Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3/17.6T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MIGUEL BALDAIA DE MORAIS
Descritores: NÃO ADMISSÃO DE RECURSO
CONCLUSÕES
REPRODUÇÃO DAS ALEGAÇÕES
Nº do Documento: RP202206083/17.6T8PVZ.P1
Data do Acordão: 06/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO SINGULAR
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Em consonância com o regime plasmado na lei adjetiva, as conclusões das alegações correspondem às ilações ou deduções lógicas terminais de um raciocínio argumentativo, propositivo e persuasivo, em que o alegante procura demonstrar a consistência das razões que invoca contra a decisão recorrida.
II - Porque são o resultado e não o desenvolvimento do raciocínio alegatório, as conclusões têm, pois, necessária e legalmente de ser curtas, claras e objetivas.
III - Daí que a reprodução praticamente integral e ipsis verbis do anteriormente alegado no corpo das alegações, ainda que apelidada de “conclusões” pela apelante, não pode ser considerada para efeito de válido cumprimento do dever de apresentação das conclusões recursivas.
IV - Tal comportamento processual, equivalendo à ausência de conclusões, dará lugar ao não conhecimento do recurso de acordo com o que se dispõe no artigo 641º, nº 2 al. b) do Código de Processo Civil, não cabendo convite ao aperfeiçoamento no sentido de lograr suprir a inobservância desse ónus.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 3/17.6T8PVZ.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Póvoa de Varzim – Juízo Central Cível, Juiz 3
Relator: Miguel Baldaia Morais
1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra
2º Adjunto Des. Pedro Damião e Cunha
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Sumário
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I - RELATÓRIO

Na presente ação declarativa com processo comum que AA instaurou contra V..., S.A., foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente o pedido aduzido por aquele, condenando a ré a pagar-lhe a quantia de 25.396,00 € (vinte e cinco mil trezentos e noventa e seis euros).
Inconformada com tal decisão, a ré interpôs recurso da mesma, o qual foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Remetidos os autos a este Tribunal, por se ter considerado que as “conclusões” formuladas pela apelante consubstanciam mera reprodução do corpo alegatório, rejeitou-se o recurso por falta de conclusões.
Não se conformando com essa decisão singular, veio agora a recorrente apresentar a presente reclamação para a conferência requerendo que seja proferido acórdão sobre a matéria da decisão.
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Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

A questão solvenda traduz-se em saber se, in casu, o recurso interposto pela apelante observa os requisitos formais estabelecidos na lei adjetiva, mormente se deu cabal cumprimento ao ónus de formulação de conclusões.
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III- FUNDAMENTOS DE FACTO

A materialidade a atender para efeito de apreciação do objeto da presente reclamação é a que dimana do antecedente relatório.
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IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO

A recorrente insurge-se contra a decisão singular que desatendeu a apelação que interpôs, advogando, fundamentalmente, que devia ter sido convidada a corrigir as suas conclusões recursórias.
Não se nos afigura, contudo, que a decisão sumária do relator mereça a censura que lhe vem apontada, posto que as questões que nela foram decididas obtiveram solução jurídica que reputamos acertada.
Como assim, renovamos e fazemos nossos os argumentos em que se ancorou a aludida decisão singular e que se passam a transcrever: «No final das suas alegações formulou “conclusões” que praticamente consubstanciam a reprodução, ipsis verbis, do corpo alegatório, o que corresponde a um claro inadimplemento do ónus que é imposto ao apelante no artigo 639º do Código de Processo Civil[1].
Questão que se coloca é a de saber quais as consequências desse incumprimento na sorte do presente recurso, mormente se ocorre circunstância que obste à sua apreciação nos termos do disposto na al. b) do nº 1 do art. 652º, sendo que, por mor do preceituado no nº 5 do art. 641º, o despacho que na 1ª instância admitiu a apelação não vincula este tribunal.
Como deflui do nº 1 do citado art. 639º, quando o apelante interpõe recurso de uma decisão jurisdicional passível de apelação autónoma fica automaticamente vinculado à observância de dois ónus, se quiser prosseguir com a impugnação de forma regular[2]. O primeiro é o denominado ónus de alegação, no cumprimento do qual se espera que o apelante analise e critique a decisão recorrida, refutando as deficiências, sejam de facto sejam de direito, de que, na sua perspetiva, enferma essa decisão, argumentando e postulando as razões em que se ancora para divergir em relação ao sentenciamento proferido.
O segundo ónus (denominado de ónus de concisão) traduz-se na necessidade de finalizar as alegações recursórias com a formulação sintética de conclusões, em que resuma os fundamentos pelos quais pretende que o tribunal ad quem modifique ou revogue a decisão prolatada pelo tribunal a quo. Assim, enquanto as alegações propriamente ditas (motivação stricto sensu) se destinam à apresentação dos argumentos pelos quais o apelante sustenta a alteração da decisão, já as conclusões constituem a síntese dos fundamentos contidos naquelas[3].
Deste modo, a elaboração das conclusões do recurso convoca o recorrente a ser claro, conciso e preciso quanto às suas razões e fundamentos, permitindo assim ao recorrido responder adequadamente a essa pretensão recursória. Acresce que a apresentação de conclusões de forma sintética (na expressão da lei), para além de ser um instrumento de disciplina processual, constitui, igualmente, uma forma célere de apreensão das questões submetidas à apreciação do tribunal ad quem, potenciando uma mais eficaz administração da justiça, sendo certo que, nos termos da lei adjetiva (arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2), as mesmas têm a importante função de definir e delimitar o objeto do recurso e, desta forma, circunscrever o poder de cognição do tribunal superior.
Em suma: as conclusões são, necessariamente, a enumeração clara e enxuta dos fundamentos pelos quais a parte entende que se justifica a alteração da decisão, a que, quanto muito, acresce um resumo muito sintético das preposições que configuram a exposição dos argumentos relativos a cada um desses fundamentos. Mais do que isso significa repetição de argumentos o que configura uma atuação processual inútil e prejudicial ao fim visado, e como tal proibida.
Sucede que, no caso vertente, a apelante apresentou alegações, em que explana as razões da sua discordância com a decisão censurada, não tendo, contudo, terminado o recurso com a efetuação de proposições sintéticas em consonância com o legalmente prescrito, constituindo tais “conclusões” (171!), na sua essencialidade, uma mera repetição da argumentação anteriormente tecida nas alegações[4], inclusive com reprodução de depoimentos prestados na audiência final.
De um ponto de vista substancial, a recorrente não formulou, pois, conclusões do recurso como devia, tendo-se limitado praticamente a repetir a alegação duas vezes seguidas, intitulando a “segunda alegação” como “conclusões”, o que manifestamente não constitui uma forma válida de cumprimento da exigência legal.
Ora, como a este propósito se vem decidindo[5], a reprodução integral e praticamente ipsis verbis do anteriormente vertido no corpo das alegações, ainda que apelidada de “conclusões” pela apelante, não pode valer como cumprimento do dever de apresentação das conclusões.
De facto, em consonância com o regime plasmado na lei adjetiva, as conclusões das alegações correspondem às ilações ou deduções lógicas terminais de um raciocínio argumentativo, propositivo e persuasivo, em que o alegante procura demonstrar a consistência das razões que invoca contra a decisão recorrida.
Porque são o resultado e não o desenvolvimento do raciocínio alegatório, as conclusões têm, pois, necessária e legalmente de ser curtas, claras e objetivas.
Daí que a reprodução praticamente integral e ipsis verbis do anteriormente vertido no corpo das alegações, ainda que apelidada de “conclusões” pela apelante, não podem ser consideradas para efeito de válido cumprimento do dever de apresentação das conclusões recursivas, sendo certo que, dada a expressão perentória da lei (“é indeferido”), não cabe convite ao aperfeiçoamento no sentido de lograr suprir a inobservância do apontado ónus.
Tal comportamento processual equivale à ausência de conclusões, pelo que, em consonância com o que se dispõe na al. b) do nº 1 do art. 641º, rejeita-se, pois, o presente recurso».

Atentas as razões alinhadas na decisão singular e ora transcritas, não se vislumbra razão válida para divergir do sentido decisório nela acolhido relativamente às concretas questões que nela foram objeto de apreciação.
É certo que alguma jurisprudência (que a reclamante cita) se tem pronunciado no sentido de que, em situações de reprodução do corpo alegatório nas conclusões recursivas, deverá haver lugar à prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento dessas conclusões.
Com o devido respeito por esse entendimento, afigura-se-nos que a repetição integral, sob o nome de conclusões, ainda que com variações formais, do conteúdo da motivação, não é um caso de incumprimento imperfeito (por deficiência, obscuridade ou complexidade) passível de ser subsumido à previsão normativa do nº 3 do art. 639º, mas antes de total incumprimento do aludido ónus de concisão. Ora, o remédio do convite ao aperfeiçoamento só se justifica quando o recorrente de forma mais ou menos conseguida ainda demonstra ter tentado sintetizar a sua motivação de recurso, pois só nessa hipótese se pode em rigor afirmar que foram oferecidas conclusões, o que não é manifestamente o caso, posto que, como se deu nota, a apelante, sob o nome de conclusões, repete integralmente a motivação, ainda que com irrelevantes variações formais.
Nessas circunstâncias impõe-se, pois, o não conhecimento do recurso por ausência de conclusões, não se antolhando em que medida tal visão das coisas afronte o princípio (constitucional) da tutela jurisdicional efetiva, sendo que, neste conspecto, o Tribunal Constitucional[6] vem reiteradamente afirmando não ser incompatível com a tutela constitucional do acesso à justiça a imposição de ónus processuais às partes, desde que não sejam nem arbitrários nem desproporcionados, quando confrontada a conduta imposta com a consequência desfavorável atribuída à correspondente omissão.
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V- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em não atender a reclamação, mantendo, pois, a decisão singular na qual se determinou o não conhecimento do recurso interposto pela apelante.
Custas da reclamação a cargo da reclamante.

Porto, 8.6.022
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
Pedro Damião e Cunha
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[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.
[2] Sendo que, a este respeito, a casuística do Tribunal Constitucional (v.g. acórdãos nº 132/2002 e 403/2002, publicados, respetivamente, no DR, II série, de 29.05.2002 e de 16.12.2002) vem reiteradamente afirmando não ser incompatível com a tutela constitucional do acesso à justiça a imposição de ónus processuais às partes, desde que não sejam nem arbitrários nem desproporcionados, quando confrontada a conduta imposta com a consequência desfavorável atribuída à correspondente omissão.
[3] Isso mesmo é sublinhado por ALBERTO DOS REIS (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 359), afirmando que as conclusões são «proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação»; no mesmo sentido militam AMÂNCIO FERREIRA (Manual dos recursos em Processo Civil, pág. 167) e AVEIRO PEREIRA (O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil, pág. 31, acessível em www.trl.mj.pt/PDF/Joao%20Aveiro.pdf), salientando este último que as conclusões das alegações são as «ilações ou deduções lógicas terminais de um raciocínio argumentativo, propositivo e persuasivo, em que o alegante procura demonstrar a consistência das razões que invoca contra a decisão recorrida. Porque são o resultado e não o desenvolvimento do raciocínio alegatório, as conclusões têm, pois, necessária e legalmente de ser curtas, claras e objetivas, para que não deixem dúvidas quanto às questões que o tribunal ad quem deve e pode conhecer».
[4] Para uma perspetiva crítica deste tipo de procedimento, veja-se AVEIRO PEREIRA (op. citada, págs. 14 e seguinte) o qual, a este propósito, escreve que «a prática usual é a reprodução informática do corpo das alegações na área do documento que deveria ser preenchida com as conclusões. Sob esta epígrafe duplica-se e repisa-se o texto expositivo, sem se apresentarem verdadeiras conclusões. Em boa verdade, o recurso a este expediente de copy paste, para duplicar as alegações como se fosse para concluir, revela um uso abusivo dos meios automáticos de processamento de texto e conduz à inexistência material de conclusões, pois se, sob este título, apenas se derrama sobre papel o teor da parte analítica e argumentativa, o que de facto se oferece ao tribunal de recurso é uma fraude. Por consequência, apesar de aqui ou ali se mudar, cosmeticamente, uma ou outra palavra ou locução, o que realmente permanece, inelutável, é um vazio conclusivo, mau grado as habituais dezenas de folhas” (…) sabendo-se que esse excesso de prosa, tantas vezes intricada e em boa parte supérflua, vai tornar mais difícil e demorado o estudo do caso e o seu julgamento”.
[5] Cfr., por todos, acórdãos desta Relação de 9.11.2017 (processo nº 14204/16.0T8PRT-A.P1), de 24.01.2018 (processo nº 131/16.5T8MAI-A.P1), de 23.04.2018 (processo nº 6818/14.0YIPRT.P1), de 13.01.2020 (processo nº 338/18.6T8PNF-A.P1) e de 27.01.2020 (processo nº 2817/18.0T8PNF.P1), acórdãos da Relação de Lisboa de 17.03.2016 (processo nº 147733/14.4YIPRT.L1-2), de 17.03.2016 (processo nº 459/15.1T8MTA.L1-2), de 21.02.2013 (processo nº 14217/02.0TDLSB-AM.L1-9) e de 15.02.2013 (processo nº 827/09.3PDAMD.L1-5), acórdãos da Relação de Guimarães de 20.11.2014 (processo nº 1016/10.4TBVVD.G1), de 9.06.2016 (processo nº 314698/11.1YIPRT.G1) e de 24.01.2019 (processo nº 3113/17.6T8VCT.G1) e acórdão da Relação de Coimbra de 10.11.2015 (processo nº 158/11.3TBSJP.C1), todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[6] Cfr., por todos, acórdãos nº 132/2002 e 403/2002, publicados, respetivamente, no DR, II série, de 29.05.2002 e de 16.12.2002.