – Questão da inexigibilidade

A sentença recorrida decidiu julgar procedente a oposição por inexigibilidade, por se ter provado que a executada/oponente não recebeu as cartas enviadas pelo banco exequente referidas em H) e I) em que este a informava das quantias em divida e data limite para o seu pagamento, que constariam das livranças avalizadas pela Oponente.

A Apelante/ Exequente defende que sendo a Oponente avalista das livranças exequendas não estava legalmente obrigada a informá-la dos montantes em dívida e datas de vencimento.
É actualmente pacifico na jurisprudência [1] que o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele “ afiançada”, nos termos do artigo 32º da LULL, e por isso, não é necessário protesto por falta de pagamento para responsabilizar o avalista do aceitante ou subscritor da livrança, dado que o mesmo protesto já é dispensável para responsabilizar o próprio aceitante ou subscritor.
Assim perante uma letra ou livrança completa o portador do título não está obrigado a comunicar ao aceitante ou subscritor e respectivo avalista que vai apresentar a letra ou livrança a pagamento.
Contudo, no caso, estamos, perante a denominada «livrança em branco» que é aquela a que falta algum ou alguns dos requisitos essenciais e expressamente admitida pelo art.10º da LULL, aplicável às livranças por força do art. 77º da mesma lei.
Note-se que o avalista da livrança que tenha subscrito também o pacto de preenchimento está nas relações imediatas com o portador, desde que aquela não tenha sido transmitida a terceiro.
Por isso, desde que se esteja no domínio dessa relação imediata é consentido ao avalista discutir a validade do pacto de preenchimento e também se esse acordo foi violado ou se a outra parte, procedeu de má fé ou abusivamente.[2]

A letra ou livrança em branco destina-se, normalmente, a ser preenchida pelo seu adquirente imediato ou posterior e tal entrega é acompanhada de atribuição de poderes para o seu preenchimento, o denominado «acordo ou pacto de preenchimento».
Como se decidiu no Ac. do STJ de 13.04.2011, no processo n.º 2093/04.2TBSTB-A L1.S1[3]: “O pacto de preenchimento é um contrato firmado entre os sujeitos da relação cambiária e extracartular que define em que termos deve ocorrer a completude do título cambiário, no que respeita aos elementos que habilitam a formar um título executivo, ou que estabelece em que termos se torna exigível a obrigação cambiária, daí que esse preenchimento tenha atinência não só com o acordo de preenchimento (no fundo o contrato que, como todos, deve ser pontualmente cumprido, art. 406º, nº1, do Código Civil); esse regular preenchimento em obediência ao pacto, é o quid que confere força executiva ao título (…)“
Esse acordo pode ser expresso - quando as partes estipularam certos termos concretos – ou tácito – por estar implícito nas cláusulas do negócio subjacente à emissão do título.
No caso houve acordo expresso e a questão da necessidade de interpelar a Executada/oponente coloca-se quanto às obrigações decorrentes dos contratos de preenchimento das livranças.
O principio da boa fé e o dever de actuação em conformidade com ele, consagrado, entre outros, no art. 762º n.º2 do Código Civil, impõe ao exequente a obrigação de informar aos avalistas dos títulos, simultaneamente partes no pacto de preenchimento, quais os montantes em dívida e as datas de vencimento e em que termos será preenchido o título em caso de não pagamento, com realce para os casos, como o presente, em que os subscritores dos pactos não são parte nos contratos cujo cumprimento os títulos visam garantir.
Este entendimento apesar de ser minoritário começa a ser perfilhado por parte jurisprudência, como é exemplo, o Ac. da Relação de Lisboa n.º 1847/08.5TBBRR-A.L1-6, de 20-01-2011 onde consta no sumário: “é necessária interpelação prévia do avalista quando, sendo o título entregue em branco ao credor (para este lhe apor a data de pagamento e a quantia prometida pagar, em termos deixados ao seu critério), pois só assim o avalista tem conhecimento do montante exacto e da data em que se vence a garantia prestada.” e ainda acórdãos da RL de 20.01.2011, proferido no processo n.º 847/08.5TBBRR-A.L1-6 e de 08.12.2012, no processo n.º 5930/10.9TCLRS-A.L1-6, todos no sitio do ITIJ.

A prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende, de acordo com estipulação expressa ou com a norma geral supletiva do art. 777º, nº1, do Código Civil, de simples interpelação ao devedor.
A interpelação é o acto pelo qual o credor exige ou reclama do devedor o cumprimento da obrigação.
Como referimos sendo o pacto de preenchimento um contrato firmado entre os sujeitos da relação cambiária e extracartular que define em que termos vai ocorrer o preenchimento do titulo subscrito em branco total ou parcialmente, em regra, sem fixação de prazo certo para o preenchimento, nem montante previamente determinado, o credor tem o dever de interpelar o devedor, reclamando o cumprimento da obrigação emergente do contrato subjacente à subscrição do título.
No caso, o Exequente provou, como consta das als. H) e I) que enviou à ora oponente para a morada …, … …. Lousada, a carta registada, datada de 10.12.2009 constante de fls. 91 dos presentes autos, com o seguinte teor: «ASSUNTO: Saldo devedor na conta de depósitos à ordem nº ……. titulada por E…, SA.
Exma. Senhora
Encontra-se a sociedade E…, SA devedora ao D…, SA, da quantia de €80.635,67 (…) relativa ao saldo devedor existente na conta de depósitos à ordem nº ……. titulada pela mesma junto do D…, SA.
Tais valores, como sabe, estão titulados pela livrança, em nosso poder, avalizada por V. Exa., para garantia do montante referido, cujo pagamento deverá ser efetuado até ao dia 22 de Dezembro de 2009, data do respetivo vencimento.
Na falta de pagamento, até aquela data, do valor em questão, procederemos à instauração, em Tribunal, do respetivo processo de execução (…).
E ainda que enviou à Oponente para a mesma morada, a carta registada, datada de 16.12.2009 constante de fls. 93 dos presentes autos, com o seguinte teor: ASSUNTO: Garantia Bancária nº …./…… prestada a favor de G…, SA.
Exma. Senhora,
Encontra-se V. Exa. devedor ao D…, SA, da quantia de € 6.986,67 (…) relativa ao acionamento da garantia bancária em epigrafe por parte da respetiva beneficiária, sobre a qual incidem juros.
Tais valores, como sabe, estão titulados pela livrança, em nosso poder, avalizada por V. Exa., para garantia do montante referido, cujo pagamento deverá ser efetuado até ao dia 28 de Dezembro de 2009, data do respetivo vencimento.
Na falta de pagamento, até aquela data, do valor em questão, procederemos à instauração, em Tribunal, do respetivo processo de execução (…)
Contudo ficou também provado que a Oponente não recebeu as cartas referidas em H) e I), tendo sido apanhada de surpresa com a citação para a acção ( al.M).
Note-se que as referidas cartas foram remetidas para a sede da sociedade subscritora e não para a residência da Oponente.
É discutível sobre quem recaía o ónus de provar essa interpelação, por exemplo o citado acórdão da RL de 08.12.2012, no processo n.º 5930/10.9TCLRS-A.L1-6, decidiu que esse ónus recai sobre a Oponente/avalista, mas no caso esta logrou provar que não recebeu as cartas enviadas pelo Exequente.
Ora, não obstante estar demonstrado que o Exequente enviou as cartas, como refere a sentença recorrida, decorre do documento junto a fls. 98, que uma das cartas foi devolvida e, por conseguinte, o Exequente tinha a obrigação de previamente indagar onde residia a devedora e proceder a nova interpelação.

A questão que se coloca é a de saber qual a consequência dessa falta de interpelação.
A sentença recorrida decidiu que essa omissão implica inexigibilidade da obrigação exequenda, com a consequente extinção da execução.

O cumprimento das obrigações está ou não sujeito a prazo, conforme os casos.
O prazo para cumprimento da obrigação, quando existe, é em regra, fixado pelas partes no próprio contrato.
Como se constata dos pactos de preenchimento transcritos nas als D) e F) o Banco exequente estava autorizado a preencher as livranças, desde que fossem devidas quantias pela sociedade subscritora, sem estar sujeita a qualquer prazo.
Apenas quando a obrigação está sujeita a prazo, durante a pendência deste é inexigível, ou seja, enquanto o prazo estiver a decorrer, o credor não pode reclamar a realização da prestação, porque o prazo é concedido justamente como lapso de tempo de que ele dispõe para cumprir.
A prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende de simples interpelação do devedor.
Assim, dado que não tinha sido fixado um prazo nos pactos de preenchimento, como se referia na decisão sumária, a falta de comunicação do Banco/ Exequente à Executada, implica tão só que a obrigação apenas se considera vencida com a citação desta.
Esta consequência está expressamente prevista no art. 662º n.º2 al. b) do CPC, então em vigor (a que corresponde com a mesma redacção o actual art. 610º n.º 2 al. b) do NCPC), que estipula: “quando a inexigibilidade derive da falta de interpelação ou do facto de não ter sido pedido o pagamento no domicílio do devedor, a dívida considera-se vencida desde a citação.”
Tem, pois, a Apelante razão quando, subsidiariamente, defende que a falta de interpelação da Oponente implica tão somente para efeitos da contagem dos juros moratórios os quais se começam a contar desde a citação da Executada.
Procede, pois, nesta parte o recurso do Apelante.
*
A Oponente arguiu a nulidade por indeterminibilidade dos pactos de preenchimento e por violação dos deveres de comunicação, posição que manteve na contra-alegação.

Estas questões não foram objecto de apreciação na sentença recorrida, por terem ficado prejudicadas pela solução encontrada quanto à inexigibilidade, que vai ser revogada, excepto quanto aos juros, por isso, nos termos do art. 665 n.º 2 do actual CPC (anterior art. 715º n.º 2 ) a Relação tem de conhecer destas questões.

Apelante e Apelada foram notificados, nos termos e para os efeitos do art. 665º n.º 3 do CPC.
A Apelada reafirmou a posição assumida nos autos e o Apelante pronunciou-se, nos termos do requerimento de fls. 344 a 346, pugnando pela improcedência das teses da Apelada quanto à indeterminabilidade dos pactos de preenchimento e à violação dos deveres de comunicação das cláusulas contratuais gerais e pactos de preenchimento.

II.
1 - Questão da indeterminabilidade dos pactos de preenchimento

Sobre a fiança, o Acórdão do STJ nº 4/2001 (DR I – A de 8.3.2001) uniformizou a jurisprudência nestes termos: «É nula, por indeterminabilidade do seu objecto, a fiança de obrigações futuras, quando o fiador se constitua garante de todas as responsabilidades provenientes de qualquer operação em direito consentida, sem menção expressa da sua origem ou natureza e independentemente da qualidade em que o afiançado intervenha».
É pacifico que o aval e fiança têm naturezas jurídicas diferentes e com base nisso parte significativa da jurisprudência afasta liminarmente a aplicação da doutrina do referido acórdão uniformizador à prestação de aval.
Contudo o pacto de preenchimento é como referimos um contrato e nos termos do art. 280 n.º1 do CC é nulo se o objecto for indeterminável.
No entanto, não se pode confundir prestação indeterminável, com prestação indeterminada mas determinável.
A prestação é indeterminada mas determinável se, em certo momento, não se conhecer o seu conteúdo, mas existir um critério convencionado para esse conhecimento.
O objecto do negócio pode ser indeterminado mas não pode ser indeterminável, sendo que a prestação é indeterminada mas determinável quando não se saiba, num momento anterior, qual o seu teor, mas, não obstante, exista um critério para proceder à determinação; a prestação é indeterminada e indeterminável - dando pois lugar à nulidade da obrigação – quando não exista qualquer critério para proceder à determinação.
Assim sendo, apenas se no momento da assinatura do pacto de preenchimento não for possível saber qual o âmbito do seu objecto através da estipulação de um critério para a sua determinação, então o negócio, por indeterminável, será nulo.
No caso a Oponente assinou dois pactos de preenchimento com o seguinte teor:
I – (…)
Com data de 30/082008 a E…, SA enviou ao D…, S.A. missiva com o seguinte teor: Assunto:
Garantia de Responsabilidades.
Envio de Livrança – Autorização de preenchimento.
(…)
Nos termos acordados com V. Exa., enviamos uma livrança em branco, por nós subscrita, destinada a garantir o pagamento de todos os valores que por nós se mostrarem em dívida a V. Exa., por crédito concedido e/ou a conceder e valores descontados e/ou adiantados, até ao limite de €600.000,00 (seiscentos mil euros), acrescidos dos respectivos juros, despesas e encargos, desde já autorizando V. Exa. a completá-la com todos os restantes elementos, nomeadamente quanto à data de vencimento, local de pagamento (D… - Porto) e ao valor a pagar, o qual corresponderá aos valores que por nós forem devidos aquando da sua eventual utilização.
O D… conforme melhor lhe convier pode apresentar a livrança a pagamento ou descontá-la, utilizando o seu produto para pagamento dos seus créditos, ficando desde já autorizado a apor nela a cláusula «sem despesas» com a consequente dispensa de apresentação a protesto no caso de não pagamento. Os subscritores autorizam o D… a proceder ao débito na sua conta de depósitos à ordem, pelo montante relativo correspondente ao pagamento do correspondente imposto de selo. ...” (D)

II - «Pedido de emissão de garantia bancária»

(…) Valor da Garantia Eur 7.433,17.
(…) Prazo de Validade: Sem validade.
Finalidade: Para cumprimento do contrato de arrendamento do espaço situado no F…. (…)
Garantia de liquidação (…)
Livrança em Branco subscrita pelo ordenador e avalizada por C… e esposa.
«O Banco no caso de ser chamado a pagar o valor coberto pela Garantia prestada fica desde já autorizado, de forma irrevogável, a completar a livrança com todos os restantes elementos, nomeadamente quanto à data de vencimento, local de pagamento (que será à escolha do Banco, as suas agências do Porto, de Lisboa ou do domicílio do Ordenador em Portugal) e ao valor a pagar, o que corresponderá aos valores que forem devidos ao Ordenador, aquando da sua eventual utilização, resultantes do valor que o Banco tenha pago, por força da garantia prestada, acrescida dos juros comissões e demais despesas.» - (F)

Ora, destes pactos constam os critérios que tornam as obrigações futuras garantidas determináveis, sendo que o primeiro remete para o crédito concedido e/ou a conceder e valores descontados e/ou adiantados à sociedade identificada e o segundo é ainda mais preciso reportando-se a garantir um contrato subjacente especifico, tendo ambos um montante máximo a garantir, ou seja, ambos aludem a causas específicas que permitem saber com segurança quais as operações que dão lugar, caso os respectivos débitos não sejam pagos, ao preenchimento das livranças.

É, pois, de concluir que nenhum dos pactos de preenchimento padece de nulidade por indeterminabilidade do objecto, sendo este indeterminado mas determinável, consignando ambos um critério objectivo e limitativo da garantia prestada.

II. 2 - Questão da nulidade dos pactos de preenchimento por alegada violação dos deveres de comunicação e informação.

A primeira questão que se coloca é a de saber se aos referidos contratos é aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais, aprovado pelo DL n.º 446/85, de 25.10.
Como resulta do art.1º do citado DL, as cláusulas contratuais gerais manifestam as seguintes características: são pré-elaboradas, existindo disponíveis antes de surgir a declaração que as perfilha; apresentam-se rígidas, sem possibilidade de alterações e podem ser utilizadas por pessoas indeterminadas, quer como proponentes, quer como destinatários. [4]
As cláusulas contratuais gerais inserirem-se em contratos singulares, como expressamente estipula o art. 4º do citado DL, sendo certo que essas cláusulas quando inseridas em propostas de contratos singulares só passam a ter relevância negocial com a aceitação.
No caso, da análise do documento que titula o pacto, que autoriza o preenchimento da livrança até ao limite de € 600 000 (cf. fls. 169 destes autos) constata-se que este se apresenta como uma carta dirigida pela subscritora da livrança e avalistas (incluindo a Oponente) ao Banco e apesar de escrita à máquina, nada permite sustentar que tenha sido pré elaborada pelo Banco (pelo contrário aparentemente foi elaborado pela sociedade subscritora) e muito menos que fosse rígida e pudesse ser utilizada por um número indeterminado de pessoas.
Assim sendo, está liminarmente afastada a possibilidade de aplicar a este contrato de preenchimento o regime do DL n.º 466/85.

O outro pacto de preenchimento titulado pelo documento de fls. 172 destes autos (15 do processo de execução –al.F) dos factos provados) foi pré-elaborado pelo Banco Exequente, como formulário, para um pedido de emissão de garantia bancária e contém cláusulas impressas que podem ser utilizadas por pessoas indeterminadas.
Os espaços destinados ao beneficiário da garantia, valor da garantia, prazo de validade e finalidade estão manuscritas, mas a cláusula que autoriza o Banco a preencher a livrança que consta impressa na parte final do referido documento: “«O Banco no caso de ser chamado a pagar o valor coberto pela Garantia prestada fica desde já autorizado, de forma irrevogável, a completar a livrança com todos os restantes elementos, nomeadamente quanto à data de vencimento, local de pagamento (que será à escolha do Banco, as suas agências do Porto, de Lisboa ou do domicílio do Ordenador em Portugal) e ao valor a pagar, o que corresponderá aos valores que forem devidos ao Ordenador, aquando da sua eventual utilização, resultantes do valor que o Banco tenha pago, por força da garantia prestada, acrescida dos juros comissões e demais despesas.», assume indiscutivelmente a natureza de um cláusula contratual geral e consequentemente é-lhe aplicável o regime do DL n.º 466/85.

Ora, nos termos do art. 5º n.º1 do DL n.º 446/85, de 25.10, “as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitam a subscrevê-las ou aceitá-las.”
O n.º 2 esclarece que esse dever varia, no modo da sua realização e na sua antecedência, consoante a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas.
Por outro lado, o n.º 3 do art. 5º expressamente estipula que o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contraente que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.
O art. 6º impõe ao contraente que utiliza as cláusulas contratuais gerais o dever de informar.
No entanto, não basta, a mera “comunicação” para que as condições gerais se considerem incluídas no contrato singular.
É ainda necessário que ela seja feita de tal modo que proporcione à contraparte a possibilidade de um conhecimento completo e efectivo do clausulado.
A lei impõe, em ordem a este objectivo, que a comunicação se realize de forma adequada e com certa antecedência, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade.[5]
De referir, como salientam Almeida Costa e Meneses Cordeiro[6] que o dever de comunicação é uma obrigação de meios, variando, no modo de realização e sua antecedência, consoante a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas.
Sobre esta questão ficou provado que a Oponente assinou os documentos referidos de A) a F), ou seja, as livranças e os pactos de preenchimento, na sua residência, sem qualquer representante da ora exequente, aquando da assinatura dos documentos que titulam os pactos não foi explicado à Oponente o conteúdo dos mesmos, não tendo ela solicitado informações ou esclarecimentos (als. N e R).
Ao contrário do que sustenta o Banco/exequente não é pelo simples facto da Apelada ter assinado o o contrato referido em F) que inseria o pacto de preenchimento que os deveres de comunicação e informação foram por ele cumpridos.
Ora, da factualidade acima referida decorre uma omissão por parte do Banco/Exequente donde se conclui que não cumpriu esses deveres de comunicação e informação, de qualquer forma, era sobre ele que recaía o ónus de provar que os cumpriu e manifestamente não o provou.
Assim e nos termos do art. 8º al. a) do DL n.º 446/85, de 25.10, essa cláusula atrás transcrita têm-se por excluída.
Estando excluída essa cláusula essencial para o contrato de preenchimento titulado pelo documento de fls. 15 da acção executiva (fls. 172 destes autos) e que esteve na base da livrança no montante de € 6.986,67, o referido pacto de preenchimento não subsiste, nos termos do art. 9º n.º2 do citado DL e a Oponente apesar de avalista, enquanto subscritora desse pacto pode opor-lhe a invalidade do mesmo.
Sendo nulo esse pacto de preenchimento, essa nulidade inquina o aval, afectando-o do mesmo vício.

Importa ainda referir que a circunstância de estar demonstrado que nunca foram comunicadas à Apelada as condições dos contratos de financiamento concedidos à Sociedade E…, mesmo aceitando que estes contratos incluíam cláusulas contratuais gerais, não afecta a validade do pacto que autorizou o preenchimento da livrança até ao limite de € 600.000 (cf. fls. 169 destes autos).

Na verdade, a comunicação das cláusulas dos contratos de financiamento, não tinha que ser feita à Oponente, na medida em que ela não é parte nesses contratos, mas apenas avalista da contraente beneficiária do financiamento, embora com intervenção no pacto de preenchimento das livranças emitidas.
Como se refere no acórdão do STJ de 17.04.2008, proferido no processo n.º 08A727, no sítio do ITIJ, as cláusulas contratuais gerais, à luz do disposto no art.º 5º do DL n.º 446/85, de 25-10, só têm de ser comunicadas, na íntegra, e explicadas quando se justifique a sua aclaração, à própria parte aderente, não tendo de o ser aos seus garantes.
Improcede, pois, a arguida nulidade do pacto de preenchimento quanto à livrança no montante de €86.635, 67, procedendo apenas quanto ao outro pacto que esteve na base do preenchimento da livrança de € 6986,67.

Na petição de oposição a Oponente sustentava ainda a excepção do preenchimento abusivo.
Como é entendimento praticamente unânime na jurisprudência, o ónus da prova do preenchimento abusivo cabe, nos termos do artigo 342º n.º 2 do C.C., ao obrigado cambiário, por ser facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito emergente do título de crédito[7].
Ora a factualidade provada não permite concluir que o Exequente tenha preenchido a livrança com o montante de € 86.635, 67 com vencimento em 22.12.2009 em desacordo com o que consta do pacto de preenchimento que tinha por limite € 600.000,00.

A restante factualidade provada, concretamente que a oponente está separada de facto do co-avalista C… desde Outubro de 2004, que assinou as livranças em causa na qualidade de cônjuge do Presidente da Administração da E…, nunca tendo trabalhado naquela sociedade, nem feito parte dos seus órgãos sociais, que nunca lhe foram comunicadas ou informadas as condições dos contratos de financiamento concedidos ou a conceder à sociedade E…, SA e não deter qualquer controlo sobre as quantias concedidas e a conceder à sociedade devedora, não afecta a validade do pacto de preenchimento, nem sustenta a possibilidade de estar o Exequente a agir abusivamente, até por não estar sequer provado que tinha conhecimento desses factos que resultavam do relacionamento da Oponente e do seu ex-marido.

Decisão

Julga-se a apelação parcialmente procedente e revoga-se a sentença recorrida e julga-se a oposição parcialmente procedente e determina-se o prosseguimento da execução apenas quanto à livrança referida em A) no montante de € 80 635, 67, com juros de mora, desde a citação.
Custas, em ambas as instâncias, pela Apelante e Apelada, na proporção do decaimento.

Porto, 03-04-2014
Leonel Serôdio (328)
Amaral Ferreira
Ana Paula Lobo
_______________
[1] Cf. Acórdãos do STJ de 17.03. 88, BMJ n.º 375/ 399; de 7.1.93, BMJ n.º 423/ 454 e de 14.5.96, BMJ n.º 457/387.
[2] Cf, Ac do STJ proferido no processo n.º 08B3905 de 23-04-2009 e os nele citados (assim, por exemplo, os acórdãos de 19 de Junho de 2007, 4 de Março de 2008, 17 de Abril de 2008, de 9 de Setembro de 2008, procs. nºs 07A1811, 00A727, 07A4251, 08A1999, disponíveis em www.dgsi.pt”) e ainda acórdão do STJ proferido em 13.04.2011, no processo n.º 2093/04.2TBSTB-A L1.S1,” e ainda o. Ac. desta Relação, de 16.11.2000, CJ, tomo V, pág. 191
[3] Publicado no site do ITIJ relatado pelo Cons. Fonseca Ramos
[4] cf. Almeida e Costa e Menezes Cordeiro, CCG – Anotação ao DL n.º 446/85, pág. 17
[5] cf. Almeno de Sá, “Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva Sobre Cláusulas Abusivas”, 2ª edição, ps.240/241.
[6] “Cláusulas Contratuais Gerais” pág. 25
[7] Cf. neste sentido, o citado acórdão do STJ proferido no processo n.º 08B3905 de 23-04-2009 e os nele referidos e dos publicados nas revistas, entre outros, Ac. do STJ de 28.6.96, BMJ n.º 457, 401, Ac. do STJ de 1.10.98, BMJ n.º 480, 482 e Ac. deste Tribunal de 14.06.94, CJ, tomo III, 222.