Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
927/13.0TVPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
CADUCIDADE
EMPREITEIRO DIFERENTE DO VENDEDOR
PROPRIEDADE HORIZONTAL
Nº do Documento: RP20160620927/13.0TVPRT-A.P1
Data do Acordão: 06/20/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 628, FLS. 340-347)
Área Temática: .
Sumário: I - O prazo de caducidade de cinco anos previsto no artigo 1225.º, nº 1 do CCivil, conta-se desde o momento em que a obra foi entregue pelo construtor ao respectivo dono.
II - Nos casos em que o construtor não actuou também na qualidade de vendedor do imóvel, o prazo de caducidade relativo à eliminação de defeitos nas partes comuns não aguarda pela efectiva constituição do condomínio e pela eleição do respectivo administrador, esse prazo começa a correr desde o momento em que o referido construtor entregou a obra ao respectivo dono.
III - Nessas situações não podem estar a decorrer prazos diferentes de caducidade para responsabilização do empreiteiro, um vigente para o dono da obra–contado desde a data em que lhe é entregue a obra–e outro vigente para o condomínio, contado desde a data em que foi constituída a respectiva administração.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 927/13.0TVPRT. P1-Apelação
Origem-Comarca do Porto-Inst. Central-1ª Secção Cível-J5
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Caimoto Jácome
2º Adjunto Des. Sousa Lameira
5ª Secção
Sumário:
I- O prazo de caducidade de cinco anos previsto no artigo 1225.º, nº 1 do CCivil, conta-se desde o momento em que a obra foi entregue pelo construtor ao respectivo dono.
II- Nos casos em que o construtor não actuou também na qualidade de vendedor do imóvel, o prazo de caducidade relativo à eliminação de defeitos nas partes comuns não aguarda pela efectiva constituição do condomínio e pela eleição do respectivo administrador, esse prazo começa a correr desde o momento em que o referido construtor entregou a obra ao respectivo dono.
III- Nessas situações não podem estar a decorrer prazos diferentes de caducidade para responsabilização do empreiteiro, um vigente para o dono da obra–contado desde a data em que lhe é entregue a obra–e outro vigente para o condomínio, contado desde a data em que foi constituída a respectiva administração.
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I-RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
Administração do Condomínio do Edifício … com domicílio Rua …, nº .., ..º, Sala .. Porto intentou a presente acção declarativa comum na forma ordinária contra B..., S A com sede na Rua …, n, .º …
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Pela Ré em sede de contestação foi invocada a caducidade do direito do condomínio autor nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 1225º do CC, porquanto a obra por si executada enquanto empreiteira, foi entregue ao dono de obra em 01/08/2008, pelo que a denúncia do A. à data de 25/09/2013 ocorreu já para além do prazo de 5 anos previsto no citado artigo 1225º do CC.
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Respondeu o A. nos termos de fls. 131 e segs., concluindo pela sua improcedência, porquanto e apesar de desconhecer a data da entrega da obra ao dono da mesma, facto é que a escritura de constituição da propriedade horizontal só foi realizada em 05/02/2009 pelo que à data da denúncia dos defeitos ainda não tinham decorrido 5 anos desde então.
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Caducidade que igualmente invocou a R. em resposta ao articulado superveniente apresentado em sede de audiência prévia a fls. 158 e segs. pela autora, nos termos da resposta de fls. 163 e segs..
À qual por seu turno o A. respondeu nos termos de fls. 409 e segs., concluindo pela sua improcedência porquanto e para além do que mais alegou, a denúncia ocorreu dentro dos cinco anos que antecederam a primeira assembleia de condóminos com a nomeação de administrador, ocorrida esta em 10/04/2009, sendo certo que através do mencionado articulado superveniente veio a A. alegar que em Março de 2014 foi constatada a existência de mais patologias que descreveu e que à R. denunciou em 31/03/2014 à qual a R. respondeu por carta de 03/04/2014.
A fls. 180 e segs. veio o A. juntar cópia da 1ª acta de assembleia de condóminos realizada em 10/04/2009, documento este a que nada opôs a Ré C…, Ldª.
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Conclusos os autos, o tribunal recorrido conhecendo das invocadas excepções julgo-as improcedentes.
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Não se conformando com o assim decidido, veio o Réus interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:
A) O Edifício …, sito no Porto foi construído pela Apelante para a sociedade D…, Lda, no âmbito da empreitada de “Construção de Edifício de Habitação, Escritórios, Comércios, Garagens e Serviços num Conjunto de Edifícios na Rua …, Lote ., … - Porto” contratada entre ambas;
B) A Apelada denunciou junto da Apelante a existência de diversas situações que considera serem defeitos de construção do Edifício … através de cartas datadas de 25 de Setembro de 2013 e de 31 de Março de 2014, sendo as situações identificadas na primeira dessas cartas constantes da Petição Inicial (existindo, também, situações identificadas na Petição Inicial, entrada em juízo em 30 de Novembro de 2013, e nos documentos que dela fazem parte integrante que não constavam da carta de 25 de Setembro de 2013) e as da segunda as constantes do Articulado Superveniente;
C) O direito invocado pela Apelada de reparação de quaisquer dos (supostos) defeitos denunciados por esta caducou, uma vez que a totalidade da obra construída pela Apelante foi entregue por esta e recebida pela sociedade D…, Lda em 1 de Agosto de 2008;
D) Isto porque quando ocorreu a denúncia de alegados defeitos por parte da Apelada havia já decorrido o prazo de garantia da obra e, portanto, os 5 anos de prazo previsto no artº 1225º do Código Civil, dentro do qual têm que ser exercidos eventuais direitos relativamente a defeitos existentes num imóvel destinado a longa duração;
E) Não resulta do artº 1225º do Código Civil que os terceiros adquirentes tenham sobre os empreiteiros mais direitos do que os que os donos de obra têm sobre os mesmos empreiteiros, nem que os deveres do empreiteiro sejam mais do que aqueles que têm perante os donos de obra;
F) Os direitos que os adquirentes do imóvel ou das suas fracções autónomas e, no caso das partes comuns, do condomínio representado pela respectiva administração, serão exactamente aqueles que o vendedor/dono da obra detiver sobre o empreiteiro à data da transmissão das fracções ou da constituição do condomínio, se for este o caso.
G) Se nessa data o vendedor/dono da obra já não detiver nenhum direito sobre o empreiteiro, por maioria de razão os adquirentes do imóvel ou das suas fracções autónomas e, no caso das partes comuns, do condomínio representado pela respectiva administração não podem adquirir nenhum direito sobre o empreiteiro;
H) O artº 1225º do Código Civil não prevê a existência de mais prazos de garantia para além do prazo que já existia antes de ser alargado o seu âmbito de aplicação aos terceiros adquirentes dos imóveis, prazo esse que é, como já era, de cinco anos a contar da entrega da obra;
I) Com a actual redacção do artº 1225º do Código Civil continuou a existir um único prazo de garantia, o qual se conta desde a data da entrega da obra;
J) O empreiteiro entrega a obra ao dono da mesma, não a entrega, nem nenhuma parte da mesma, a quem porventura vier adquirir posteriormente o imóvel ou partes do mesmo em resultado de negócio que vier a celebrar com o dono da obra, não a entregando, em qualquer caso, à administração do condomínio no momento em que esta for constituída;
L) Ao contrário do que sucede quando o construtor e o vendedor são a mesma entidade, caso em que este entrega as fracções aos respectivos compradores e as partes comuns ao condomínio;
M) Estender o regime segundo o qual o prazo de garantia de um imóvel se conta desde o momento em que o construtor/vendedor o entrega a quem o adquire, ou desde o momento em que é constituída a propriedade horizontal ou a administração do condomínio, ao empreiteiro, quando este é uma entidade distinta do vendedor, seria totalmente contrário ao princípio da certeza e da segurança jurídica;
N) E seria uma solução que nem sequer resulta do teor do artº 1225º do Código Civil;
O) O Despacho Saneador violou, assim, o artº 1225º, do Código Civil.
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Devidamente notificada, a Autora contra-alegou concluindo pelo não provimento do recurso.
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Após os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, nsº 1 e 2, do C.P.Civil).
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No seguimento desta orientação é apenas uma a questão que vem posta no presente recurso:
a)- saber se está, ou não, verificada a excepção da caducidade invocada pela Ré apelada e que o tribunal recorrido julgou improcedente por provada.
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A)-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A matéria factual a ter em conta é que resulta do relatório supra e que aqui se dá por reproduzida para todos os legais efeitos e ainda a seguinte;
1º)- O Edifício …, foi construído pela Ré apelante (com excepção das partes indicadas no artº 23º da Contestação) para a sociedade D…, Lda, no âmbito da empreitada de “Construção de Edifício de Habitação, Escritórios, Comércios, Garagens e Serviços num Conjunto de Edifícios na Rua …, Lote ., …-Porto”(doc. nº 1 junto com a contestação);
2º)- A totalidade da referida obra foi entregue pela apelante à referida sociedade D…, Lda e, por esta recebida em 1 de Agosto de 2008 (auto de recepção junto com a contestação como doc. 2),
3º)- O Autor Condomínio enviou à Ré que as recebeu as cartas juntas aos autos datadas de 25 de Setembro de 2013 e de 31 de Março de 2014 onde enumera a existência de diversas situações no imóvel que considera defeitos;
4º)- A constituição do Condomínio Autor ocorreu em 10/04/2009, tendo a constituição da propriedade horizontal ocorrido em 05/02/2009 (docs. juntos a fls. 183 e ss. e fols. 188 e segs.);
5º)- A presente acção deu entrada no dia 01/12/2013.
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III- O DIREITO

Isto dito, analisemos então a única questão que vem posta no presente recurso e que consiste em

a)- saber se está, ou não, verificada a excepção da caducidade invocada pela Ré apelada e que o tribunal recorrido julgou improcedente por provada.

Em breves traços dir-se-á que o tribunal recorrido entendeu, seguindo, aliás, a orientação maioritária da jurisprudência, que o dies a quo do prazo de caducidade a que alude o artigo 1225.º, nº 1 do C.Civil, no que tange às partes comuns em termos dos respectivos condóminos adquirentes poderem exercer os direitos previstos nos artigos 1221.º e seguintes do mesmo diploma relativamente aos defeitos existentes nessas partes do edifício, é o do momento da constituição da administração do condomínio, já que é a partir de então que se procede à entrega da gestão dos interesses relativos às partes comuns aos compradores e a quem os represente, citando, aliás, o acórdão desta Relação de 10/02/2014 e do qual fomos relator.
Deste entendimento dissente a Ré recorrente.
Quid iuris?
Dúvidas não existem de que seria de acolher a tese sufragada pelo tribunal recorrido se, efectivamente, estivéssemos, no caso concreto, perante o mesmo recorte factual que esteve subjacente ao acórdão por nos relatado e citado na decisão recorrida.
Com efeito, o caso analisado no referido acórdão dizia respeito a uma situação em que o vendedor e o construtor do imóvel eram a mesma entidade, isto é, a ali Ré tinha actuado na sua dupla qualidade de empreiteira e vendedora do imóvel, sendo que, a essas situações são aplicáveis as disposições constantes dos artigos 1225.º/ss do Código Civil, mais concretamente do seu n.º 4, que confere ao adquirente do imóvel o prazo de um ano para denunciar os defeitos, a contar do respectivo conhecimento dos mesmos, mas subordinado ao seu exercício dentro do prazo geral de garantia de cinco anos, contados da data da entrega do imóvel.
Ora, quando assim é, embora sobre esta questão a orientação não seja unânime a nível jurisprudencial, a posição maioritária vai no sentido plasmado na decisão recorrida.
Efectivamente, há quem defenda que o prazo começa a contar na data da constituição da propriedade horizontal e da venda da primeira fracção.
Outros entendem que o prazo só se conta desde a data em que o construtor–vendedor alienou a última fracção.
Finalmente, há ainda os que sustentam que o prazo começa a correr quando é instituída a administração do condomínio, seja por iniciativa do construtor vendedor, seja por acção dos próprios condóminos.
Cremos, salvo outro e melhor entendimento, que a terceira das posições é a que melhor se ajusta à realidade da protecção do consumidor, e, designadamente, do comprador de imóveis destinados a habitação.
A primeira das soluções não é de acolher pela simples razão de que os actos de constituição da propriedade horizontal e de venda da primeira fracção não implicam, só por si, a entrega das partes comuns à administração do condomínio.
A segunda tese, parece-nos, não ser também sufragável, uma vez que tão grande retardamento implicaria um intolerável prolongamento do prazo de garantia enquanto o construtor/vendedor conservasse a propriedade de uma das fracções.
Portanto, por ser mais equilibrada a nossa concordância vai para a terceira posição cujo acolhimento vem sendo feita pelo nosso mais alto tribunal.[1]
Também Cura Mariano[2] sustenta que o que “é decisivo é a data em que o construtor /vendedor procedeu à transmissão dos poderes de administração das partes comuns, o que só pode suceder quando os condóminos constituírem a sua estrutura organizativa e, não se verificando um acto expresso dessa transmissão, então deverá a mesma considerar-se reportada ao momento em que a assembleia de condóminos eleger o administrador do condomínio. O construtor/vendedor das fracções de um prédio será sempre o primeiro administrador das partes comuns do edifício até ao momento da transferência dos poderes de administração das partes comuns para o condomínio.”
No mesmo sentido o acórdão de Ac. STJ de 06-06-2002 já citado na nota 1, refere: “O dies a quo para contagem do prazo de denúncia dos defeitos, uma vez que estes respeitam às partes comuns do prédio, só pode ser o do momento da constituição da administração do condomínio, ou seja, logo que o empreiteiro vendedor proceda á entrega da gestão dos interesses relativos às partes comuns aos compradores e a quem os represente. Na verdade, não seria aceitável que ele começasse a correr a partir da data da primeira escritura de compra de uma qualquer fracção. É que, porque se trata de defeitos nas partes comuns, para além de o primeiro comprador não estar em posição de imediatamente os conhecer, não seria justo penalizar os futuros condóminos pela eventual incúria de quem não tem legitimidade para os representar.”
Cremos, com efeito, que constituída a propriedade horizontal, o conteúdo do direito de propriedade até então existente sofre uma modificação simultaneamente quantitativa e qualitativa, já que o direito de propriedade exclusiva sobre cada uma das fracções faz-se acompanhar de um direito de compropriedade sobre as partes comuns do edifício; e o conjunto de ambos os direitos é incindível; por isso, nenhum deles pode ser alienado separadamente, nem a nenhum dos condóminos é lícito renunciar à parte comum como meio de se desonerar das despesas necessárias à sua conservação ou fruição (artigos 1420.º, nºs 1 e 2, do CCivil).
Diz-se a este respeito que cada condómino é titular de um direito real composto, resultante da fusão do direito de propriedade singular sobre a fracção que lhe pertence com o direito de compropriedade, paralelo, sobre as partes comuns; compropriedade que, ao contrário do que sucede na compropriedade "normal" ou típica, regulada nos artigos 1403.º e seguintes do CCivil, tem a particularidade de ser forçada, justamente porque não é possível sair da indivisão enquanto subsistir a propriedade horizontal.
É exactamente porque a propriedade horizontal apresenta esta especial configuração jurídica que a interpretação dos artºs 916.º, nº 2, e 1225.º, nº 1, atrás referida se mostra adequada, conduzindo ao resultado mais acertado.
Na verdade, se a entrega a que os dois textos legais fazem referência não fosse reportada, no que se refere às partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal, à realizada ao mais recente condómino, é manifesto que os futuros condóminos,-comproprietários, como todos os restantes, das referidas partes comuns-,seriam penalizados sem nenhuma razão plausível pela eventual incúria dos adquirentes primitivos na denúncia dos defeitos ali detectados.
Para além, disso semelhante solução frustraria o desiderato do legislador ao alargar os prazos de denúncia dos defeitos através das modificações introduzidas no Código Civil pelo DL 267/94, de 25/10: protecção do consumidor, e, designadamente, do comprador de imóveis destinados a habitação, o qual, num país com o nível de vida do nosso compromete nessa aquisição, dum modo geral, uma parte considerável do seu património, também por força das distorções existentes no mercado imobiliário.
Acresce que, o construtor/vendedor, por seu turno, ficaria praticamente livre de quaisquer responsabilidades relativamente a defeitos que fossem ocorrendo nas partes comuns do edifício, pois que, são raros os casos em que cinco anos bastem para vender a totalidade das fracções autónomas dum edifício em propriedade horizontal.
Importa, por outro lado sopesar que se trata aqui dos defeitos detectados nas partes comuns do edifício (as imperativamente comuns e as presuntivamente comuns-artigo 1421.º, nºs 1 e 2, do CC), ficando de fora, como é evidente, as partes privadas, as fracções propriamente ditas, não se justificando, em relação a estas, a interpretação das normas ajuizadas a que damos o nosso aval.
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Acontece que, no caso concreto a Ré não actuou na referida dupla qualidade de construtora e vendedora do imóvel em questão.
Com efeito, como decorrente da factualidade supra descrita, a Ré procedeu à construção do imóvel a pedido da sociedade D…, Lda, tendo para o efeito celebrado o respectivo contrato de empreitada (facto descrito em 1º da fundamentação factual).
Portanto, a Ré foi apenas a construtora do referido edifício.
Não está em causa a possibilidade teórica do condomínio, através da sua administração, exigir directamente do empreiteiro a reparação de defeitos de construção que existam num prédio construído por este, uma vez que essa possibilidade está consagrada expressamente na parte final do nº 1 do artigo 1225.º do Código Civil.
A questão que se coloca é qual o alcance dos direitos que os compradores das fracções autónomas de um edifício ou, no caso das partes comuns, a administração do condomínio, têm sobre o empreiteiro que construiu o edifício em questão e, mais concretamente, o prazo dentro do qual esses direitos podem ser exercidos.
E fora de dúvida que a actual redacção do artigo 1225.º do Código Civil introduzida pelo D.L. 267/94, acabou com a discussão que existia sobre se os terceiros adquirentes podiam, ou não, exercer direitos emergentes de defeitos nas construções directamente sobre os empreiteiros.
Todavia, da nova redacção do referido preceito, não resulta, por um lado, que os terceiros adquirentes tenham sobre os empreiteiros mais direitos daqueles que têm os donos de obra sobre estes e, por outro, que os deveres do empreiteiro tenham passado a ser mais do que aqueles que têm perante os donos de obra.
Conforme afirma Cura Mariano[3] a propósito do artigo 1225.º, nº 1 “Não estamos perante um caso de responsabilidade extracontratual por danos causados a terceiros, mas sim perante uma cessão de créditos resultantes da responsabilidade contratual imposta por lei” e porque o terceiro adquirente não interveio no contrato de empreitada não poderá, conforme explica o mesmo autor “utilizar todos os direitos conferidos ao dono da obra. O direito de redução do preço e de resolução só podem ser exercidos pelo dono da obra, uma vez que esse exercício tem repercussões no contrato de empreitada (modificação e extinção), pelo que só os seus intervenientes podem utilizá-los. Ao terceiro adquirente ficam reservados os direitos de eliminação dos defeitos, realização de obra nova e indemnização.”
Mas em que medida podem ser exercidos tais direitos?
Ora, configurando-se essa relação, na sua estrutura, idêntica a uma cedência de créditos, dúvidas não podem existir que o terceiro adquirente fica colocado na mesma posição que o dono da obra tinha perante o construtor.
Efectivamente, aquilo que adquiriu não foi nem mais nem menos do que aquilo que o cedente (dono da obra) tinha para lhe transmitir.
A cessão de créditos não tem, nem pode ter, a virtualidade de alterar para mais o crédito que é cedido nem o conteúdo dos direitos associados a esse crédito.
Ora, é isto mesmo que se passa no caso dos terceiros adquirentes de imóveis destinados a longa duração e, por maioria de razão, das administrações de condomínios desses imóveis, relativamente às partes comuns, no caso de imóveis construídos em regime de empreitada por alguém distinto do vendedor do imóvel.
Portanto, os direitos que os adquirentes do imóvel ou das suas fracções autónomas e, no caso das partes comuns, do condomínio representado pela respectiva administração, serão exactamente aqueles que o vendedor/dono da obra detiver sobre o empreiteiro à data da transmissão das fracções ou da constituição do condomínio, se for este o caso.
Se nessa data o vendedor/dono da obra já não detiver nenhum direito sobre o empreiteiro, por maioria de razão não poderá já ceder nenhum direito sobre esse empreiteiro aos adquirentes do imóvel, das fracções do mesmo ou ao condomínio.
Significa, portanto, que o artigo 1225.º do Código Civil não sua nova redacção, não prevê a existência de mais prazos de garantia para além do prazo que já existia antes de ser alargado o seu âmbito de aplicação aos terceiros adquirentes dos imóveis, prazo esse que é, como já era, de cinco anos a contar da entrega da obra.
Portanto, o prazo de caducidade de cinco anos previsto no citado artigo 1225.º, nº 1 conta-se desde o momento em que a obra foi entregue pela Ré ao respectivo dono, o mesmo é dizer, conforme provado, conta-se desde 1 de Agosto de 2008 (facto descrito em 2º da fundamentação factual).
É que, o empreiteiro entrega a obra ao dono da mesma, não a entrega a quem, porventura vier adquirir posteriormente o imóvel ou partes do mesmo, em resultado de negócio que vier a celebrar com o dono da obra, não a entregando, em qualquer caso, à administração do condomínio no momento em que esta for constituída, ao contrário do que sucede quando o construtor e o vendedor são a mesma entidade.
O empreiteiro, a quem foi contratada apenas a construção de um imóvel, não tem nenhuma intervenção nos negócios jurídicos através dos quais é transmitida a propriedade, ou qualquer outro direito real, das diversas partes que compõem esse imóvel.
A Ré é alheia ao primeiro acto de alienação de uma fracção autónoma feita pelo dono da obra ou à até mesmo à constituição da propriedade horizontal e constituição da administração do condomínio.
O prazo de caducidade de cinco anos corre sempre e só desde a entrega do prédio ao dono da obra por parte do construtor, sendo independente da circunstância de existir ou não existir alienação de uma fracção autónoma, constituição da propriedade horizontal e constituição da administração do condomínio.
Na verdade, esse prazo relaciona-se com o momento legal imposto para a verificação da obra pelo dono da obra, sendo prerrogativa que só a esse dono cabia, pelo que o Autor não podia ter substituído o dono naquela verificação (à data o autor nem sequer existia), mas nem por isso deixa de estar vinculado pela verificação que o artigo 1218.º do CCivil impõe ao dono da obra.
O que não podem é estar a decorrer prazos diferentes de caducidade para responsabilização do empreiteiro, um vigente para o dono da obra–contado desde a data em que lhe é entregue a obra–e outro vigente para o condomínio, contado desde a data em que foi constituída a administração do Condomínio Autor, pois que, se assim fosse, isso poderia conduzir a situações verdadeiramente intoleráveis, pois que, basta pensar na situação em que durante 10 anos o dono da obra não reclamou ao empreiteiro qualquer defeito de execução, e só constitui a propriedade horizontal nessa altura e a administração do condomínio só se constitui passado mais dois anos.[4]
Importa, não olvidar que o empreiteiro nem sequer sabe se o dono da obra pretende vender as partes que compõem o imóvel ou se o que pretende é rentabilizar o seu investimento através do arrendamento dessas partes.
A constituição do condomínio e a nomeação de administrador do condomínio são assuntos que só respeitam aos condóminos, sendo que, a Ré também é alheia à constituição efectiva ou não constituição do condomínio, tal como alheia é à eleição ou à não eleição de administrador do condomínio. Efectivamente, são questões que só respeitam aos comproprietários das zonas comuns.
Porém, o prazo de caducidade relativo à eliminação de defeitos não pode estar a aguardar pela efectiva constituição do condomínio e pela eleição do respectivo administrador.
O prazo de caducidade corre sempre, como já se assinalou, desde a data da entrega da obra ao respectivo dono, haja ou não haja condomínio constituído, haja ou não administração de condomínio.
Decorre do exposto que nos casos em que o construtor não actuou também na qualidade de vendedor do imóvel, o prazo de caducidade relativo à eliminação de defeitos nas partes comuns não aguarda pela efectiva constituição do condomínio e pela eleição do respectivo administrador, esse prazo começa a correr desde o momento em que o referido construtor entregou a obra ao respectivo dono.
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Diferente desta situação é aquela em que o construtor e o vendedor são a mesma entidade, caso em que este entrega as fracções aos respectivos compradores e as partes comuns ao condomínio.
Todavia, estender o regime segundo o qual o prazo de garantia de um imóvel se conta desde o momento em que o construtor/vendedor o entrega a quem o adquire, ou desde o momento em que é constituída a propriedade horizontal ou a administração do condomínio, ao empreiteiro, quando este é uma entidade distinta do vendedor, seria totalmente contrário ao princípio da certeza e da segurança jurídica e que, portanto, não sufragamos.
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Aqui chegados verifica-se que no dia da interposição da acção, 01/12/2013, já tinha decorrido o prazo de cinco anos desde da entrega da obra feita pela Ré recorrente ao respectivo dono-D…, Lda-que ocorreu, como supra referido, em 1 de Agosto de 2008 e, por isso, estava caduco o direito do Autor de pedir a eliminação dos referidos defeitos.
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Destarte, procedem, assim, todas as conclusões formuladas pela Ré apelante e, com elas, o respectivo recurso.
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IV-DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente por provada a apelação e, consequentemente, revogando a decisão recorrida, na procedência das invocadas excepções peremptória da caducidade, absolve-se a Ré do pedido (artigo 576.º, nºs 1 e 3 do CPCivil).
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Custas pelo Autor recorrido (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 20 de Junho de 2016.
Manuel Domingos Fernandes
Caimoto Jácome
Sousa Lameira
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[1] Cfr. Acs. do S.T.J. de 6-6-02 e de 21-4-05, disponíveis em www.dgsi.pt.
[2] In Responsabilidade Contratual do Empreiteiro, 3ª ed., pág. 212/215.
[3] Obra citada pag. 195.
[4] No mesmo sentido veja-se o Ac. desta Relação de 04/04/2013 in www.dgsi.pt.