Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
161/14.1TTVLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA SÁ LOPES
Descritores: DÍVIDA RELATIVA A SALÁRIOS
RESPONSABILIDADE DO CÔNJUGE DO EMPREGADOR
PRESUNÇÃO PROVEITO COMUM
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP20181218161/14.1TTVLG.P1
Data do Acordão: 12/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTOS Nº 287, FLS 66-75)
Área Temática: .
Sumário: I - A alínea d) do nº 1 do artigo 1691º do Código Civil, face à alínea c) do mesmo artigo, contempla uma maior protecção para o credor, uma vez que, ao contrário do que ocorre na alínea c), o credor não tem de fazer prova do proveito comum para responsabilizar ambos os cônjuges.
II - Por força do previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 1691° do Código Civil, à alegação e prova de que a dívida foi contraída no exercício do comércio pelo devedor, feitas pelo credor, pode o cônjuge não comerciante opor validamente que a dívida não foi contraída em proveito comum do casal.
III - “(…) há proveito comum do casal sempre que a dívida seja contraída tendo em vista o interesse comum de ambos os cônjuges ou da família, independentemente, de facto, ele ter ou não existido, abstraindo, pois, do resultado.”.
IV - Para se aferir tal intenção, estando em causa dívida relativa a salários, cuja falta pontual de pagamento motivou a Autora a resolver o contrato de trabalho e a indemnização fundada nessa resolução, importa reportarmo-nos ao momento da celebração daquele contrato.
V - Para provar a inexistência de proveito comum era necessário provar que as responsabilidades derivadas do vínculo laboral estabelecido com a Autora, contratada para trabalhar no estabelecimento comercial explorado pela Ré (entidade patronal daquela), não tivessem como objectivo potenciar a obtenção de rendimentos para o casal, em virtude de tal exploração.
VI - Não resultando da matéria de facto que a exploração de tal estabelecimento não visasse o proveito comum do casal – cujo ónus de prova incumbia ao Réu, cônjuge não comerciante -, não foi ilidida a presunção de que a dívida foi contraída em proveito comum do casal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 161/14.1TTVLG.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho de Valongo – Juiz 1
Recorrente: B...
Recorrido: C...

4ª Secção
Relatora: Teresa Sá Lopes
1ª Adjunta: Desembargadora Fernanda Soares
2º Adjunto: Desembargador Domingos Morais

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório:
1.1. B..., intentou a presente ação declarativa com processo comum contra D... e marido C..., pedindo a condenação de ambos no pagamento da quantia global de 55.995,46 €, sendo de indemnização de antiguidade – 40.676,19 €, salários de Março, Abril e Maio de 2013 – 3.285,00 €, salário do mês de junho de 2013 - 1.075,50 €, subsídio de refeição de 1 de março de 2013 a 26 de junho de 2013 – 372,80 €, subsídio de natal de 2012 – 1.195,00 €, férias vencidas em 1 de janeiro de 2013 – 1.195,00 €, subsídio de férias vencidas em 1 de janeiro de 2013 - 1.195,00 €, diuturnidades - 5.238,35 €, proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de natal de 2013 - 1.762,62 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal sobre o capital em dívida, vincendos desde a data da citação até efetivo pagamento.
Alegou para tanto e em síntese que:
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Foi realizada a audiência de partes, não tendo sido possível a conciliação entre as mesmas.
A Ré D...a foi declarada insolvente por sentença transitada em julgado, tendo deste modo sido considerado existir inutilidade superveniente da lide quanto a esta, prosseguindo a ação apenas contra o Réu marido.
O Réu apresentou contestação na qual pugnou pela sua absolvição no pedido, alegando em síntese desconhecer a matéria articulada pela Autora, referindo que é médico dentista, sustentando com o rendimento do seu trabalho o seu agregado familiar, composto pela sua mulher e por dois filhos menores.
Mais referiu que face às alterações legislativas ocorridas no início de 2012, com a diminuição das margens de lucro na venda dos medicamentos em quase 70 %, aliadas ao aumento dos custos de pessoal e dos impostos, a sua mulher deixou de receber qualquer quantia desde finais de 2012 pela exploração da sua farmácia, não aportando qualquer importância para o proveito e economia comum do casal, não gerando a exploração dessa farmácia quaisquer fundos que beneficiassem o interesse comum do casal.
Foi proferido despacho saneador, no qual o Mmº Juiz a quo absteve-se de realizar a audiência preliminar e de fixar os temas da prova.
Foi fixado o valor da acção em € 55.995,46.
Foi realizada audiência de julgamento e em 31.01.2018, foi proferida sentença, em cujo dispositivo consta:
“Pelo exposto julgo agora e relativamente ao Réu marido, a ação totalmente improcedente, absolvendo-o do pedido contra ele formulado.
Custas pela Autora sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que goza.
Registe e notifique”.
Notificada a Autora, veio interpor recurso da sentença, terminando o mesmo com as seguintes conclusões:
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O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, (artigo 635, nº4 e 639, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, “ex vi” artigo 87, nº1, do Código de Processo do Trabalho), ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, consubstancia-se na seguinte questão:
- saber se a decisão recorrida violou o determinado no artigo 1691º, nº1, alínea d) do Código Civil, por não ter sido ilidida a presunção do proveito comum prevista nesse mesmo preceito.
2.2. O Tribunal a quo procedeu à seguinte decisão sobre a matéria de facto:
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2.3. Fundamentação de direito:
A propósito de se saber se o Réu marido, ilidiu a presunção do proveito comum prevista no artigo 1691º, nº1, alínea d) do Código Civil, lê-se na sentença:
“Existindo assim estes créditos há agora apurar se apurar se o Réu marido, enquanto cônjuge da Srª Drª D..., proprietária daquela farmácia e entidade empregadora da Autora é também ele responsável pelo pagamento dos mesmos.
(…) resultou provado que face à precariedade da situação financeira da “E...” com as margens de lucro na venda dos medicamentos a baixarem em cerca de 60% a 70% e a faturação a cair para menos de metade, ocorrida a partir de finais do ano de 2011, início do ano de 2012, a Drª D..., deixou no ano de 2012, de conseguir retirar qualquer quantia resultante da exploração dessa farmácia, não aportando dela qualquer quantia para si ou para o seu agregado familiar, sendo o Réu marido que é médico dentista, quem sustentou com o rendimento do seu trabalho o seu agregado familiar, composto pela sua mulher e pelos dois filhos menores, que são estudantes.
Não é assim comunicável ao réu marido a divida contraída pela sua mulher no exercício do seu comércio enquanto proprietária da farmácia “E...”, sendo que também não é aplicável o disposto na alínea c) do mesmo artigo desde logo por não ter ficado provado o proveito comum do casal”.
Concluiu a Autora a este respeito que:
– A existência ou não de proveito comum do casal fundamentador da responsabilidade de ambos os cônjuges não depende do resultado positivo ou negativo de tal proveito.
– O facto de a partir de 2012, a Drª D... não conseguir retirar lucros da exploração da sua farmácia, não aportando, dela, qualquer quantia para o seu agregado familiar, não configura ausência de proveito comum do casal, a partir daquela data.
– O que para efeito da existência de proveito comum importa é a intenção com que a dívida é assumida: Se no interesse comum de ambos os cônjuges e da família.
– O Réu marido não demonstrou que, não obstante a natureza comercial da dívida em questão, esta não visou o interesse exclusivo da sua mulher.
– Pelo que não ilidiu a presunção de proveito comum prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 1691º do Código Civil.
– A dívida em causa nos autos comunicou-se da Drª D... ao Réu marido, que se constituiu responsável solidário para com a Autora.
O Réu nas contra-alegações sustentou em suma que:
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Temos aqui como relevante atender à seguinte factualidade:
- A sr.ª Dr.ª D... é casada com o Réu sr. Dr. C... há cerca de quinze anos no regime de bens de comunhão de adquiridos, (alínea L) dos factos assentes).
- Em 1 de Janeiro de 2004, a referida Dr.ª F... transmitiu, para a Ré, o estabelecimento da “E...” na sua universalidade, incluindo o alvará; instalações; imobilizado; existências, clientela e os respectivos trabalhadores, incluindo a aqui Autora, (alínea B) dos factos assentes).
- A Autora trabalhou, em regime de contrato de trabalho subordinado, mediante retribuição mensal, para a Ré, sob a sua autoridade e direcção efectiva, na sua dependência económica e funcional, na farmácia “E...”, executando as funções inerentes à sua profissão e categoria profissional consistentes na execução de todos os actos inerentes ao exercício farmacêutico, sob supervisão do farmacêutico, (alínea F) dos factos assentes).
- A Ré não pagou à Autora os salários relativos aos meses de abril e maio de 2013 e, relativamente ao mês de março de 2013 apenas pagou a quantia de trezentos (300) euros, o que fez no dia 8 de maio de 2013, (alínea G) dos factos assentes).
- Face à precariedade da situação financeira da “E...” com as margens de lucro na venda dos medicamentos a baixarem em cerca de 60% a 70% e a faturação a cair para menos de metade, ocorrida a partir de finais do ano de 2011, início do ano de 2012, a Ré deixou no ano de 2012, de conseguir retirar qualquer quantia resultante da exploração dessa farmácia, não aportando dela qualquer quantia para si ou para o seu agregado familiar, (alínea P) dos factos assentes).
- A Autora é associada do SIMPROFARM – Sindicato Nacional dos Profissionais de Farmácia e a Ré é associada da ANF – Associação Nacional das Farmácias, (alínea K dos factos assentes).
Daqui resulta ter ficado assente desde logo a conjugalidade dos Réus.
Decorre ainda que a Ré mulher explorava o estabelecimento comercial “E...”.
Ou seja, da matéria assente resulta que a Ré não se limitou apenas a adquirir a farmácia em 01 de Janeiro de 2004 - sendo até associada da Associação Nacional das Farmácias- como também a explorava, tendo deixado de retirar qualquer quantia resultante dessa exploração, 2012, face à precaridade da situação financeira da mesma farmácia.
No âmbito de tal exploração da farmácia “E...”, desenvolvida pela Ré, a Autora trabalhava para esta última, mediante retribuição mensal, sob a sua autoridade e direcção efectiva, na sua dependência económica e funcional.
Tal actividade da Ré (exploração do estabelecimento comercial “E...”, venda de medicamentos, com intuito lucrativo) integra o exercício de actos de comércio como profissão - artigo 13º nº 1 do Código Comercial -, sendo as dívidas contraídas no exercício dessa actividade dívidas comerciais – artigo 15º do Código Comercial.
Não se nos suscitam dúvidas assim de que é dívida realizada no exercício do comércio- tanto a relativa aos salários, cuja falta pontual de pagamento motivou a Autora a resolver o contrato de trabalho, como a relativa à indemnização fundada nessa resolução.
No sentido de que os farmacêuticos são comerciantes, lê-se no Acórdão da Relação de Coimbra de 01.04.2014, (Relator Barateiro Martins, in www.dgsi.pt) “Que é o que hoje são os farmacêuticos; ao “venderem nas suas farmácias sobretudo medicamentos comprados com intuito de os revender” – Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, Vol I, pág. 146/7.(…)”.
Aliás, nem a Recorrente nem o Recorrido, em sede de alegações e contra-alegações, questionaram que a dívida não foi contraída em acto de comércio e assim sendo impõe-se apreciar o cerne da questão objecto do presente recurso, perante o segmento de fundamentação invocado pela Autora/apelante e que se traduz, em suma, em saber se foi ou não ilidida a presunção de proveito comum prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 1691º do Código Civil.
Transcrevemos aqui a fundamentação da sentença quanto ao enquadramento legal e doutrinal, tido por pertinente que acompanhamos:
“O artigo 1691º nº 1 al. d) do Código Civil, dispõe que são da responsabilidade de ambos os cônjuges as dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do comércio, salvo se se provar que não foram contraídas em proveito comum do casal ou se vigorar entre os cônjuges o regime da separação de bens.
O regime completa-se com o disposto no art. 15.° do CCom: “As dívidas comerciais do cônjuge comerciante presumem-se contraídas no exercício do seu comércio”.
Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol IV, pág.336, 2ª edição revista e actualizada, “com a alteração introduzida pela Reforma de 1977 na redacção da alínea d) do n.º 1 do artigo 1691.° do Código Civil, a lei passou a admitir a alegação de que, não obstante a dívida ter sido contraída por qualquer dos cônjuges no exercício do comércio, ela não foi assumida em proveito comum do casal” (…) Por força do novo regime, à alegação e prova de que a dívida foi contraída em real conexão com a actividade comercial do devedor, feitas pelo credor, pode agora o cônjuge do devedor opor validamente que, não obstante isso, a dívida não foi realmente contraída em proveito comum do casal”.
Ao contrário do Código de 1966, que considerava de responsabilidade comum as dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do comércio mesmo que não houvesse proveito comum do casal, a Reforma de 1977 veio alterar esta alínea no sentido de se poder provar que não houve intenção de proveito comum da parte do cônjuge que contraiu a dívida, sendo esta, portanto, de responsabilidade exclusiva do cônjuge devedor. Não se quis levar tão longe a protecção dos credores comerciais, com sacrifício dos interesses do casal, como a levara o Código de 1966, cfr. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, vol I, pág 413”, (sublinhado nosso).
Acrescentamos que o artigo 15º do Código Comercial estabelece uma presunção juris tantum de proveito comum, a favor do credor, que ficará dispensado, em tal caso de exercício presumido do comércio, de fazer a prova positiva do proveito comum.
Entendemos também por pertinente transcrever aqui algumas das considerações que a respeito da alínea d) do nº1 do artigo 1691º do Código Civil, Cristina Dias escreveu na sua Tese de Doutoramento, “DO REGIME DA RESPONSABILIDADE (PESSOAL E PATRIMONIAL) POR DÍVIDAS DOS CÔNJUGES (PROBLEMAS, CRÍTICAS E SUGESTÕES), disponível online.
“(…)a al. d) do n.º 1 do art. 1691.º foi alterada pelo Dec.-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro, passando a referir que são da responsabilidade de ambos “as dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do comércio, salvo se se provar que não foram contraídas em proveito comum do casal ou se vigorar entre os cônjuges o regime de separação de bens”. Para se dissiparem todas as dúvidas que se suscitavam, o preceito passou a admitir uma presunção implícita de proveito comum, que explicitamente constava da versão primitiva do art. 15.º do Cód. Comercial. Onde antes a al. d) consagrava uma autêntica presunção não ilidível, estabelece hoje uma simples presunção ilidível, no sentido de que as dívidas comerciais contraídas pelo cônjuge comerciante beneficiam ambos os cônjuges. Mais do que o Cód. Comercial se ter adaptado ao art. 1691.º, n.º 1, al. d), do Cód. Civil de 1966, teve este, na Reforma de 1977, de se adaptar ao novo art. 15.º do Cód. Comercial.”, (obra citada página 316).
“(…) provado (ou presumido) que a obrigação assumida pelo cônjuge comerciante o foi no exercício do seu comércio, terá o interessado de demonstrar ou que não foi contraída em proveito comum do casal ou que o regime de bens dos cônjuges é o de separação.”, (obra citada página 318).
“O regime do art. 1691.º, n.º 1, al. d), visa a tutela do comércio: alargando-se o âmbito da garantia patrimonial concedida aos credores daqueles que exercem o comércio facilita-se a estes últimos a obtenção de crédito e, desta forma, favorecem-se as actividades mercantis. Esta tutela envolve um certo sacrifício dos interesses do cônjuge do comerciante e da própria família. Só que tal sacrifício não é arbitrariamente imposto, pois o legislador entendeu que, em princípio, a dívida terá sido contraída no interesse do casal e não apenas no do cônjuge comerciante. Fixou-se, assim, o limite a partir do qual os interesses do cônjuge do comerciante (e da família) não devem ceder perante os interesses do comércio (não será da responsabilidade de ambos os cônjuges a dívida não contraída em proveito comum). Além disso, pensa-se que o sacrifício acaba por reverter no interesse dos cônjuges e da família, já que dá confiança aos credores, facilita a obtenção de crédito e favorece o exercício do comércio que constitui parte relevante da sustentação financeira da família.” (obra citada página 325).
É evidente que a vantagem da al. d) do n.º 1 do art. 1691.º, face à al. c) do mesmo artigo, decorre da maior protecção concedida ao credor no caso da al. d), uma vez que, ao contrário do que ocorre na al. c), o credor não tem de fazer prova do proveito comum para responsabilizar ambos os cônjuges.” (obra citada, página 327), sublinhado nosso.
Como se lê no Acórdão da Relação de Évora de 10.03.2010 (Relatora Isoleta Almeida Costa, in www.dgsi.pt), “A lei estabelece uma verdadeira presunção legal de proveito comum, em tais casos.
Sobre esta previsão normativa escreveu Lobo Xavier, Revista de Direito e Estudos Sociais, XXIV, pp. 241 e ss. «O objectivo do art. 1691º, nº 1, al. d), é a tutela do comércio, na medida em que, «alargando-se o âmbito da garantia patrimonial concedida aos credores daqueles que exercem o comércio», se lhes facilita a obtenção de crédito e se favorecem as actividades mercantis, e o sacrifício imposto ao cônjuge e família do comerciante não é arbitrário, por se entender que, «em princípio, a dívida terá sido…contraída no interesse do casal…, com vista a granjear proveitos a aplicar em benefício da família», ou seja, em proveito comum.
Efectivamente, visa a tutela do comércio alargando a garantia patrimonial dos credores dos comerciantes; favorece-se por via indirecta a actividade comercial neste sentido; e constituí um reforço da doutrina consagrada no artigo 15º do Código Comercial, (redacção do artigo 3º do Decreto-Lei nº 363/77, de 2 de Setembro) segundo o qual «as dívidas comerciais do cônjuge comerciante, se presumem contraídas no exercício do seu comércio». [1]
Quer dizer no regime, pós reforma de 1977, caberá ao cônjuge não comerciante, quando demandado, pela comunicabilidade da dívida fundamentada, no proveito comum, resultante da sua natureza comercial; das duas uma:
Ou ilidir a presunção de que a divida não é comercial;
Ou ilidir a presunção de que a divida não foi contraída em proveito comum do casal. (artº 344º do CC).
(…)
[1] No mesmo sentido Cfra Ainda Pereira Coelho Curso de Direito de Família 2ª ed pg 451, e Oliveira Ascensão, Direito Comercial, Lisboa 86/87, pg 567.”.
Era pois ao Réu que cabia invocar e provar – artigo 342º, nº2 do Código Civil - que a dívida não fora contraída em proveito comum do casal.
Entendemos porém que tal não resultou provado.
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Desde já referimos que subscrevemos a conclusão da Autora, no sentido de que para efeito da existência de proveito comum o que importa é a intenção com que a dívida é assumida.
Como se lê no Acórdão da Relação de Lisboa de 22.06.2004 (Relator Roque Nogueira, in www.dgsi.pt), “Para saber se a divida foi ou não contraída em proveito comum do casal, o que conta é a intenção com que a divida foi assumida (a aplicação dela) e não o seu resultado prático efectivo (cfr. Antunes Varela, Direito de Família, pág.328). Isto é, há proveito comum do casal sempre que a dívida seja contraída tendo em vista o interesse comum de ambos os cônjuges ou da família, independentemente de, de facto, ele ter ou não existido, abstraindo, pois, do resultado (cfr. Lopes Cardoso, RT, 86º-51, Pereira Coelho, Curso de Direito de Família, 1969, 2º-71, e os Acórdãos do STJ, de 6/12/74, BMJ, 242º-297 e de 22/6/77, BMJ, 268º-233). A jurisprudência tem, ainda, entendido que é, também, necessário, para que uma dívida responsabilize ambos os cônjuges, que a possibilidade do proveito comum resulte da própria constituição da dívida e não apenas reflexa ou remotamente da obrigação assumida (cfr., entre outros, os Acórdãos do STJ, de 14/4/72, BMJ, 216º-155 e de 22/6/77, BMJ, 268º-233).”, (sublinhado nosso).
Para se aferir tal intenção, no caso em apreço, importa reportarmo-nos ao momento da celebração do contrato de trabalho, cujo incumprimento, como refere o Réu, é a fonte da dívida reclamada nos autos.
É que a dívida, em causa, não pode deixar de avaliar-se como decorrente da própria celebração do contrato de trabalho. Nesse momento, a entidade patronal da Autora assumiu determinadas responsabilidades relativamente ao vínculo laboral celebrado com a Autora- nomeadamente, a título retributivo - as quais foram assumidas pela Ré mulher, a partir do momento em que lhe foi transmitido o estabelecimento da farmácia - que passou a explorar - , na sua universalidade, incluindo os respectivos trabalhadores, entre os quais a aqui Autora (alínea C) dos factos assentes).
E se assim é, desde logo se exclui como argumento susceptível de demonstrar por si só a falta do proveito comum, o facto de ter ficado assente que é com o rendimento do seu trabalho como dentista que o Réu sustenta o seu agregado familiar, composto pela sua mulher, Drª D... e pelos dois filhos menores, que são estudantes.
Ou seja, não releva aqui por si só que ao tempo do retraimento da dívida, o casal dos Réus não vivesse de rendimentos proporcionados pela exploração da farmácia, dado não ter ficado demonstrado que a própria exploração da farmácia pela Ré mulher (quer no que respeita às relações com os fornecedores, clientela e trabalhadores) não se destinou também a esse fim.
Aliás, para advir proveito comum não é necessário que o mesmo seja canalizado para o sustento do agregado familiar do cônjuge comerciante.
E o mesmo se diga do facto de a Ré mulher ter deixado no ano de 2012 de conseguir tirar qualquer quantia resultante da exploração da farmácia.
Tal não basta também para sem mais se aferir que não houve proveito comum. Podia assim suceder e o valor do estabelecimento em causa não ser afectado antes e até valorizado por uma série de factores e perante tal valorização existir proveito comum.
Porém, é certo que se provou que assim sucedeu dado que as margens de lucro na venda dos medicamentos baixaram em cerca de 60% a 70% e a facturação da farmácia caiu para menos de metade, a partir de finais do ano de 2011, início do ano de 2012.
Só que como referido naquele último Acórdão “(…)há proveito comum do casal sempre que a dívida seja contraída tendo em vista o interesse comum de ambos os cônjuges ou da família, independentemente de, de facto, ele ter ou não existido, abstraindo, pois, do resultado.”.
Dito de outro modo, para provar a inexistência de proveito comum, não bastava alegar e provar que a farmácia explorada pela Ré mulher teve prejuízos desde 2012. Necessário era terem ficado provados factos dos quais fosse susceptível aferir que o fim visado ao contrair a dívida não foi o proveito comum do casal. Mais precisamente, que as responsabilidades derivadas do vínculo laboral estabelecido com a Autora, contratada para trabalhar na farmácia explorada pela Ré mulher, não tivessem como objectivo potenciar a obtenção de rendimentos para o casal, em virtude de tal exploração.
E assim não sucedeu. A Ré mulher (entidade patronal da Autora) tinha a Autora ao seu serviço no estabelecimento da farmácia. Independentemente dos resultados (contabilísticos) desta, a verdade é que não resulta da matéria de facto provada que a exploração de tal estabelecimento – onde a Autora trabalhava para a Ré mulher - não visasse o proveito comum do casal.
Verificando-se os pressupostos do artigo 1691º, nº1, alínea d) do Código Civil, nada mais importa conhecer do alegado em sede de contra-alegações.
Concluímos assim que todos os créditos reconhecidos na sentença como sendo devidos à Autora constituem dívida comum do casal, pelo que, apesar da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide quanto à Ré D..., fundamentada na respectiva declaração de insolvência, subsiste contra o Réu C..., pelo que o mesmo não pode deixar de ser condenado no respectivo pagamento.
A apelação tem assim necessariamente de proceder.
3. Decisão
Pelo exposto se acorda em julgar procedente a apelação e em consequência revogar a decisão recorrida, decidindo, em sua substituição, condenar o Réu C..., a pagar à Autora:
a) A indemnização, por antiguidade, no valor de € 40.676,19 (quarenta mil, seiscentos e setenta e seis euros e dezanove cêntimos).
b) A quantia, a título de créditos salariais derivados da falta de pagamento de subsídio de refeição, no período de 01.03.2013 a 26.06.2013, de € 372,80 (trezentos e setenta e dois euros e oitenta cêntimos).
c) A quantia, a título de uma diuturnidade em 13.07.1987, duas diuturnidades em 13.07.1990, três diuturnidades em 13.07.1993, quatro diuturnidades em 13.07.1996 e cinco diuturnidades em 13.07.1999, o que perfaz o montante global de € 5.238,35 (cinco mil, duzentos e trinta e oito euros e trinta e cinco cêntimos).
d) A quantia, a título de subsídio de Natal de 2012, férias e subsídio de férias vencidas no dia 1 de janeiro de 2013, proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal referentes ao tempo de trabalho prestado no ano de 2013, e vencimento relativo ao trabalho prestado no mês de Junho de 2013 até ao dia 27, no montante global de € 9.708,12 (nove mil, setecentos e oito euros e doze cêntimos).
e) Em juros moratórios, sobre todas as quantias, calculados à taxa supletiva legal, desde a citação até efectivo pagamento.
Custas pelo Réu recorrido.

Porto, 18 de Dezembro de 2018.
Teresa Sá Lopes
Fernanda Soares
Domingos Morais