Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1057/14.2T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: DÉFICE PARCIAL PERMANENTE
Nº do Documento: RP201809271057/14.2T8PNF.P1
Data do Acordão: 09/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL (2013)
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 146, FLS 2-13)
Área Temática: .
Sumário: I - A perda ou diminuição da capacidade laboral por morte ou por incapacidade permanente total ou parcial pode originar a perda de um rendimento que se repercute em prejuízos sofridos e a sofrer pelo lesado ou por aqueles que viviam ou vivem na sua dependência económica.
II - Este dano, um dano futuro previsível, é como tal, indemnizável ao abrigo do disposto no art.º 564º, nº2 do Código Civil.
III - Há no entanto casos em que a IPP (agora Défice Parcial Permanente da Integridade Físico-Psíquica) de que o lesado ficou portador, pode não se traduzir numa perda de rendimentos, mas que representa um dano patrimonial autónomo, indemnizável.
IV - Quando a incapacidade geral não corresponde a uma perda efectiva de ganho ou mesmo da capacidade de ganho, na ponderação do quantum indemnizatório deve mitigar-se a sua repercussão de harmonia com a normal e previsível evolução e reacção das pessoas perante as circunstâncias da vida.
V - Na determinação do quantum da compensação por danos não patrimoniais deve atender-se à culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, à flutuação do valor da moeda e à gravidade do dano, tendo em conta as lesões, as suas sequelas e o sofrimento físico-psíquico experimentado pela vítima, sob o critério objectivo da equidade, envolvente da justa medida das coisas, com exclusão da influência da subjectividade inerente a particular sensibilidade humana.
VI - É adequada a fixação da compensação € 20.000,00 por danos não patrimoniais à pessoa de cinquenta e um anos de idade, normalmente saudável, fisicamente bem constituído, dinâmico, alegre e trabalhador, que sofreu traumatismo da perna e joelho esquerdos; traumatismo do antepe esquerdo (fractura sem desvio de F1 do Hallux) e traumatismo do polegar direito, com fractura da base de M1 (avulsão da base de F1), lesões essas que continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo e mal-estar, que o vão acompanhar durante toda a vida, sendo certo que por causa das sequelas de que ficou a padecer definitivamente, deixou de praticar a actividade física (clicloturismo) que praticava regularmente com os seus amigos, o que lhe provoca tristeza, amargura e angústia.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº1057/14.2T8PNF.P1
Tribunal recorrido: Comarca do Porto Este
Penafiel – Inst. Central – Secção Cível
Relator: Carlos Portela (874)
Adjuntos: Des. Joaquim Correia Gomes
Des. José Manuel Araújo Barros

Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.Relatório:
B..., veio propor contra Companhia de Seguros C..., S.A. agora D..., S.A., a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, pedindo a condenação da demandada a pagar-lhe a quantia de 50.634,56 €, através de cheque cruzado emitido a favor do demandante e sem a inscrição não à ordem ou não endossável, acrescida dos juros vincendos desde a citação e até integral pagamento.
Para tanto, na sua petição inicial alegou os factos referentes ao acidente de viação de que foi vítima e que na sua tese justificam a demanda da Ré como seguradora do veículo cujo condutor terá sido o responsável pelo mesmo, bem assim o como aqueles em que fundamenta os danos cujo ressarcimento aqui reclama.
Contestou a Ré Seguradora, admitindo basicamente os factos que integram a culpa do seu segurado pela ocorrência do sinistro, impugnando a verificação dos danos reclamados e o montante da indemnização pedida.
Dispensada a audiência prévia, foi elaborado despacho saneador, no qual se aferiram positivamente a totalidade dos pressupostos processuais e se seleccionou a matéria assente e a controvertida a provar com interesse para a decisão da causa.
Teve lugar a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal, no culminar da qual se proferiu sentença na qual se julgou a acção totalmente procedente, por provada e, em consequência se condenou a Ré a satisfazer ao A. a quantia global de 50.634,56 €1, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal desde a citação e até efectivo e integral pagamento.
Desta veio interpor recurso a ré D..., S.A. apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos, as suas alegações.
O autor B..., contra alegou.
Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho no qual se teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
*
II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº41/2013 de 26 de Junho.
Como é sabido, o objecto do presente recurso e sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pela ré/apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o conteúdo das mesmas conclusões:
Da condenação no pagamento das quantias arbitradas a título de perdas salarias, subsídios de férias, de Natal e de alimentação
1.A recorrente não poder ser condenada, à luz do princípio geral da obrigação de indemnizar, no pagamento de qualquer quantia a título de perdas salarias, subsídios de férias, de Natal e de alimentação.
2.A este propósito não foi produzida prova que permita dar como demonstrada a matéria constante de EE) (O Autor é encarregado e técnico de obra, com um rendimento mensal de € 1.100,00, 14 vezes por ano, acrescido do subsídio mensal de alimentação de € 130,46, 11 vezes por ano) e FF) (No período de tempo referido em O), em salários, subsídios de férias, de Natal e de Alimentação o Autor deixou de ganhar a quantia de € 3.887,93), sobre a qual apenas existe documentação fiscal (declaração de IRS do recorrido referente ao ano de 2013) e apenas a testemunha E... se pronunciou.
3.A testemunha E..., contabilista e colega de trabalho do recorrido, ouvida na sessão de julgamento de 17 de Janeiro de 2018, depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, com início no marcador às 10:09:59 e fim às 10:15:28, declarou, para além do mais, que na altura do acidente o recorrido auferia o vencimento de € 1.100,00, ilíquidos.
4.Por seu turno, da declaração de IRS do recorrido junta a fls., referente ao ano de 2013, resulta ter o recorrido declarado, em tal ano, o rendimento de € 14.310,02, a que corresponde um vencimento mensal de cerca de € 1.022,00.
5.Da conjugação dos meios de prova acima referidos – os únicos que versaram sobre a matéria em causa – resulta que o vencimento de € 1.100,00 auferido é ou era ilíquido.
6.Ainda da conjugação dos mesmos meios de prova resulta não se poder concluir que o recorrido tenha deixado de auferir qualquer quantia a título de salários, subsídios de férias e de Natal e subsídio de alimentação durante tal período de tempo, pois nenhuma prova foi produzida quanto a esta matéria.
7.Haverá assim que alterar a redacção de EE) dos Factos Provados da douta sentença recorrida para a seguinte: O Autor é encarregado e técnico de obra, com um rendimento mensal ilíquido de € 1.100,00, 14 vezes por ano, acrescido do subsídio mensal de alimentação de € 130,46, 11 vezes por ano.
8.E, porque não demonstrada, haverá que dar como não provada a matéria constante de FF) dos Factos Provados da douta sentença recorrida.
9.Nos termos do disposto no art.º 662º do CPCivil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão inversa – é o que desde já respeitosamente se requer a este Venerando Tribunal, no sentido acima exposto.
10.Tendo como não demonstrado que o recorrido tenha deixado de receber, durante o período de incapacidade para o trabalho, o montante referido em FF) dos Factos Provados da douta sentença recorrida, deverá a recorrente, nesta parte, ser absolvida do pedido.
Da condenação no pagamento das quantias de € 25.000,00 e de € 20.000,00, respectivamente a título de indemnização pelo dano patrimonial emergente da incapacidade permanente que resultou para o recorrido em consequência do acidente e a título de compensação pelos danos não patrimoniais
-O Dano Patrimonial decorrente da incapacidade permanente
11.As sequelas incapacitantes, traduzidas numa incapacidade permanente, que afectam qualquer indivíduo podem dar origem a indemnizações diferentes, a nível patrimonial e não patrimonial. Isto é, no “desdobramento” do dano futuro, o mesmo dano pode reflectir um dano patrimonial e um dano não patrimonial.
12.E se o segundo se traduz numa afectação da integridade física ou psíquica que se repercute nas actividades da vida diária, incluindo as familiares, sociais, de lazer ou desportivas – critérios orientadores, aliás, da Tabela Nacional para a Avaliação de Incapacidades em Direito Civil, constante do Anexo II do DL nº 352/2007, de 23 de Outubro – consubstanciando-se assim, genericamente, numa diminuição da qualidade de vida, já o primeiro constitui um prejuízo com reflexos na perda de capacidade aquisitiva ou de ganho.
13.Tal como se referiu no Acórdão do STJ de 27.10.2009, disponível em www.dgsi.pt, a situação terá de ser apreciada casuisticamente, verificando se a lesão origina, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, uma afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade, não oferecendo grandes dúvidas que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia mais traduz um sofrimento psico-somático do que, propriamente, um dano patrimonial.
14.A ressarcibilidade do dano patrimonial decorrente de incapacidade permanente depende da demonstração de factos que permitam criar um juízo de previsibilidade da existência desse dano, em termos, precisamente, de perdas patrimoniais.
15.No caso em discussão nos presentes autos sabe-se que as sequelas incapacitantes sofridas pelo recorrido, implicando, é certo, esforços suplementares, são no entanto compatíveis com o exercício da sua actividade profissional. E nada nos autos permite concluir razoavelmente que as limitações físicas sofridas pelo recorrido se traduzam ou venham a traduzir numa efectiva perda de capacidade de ganho, seja em termos de progressão de carreira, seja em termos de evolução salarial.
16.A análise ao elenco dos factos provados permite concluir não estar demonstrado que as sequelas sofridas pelo recorrido possam, ainda que no recurso a juízos de previsibilidade, consubstanciar um dano patrimonial futuro.
17.Na verdade, se pela mera necessidade de maior dispêndio de energia e esforço na realização de uma actividade profissional se concluir, sem mais, pela repercussão futura em termos de perda de capacidade de ganho, então deixará pura e simplesmente de ser possível a destrinça entre o dano patrimonial e o dano não patrimonial.
18.Haverá assim que concluir pela não verificação do dano em causa e qualificar o dano decorrente da incapacidade permanente enquanto dano biológico mas na sua vertente de dano não patrimonial.
19.E, enquanto dano de natureza não patrimonial, o mesmo deverá ser compensado com quantia não superior a € 15.000,00, quer porque tal valor se afigura equilibrado e razoável, quer considerando, para além do mais, que na douta sentença recorrida foi arbitrada ao autor compensação por danos não patrimoniais autónomos do dano biológico.
Sem conceder,
20.Ainda que assim se não entenda, e ainda que se considere o dano em causa na sua vertente patrimonial, afigura-se excessivo o montante indemnizatório de € 25.000,00 fixado na douta sentença recorrida.
21.Tal é assim, seja por aplicação dos critérios enumerados na douta sentença recorrida para cálculo do dano em causa, seja se se tiver em conta, como se fez no Acórdão do STJ de 04.12.2007, disponível em www.dgsi.pt, o rendimento anual do recorrido, o factor índice, a incapacidade de 10 pontos, a correcção para mais tendo e conta que a incapacidade se prolongará para além da vida activa do recorrido e a esperança de vida se situa para além da idade da reforma.
22.Com base em tais elementos e recorrendo a juízos de equidade, afigura-se justo, razoável e equilibrado o arbitramento de indemnização não superior a € 15.000,00.
-A compensação devida pelo dano não patrimonial
23.É na justa medida dos danos sofridos que o recorrido tem o direito a ser compensado, e a justa medida dos danos concretizados nos autos permite concluir que o montante arbitrado de € 20.000,00 é inadequado, por excessivo, para compensar esses danos.
24.Na fixação da indemnização o tribunal deve atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – cfr. art.º 496º, nº 1, do CCivil – indemnização que, preceitua o nº 3 do mesmo dispositivo legal, deve ser fixada equitativamente pelo tribunal.
25.Os danos não patrimoniais em causa nos presentes autos merecem, indiscutivelmente, a tutela do direito, mas a gravidade que os mesmos revestem não justifica o arbitramento de uma indemnização superior a € 12.500,00.
26.Na douta sentença recorrida fez-se incorrecta valoração dos factos e menos acertada aplicação da Lei, nomeadamente, do art.º 607º do CPCivil e dos art.ºs 496º, 562º, 563º, 564º e 566º, todos do CCivil.
Pelo exposto,
Na procedência das conclusões do recurso da recorrente, deve a douta sentença ora recorrida ser revogada nos termos supra descritos, assim se fazendo JU S T I Ç A.
*
Já o autor/apelado conclui do seguinte modo as suas contra alegações:

A decisão recorrida não merece o mais ténue reparo, tanto mais que, como a Meritíssima Juíza a quo já há muito nos habituou, representa um esforço meritório e uma dedicação extrema à prova que foi produzida nos presentes autos.

E, não obstante o muito respeito, estima e consideração que nutrimos pelo Ilustre Mandatário da recorrente (no que sabemos, com a devida modéstia, ser correspondidos), não podemos deixar de referir que o presente recurso representa a visão miserabilista que a recorrente continua a manter das indemnizações que os nossos Tribunais devem arbitrar aos lesados,

bem sabendo a recorrente que nenhuma razão lhe assiste nos defeitos/deficiências que aponta à decisão recorrida.

Com efeito, e começando pela questão das perdas salariais, como se demonstrou em juízo, pelo depoimento da testemunha E..., por ser quem processa os pagamentos na empresa onde trabalha o recorrido, este último desde o dia 08.03.2014 até ao dia 13.06.2014 não trabalhou um dia que fosse, em consequência das lesões sofridas e do necessário tratamento a que teve de se submeter.
Referiu de forma clara que como o recorrido não trabalhou durante esse período não recebeu.! Daí que tenha resultado como provada a matéria constante da alínea O) dos factos provados.

E se se provou que o recorrido tinha um salário mensal de 1.100,00 €, 14 vezes por ano, acrescido do subsídio mensal de alimentação de 130,46 €, 11 vezes por ano, como decorre do facto provado EE), deu-se igualmente como provadas as contas que decorrem da conjugação desses dois factos, ou seja, que a esse título o recorrido teve um prejuízo de 3.887,93 €, como decorre do teor da alínea GG) dos factos provados.

E se assim foi decidido foi-o, seguramente, porque perante a Meritíssima Juíza a quo foi produzida prova – como efectivamente foi – que lhe permitiu ancorar essa decisão, e não por uma qualquer discricionariedade por parte da Meritíssima Juíza a quo.

E permita-se-nos referir que nesta fase processual de nada serve à recorrente vir dizer que a Meritíssima Juíza a quo nem tampouco dispunha de um documento – mapa de remunerações pagas ao recorrido no decurso do ano de 2014 – cuja junção tinha sido requerida pela recorrente na sua contestação.

Teve a oportunidade processual para arguir essa falta e nunca o fez..., motivo por que não deveria, nem poderia, ter feito referência a esse elemento na fase de recurso.

Por outro lado, e em relação ao dano não patrimonial, não fosse o persistente miserabilismo da recorrente e teria esta fundamentado a sua discordância com a quantia que a este título foi arbitrada (20.000,00 €) para o compensar por esse mesmo dano de uma outra forma.
10ª
Como se percebeu das alegações, para a recorrente estaria bem a quantia de 12.500,00 €, fundamentando essa sua “escolha” por essa quantia na necessidade sentida de uniformizar as decisões judiciais.
11ª
Parece que para a recorrente, ainda que seja a título de compensação do dano não patrimonial, tudo se reduz a mero cálculo aritmético, qual folha de cálculo, onde se colocaria o tipo de lesão, o tempo de recuperação e as sequelas e se obteria um resultado matemático, criando-se uma tabela.
Como se disse no corpo destas contra-alegações, com o muito respeito pelo trabalho precioso dos Senhores Magistrados, seria este o seu sonho!
12ª
Todavia, todos sabemos (onde incluímos a recorrente) que a fixação da compensação pelo dano não patrimonial sofrido será, seguramente, das tarefas mais árduas que os Senhores Juízes têm para cumprir; e, como nos fomos habituando, para esse cálculo, como não podia deixar de ser, entram em consideração os elementos que a Meritíssima Juíza a quo levou em consideração e melhor explanados na douta decisão proferida.
13ª
E, não obstante o recorrido ter peticionado a quantia de 12.500,00 € nem assim a Meritíssima Juíza a quo está ”agarrada” a esse pedido, conquanto que não ultrapasse ou contorne o princípio do pedido, como efectivamente não ultrapassou ou contornou.
14ª
Por isso, e atendendo ao modo exaustivo e acertado como a Meritíssima Juíza a quo fundamentou essa sua decisão, a mesma não merece o mais ténue reparo, tanto mais que representa aquilo que a Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores vai decidindo.
15ª
Finalmente, e no que respeita ao dano patrimonial, no sentido da perda futura de ganho, também nenhuma razão assiste à recorrente, como se demonstrará.
16ª
Conforme doutamente referido na decisão recorrida pela Meritíssima Juíza a quo, posição que, com a devida vénia, fazemos nossa:
Pode suceder, no entanto, que a IPP (ora Défice Parcial Permanente da Integridade Físico-Psíquica) de que o lesado ficou portador não se traduza numa perda de rendimentos.
A jurisprudência vem entendendo, de forma dominante, que, mesmo assim, a IPP (DPPIFP) representa um dano patrimonial autónomo, indemnizável independentemente da perda ou diminuição imediata da retribuição salarial.
17ª
Ora se é assim, como inquestionavelmente é, mais uma vez nenhuma razão assiste à recorrente, pois vai sendo entendimento dominante nos nossos Tribunais Superiores que, para indemnizar a perda futura de ganho – a repercussão da incapacidade para futuro – não se torna necessário que ocorra uma efectiva perda de rendimento.
18ª
E diga-se em abono da verdade, que também nesta parte da decisão recorrida a sua fundamentação foi cuidada, extensa e devidamente ponderada com a equidade que é reconhecida à Meritíssima Juíza a quo.
19ª
Assim, e para finalizar, não fosse a visão miserabilista que a recorrente teima em manter em relação às quantias que devem e têm vindo a ser arbitradas pelos nossos Tribunais, e jamais teria interposto o presente recurso que, perante a matéria de facto tida por provada e não provada, terá necessariamente de improceder.
Pelo exposto,
Deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente e, em consequência, confirmar-se integralmente a douta decisão recorrida, assim se fazendo sã e acostumada JUSTIÇA.
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Perante o antes exposto, resulta claro serem as seguintes as questões suscitadas neste recurso:
1ª) A impugnação da decisão de facto;
2ª) O valor da indemnização atribuída ao autor pelo dano patrimonial decorrente da incapacidade permanente;
3ª) O valor da reparação arbitrada ao autor pelos danos não patrimoniais sofridos.
Estando em causa a decisão de facto proferida nos autos, importa recordar antes do mais, qual o conteúdo da mesma.
Assim, foram dados como provados os seguintes factos:
A) Cerca das 17h00 do dia 8.3.2014 ocorreu um acidente de viação na E.N. ..., ao Km 33,300, sito em ... – Penafiel, em que intervieram os veículos:
1.– ..-..-VS, motociclo, conduzido pelo demandante, seu proprietário;
2.– ..-AH-.., ligeiro de passageiros, propriedade de F... e conduzido por G... e
3.– ..-..-PV, ligeiro de passageiros, conduzido pelo proprietário, H...
B) O motociclo do Autor circulava pela referida E.N. ... no sentido ... – ..., pela metade direita da faixa de rodagem, atento o referido sentido e com velocidade não excedente a 50 Kms por hora.
C) Imediatamente à sua frente circulava o veículo ..-..-PV.
D) Por seu lado, o veículo ..-AH-.. circulava em sentido contrário, ou seja, ... – ....
E) O AH, depois de ter descrito uma curva para a sua esquerda, e circulando em linha recta há mais de 100 metros, perdeu o controlo do veículo que conduzia e permitiu que o mesmo invadisse a metade esquerda da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha…
F) … onde embateu com a parte da frente do lado esquerdo do veículo ..-AH-.. na parte lateral esquerda do veículo ..-..-PV, que projectou para fora da faixa de rodagem, ficando imobilizado para lá da berma do lado direito da E.N. ..., considerando o sentido ... – ....
G) Após esse embate, seguiu descontrolado pela metade esquerda da faixa de rodagem, considerando o seu sentido de marcha, onde acabou por embater de frente na parte da frente do motociclo do demandante,
H) … o qual, em face de tão inesperada, repentina e inopinada manobra do veículo ..-AH-.. nem tampouco teve tempo de reacção para travar ou para se desviar.
I) O veículo ..-AH-.. acabou por deter a sua marcha à distância de cerca de 20 metros.
J) Em consequência do violento embate o demandante sofreu:
1. – traumatismo da perna e joelho esquerdos;
2. – traumatismo do antepe esquerdo (fractura sem desvio de F1 do Hallux) e
3. – traumatismo do polegar direito, com fractura da base de M1 (avulsão da base de F1) (doc.
L) Cerca das 22h02 daquele dia 8.3.2014, o Autor recorreu ao S.U. do Centro Hospitalar ..., E.P.E., onde foi observado e submetido a estudo radiológico, após o que lhe foi colocada imobilização tipo Robert-Jones no joelho direito e com tala de Zimmer no polegar da mão direita e Hallux esquerdo, após o que teve alta medicado e com conselhos médicos adequados.
M) O Autor foi seguido nos Serviços Clínicos a cargo da demandada na I... no Porto, onde depois de ter sido observado, lhe foi solicitada a realização de exames radiológicos.
N) Efectuou, por indicação daqueles Serviços Clínicos, 30 sessões de fisioterapia na J..., Lda. Penafiel, acabando por ter alta definitiva dos Serviços Clínicos a cargo da demandada no dia 13.6.2014.
O) As lesões sofridas pelo Autor em consequência do acidente provocaram-lhe um défice funcional de 92 dias. Assim, por causa do acidente (das lesões sofridas e dos tratamentos a que teve de se submeter) o demandante esteve sem poder trabalhar desde o dia 8.3.2014 até ao dia 13.6.2014.
P) …e um quantum doloris de grau 4 numa escala de 1 a 7.
Q) Na altura do acidente o Autor tinha 51 anos de idade.
R) Por via do contrato de seguro titulado pela apólice nº ....... a Ré assumiu, à data do sinistro, a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ligeiro de passageiros ..-AH-.., propriedade de F... e que no momento da colisão circulava sob a sua direcção efectiva e no seu interesse, conduzido por G..., a quem tinha cedido o seu uso.
S) As sequelas de que o Autor ficou a padecer determinam-lhe uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de 10 pontos…
T) e uma repercussão nas actividades de lazer e desporto de grau 6 numa escala de 1 a 7 de gravidade crescente…
U) E que fazem com que tenha de usar, permanentemente, meia elástica (ligadura compressiva) para colocação na perna esquerda.
V) As lesões provocaram-lhe dores físicas no decurso do tratamento, no grau referido em P).
X) E as sequelas de que ficou a padecer definitivamente continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo e mal estar, que o vão acompanhar durante toda a vida.
Z) … E que se exacerbam com as mudanças de tempo.
AA) À data do acidente o Autor era normalmente saudável, fisicamente bem constituído, dinâmico, alegre e trabalhador.
BB) Por causa das sequelas de que ficou a padecer definitivamente o demandante deixou de fazer os treinos e as provas de cicloturismo semanais que fazia aos fins-de- semana, com o seu grupo de amigos, o que se tem reflectido negativamente no demandante, não só por ter atenuado o contacto com esse seu grupo de amigos, mas também pela menor prática de exercício físico…
CC) Que, tudo, lhe provoca tristeza, amargura e angústia.
DD) Atendendo à sua actividade profissional, o demandante sente dificuldade em subir e descer escadas e andaimes, em deslocar-se em cima das pranchas, em pegar em tijolos e em efectuar actividades contínuas com a mão direita, com o que as sequelas lhe exigem esforços suplementares para o exercício da sua profissão habitual.
EE) O Autor é encarregado e técnico de obra, com um rendimento mensal de 1.100 €, 14 vezes por ano, acrescido do subsídio mensal de alimentação de 130,46 EUR, 11 vezes por ano.
FF) No período de tempo referido em O), em salários, subsídios de férias, de Natal e de alimentação o Autor deixou de ganhar a quantia de 3.887,93 €.
GG) A meia elástica referida em U) que tem uma duração média de seis meses e um custo unitário de cerca de 30 €, o que representa uma despesa anual de 60 €.
HH) Até à data de entrada em juízo da acção o autor já tinha gasto em meias elásticas ao menos a quantia de 60 €.
II) O Autor mais gastou:
- 74. 112,00 € numa certidão do acidente dos autos;
- 604,41 € em honorários médicos, meios de diagnóstico, medicamentos e taxas moderadoras.
JJ) Em consequência do acidente, o demandante ficou com a indumentária que trazia inutilizada.
Foram tidos como não provados os seguintes factos:
1) O condutor do ..-AH-.. conduzia completamente distraído, sem atenção à sua condução, ao traçado da via naquele local e ao restante trânsito;
2) E com a mais completa falta de cuidado, prudência, destreza , consideração, diligência e habilidade;
3) a uma velocidade superior a 50 Km/hora;
4) o local onde ocorreu o sinistro é uma localidade, com casas de habitação e comércio de ambos os lados da via;
5) O A. dedicava-se a caminhadas com os amigos;
6) Por causa da falta do exercício físico o A. engordou;
7) A meia elástica que o A. tem de usar tem uma duração média de três meses…
8) O custo anual que o A. tem de suportar com meias elásticas é de 120 EUR;
9) Até à data de entrada em juízo da acção o autor já tinha gasto em meias elásticas a quantia de 90 €;
10) A roupa inutilizada do A. consistia num casaco, umas calças, uns sapatos e um capacete, que valiam, respectivamente, 150 €, 45 €, 40 € e 175 €.
E foi a seguinte a convicção do tribunal “a quo”:
“Decisivamente, ponderou-se o teor do relatório de exame pericial realizado nos autos, completado este pelos termos dos registos e informações clínicas constantes dos autos, no que tange à afectação e sequelas que as lesões físicas causaram ao A., ainda no que importa à dimensão da incapacidade permanente parcial, desconsiderando-se apenas e pois aqueles aspectos que não lograram confirmação (assim o facto de o A. ter engordado), sendo que não emergindo por inferência apenas dos demais factos. Mais se recorreu, nessa parte, a juízos de normalidade e regras de experiência, a partir das lesões sofridas e dos tratamentos implicados, como da actividade profissional exercida.
São, de novo, as conclusões do exame pericial que caracterizam a alegada necessidade de recurso a meias elásticas e já a duração destas, sendo que o respectivo custo se alcançou da factura atinente à respectiva aquisição, junta pelo Autor com a petição inicial.
O depoimento do amigo e companheiro de “equipa” (de cicloturismo federado), K..., justificou a aquisição probatória da afectação das actividades anteriormente realizadas e daí o prejuízo de afirmação pessoal assente, mais caracterizando a afectação emocional e psicológica que os dados objectivos emergentes do omnipresente relatório pericial pelo INML sempre corroboram.
O depoimento da funcionária da firma na qual o Autor é empregado, responsável pelo processamento dos vencimentos, E..., e o teor dos documentos juntos aos autos e relativos às declarações fiscais do A. permitiram a demostração da actividade profissional e rendimento deste.
Sempre os documentos juntos pelo Autor com a petição inicial demonstram as despesas/custos/pagamentos havidos por assentes, sendo que a natureza das lesões, no confronto agora com as consultas, os tratamentos, medicamentos e ajudas/auxílios técnicos cujo pagamento/aquisição os documentos referidos atestam, induzem a conexão necessária entre os custos/despesas e o sinistro, em termos de juízos de normalidade e regras da experiência. Não já os danos havidos por não provados sob 10, posto que ninguém se referindo aos concretos bens/vestuário destruído no sinistro ou ao valor destes, sem prejuízo também pela inferência da sua inutilização a partir do modo como se deu o sinistro …
Mais se fez uso de um juízo de inferência, com base no custo apurado e na duração média respectiva, quanto ao custo suportado pelo Autor para a aquisição de meias elásticas até à entrada em juízo da petição.
Os demais factos havidos por não provados foram-no por ausência de referenciação testemunhal ou documental ou por estarem em contradição com outros tidos por provados e nessa medida. Ainda por não se impor a respectiva inferência a partir de outros tidos por demonstrados (assim também a velocidade de circulação do AH, pese embora a distância de imobilização assente, por não ter sido produzida qualquer prova quanto à dinâmica do sinistro, em termos de não estar excluída uma aceleração após o primeiro demonstrado embate ou mesmo o segundo, não sendo caso, pois, de mero e simples recurso às clássicas tabelas de distância de paragem/imobilização).”.
Como antes já vimos, neste seu recurso a ré/apelante pretende que seja dada como não provada a matéria vertida nos pontos EE) e FF) e antes melhor descrita.
Isto por considerar que a prova produzida nos autos não foi suficiente para ter tal matéria como provada.
Ora é consabido que por força da entrada em vigor do D.L. nº39/95 de 15.02, foram significativamente ampliados os poderes da Relação no que toca à alteração da decisão da matéria de facto.
De facto, enquanto na anterior redacção do art.º712º os poderes da Relação quanto á decisão da matéria de facto eram previstos a título excepcional, já a nova redacção do mesmo artigo (agora a do art.º662º do NCPC), representa, na verdade, um claro afloramento da verdadeira natureza de tribunal de instância que se quis atribuir ao Tribunal da Relação.
Por isso se afirma que saíram ampliados os poderes do Tribunal da Relação quanto à matéria de facto, transformando-a, efectivamente, num tribunal de instância e não apenas num tribunal de “revista”, quanto à subsunção jurídica da realidade de facto.
Isto e nomeadamente quando tenha existido gravação da audiência e das provas aí produzidas, situação na qual são mais amplas as possibilidades de modificação da decisão sobre a matéria de facto.
Tudo isto quando depois de se mostrar respeitado o princípio do contraditório, o tribunal superior e depois de fazer uma autónoma apreciação da prova, venha a adquirir uma convicção diversa da obtida pela 1ª instância.
Apesar do acabado de expor, é essencial salientar que a garantia do duplo grau de jurisdição não deve nem pode subverter o princípio da livre apreciação das provas antes previsto no art.º655º, nº1 (e agora no art.º607º, nº5) do CPC.
E também sem esquecer, que na formação dessa convicção entram, necessariamente, elementos que em nenhum caso podem ser importados para a gravação da prova por mais fiel que ela seja das incidências concretas da audiência.
Ora no caso dos autos está comprovado que a ré/apelante deu cumprimento cabal ao disposto no art.º685º-B, nº1, alíneas a) e b) (actual art.º 640º, nº1, alíneas a) e b)) do CPC, razão pela qual nada obsta a que se aprecie e decida este seu pedido de modificação da decisão de facto.
Saber se tal pretensão merece provimento é questão naturalmente diversa que passaremos agora a apreciar.
Desde logo e como nos era imposto procedemos à audição da gravação onde ficou registado depoimento prestado pela testemunha E...., contabilista e colega de trabalho do autor/apelado na audiência de discussão e julgamento do dia 17.01.2018.
E em nenhum momento encontramos razões para infirmar o circunstancialismo de facto vertido no ponto EE) dos factos provados quanto ao salário auferido pelo autor aquando do acidente em apreço nos autos.
Por outro lado e contrariamente ao que alega a ré nas suas alegações, da prova documental produzida nos autos, nomeadamente a que consta de fls.61 e seguintes (a declaração de IRS do ano de 2013 e aviso de reembolso da Autoridade Tributária enviado ao mesmo autor e referente à mesma declaração de rendimentos), não se retira qualquer fundamento para impedir que a matéria de facto vertida no mesmo ponto não corresponde à verdade.
Para além disso tem razão o autor/apelante quando nas suas contra alegações vem defender a ideia de que a ré/apelante não pode vir agora invocar a não junção aos autos do mapa de remunerações pagas ao autor do ano de 2014.
E isto porque sendo certo que a mesma formulou tal pedido na sua contestação, a verdade é que perante a inércia da entidade patronal do autor quanto a tal junção, nada mais fez no decurso do processo para que a apresentação de tal prova documental fosse uma realidade.
A ser assim bem andou pois o Tribunal “a quo” quando a este propósito e tendo em conta as regras de repartição do ónus da prova que importava considerar, valorou como valorou o depoimento prestado pela testemunha E... e a prova documental junta ao processo e antes melhor identificada.
E o mesmo ocorre quanto à matéria vertida no ponto FF) dos factos provados.
Assim do depoimento prestado pela referida testemunha em necessária conjugação com os restantes meios de prova juntos ao processo, o que resultou provado foi que por ter estado sem poder trabalhar desde o dia 8.03.2014 até ao dia 13.06.2014, o autor deixou de auferir a quantia de € 3.887,93, em salários e em subsídios de férias, de Natal e de alimentação.
Improcedem por isso também aqui os argumentos recursivos da ré/apelante.
Deste modo e por não estarem verificados os pressupostos previstos no art.º662º, nº1 do CPC, mantém-se a decisão de facto antes proferida quanto aos pontos EE) e FF) dos factos provados.
Como todos já vimos, num segundo momento a ré/apelante insurge-se pelo facto do Tribunal “a quo” a ter condenado no pagamento de uma indemnização pelo dano patrimonial emergente da incapacidade permanente que resultou para o autor/apelado do acidente de que foi vítima.
E isto porque na sua ideia, os factos tidos por provados não conseguem demonstrar que as sequelas sofridas pelo mesmo autor traduzem um dano patrimonial futuro susceptível de ser indemnizável de forma autónoma.
Não consegue, no entanto, questionar de modo sustentado, os argumentos nos quais a Sr. Juiz “a quo” e bem, fundou a sua decisão.
Senão, vejamos:
O que está em causa é se no caso do autor existe fundamento para indemnizar o dano decorrente da incapacidade permanente, agora apelidado Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-psíquica.
Bem se andou também quando recorrendo ao Acórdão do STJ de 28.10.99 [CJ/STJ-99-III-66], recordou que a incapacidade para o trabalho é um dano material que pode assumir três aspectos diferentes:
O primeiro é a incapacidade funcional do corpo humano ou de um seu órgão (no sentido médico-legal deste termo, diferente do seu sentido estritamente médico). Está aqui em causa uma alteração funcional da pessoa que afecta a sua integridade física, impedindo-a de exercer determinada actividade corporal ou sujeitando-a a exercitá-la de modo imperfeito, deficiente ou doloroso. É o caso de quem fique privado de um número significativo de dentes, afectando o órgão da mastigação.
O segundo é a incapacidade para o trabalho em geral.
O terceiro é a incapacidade para o trabalho profissional do lesado, em particular.
Mais também quando não esqueceu que da incapacidade para o trabalho podem resultar danos emergentes, lucros cessantes e danos futuros, todos eles indemnizáveis, ao abrigo do disposto no art.º 564º, nºs 1 e 2 do Código Civil.
Logo a seguir, quando identificou e definiu os danos emergentes e os lucros cessantes, atento o que decorre do disposto no mesmo art.º 564º, nº1.
Igualmente ao referir que a perda ou diminuição da capacidade laboral por morte ou por incapacidade permanente total ou parcial pode originar a perda de um rendimento que se repercute em prejuízos sofridos e a sofrer pelo lesado ou por aqueles que viviam ou vivem na sua dependência económica, não deixando de afirmar que este dano, um dano futuro previsível, é como tal, indemnizável ao abrigo do disposto no art.º 564º, nº2.
Mas discorreu também de forma acertada quando alertou para os casos em que a IPP (agora Défice Parcial Permanente da Integridade Físico-Psíquica) de que o lesado ficou portador, pode não se traduzir numa perda de rendimentos.
Ora também nós, seguindo a jurisprudência dominante, entendemos que mesmo assim, a IPP (DPPIFP) representa um dano patrimonial autónomo, indemnizável, mesmo nos casos em que não há perda ou diminuição imediata da retribuição salarial.
E isto pelos argumentos que na sentença recorrida ficaram suficientemente expostos e alicerçados em vária jurisprudência atinente (que aqui nos dispensamos de voltar a reproduzir) e que são no fundo os seguintes:
A afectação que a IPP, do ponto de vista funcional, traduz, determina, no âmbito do que vem sendo denominado dano biológico, consequências negativas ao nível da actividade geral do lesado.
Na chamada incapacidade funcional ou fisiológica, vulgarmente designada por “handicap”, a repercussão negativa da respectiva IPP centra-se precisamente na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços, por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das actividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente, previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando, com regularidade.
A incapacidade funcional tem, em princípio, uma abrangência maior que a perda da capacidade de ganho e pode não coincidir com esta, tudo dependendo do tipo ou espécie de trabalho efectivamente exercido.
Por isso, o valor indemnizatório decorrente da perda de capacidade é autónomo em relação ao sofrimento causado por tal perda (este de natureza não patrimonial).
Sendo assim, o lesado não tem de alegar e provar a perda de rendimentos laborais para que o tribunal lhe atribua indemnização pelo dano decorrente da IPP, bastando a alegação e a prova da incapacidade.
A fixação da indemnização pelos danos futuros decorrentes da incapacidade para o trabalho deve fazer-se sempre com recurso à equidade, nos limites fixados nos artigos 564º, nº2, 566º, nº 3, 496º, nº 3 e 494º.
Quando a incapacidade geral não corresponde a uma perda efectiva de ganho ou mesmo da capacidade de ganho, na ponderação do quantum indemnizatório deve mitigar-se a sua repercussão de harmonia com a normal e previsível evolução e reacção das pessoas perante as circunstâncias da vida.

Ora nos autos estamos pois perante uma situação concreta em que o autor ficou portador de IPP/DFPIFP, mas não se alegou nem provou que essa incapacidade lhe acarretasse perda de rendimentos do trabalho.
De qualquer forma, bem se andou quando se entendeu que mesmo assim, o autor tem o direito de ser indemnizado pela incapacidade traduzida na diminuição da sua condição física, que, como tal, representa um dano específico e autonomamente indemnizável.
Tudo por força do que já antes aqui e na sentença recorrida ficou referido.
A este propósito é importante recordar que nos nºs 1 e 2 do art.º 564º está prevista de forma expressa a possibilidade de se atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis.
É igualmente relevante não esquecer que em casos como o dos autos em que se mostra impossível a reparação natural, a mesma deverá ser feita em dinheiro (cf. os artigos 562º e 566º, n.º 1 do Código Civil).
Assim, aqui só com base na equidade é que se pode liquidar o dano decorrente da IPP do autor, já que dispondo o tribunal dos elementos para determinar tal dano, não conhece o seu valor exacto (art.º 566º, n.º 3 do Código Civil).
Mas para além de tudo o que acabou de se referir, o Tribunal “a quo” também não deixou de “desmontar“ os argumentos daqueles que advogam que o dano correspondente à Incapacidade Permanente Parcial de que ficou a padecer o autor em consequência do acidente em apreço nos autos não integra dano patrimonial, antes dano não patrimonial, já que a Incapacidade Permanente Parcial 10 pontos em 100 não afecta a capacidade de ganho do Autor, que não ficou incapacitado para o exercício da sua actividade “profissional” normal.
Ora todos aceitamos que a Incapacidade Permanente Parcial, nos casos em que não implica a incapacidade absoluta para o trabalho habitual ou a necessidade de adaptações ao exercício desse trabalho, se traduz numa maior dificuldade ou penosidade do trabalho habitualmente exercido e não, directamente, numa diminuição do rendimento proveniente do trabalho.
No entanto, também devemos ter como certo que apesar disso, “tal dificuldade ou penosidade da actividade laboral não deixa de integrar uma limitação/afectação da capacidade de ganho, em termos de ser essa a afectada pela Incapacidade Permanente Parcial.”
Por isso, tem razão a Sr.ª Juiz “a quo” quando afirma que “tal limitação da capacidade de ganho não pode deixar de qualificar-se em termos de dano patrimonial (sem prejuízo de se lhe atender ainda em sede de determinação do dano não patrimonial, em razão dos reflexos psicológicos que a “diminuição” da capacidade de trabalho sempre implica), sendo adequado reportá-la, em termos da avaliação, ao reflexo da incapacidade na referida capacidade de utilização “laboral” do corpo, esta com um conteúdo evidentemente patrimonial.”.
Também quando, tendo por objectivo o respeito pelo princípio da reparação integral do dano, faz alusão a alguma jurisprudência e doutrina (que aqui não repetimos) e segundo a qual, o entendimento a perfilhar é o de que a indemnização por danos futuros resultantes de incapacidade física do lesado por acidente de viação não deve incluir-se nos danos não patrimoniais e é devida mesmo que não se prove ter resultado dela diminuição actual dos proventos profissionais do lesado.
Assim, não só nos casos tratados nos aludidos acórdãos como também na situação concreta dos autos, os autores vítimas dos acidentes, encontram-se numa posição de inferioridade, em relação às demais pessoas, no que tange à utilização do corpo como factor de produção de riqueza, o que espelha uma vertente patrimonial que não pode ser negada.
Para a fixação do quantum da indemnização devida pelos prejuízos sofridos em virtude da afectação das capacidades funcionais é razoável que se atribua ao lesado uma quantia que elimine aquela perda, não se devendo simplesmente fazê-la corresponder ao resultado obtido pela mera aplicação de tabelas financeiras utilizadas no âmbito laboral para determinação de pensões de vida por incapacidades permanentes.
Deste modo e afastando-se das teses que na determinação das indemnizações fazem apelo ao simples recurso a tabelas ou fórmulas, de entender-se que “o cálculo da frustração do ganho deverá conduzir a um capital que considere a produção de um rendimento durante todo o tempo de vida activa da vítima, adequado ao que auferiria se não fora a lesão.”.
Impõe-se, pois, que o cálculo do valor a atribuir ao lesado, se alcance atribuindo-se ao lesado uma quantia que produza o rendimento fixo mensal perdido.
Mas tudo isto sem correr o risco de propiciar um injustificado enriquecimento do lesado à custa do lesante, devendo por isso a quantia atribuída esgotar-se no final do período considerado.
Como bem se afirma na decisão recorrida, “ao atribuir-se ao lesado uma quantia que elimine aquela perda, restituir-se-á ao lesado a situação em que estaria se não fosse o acidente, conforme prescrevem as normas atinentes – cfr. artºs 562º, 563º e 566º, nº 2, do Código Civil.”.
Na mesma decisão, não foi esquecida a necessidade das prestações mensais a considerar deverem ser constituídas não só pelos rendimentos produzidos pela quantia atribuída (juros), mas também pela sucessiva e progressiva amortização desta.
Ficou igualmente realçada a dificuldade do cálculo da justa indemnização, por força da incerteza dos factores que cabe considerar.
Por isso, e como impõe o recurso à equidade, chamaram-se à colação os factores (imponderáveis) como a incerteza sobre a manutenção da capacidade de trabalho e do tempo de vida, as alterações das taxas de remuneração do capital e da inflação, a perenidade do emprego ou a progressão na carreira profissional, a evolução dos salários, os índices de produtividade e o desenvolvimento tecnológico.
No caso concreto, fixou-se como limite temporal de vida activa do lesado os 70 anos de idade sufragando a orientação jurisprudencial mais recente segundo a qual a esperança média de vida para os homens se situa actualmente nos 71/72 anos.
Por fim, teve-se o cuidado de voltar a salientar que no caso “não estava em causa um dano autónomo ou distinto do dano patrimonial emergente da IPP ou do défice funcional da integridade física, mas o mesmo e preciso dano, agora sob o prisma da consequência patrimonial daquela incapacidade ou défice numa actividade para-laboral com significado ou representação económica/patrimonial.”.
E foi assim que se fixou o dano patrimonial emergente da IPP em 25.000 €, montante o qual, por não merecer qualquer censura, aqui subscrevemos.
Como todos já sabemos, neste seu recurso a ré/apelante também questiona o montante da indemnização arbitrada pelo Tribunal “a quo” pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor/apelado.
Assim, considera exagerado o valor de 25.000,00 € propondo que o mesmo seja reduzido para 12.500,00 €.
Não tem no entanto razão nesta sua pretensão.
Vejamos, pois:
Nos termos do disposto no artigo 496º, nº1 do Código Civil, “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” e, prossegue-se no nº3 do mesmo preceito, “O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em conta, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º”.

O legislador ficou, assim, como critérios de determinação do quantum da indemnização por danos não patrimoniais: a equidade (artigo 496º, nº3); o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso (artigo 494º, aplicável ex vi da primeira parte do nº3 do artigo 496º).
A responsabilidade civil por danos não patrimoniais assume pois uma dupla função: compensatória e punitiva. Compensatória porquanto o quantum atribuído a título de danos não patrimoniais consubstancia uma compensação, uma satisfação do lesado, porque se atende à extensão e gravidade dos danos (Artigo 496º, nº1). A função punitiva advém da circunstância da lei enunciar que a determinação do montante da indemnização deve ser fixada equitativamente, atendendo ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica desta e do lesado e às demais circunstâncias do caso (Artigo 494º, aplicável ex vi da primeira parte do nº3 do Artigo 496º).
O artigo 496º, nº1 do Código Civil confere ao julgador a tarefa de determinar o que é equitativo e justo em cada caso, não em função da adição de custas ou despesas, mas no intuito de arbitrar à vítima a importância dos valores de natureza não patrimonial em que ela se viu afectada. Daí que se entenda que os danos não patrimoniais não possam sujeitar-se a uma medição mas sim a uma valoração (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.3.95, Conselheiro Lopes Pinto, CJ Acórdãos do STJ 1995 – I, pág. 233).
A gravidade do dano dever aferir-se por um padrão objectivo e não por um padrão subjectivo derivado de uma sensibilidade requintada ou embotada. Na fixação do montante da indemnização deve também atender-se aos padrões adoptados pela jurisprudência, à flutuação do valor da moeda, à gravidade do dano tendo em conta as lesões, as suas sequelas e o sofrimento físico-psíquico experimentado pela vítima bem como outras circunstâncias do caso que se mostrem pertinentes (neste sentido cf. o Acórdão do STJ de 13.7.2004, Conselheiro Salvador da Costa, processo 04B2616, acessível em www.dgsi.pt).
No caso dos autos, temos como relevantes para a definição da indemnização por danos não patrimoniais, os factos dados como provados nos pontos P), Q), S), T), U), V), X), Z), AA), BB) e CC).
Também para nós, “todos estes danos assumem um carácter suficientemente grave para permitir a sua tutela pelo direito, sendo que, neles se pode sublinhar, por mais relevante, a dor.”.
Como antes já deixamos dito, o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado, como se viu, segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e a do lesado, aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, etc.
Também já vimos que quanto a tal tipo de danos não há uma indemnização verdadeira e própria mas antes uma reparação ou seja a atribuição de uma soma pecuniária que se julga adequada a compensar e reparar dores e sofrimentos através do proporcionar de um certo número de alegrias ou satisfações que as minorem ou façam esquecer.
Por isso que o valor dessa reparação, deva ser proporcional à gravidade do dano, devendo ter-se em conta, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida (cf. Antunes Varela, Das Obrigações em geral, 3ª ed., pág.497 e seguintes e nota 3 a pág. 500).
É isso mesmo que decorre do disposto nas regras conjugadas dos artigos 495º, 496º, n.º3 e 497º, todos do Código Civil.
Como bem se refere na sentença recorrida, na situação a decidir, os elementos factuais a ter em conta são as lesões mesmas sofridas, as dores, classificadas no grau 4 numa escala de sete graus, às sequelas de que o autor ficou a padecer, à afectação total temporária e à afectação permanente da sua integridade física e ao já referido prejuízo de afirmação pessoal, de certa monta, os tratamentos a que teve de submeter-se e a sua idade à data do acidente.
E perante todos estes elementos e as orientações jurisprudenciais maioritárias, temos também nós como adequada a quantia fixada pela Sr.ª Juiz “a quo” pelos danos não patrimoniais sofridos (20.000,00 €).
Nenhum fundamento existe pois para alterar o que então ficou decidido.
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Sumário (cf. art.º663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso de apelação e confirma-se a sentença proferida.
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Custas a cargo da ré/apelante (cf. art.º527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.

Porto, 27 de Setembro de 2018
Carlos Portela
Joaquim Correia Gomes
José Manuel de Araújo Barros