Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
30539/18.5YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: COMPRA E VENDA COMERCIAL
DEFEITOS OCULTOS
CADUCIDADE DO DIREITO
Nº do Documento: RP2020102230539/18.5YIPRT.P1
Data do Acordão: 10/22/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Para efeito de aplicação do art.º 471º do Código Comercial --- caducidade do direito de denunciar os defeitos ---, se o comprador comerciante verifica (examina) e aceita, no ato próprio de entrega, os produtos que adquire ao vendedor, tem-se o contrato como concluído e perfeito, a não ser que alegue e prove que não era possível, em cada ato de entrega, detetar vícios ou defeitos ocultos que só mais tarde seriam descobertos sendo eles os que efetivamente se verificaram, ou seja uma relação causal entre os defeitos que posteriormente foram detetados na fruta que adquiriu e um estado viciado preexistente à entrega, mas não verificável naquele ato. Neste caso, dispõe o comprador do prazo de 8 dias a contar da data em que teve ou, razoavelmente, poderia ter tido conhecimento dos defeitos para os denunciar.
II - Ao não provar que a fruta foi fornecida já defeituosa, ainda que se tratasse de um defeito oculto, só mais tarde demonstrável, a R. não está a demonstrar, como lhe compete, que a A. não cumpriu a sua obrigação. Só mediante esta demonstração, estaria a A. adstrita ao dever de ilidir a presunção da sua culpa a que se refere o art.º 799º, nº 1, do Código Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 30.539/18.5YIPRT.P1 (apelação)
Comarca do Porto Este – Juízo de Competência Genérica de Baião

Relator: Filipe Caroço
Adj. Desemb. Judite Pires
Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I.
B…, com sede na Rua …, nº .., …, Baião, instaurou procedimento de injunção contra C…, LDA., com sede na Rua …, nº …., …, que, na sequência da oposição apresentada, foi convertido em ação declarativa comum, pela qual aquela associação alegou essencialmente que, no exercício da sua atividade, forneceu e faturou à R. produtos do seu comércio (mirtilos biológicos), que esta os recebeu sem qualquer reclamação e não pagou no respetivo vencimento, nem posteriormente, apesar de várias interpelações para o efeito, estando em dívida o valor de €34.129,88, a que acrescem juros vencidos na quantia de €1.320,59 e vincendos.
Pretende assim a condenação da R. a “pagar à Autora a quantia de 34.129,88€, acrescida de juros de mora à taxa legal para as operações comerciais, contabilizando-se os vencidos até ao momento em 1.320,59€ e os vincendos até efectivo e integral pagamento”.

A R. ofereceu contestação impugnando grande parte dos fundamentos da petição inicial e alegou que os produtos adquiridos à A. apresentaram graves problemas de qualidade e impropriedade para consumo, conforme reclamação pelo (novo) adquirente a quem os revendeu, daí resultando para ela graves prejuízos:
- Emitiu notas de crédito num valor de €16.164,50 a favor do seu cliente;
- Efetuou acertos de fornecimento com dedução em faturação num total de €6.330,50;
- Suportou custos de embalagens que a A. usufruiu e ainda não pagou à R., no valor de €3.472,95;
- Sofreu danos não patrimoniais causados com a diminuição de procura e concretização de novas encomendas por parte do mesmo cliente estrangeiro, reduzindo-se a sua faturação mensal em cerca de 30%, o que causou transtornos económicos e financeiros, no valor de €11.556,00.
Acrescenta que não são devidas as quantias tituladas nas faturas, por incumprimento do contrato imputável à A.
Com efeito, deduziu reconvenção pela qual alega:
- Ter deixado de auferir, por causa dos defeitos detetados nos produtos da A., a quantia de €22.495,00, não cobrada ao seu cliente;
- Ter efetuado e faturado um fornecimento de embalagens à A. que esta recebeu sem reclamação e ainda não lhe pagou, sendo o preço de €3.472,95.
Faz culminar o seu articulado nos seguintes termos:
«(…) ser a Ré absolvida do pedido.
(…) ser a Autora/Reconvinda condenada:
a. A anular as suas faturas, abusivamente, emitidas em nome da “C…, Lda” com os n.ºs 60, 80, 86, 87 e 154.
b. A pagar à Reconvinte a quantia de 37.523,95€, assim discriminada:
(i) 22.495,00€ (…) no que respeita a compensação em facturas e notas de crédito emitidas pela Reconvinte em consequência do perecimento do produto;
(ii) 3.472,95€ (…) respeitantes a facturas (de embalagens fornecidas à Reconvinda) vencidas e não pagas pela Reconvinda, a que se somará os juros de mora devidos à taxa comercial em vigor, desde a data do seu vencimento até integral pagamento e que perfazem, à data, o valor total de 212,47€ (…) a que acrescem os juros vincendos;
(iii) 11.556,00€ (…) nos termos do vertido em 36.º
(iv) Ser a Reconvinda condenada a pagar custas de parte.» (sic)

A A. replicou impugnando a matéria da contestação e da reconvenção, alegando que toda a fruta que entregou à R. foi objeto de controlo à entrada, nas suas instalações, sendo ali admitida ou rejeitada. A fruta aqui em causa foi aceite e estava em boas condições; o que a A. não consegue é controlar o armazenamento que a R. faz da fruta até à sua saída para os seus clientes, nem sabe em que condições foi efetuado o seu transporte.
A A. não pode ser responsabilizada pelas perdas da R.
Reconhece que é devedora do preço das embalagens que a R. alega ter-lhe fornecido.
O tribunal dispensou a realização a audiência prévia, proferiu despacho saneador tabelar e pronunciou-se sobre os meios de prova, tendo também calendarizado a realização da audiência final que veio a realizar-se posteriormente, em três sessões, com produção de provas e alegações orais produzidas pelas partes.
Foi depois proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo, ipsis verbis:
«Pelo exposto e ao abrigo das disposições legais citadas:
A) julgo a presente ação totalmente procedente, por provada, e, em consequência:
a) Condeno a Ré C…, Lda., a pagar à Autora A B…, a quantia de €34.129,88 (trinta e quatro mil cento e vinte e nove euros e oitenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa comercial devida nas transações comerciais de 8%, calculados desde a data de emissão/vencimento das faturas peticionada e melhor descritas em 3) dos fatos provados até efetivo e integral pagamento.
B) julgo a reconvenção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência:
a) Condeno a Autora A B…, a pagar à Ré C…, Lda., a quantia de €3.472,95 (três mil quatrocentos e setenta e dois euros e noventa e cinco cêntimos) acrescida de juros de mora, à taxa comercial devida nas transações comerciais de 8%, calculados desde a data de emissão/vencimento das faturas peticionada e melhor descritas em 8) dos fatos provados até efetivo e integral pagamento.
b) Do demais peticionado, absolvo a Autora.
As custas são devidas pela Ré e Autora, na proporção dos respetivos decaimentos, nos termos do nº 1 e 2 do artigo 527º do Código de Processo Civil.»
*
Da sentença, recorreu a R., vencida na matéria da ação, formulando as seguintes conclusões:
«A) Nos presentes autos veio a Autora peticionar a condenação da Recorrente no pagamento da quantia de €34.129,88 correspondendo tal quantia ao fornecimento de mirtilos á Recorrente entre os meses de maio e Junho de 2017.
B) Em sede de Oposição a Recorrente defendeu-se com o cumprimento defeituoso do contrato de fornecimento por parte da Autora e peticionou ainda, em reconvenção, a condenação da Autora ao pagamento de embalagens nas faturas que discrimina.
C) Após produção de prova, veio o tribunal a quo julgar a ação totalmente procedente e a reconvenção parcialmente procedente, tendo condenado a Recorrente ao pagamento das faturas peticionadas pela Autora no valor total de €34.129,88 e condenado a Autora ao pagamento das faturas peticionadas em sede de reconvenção no valor total de €3.472,95.
D) O tribunal a quo julgou como não provados os factos que a Recorrente elencou constitutivos do cumprimento defeituoso do contrato de fornecimento de mirtilos e julgou provado que a Recorrente efetuou um controlo de qualidade dos mirtilos fornecidos pela Autora.
E) Face à prova produzida nos autos, nomeadamente testemunhal e documental, mal andou o tribunal a quo em decidir da forma como fez.
F) A sentença recorrida revela até algumas contradições entre na apreciação da matéria de facto.
G) O presente recurso versa, sobre a decisão do tribunal a quo quanto à matéria de facto, a qual é objeto de impugnação e também sobre a apreciação que o tribunal a quo efetuou sobre a matéria de direito.
H) Os factos elencados sob as alíneas a), b), c), d), f), g), h), i) do elenco dos factos dados como não provados devem ser dados como provados.
I) Como fundamento para a alteração pretendida à alínea a) atente-se no depoimento do legal representante da Recorrente o qual, não obstante ter interesse na causa, a meritíssima juíza a quo conferiu credibilidade.
J) Do depoimento do legal representante da Recorrente resulta, de forma absolutamente inequívoca, que o controlo final dos mirtilos era efetuado pelo seu cliente com sede em Espanha em virtude de os mirtilos serem enviados para o cliente D… a granel, nas mesmas caixas que chegavam da Autora para esse efeito.
K) O depoente utilizou no seu depoimento uma comparação com “batatas” para evidenciar ao tribunal que os mirtilos destinados a serem enviados a granel para o seu cliente não poderiam ser remexidos pela Recorrente por serem um fruto sensível e que era no cliente D… que o controlo completo da qualidade do mirtilo, nomeadamente, da calibragem e podridão era efetuado.
L) O legal representante da Ré e a testemunha E… explicaram em sede de audiência de julgamento que só para mirtilos destinados ao mercado nacional é que o controlo de qualidade era efetivo e completo por só com o embalamento ser possível ver todo o mirtilo fornecido e utilizavam um “tapete rolante” para o efeito.
M) O legal representante da Ré como as testemunhas E… e F… explicaram em sede de julgamento que nos produtos recebidos a granel – e que eram assim enviados para o mercado internacional, nomeadamente para o cliente D… – a recorrente fazia tão só um controlo por amostragem dos mirtilos, controlo esse efetuado, maioritariamente, de forma visual.
N) A testemunha G… referiu ainda que quando entregava os mirtilos a granel a Recorrente efetuava um controlo à vista, e um funcionário passava a mão, ao de leve, na parte de cima das caixas fornecidas a granel.
O) Também a testemunha E… afirmou no seu depoimento que só no momento do embalamento é que a Recorrente fazia um controlo de qualidade exigente e cabal dos mirtilos fornecidos pela Autora, controlo esse que a Recorrente fazia para mirtilos que embalava, mas que nos mirtilos que não embalava e que vendiam a granel o controlo de qualidade era sempre feito pelo cliente da Recorrente.
P) Considera a Recorrente que a verificação de qualidade por amostragem não pode considerar-se como suficiente para dar como provado que a Ré recebeu, verificou e aceitou os produtos fornecidos.
Q) Pelo que deve ser dado como não provado a alínea 5) do elenco dos factos dados como provados.
R) A testemunha E… afirmou ainda que a Autora sabia quando é que a Recorrente não fazia o embalamento do mirtilo e, como tal, não controlava efetivamente a qualidade do mirtilo, porque as encomendas de mirtilo que a Recorrente efetuava à Autora sempre especificaram o tipo de encomendas que a Recorrente tinha, com “pedidos em cuvetes ou a granel”.
S) Por sua vez, o legal representante da Ré afirmou que tinham existido reuniões com a Autora para a preparação da campanha onde era até elaborado uma espécie de caderno com deveres, como é prática na Ré e que a testemunha E… era quem estabelecia contacto diário com a Autora, seja para encomendas de mirtilos seja para dar conta de reclamações.
T) A testemunha H… confirmou a existência de reunião de preparação da campanha.
U) Não pode assim deixar se dar como provado que a Autora sabia que a verificação de qualidade (efetiva) do mirtilo era efetuada pelo cliente final da Ré em produtos fornecidos a granel.
V) Pelo que deve ser dado como provado as alíneas a) e c) do elenco dos factos dados como não provados.
W) Deve ainda ser dado como provado que os produtos/mirtilos fornecidos pela Autora nas datas indicadas na alínea b) do elenco de factos dados como não provados encontravam-se perecidos e apresentavam graves defeitos de qualidade.
X) A meritíssima juíza a quo deu como provado que as condições de apanha e recolha dos mirtilos que a Recorrente alegou são as exigíveis para que o fruto apresente boas condições para ser comercializado, nomeadamente:
a. ser colhido antes de manhã cedo, antes do dia aquecer;
b. ser colocado numa câmara de frio com boas condições de refrigeração;
c. ser colocado até duas horas após a sua apanha numa câmara de frio.
Y) A Recorrente fundamenta para a pretendida alteração a conjugação dos trechos de depoimentos das testemunhas H…, G…, F…, E… e dos legais representantes da Recorrente e Recorrida bem como da prova documental existente.
Z) A testemunha H… afirmou no seu depoimento que pese embora saber que os produtores associados da Autora não tinham zonas refrigeradas para acomodar os mirtilos enquanto não fossem recolhidos por uma carrinha refrigerada da Autora não teve a preocupação de coordenar a recolha dos mirtilos com a data efetiva da sua colheita, até por uma questão de custos já que afirmou não poder a Autora recolher os mirtilos aos ziguezagues e sabia que existiam produtores que podiam colher no final da tarde do dia anterior.
AA) A mesma testemunha H… bem como a testemunha G… afirmaram que também por uma questão de custos a Recorrente era sempre a primeira cliente da Autora a receber os mirtilos, mirtilos esses que se encontravam na parte de trás da carrinha, junto à porta, correspondentes aos últimos mirtilos recolhidos junto dos produtores.
BB) A testemunha G… afirmou que era hábito entregar mirtilos na Ré por volta das 12 h e a testemunha F… afirmou que a carrinha da Autora chegou a entregar mirtilos já durante a tarde, mais concretamente entre as 15h e as 16h.
CC) Também o legal representante da Autora no seu depoimento acima transcrito afirmou que pelo menos por duas vezes entregou mirtilos nas instalações da Recorrente em carrinha não refrigerada.
DD) Da conjugação dos meios de prova acima referidos resulta inequivocamente que a Recorrente era a cliente da Autora que recebia sempre os mirtilos que tinham sido recolhidos em último lugar nas propriedades dos produtores e, como tal, recebia mirtilos que tinham permanecido mais tempo acomodados em local não refrigerado, num mês que a meritíssima juíza a quo considerou, de acordo com o relatório do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, de altas temperaturas.
EE) A meritíssima juíza a quo deu como provado que a Ré tinha um controlo assertivo quanto ao fornecedor do mirtilo pelo que identificava por rubricas os produtos que tinham defeito.
FF) Da prova documental junta aos autos, nomeadamente, das guias de transportes dos mirtilos enviados pela Recorrente ao seu cliente D… bem como as notas de crédito emitidas ao mesmo cliente resulta inequívoco que os lotes onde se verificaram a presença de defeitos nos mirtilos foram, no que respeita ao lote de fls 36 e 36 verso exclusivamente oriundos da Autora e, no que respeita ao lote indicado a fls 48 e 46 verso maioritariamente da proveniência da Autora.
GG) Face ao exposto, devem as alíneas b) e i) do elenco de factos dados como não provados ser dadas como provadas.
HH) Deve ainda ser dado como provado que a Recorrente apresentou reclamações por via telefone à Autora logo que recebeu por parte dos seus clientes as reclamações de que o mirtilo fornecido apresentava defeitos e que a Autora garantiu/prometeu à Recorrente que iria melhorar a qualidade do mirtilo a ser entregue.
II) Como fundamento para a alteração pretendida, atente-se nos depoimentos das testemunhas E…, H… e F… bem com nos depoimentos dos legais Representantes da Recorrente e da Autora e nas trocas de correspondência eletrónica a fls 48 verso e seguintes.
JJ) O legal representante da Recorrente afirmou que as reclamações à Autora foram efetuadas por email e por telefone pela testemunha E…, que era quem, da parte da Ré, contactava diretamente com a testemunha H…/Autora.
KK) A testemunha F… afirmou que à data do fornecimento em causa as reclamações seriam efetuadas por telefone porque era a prática que assistia na Recorrente.
LL) Também nos emails de fls 48 verso e seguintes, resulta inequivocamente que entre as testemunhas E… e H… tinha existido conversas sobre as reclamações de produto que a Recorrente estava a receber do parte do cliente D… de mirtilo oriundo da Autora e que tais conversas resumiam-se também na necessidade da Autora melhorar a qualidade do fruto.
MM) O legal representante da Autora afirmou ainda no seu depoimento que a testemunha H… lhe terá ligado a dizer que a Recorrente queixou-se de fruto não conforme e que tal teria o objetivo de alertar os produtores para melhorarem a qualidade do fruto.
NN) Da concatenação crítica de depoimentos acima referidos não pode deixar de ser entendido que não só a Autora percebeu que a Recorrente estava a fazer reclamações do produto/mirtilo, ainda durante a época de fornecimento e que entendeu como reclamação as comunicações da Ré/Recorrente razão pela qual terá contactado também os seus produtores sobre tais reclamações.
OO) Razão pela qual deve dar-se como provado que a Recorrente contactou a Autora por via telefónica assim que recebia reclamações de mirtilo fornecido pela Autora e que em consequência a Autora, ciente da reclamação da Ré/Recorrente, garantia-lhe que iria melhorar a qualidade do fruto, pelo que deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto dando-se como provadas as alíneas f) e g) do elenco de factos dados como provados.
PP) Resulta ainda da prova documental junta aos autos, nomeadamente da troca de correspondência via email entre Autora e Ré bem como da carta de interpelação junta como Doc. N.º 9 da Oposição – fls 64 verso dos autos – que a comunicação pela Recorrente à Autora das reclamações que recebia dos seus clientes bem como a carta de interpelação dirigida por mandatário (poucos dias antes da Autora intentar procedimento injuntivo contra a Recorrente) destinavam-se a que a Autora tomasse em consideração nas respetivas faturas as reclamações recebidas e, uma vez emitidas, procedesse a Autora à devida retificação.
QQ) Pelo que deve ser dada como provada a alínea h) do elenco dos factos dados como não provados.
RR) Deve ser alterada a decisão quanto à matéria de facto no sentido de ser dada como não provada a alínea 5) do elenco de factos dados como provados e serem dadas como provadas as alíneas a), b), c), f), g), h) e i) do elenco de factos dados como não provados.
SS) No que respeita à matéria de direito, deve a mesma ser alterada no sentido de ser considerado que a Autora cumpriu defeituosamente o contrato de venda de mirtilos que celebrou com a Recorrente e ser entendido que a Ré apresentou as reclamações do produto tempestivamente à Autora.
TT) Pugnando-se pelo entendimento de que o prazo previsto no artigo 471.º do Código Comercial não se aplica à indemnização por interesse contratual positivo.
UU) A Recorrente peticionou em reconvenção que a Autora fosse condenada a emitir notas de créditos correspondentes ao preço dos mirtilos que faturou mas que se encontravam perecidos.
VV) A emissão de notas de crédito correspondentes a faturas emitidas de mirtilos que se vieram a verificar como perecidos visa evitar que a Autora cobre à Ré esses mirtilos que não puderam ser comercializados.
WW) Tal como preconiza o Tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão de 02 de outubro de 2008, no âmbito do processo 1506/08-2 há que fazer a devida diferenciação entre a indemnização pelo interesse contratual negativo e a indemnização pelo interesse contratual positivo já que quanto a este vigora o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos.
XX) Deve ser entendido que a Recorrente apresentou tempestivamente à Autora as reclamações do mirtilo com vista a ser compensada pelos prejuízos diretos que teve com o fornecimento de mirtilo perecido devendo por isso a Recorrida/Autora emitir notas de crédito correspondente aos mirtilos que não foram comercializados.» (sic)
Manifesta pretender que se “julgue improcedente o pedido de condenação da Ré no pagamento das faturas que a Autora /Recorrida peticionou nos presentes autos, e julgue procedente o pedido reconvencional de condenação da Autora/recorrida na emissão de documentos idóneos de anulação de faturas/emissão de notas de crédito correspondentes aos mirtilos fornecidos pela Autora e que se encontravam perecidos, mantendo-se a condenação da Autora /recorrida no pagamento à Ré/Recorrente da quantia de €3.472,95 acrescida de juros de mora”.

Não foram oferecidas contra-alegações.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II.
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do ato recorrido e não sobre matéria nova, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, do Código de Processo Civil).
Cumpre-nos averiguar:
1. Da existência de erro de julgamento em matéria de facto;
2. A tempestividade das reclamações apresentadas pela R. à A., a aplicação do art.º 471º do Código Comercial e o cumprimento defeituoso do contrato;
3. A caducidade do contrato e a indemnização por interesse contratual positivo da reconvinte.
*
III.
São os seguintes os factos dados como provados na 1ª instância[1]:
1) A Autora é uma associação que reúne produtos /mirtilos de diversos produtores locais, seus associados e exerce a atividade de comercialização de pequenos frutos, em especial mirtilos.
2) A Ré é uma sociedade cujo objeto é a preparação e comercialização de produtos agroalimentares.
3) No exercício da sua atividade, a Autora, depois de contactada pela Ré, forneceu à Ré, os seguintes produtos do seu comércio:
1-) 1.566kg de Mirtilo Biológico ao preço de 4,00€/kg, no valor de €6.264,00, no valor total de €6.639,84 a que corresponde a FT2017/.. de 21/07/2017;
2-) 1.422KG de Mirtilo Biológico, ao preço de 3,5€/Kg, no valor total de €5.275,62 a que corresponde a FT 2018/.. de 07/08/2017;
3-) 2.601KG de Mirtilo Biológico, ao preço de 3,5€/Kg, no valor total de €9.649,71 e a que corresponde a FT 2017/.. de 30/08/2017;
4-) 2.460KG de Mirtilo Biológico, ao preço de 4,00€/Kg, no valor total de € 10.430,40 a que corresponde a FT 2017/.. de 30/08/2017;
5-) 368KG de Mirtilo Biológico, ao preço de 4,00€/Kg no valor de €1.472,00 e 95Kg de Mirtilo Biológico ao preço de 5,70/Kg, no valor total de €2.134,31 e a que corresponde a FT 2017/… de 30/08/2017.
4) Os quais, destinando-se a ser comercializados pela Ré para um cliente seu, com sede em Espanha, não era do conhecimento da Autora.
5) Os mirtilos faturados foram entregues pela Autora à Ré, que os recebeu, verificou e aceitou sem reclamações.
6) As condições de pagamento acordadas entre as partes, foram no sentido das faturas supra referidas, serem pagas a pronto pagamento.
7) Apesar de, por diversas vezes interpelada para efetuar o pagamento, até ao momento a Ré ainda não efetuou o pagamento das faturas em causa.
8) No âmbito das relações comerciais entre Autora e Ré, a Ré efetuava, a pedido da Autora, o fornecimento à Autora de embalagens nas quantidades e preços discriminados nas faturas 2304, 2305, 2306, 2307, 2308, 2309, 2310, 2311, 2312, 2313, 2314, 2315, 2316, 2317, 2318, todas emitidas a 12.07.2017 e com vencimento a 11.08.2017, que totalizam a quantia ainda em dívida de €3.472,95.
9) Não tendo a Autora, relativamente às referidas embalagens ora por si recebidas, apresentado qualquer reclamação, aceitando as mesmas como estando conformes ao uso a que se destinam e não as devolveu.
10) E interpelada para o pagamento das mencionadas faturas, não procedeu ao mesmo.
11) Foi tempestivamente exposto à Autora pela Ré que assegurasse junto dos produtores locais cujos mirtilos o tratamento adequado à colheita do fruto, conservação e transporte dos mirtilos, evitando assim perdas de qualidade.
12) O produto “mirtilo” para se apresentar em boas condições implica, entre outras:
a) ser apanhado muito cedo, antes do dia aquecer;
b) chegar no máximo após duas horas da sua apanha a uma câmara de frio com boas condições de refrigeração;
c) ser acomodado em frio com uma temperatura entre os 0 e os 2 graus.
13) Quando tais condições não são plenamente cumpridas, o produto /mirtilos aparenta durante aproximadamente 48h boas condições, mas perece com mais rapidez.
14) No mês de Junho de 2017 houve subida das temperaturas.
15) A Ré tem um controlo assertivo quanto ao produtor/fornecedor do bem /mirtilo e sua colocação para transporte internacional, pelo que ao entregar ao seu cliente este identifica por rubricas quais os produtos que têm defeito.
16) A Ré emitiu notas de crédito à D… num valor de 16.164,50€ (dezasseis mil cento e sessenta e quatro euros e cinquenta cêntimos).
17) A Ré apresentou à Autora as reclamações constantes dos emails de dias 8 e 14 de Junho e 11 de Julho relativamente às desconformidades do produto “mirtilo” fornecido pela Autora (falta de peso e fruto esmagado devido a caixas mal acondicionadas) relativamente aos fornecimentos de mirtilo dos dias 8 e 13 de Junho e 10 de Julho e, no da 17 de Junho, é referido queixas dos seus clientes internacionais relativamente a algum do produto fornecido pela Autora, designadamente pouca rigidez do mirtilo fornecido pela Autora e referindo aguardar relatório dos clientes para depois passar à Autora.
*
O tribunal recorrido deu como não provada a seguinte materialidade[2]:
a) Foi dado a conhecer à Autora que o produto teria como destino final um cliente da Ré e que o controlo de qualidade dos mirtilos ora fornecidos pela Autora à Ré passaria sempre por este último.
b) Os produtos que foram fornecidos pela Autora nas datas de: 20 de Maio a 8 de junho, 09 de Junho a 14 de Junho, 15 e 16 de Junho, 17 a 19 de Junho e 19 a 21 de Junho, apresentaram graves problemas de qualidade, nomeadamente encontrando-se perecidos e impróprios para consumo.
c) O controlo de qualidade efetuado pelo cliente estrangeiro da aqui Ré é / foi tempestivo e fiel às condições de consistência do mirtilo.
d) A Ré, sofreu danos pela imagem negativa e de falta de confiança no seu produto transmitido ao seu parceiro internacional, ou seja, ao cliente estrangeiro a quem a Ré forneceu – mas não pôde cobrar – os mirtilos que a Autora lhe entregou, por se tratar de frutos perecidos, sem a qualidade exigida.
e) A faturação da Ré desceu cerca de 30% face à falta de confiança que o cliente estrangeiro da acabou por manifestar.
f) Assim que a Ré foi alertada pelo seu cliente do problema do produto/mirtilo, interpelou a Autora por via telefónica, informando que o produto estava a ter problemas e que teriam de rever o fornecimento.
g) A pedido da Autora, e com a promessa de que tal não se iria repetir, as encomendas e fornecimentos mantiveram-se, tendo piorado a qualidade a cada dia que passava, bem como as reclamações por parte do cliente da Ré.
h) A falta de retificação da faturação referida em 2), culminou na rejeição de cada uma das mencionadas faturas.
i) A Autora omitiu, da sua inteira e exclusiva responsabilidade, as condições de apanha do fruto / mirtilo e sua manutenção / conservação / acondicionamento.
*
IV.
Conhecendo…
1. Da existência de erro de julgamento em matéria de facto
O recorrente deu cumprimento ao ónus de impugnação previsto no art.º 640º, nº 1, al.s a), b) e c) e nº 2, al. a), do Código de Processo Civil.
Defende que as al.s a), b), c), f), g, h) e i) da matéria dada pelo tribunal como não provada, acima transcrita, deveriam ter sido --- e devem agora ser --- dadas como provadas.[3]
O ponto 5) deve ser dado como não provado, paralelamente à prova das referidas al.s a) e c).
Para prova da matéria das al.s a) e c), indica o depoimento do representante legal da R. e o depoimento das testemunhas E…, F…, G… e H…. Com base nas mesmas provas, sustenta que deve ser dado como não provada a matéria do ponto 5 dos factos provados.

Para prova das al.s b) e i), indica a recorrente os depoimentos das testemunhas H…, G…, F…, E… e dos legais representantes da recorrente e da recorrida bem como da prova documental existente, designadamente as guias de transporte tos mirtilos enviados pela Recorrente ao seu cliente Bionest e notas de crédito emitidas ao mesmo cliente.
Para demonstrar a matéria das al.s f) e g) indica a recorrente as prestações de E…, H… e F…, os depoimentos de parte dos legais Representantes da recorrente e da A., bem como a troca de correspondência eletrónica a fl.s 48 verso e seguintes.
Para prova da al. h), a R. aponta para a troca de correspondência via email entre A. e R., a carta de interpelação junta como doc. nº 9 da oposição (fl.s 64 verso dos autos), a comunicação pela recorrente à A. das reclamações que recebia dos seus clientes, bem como a carta de interpelação dirigida por mandatário, poucos dias antes da A. intentar procedimento injuntivo contra a recorrente.

Entende-se atualmente, de uma forma que se vinha já generalizando nos tribunais superiores, hoje largamente acolhida no art.º 662º do Código de Processo Civil, que no seu julgamento, a Relação, enquanto tribunal de instância, usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (art.º 655º do anterior Código de Processo Civil e art.º 607º, nº 5, do novo Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efetivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efetiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece.
Como refere A. Abrantes Geraldes[4], “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”… “afastando definitivamente o argumento de que a modificação da decisão da matéria de facto deveria ser reservada para casos de erro manifesto” ou de que “não é permitido à Relação contrariar o juízo formulado pela 1ª instância relativamente a meios de prova que foram objecto de livre apreciação”, acrescentando que este tribunal “deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem”.
Importa, pois, por regra, reexaminar as provas indicadas pelo recorrente e, se necessário, outras provas, maxime as indicadas pelo recorrido nas contra-alegações (aqui inexistentes) e as referenciadas na fundamentação da decisão em matéria de facto e que, deste modo, serviram para formar a convicção do Ex.mo Julgador, em ordem a manter ou a alterar a referida materialidade, exercendo-se um controlo efetivo dessa decisão e evitando, na medida do possível, a anulação do julgamento, antes corrigindo, por substituição, se necessário, a decisão em matéria de facto.
Ensina Vaz Serra[5] que “as provas não têm forçosamente que criar no espírito do juiz uma absoluta certeza acerca dos factos a provar, certeza essa que seria impossível ou geralmente impossível: o que elas devem é determinar um grau de probabilidade tão elevado que baste para as necessidades da vida”. É a afirmação da corrente probabilística, seguida pela maior parte da doutrina que, opondo-se à corrente dogmática, considera não exigível mais do que um elevado grau de probabilidade para que se considere provado o facto. Mas terá que haver sempre um grau de convicção indispensável e suficiente que justifique a decisão, que não pode ser, de modo algum, arbitrária, funcionando aquela justificação (fundamentação) como base de compreensão do processo lógico e convincente da sua formação.
Dadas as caraterísticas do litígio, só a audição completa dos depoimentos e declarações de parte produzidos e dos depoimentos testemunhais indicados como relevantes pela recorrente e pelo tribunal permitirá percecionar a razão de ciência de cada depoente relativamente a cada facto, prevenindo a sua descontextualização e viabilizando a melhor apreensão do conhecimento de cada um com vista à sua conjugação crítica com as demais provas produzidas no processo, designadamente a prova documental, em ordem a um controlo autêntico, mais realista e mais seguro, sobre a decisão recorrida.
Vejamos então!
No essencial, as testemunhas inquiridas em audiência relacionaram-se com os factos a que depuseram, por os terem praticado, por os terem observado ou por se encontrarem numa situação funcional determinante do seu conhecimento.
Foi claramente evidenciado pelos legais representantes das partes e pelas testemunhas, sem controvérsia assinalável, que o mirtilo é um fruto frágil, de fácil perecimento caso não passe por condições normativas de produção, colheita, armazenamento e transporte, para consumo rápido, como sejam tratamentos fitossanitários, apanha ou colheita com tempo fresco, transporte e armazenamento imediatos e com frio regulado e progressivo, desde a apanha até atingir uma temperatura mínima de conservação próxima dos 2º C. Ficou também muito claro na produção de prova que a variação de temperatura de conservação dos mirtilos em sentido inverso, ou seja, com aquecimento após refrigeração, conduz a uma rapidíssima degradação do fruto e ao seu apodrecimento, mesmo que volte a ser submetido a novo arrefecimento; assim, porque se produz condensação, o fruto, ao aquecer, fica molhado, com humidade excessiva.
A grande questão discutida em audiência, por corresponder à essência da matéria de facto controvertida, foi descortinar a causa da degradação dos mirtilos fornecidos pela A. à R. na campanha de 2017, entre maio e julho. O que falhou? Quem falhou?
Foram os produtores (eram cerca de 20 os associados/produtores da A.) que forneceram os produtos em causa que não souberam proteger a cultura do mirtilo contra a “mosca” e a fruta foi picada, entrando, por isso, em franca degradação/apodrecimento? Se assim foi, quando é que esse facto poderia ser constatado?
Foram os produtores que apanharam o fruto pelas horas do calor e não o armazenaram devidamente, em lugar fresco, até que fosse recolhido pelo furgão frigorífico da A.?
Foi a A. que recolheu e transportou o fruto, em cada dia, a horas de calor e sem ligar o sistema de refrigeração do furgão que alugava para efetuar o transporte?
Foi a A. que se atrasou na entrega do mirtilo nas instalações da R., chegando ali tal produto já com problemas evidentes ou ocultos?
Ou,
Foi a R. que não soube fazer uma triagem correta aos produtos que ia recebendo da A. no cais das instalações da sua empresa, chegando eles já degradados?
Foi a R. que não conservou regularmente o mirtilo, no frio, depois e o ter rececionado e aceitado e até que o destinou ao mercado nacional e internacional?
Foi a R. que se atrasou na saída desses produtos das suas instalações permitindo que ali se degradasse e, não obstante, vendeu-o e expediu-o aos seus clientes, no caso, para a D…, em Huelva, Espanha?
Qual é o tempo de conservação do mirtilo que garanta a sua qualidade? De que depende essa garantia?
Afinal, porquê que os mirtilos estavam parcialmente degradados, de várias formas, quando foram rececionados pela D…?
Note-se desde já que a reclamação da D… incidiu sobre fornecimentos/cargas que incluíram mirtilo também fornecidos por entidades diferentes da A. e que os defeitos terão sido observados relativamente a esse mais vasto conjunto de produtos. Isto mesmo se observa na análise dos documentos oferecidos pela própria R. e juntos a pág.s 1220 e seguinte do histórico electrónico[6], especialmente os de pág.s 1224, 1225, 1231, 1232, 1239, 1240, 1245 e 1246, que se reportam aos lotes de produtor, por data, saídos em cada data das instalações da R. e aos mapas de controlo de qualidade elaborados e provindos da D…, depois sintetizados pela R. no mapa de pág.s 1259.
Cada depoente foi confrontado com alguns dos documentos juntos ao processo, principalmente com os de pág.s 1220 e seg.s, e os mapas das entregas de produtos efetuadas pela A. à R. de pág.s 1091 a 1103 e o documento de aluguer, sem controvérsia (pág.s 11073), relativamente ao veículo utilizado pela A. na recolha e transporte do fruto para a R. durante a campanha de 2017 (como, aliás, já tinha acontecido na campanha de 2016 em que também forneceram mirtilos à C…), então (em 2017) conduzido pela testemunha G…, associado da A.
É pacífico que a A. utilizava o furgão frigorífico no transporte do mirtilo, fazendo-o diretamente dos produtores, onde já se encontrava colocado em cuvetes de 125 g ou em caixas de 2 ou 3 kg, conforme lhes era solicitado, e os transportava diretamente, logo após a recolha, para o cais de receção nas instalações da R.
É pacífico também, face à prova produzida, que a R. controlava a qualidade do mirtilo por amostragem, pelo menos em dois momentos: no momento da descarga nas suas instalações, onde a evidência de defeitos determinava rejeição imediata dos produtos avariados, podendo acontecer rejeitar-se um lote completo de determinado produtor (sempre bem identificados por etiquetagem nas caixas) e, mais uma vez, desta feita com uma observação mais rigorosa, no espaço seguinte, ainda antes da entrada na câmara frigorífica de que dispunha --- onde aguardaria expedição --- numa análise de controlo mais rigorosa, que incluía a ação de uma funcionária especializada (a engenheira L… que integra o departamento de qualidade da R.) e utilização de equipamento de verificação próprio e adequado; porém, sem manuseamento do produto destinado a exportação que implicasse generalizada ou extensa remoção do conteúdo das caixas, para evitar danificação dos frutos. Era sempre uma análise aleatória, mas que passava pelo produto de cada produtor associado da A.
A testemunha F… (efetua a descarga da fruta na R. e colaborou na verificação da qualidade do mirtilo fornecido pela A.) apontou mesmo três momentos de controlo de qualidade da fruta. Para além daqueles dois, o momento em que a fruta sai da câmara frigorífica da empresa para ser transportada para o seu cliente. Esta testemunha afirmou que o mirtilo verificado avariado era devolvido ao fornecedor em 24 horas, normalmente quando, no dia seguinte ao da entrega, o mesmo fornecedor entregava nova remessa. Essa fruta pode ser reaproveitada para desidratação ou para compota por exemplo. A fruta que a R. devolvia e devolveu não era faturada pela A.
Esta mesma testemunha afirmou que a fruta era expedida para a cliente D… em 24 horas a contar da sua receção, nunca mais de 48 horas depois (o que seria excecional), para prevenir a sua degradação. Porém, confrontada com vários documentos, acabou por reconhecer que houve fruta que a R. adquiriu à A. e que foi expedida vários dias depois das 48 horas, como aconteceu com a expedição de 14.6.2017, controlada no dia 15, na sua receção em Espanha, nela se incluindo vários lotes de mirtilos fornecidos pela A. à R., por referência à fatura emitida pela A. nº FT 2017/.., ou sejam, lotes de mirtilo entregues à R. desde o dia 6 ao dia 10 de junho (documentos de pág.s 1220 a 1227).
Também o legal representante da R. afirmou, ao arrepio de alguns dos documentos de pág.s 1220 e seg.s, que a fruta seguia para os clientes no próprio dia em que a rececionavam ou, no máximo, em 24 horas, dependendo da disponibilidade da transportadora, o que, como se viu, nem sempre aconteceu.
A propósito de 609 kg de mirtilo, proveniente de Cinfães, que a A. forneceu à R. e que passou por um período de calor solar devido a avaria do veículo que a A. utilizava e que, por isso, a R. foi buscar tardiamente, a pedido daquela, a testemunha Joel afirmou quer já não estava em bom estado, que “via-se logo que havia estragos na fruta”, no entanto, meteram-na no frio e, no dia seguinte seguiu para Espanha juntamente com outra. Todavia, essa mesma fruta aparece no mapa da R. de pág.s 1259 (última linha) como tendo sido considerada, toda ela, não conforme mas como “fruto para desidratar, aguardando valor para migalha”.
Depois de confrontada a testemunha Joel com o perigo da contaminação da fruta boa com a fruta provinda do veículo avariado e com o facto de já haver queixas da cliente D… relativas à qualidade da fruta, referiu que foi escolhida antes da expedição; ou seja, nunca negou essa expedição e afirmou a existência de uma escolha que parece nunca ser efetuada pela R. quando controla a qualidade da fruta por amostragem e sem remexer o conteúdo das caixas que recebe, como também foi afirmado.
Foi referido por outra testemunha da R. (Paulo Rosas) que essa fruta não seguiu para Espanha, mas a verdade é que também não foi devolvida à A. nem foi referido qualquer acordo entre as parte quanto ao destino a dar a essa fruta. Afinal o quê que aconteceu a essa fruta? Não sabemos. Esta testemunha[7] foi confrontada com aquela documentação, mas acabou por referir que o produto, desde que bem acondicionado aguentava bem esse tempo de armazenamento, ao mesmo tempo que afastou qualquer responsabilidade no seu transporte para Espanha, considerando-o de qualidade, com frio a 2º C (como resulta das guias de transporte).
Mais do que isso, extrai-se da mesma documentação que os lotes provenientes do fornecimento da A. que integraram a expedição do dia 14 de junho para a D… correspondem a um total de 1566 kg. de mirtilo, sendo que a carga total (que incluía mirtilo fornecido pela MBC) tinha o peso de 6.720, kg. A D… detetou avarias muito graves em 14% dos produto total, a R. emitiu uma nota de crédito de 1925 kg. a favor da nest, mas não se colhe bem do mapa de pág.s 1225 qual a percentagem de avaria relativa ao produto fornecido pela A. à R.
Estas divergências entre os depoimentos prestados por testemunhas oferecidas pela R. e a documentação, maxime, quanto ao tempo de permanência do mirtilo nas suas instalações antes de ser expedido, retira-lhes a confiança necessária ao convencimento, que pode estender-se a outras afirmações, em especial quando outras testemunhas fazem declarações em sentido contrário ou divergente.
Nada comprova a falta de qualidade da fruta no produtor. Não sabemos se foi picada pela mosca (drosófila), se estava muito madura e se não foi devidamente tratada e acondicionada nas caixas (granel) e cuvetes. Não concluiu assim a R. nas avaliações de qualidade que efetuou, tanto assim que a fruta que lhe foi faturada foi, toda ela, aceite (alguma pontualmente rejeitada e devolvida não foi faturada). Também nada detetou a D… que tivesse imputado ao produtor.
Será a avariada fruta devida a causa imputável à A.?
Vejamos agora o pendor dos depoimentos do legal representante da A. e das testemunhas indicadas pela mesma parte, sejam H…, produtor de mirtilos associado da A. e seu presidente na data em que os factos ocorreram, G… (testemunha também indicada pela R.), produtor associado da A. e motorista do furgão frigorífico que fazia o transporte do mirtilo dos produtores, diretamente, para o cais de descarga da R. na campanha de (maio a julho) 2017.
Começando pela última destas testemunhas, referiu que começava a recolha e transporte do fruto pelas 8 horas da manhã de cada dia, fruto que fora apanhado nessa madrugada ou no final da tarde da véspera. Depois ia logo entregar os mirtilos à R., em Penafiel, seguindo de imediato para a I…, na Maio, e para a J…, em Amares, também clientes da A. Destas, não teve reclamações que não fossem por pequenos defeitos nas circunstâncias de controlo de cada entrega. Quanto à C…, referiu-se à existência do controlo de qualidade realizado na receção de cada carga entregue, foi confrontado com os documentos de pág.s 1091 e seg.s, confirmando ser os registos das entregas que fez, com a sua assinatura e a assinatura dos recetores, tudo se mostrando regular, com exceção de pequenas rejeições e devoluções realizadas de imediato, nesse controlo (cf. pág.s 1097 e 1102).
Considerava a câmara frigorífica da R. muito pequena para as quantidades de produtos que estava a adquirir naquela campanha, entre mirtilos, morangos, cogumelos, framboesas e cerejas, e acontecia não ter espaço para guardar o mirtilo que descarregava, observando-o no dia seguinte ainda à porta da câmara frigorífica, algum da sua própria produção que então observava de perto para ver melhor como estava a sua conservação. Foi muito perentório nesta afirmação e não hesitou em dizer que tem a certeza absoluta de que aconteceu várias vezes as caixas ficarem fora da refrigeração da câmara de um dia para o outro. Por isso a R. estava a construir uma câmara maior mesmo ao lado. Referiu que o controlo de qualidade à entrada era feito à vontade da R., como ela entendia, “associado a associado” da A., bem identificados nas caixas que transportava. Pesavam algumas caixas e analisam os frutos, sem os remexer muito, mas sendo as “caixas baixinhas”.
E se chegou a ser dito, depois do depoimento do motorista, que o frio do furgão não era utilizado (depoimento de E…), aquele afirmou que estava sempre ativo. Não fazia muito sentido que não estivesse, pois o furgão fora alugado com caraterísticas especiais para esse efeito. Para quê suportar o custo de um aluguer de tal veículo se não fosse para utilizar o frio nele produzido?
H… foi quem lidou mais proximamente com estes assuntos por ser então, em 2017, o presidente da Associação B…. A sua prestação evidenciou-se como muito segura e explicada com foros de seriedade e credibilidade. Falou sobre a preparação da campanha juntamente com a R., a rastreabilidade dos produtos, aceitou a dívida da A. à R. relativamente às caixas que a lhe adquiriu e, sobretudo, mostrou-se surpreendido com a apresentação da reclamação pela R. apenas em agosto, quando a campanha já tinha começado em maio, entendendo que, se tivesse fundamento, a reclamação já há muito tempo deveria ter sido apresentada à A., em cada entrega, até para poder dar um destino diferente à fruta. O furgão circulava nas recolhas com a temperatura a 8º C. Não tiveram rejeição de produto por outros clientes (exceto pequenas rejeições normais, que atestam a realização de um controlo adequado à entrada do mirtilo nas instalações de cada uma) e nega qualquer responsabilidade da A. pelos defeitos do mirtilo que forneceu e que foi vendido pela R. à D….
Esta testemunha referiu que o tempo máximo de conservação do mirtilo, entre a colheita e a colocação na prateleira do retalho é, no máximo de 7 dias. Explicou que a referência efetuada pelo legal representante da R. ao mirtilo proveniente da América do Sul e ao tempo muito superior da sua resistência se deve a diferentes condições de acondicionamento, designadamente na viagem, através de um sistema de controlo de CO2 que não permite que o fruto respire.
Com sentido lógico, diz que, se o produto chegou a Espanha com os defeitos que a D… acusa, então já tinha que os ter à saída da câmara frigorífica da C… e nem sequer deviam ter sido exportados (não deveriam ter passado do referido 3º controlo que a R. realizava, à saída do armazenamento frigorífico).
O próprio representante legal da R. afirmou que, se houvesse problemas ligados à apanha do produto, como acontece com o excesso de maturação, isso notar-se-ia logo ao fim de 48 horas.
Os e.mails que constituem o doc. 5 junto a pág.s 1249 e seg.s, de junho e e julho, não são reclamações, mas informações sobre a forma desejável para o fornecimento de produtos, na perspetiva de melhoramento da sua qualidade na chegada ao cliente espanhol. Só no início de agosto surge prova de uma reclamação da R. à A. Ao longo daqueles dois meses de junho e julho e também no mês de maio anterior, a R. não deixou de encomendar e a A. de fornecer mirtilo que aquela afetava aos clientes que entendia, fosse do mercado nacional, fosse do mercado estrangeiro. A A. não se intrometia nos assuntos da R. que vendia a quem entendia, como é normal segundo as regras da experiência comercial.
Quanto à entrega de 609 kg de 21.6.2017 (pág. 1102), questiona a testemunha H… como pode a R. tentar cobrar o valor daquele produto todo quando ela própria anotou no respetivo registo de entrega que apenas “algum produto” foi rejeitado. Qual é a medida da rejeição… qual a quantidade?
Da conjugação de todas as provas, testemunhais e documentais, das divergências encontradas, e também da falta de provas, designadamente de pareceres técnicos periciais sobre a produção, conservação e resistência do mirtilo que permitisse razoável esclarecimento de muitas das afirmações contraditórias ou divergentes produzidas em audiência, sobreleva a dúvida razoável obstativa da demonstração de parte da matéria de facto alegada e relevante na decisão da causa.
Vejamos, ponto-por ponto, a matéria da impugnação, tendo sempre presente as considerações probatórias acabadas de desenvolver.
Ponto 5 dos factos dados como provados.
Vista a resposta dada ao ponto 17 dos factos provados, este ponto refere-se a reclamações no momento da receção dos produtos e nada tem que ver com os e.mails enviados pela R. à A. antes de agosto de 2017. Admitindo que houve algumas pequenas e pontuais rejeições de mirtilo aquando das entregas efetuadas pela A. à R. (cf. registo de entregas, e, por exemplo, os depoimentos de K… e do motorista G…), o que revela existência de controlo de qualidade na receção de mirtilos, os produtos então rejeitados não foram faturados, sendo que estes foram recebidos, verificados e aceites, então sem reclamação.
O ponto 5 deve ser objeto de ima ligeira correção, passando a ter o seguinte teor:
5) Os mirtilos faturados foram entregues pela A. à R. que os verificou, recebeu, e aceitou então, sem reclamação.
Quanto à matéria dada como não provada
A al. a)
Não há prova deste facto. O que foi referido na prova, de modo convincente, por ser até o que melhor se coaduna com as regras da experiência, é que a A. nada tinha que ver com os clientes da R., que colocava os produtos no mercado interno ou internacional, vendendo a quem decidia vender, sem ter que dar qualquer explicação à A. Mal se compreenderia que esta sujeitasse o controlo dos seus produtos a uma qualquer cliente da R. e admitisse antecipadamente a sua responsabilidade quando tais produtos ainda iriam passar por vicissitudes que desconhecia, designadamente condições de conservação, transporte e decurso do tempo que estão fora do seu alcance e do seu domínio.
De resto, a R. não impugnou o facto dado como provado no ponto 4, onde se afirma que a A. desconhecia que a R. destinava os produtos em causa a um cliente seu, com sede em Espanha.
Esta matéria mantém-se não provada.

A al. b)
A emissão de notas de crédito pela R. a favor da D…, depois desta ter tido uma visita surpresa de dois responsáveis daquela para verificação da qualidade dos produtos, é um elemento forte no sentido de que houve mirtilos que chegaram impróprios àquela cliente espanhola.
Nem todos os produtos que chegaram à D… estavam danificados, nem todos eram do fornecimento da A. e apenas nalguns casos esta cliente da R. identifica a sua origem como sendo da A. (documentos de pág.s 1220 e seg.s). Não é possível concluir que tais defeitos existissem na data da entrega dos produtos nas instalações da R., nem o facto traduz qualquer data da verificação das impropriedades.
Assim e para além do facto dado como provado no ponto 17, apenas é possível extrair da prova produzida que uma parte dos mirtilos sucessivamente fornecidos pela A. à R. apresentou, na sua receção pela cliente D…, degradação e perecimento, estando imprópria para consumo para consumo.
A al. b) da matéria dada como não provada transita para a matéria de facto provada, com o seguinte texto:
18- Uma parte dos mirtilos sucessivamente fornecidos pela A. à R. na campanha de maio a julho de 2017 e que esta vendeu para a D…, com sede em Espanha, foi por esta rececionada com mirtilos degradados e perecidos, impróprios para consumo.

A al. c) contém um facto conclusivo e, por isso, insuscetível de prova e inconsequente do ponto de vista jurídico. Também se desconhecem, em rigor, as condições, com que a D… efetuou os testes nas suas instalações, designadamente de fidelidade e temporização.

A al. f)
A via telefónica é uma via de comunicação fácil de invocar, mas difícil de provar quanto à realização do contacto e ao seu conteúdo. A escassa referência probatória à sua utilização é manifestamente insuficiente à demonstração de tal matéria de facto.

A al. g)
Esta matéria também não está demonstrada, designadamente que foi a pedido da A. que os fornecimentos continuaram a ser efetuados à R., com a promessa daquela de que problemas anteriores não se iriam repetir --- foi, aliás, dito o contrário pela testemunha Manuel Cardoso --- e que piorou a qualidade do produto entregue pala A. a cada dia que passava, aumentando as reclamações por parte do cliente da R.

A al. h)
Não há dúvida que a A. se recusou a retificar a faturação descrita no artigo 2º da petição inicial corrigida, precisamente os valores pelos quais pretende obter da R. o pagamento dos fornecimentos de mirtilo. Também é certo que a R. se recusa a fazer o pagamento em razão da invocação de vícios da fruta objeto daquela faturação. Mas não se discute aqui se a retificação das faturas está justificada ou tem fundamento jurídico; essa é uma conclusão a retirar da aplicação do Direito.
Este facto reposta-se simplesmente à recusa da A. de retificar a faturação e à recusa da R. em pagar essas faturas sem a retificação.
Deve ser considerado provado:
19) Por a A. se recusar a retificar a faturação referida em 2), a R. rejeita o pagamento de cada uma delas.

Al. i)
Esta matéria não está demonstrada, como bem resulta da explanação de fundamentos que atrás efetuámos.

Procede, assim, parcialmente a impugnação da decisão proferida em matéria de facto.
*
2. A tempestividade das reclamações apresentadas pela R. à A., a aplicação do art.º 471º do Código Comercial e o cumprimento defeituoso do contrato
Entende a R. apelante que a matéria de Direito deve ser alterada no sentido de ser considerado que a demandante recorrida cumpriu defeituosamente o contrato de venda de mirtilos que celebrou com a recorrente e ser entendido que esta apresentou as reclamações do produto tempestivamente à A.
Na sentença, depois de qualificado o contrato havido entre A. e R. como sendo de compra e venda comercial, nos termos do art.º 874º do Código Civil e dos art.ºs 2º e 463º e seg.s do Código Comercial, sendo art.º 464º interpretado a contrario sensu --- o que se nos afigura correto, considerando também o art.º 230º do Código Comercial --- passou a discutir-se desenvolvidamente a questão da eventual caducidade do direito de reclamação dos defeitos dos bens vendidos, por aplicação dos art.ºs 469º a 471º do Código Comercial. Concluiu-se ali --- depois de aventadas várias hipóteses à luz daqueles normativos --- que, no caso concreto, sendo a R. compradora uma empresa que exerce a atividade de venda de mirtilos, e estando provado que a mesma fazia um controle de qualidade do produto fornecido aquando da entrega, ainda que o fizesse por amostragem, a qualidade do produto e o estado do produto têm-se por verificados e o contrato concluído e perfeito porque o comprador examinou o produto comprado no ato da entrega, rejeitando de imediato o produto que não se mostrava conforme, passando assim a A. para o comprador a propriedade e riscos da coisa, caducando o direito que a R., porventura tivesse, de reclamar sobre a mesma.
Vejamos.
Não poderá olvidar-se que o tribunal julga em função dos factos provados (e não provados) e não sobre considerações tecidas por testemunhas ou conteúdo de documentos sujeitos a livre apreciação que, não sendo prova formal ou vinculada, foi desconsiderada em função dos limites impostos pela matéria alegada pelas partes e pela prova efetiva, não transitando para a matéria assente (art.ºs 5º e 607º do Código de Processo Civil). A esses limites nos deveremos ater.
A compra e venda, seja ela civil ou comercial, tem como efeitos essenciais a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito (natureza real do contrato), a obrigação de a entregar ao adquirente e, correspetivamente (já que se trata de um negócio jurídico sinalagmático), a obrigação do comprador de pagar o seu preço (natureza obrigacional do contrato) --- art.º 879º, al.s a), b) e c), do Código Civil. A transferência da propriedade na compra e venda civil não depende nem da traditio nem da posse simbólica nem de quaisquer outras formalidades externas; dá-se por mero efeito do contrato e desde esse momento fica o vendedor com direito a exigir do comprador o preço da coisa. O contrato de compra e venda é, pois, um contrato com eficácia real, como se infere da alínea a) do art.º 879º do Código Civil, onde se optou pela conceção real ou translativa da compra e venda[8].
Diversamente da compra e venda civil, na compra e venda comercial pode não haver eficácia real e a propriedade transferir-se só com a «traditio», com a entrega da coisa e, naturalmente, a aceitação dessa entrega pelo comprador. A compra e venda objetivamente comercial tem eficácia meramente obrigacional, dela resultando para o vendedor apenas a obrigação de proceder à entrega da coisa vendida, nas condições e com as qualidades convencionadas.[9]
Está aqui em causa a produção dos efeitos obrigacionais do contrato, o cumprimento de obrigações emergente do negócio, mais precisamente a obrigação de entregar a coisa transacionada sem defeitos, em condições de funcionamento, ou melhor, nas condições contratadas ou, na falta de outras referências, de modo a satisfazer adequadamente as utilizações que habitualmente são dadas aos bens do mesmo tipo (art.º 913º do Código Civil).
É com a entrega e aceitação da coisa vendida, sem defeitos, que o contrato fica perfeito.
No direito nacional, a regra é o comprador dever efetuar a denúncia do defeito no prazo de trinta dias após o seu conhecimento (art.º 916º, nº 2, do Código Civil). Mas, tratando-se de compra e venda comercial, o prazo é de 8 dias (art.º 471º do Código Comercial), um prazo curto por ser de acautelar a necessidade de segurança das transações, indispensável à vida mercantil e que, na falta de outro, vale também para as situações de venda de coisas totalmente à vista. Em qualquer caso é de um prazo de caducidade do direito de denúncia de defeitos que se trata.

Tem-se discutido se, no âmbito do direito mercantil, o prazo de denúncia do defeito se conta desde o seu conhecimento ou desde a entrega do bem objeto de transação. Na verdade, o art.º 471º é omisso quanto ao início da contagem do prazo. A jurisprudência maioritária e alguma doutrina vão no sentido de que o prazo se inicia a partir da descoberta do defeito. Não obstante a lei comercial parecer mais exigente do que a lei civil no que respeita ao exame das coisas exigido ao comprador, não se pode concluir que uma denúncia deva ser efetuada antes dos defeitos poderem ser descobertos segundo um padrão de diligência exigível ao comprador. A unidade do sistema jurídico recomenda, também pela aplicação do art.º 3º do Código Comercial, que o citado art.º 471º seja interpretado de forma análoga ao estabelecido para a compra e venda civil e par a empreitada (art.ºs 916º, nº 2 e 1220º, nº 1, do Código Civil). Assim, o início do prazo de 8 dias referido no art.º 471º do Código Comercial, não se conta sempre da data da entrega, mas antes a partir do momento em que o comprador, se atuasse com a diligência exigível ao tráfego comercial, teria descoberto os defeitos.[10]
O nosso sistema jurídico-processual reparte o ónus da prova entre autor e réu pelo modo como este princípio geral está consignado no art.º 342º do Código Civil: a quem invoca um direito em juízo incumbe fazer a prova dos factos, positivos ou negativos, constitutivos do direito alegado ("actore non probante reus absolvitur"); à parte contrária compete provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito ("reus excipiendo fit actor").
Segundo Vaz Serra[11], “a prova deve caber àquele que carece dessa prova para que o seu direito seja reconhecido. É que o juiz não pode aplicar uma norma jurídica, se não se fizer a prova dos requisitos constitutivos da hipótese de facto (Tabestand) pressuposta por essa norma para sua aplicação; e, portanto, o ónus da alegação e da prova pertence à parte a cujo direito, para se efectivar, deve aplicar-se a norma, donde deriva que cada uma das partes tem esse encargo relativamente aos factos de que depende a aplicação das normas que lhe são favoráveis. Por conseguinte, se a lei contém uma regra e uma excepção, a parte, cujo direito se apoia na regra, deve provar os factos integradores da hipótese nela prevista, e não já os integradores da hipótese prevista na excepção. Este critério faz com que o encargo da prova caiba precisamente à parte que se encontra em melhor situação para a produzir, e, assim, constitui um estímulo para que a prova seja produzida pela parte que mais perfeitamente pode auxiliar a descoberta da verdade: mostra a experiência, que, em regra, quem tem a seu favor certo facto se acautela com meios de prova dele”.
Saber quem tem o ónus de provar determinada circunstância fática que surja no contexto da demanda constitui elemento de primordial importância no desfecho do êxito da ação, ou seja, a chave da resolução do litígio. Num sistema processual tendencialmente baseado no princípio do dispositivo, em que o tribunal tenha que julgar secundum allegata et probata partium, o ónus da prova de um facto consiste em ter a parte que alegar e provar o facto essencial que lhe aproveita, sob pena de o juiz ter de considerá-lo como não existente e como líquido o facto contrário[12], ou seja, dito de outro modo, este ónus traduz-se "para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova; ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequências se os autos não contiverem prova bastante desse facto"[13].
A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita (art.º 414º do Código de Processo Civil) e ainda, em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito (nº 3 do citado art.º 342º do Código Civil).
É o comprador que tem que alegar e provar o ambiente da obrigação contratual do vendedor e o respetivo incumprimento, sendo ónus desta última parte a demonstração de que o incumprimento não resulta de culpa sua, ilidindo a presunção que lhe está associada, nos termos do art.º 799º, nº 1, do Código Civil, já que é de responsabilidade contratual que tratamos.
Segundo a teoria do cumprimento, o vendedor, tanto no caso de alienação de coisa genérica, como específica, está adstrito a efetuar uma prestação sem defeito, a entregar uma coisa conforme.
Situando-nos no contrato de compra e venda, a A. vendedora deve provar os termos da obrigação que a R. assumiu, qual seja, o dever de pagamento do preço dos fornecimentos de mirtilo que lhe vendeu e entregou. À R. incumbe o ónus de alegar e provar que pagou ou, não tendo pago, a razão justificativa do não pagamento, designadamente que os bens foram vendidos com defeitos ou vícios que lhe retirem a qualidade assegurada pelo vendedor ou impeçam a realização do fim a que são destinados, no caso, a alimentação humana sob a forma de fruta fresca.
Demonstrado que a coisa foi vendida com defeitos, tal como no incumprimento da obrigação (como acontece com um cumprimento tardio ou apenas parcial da obrigação), incumbe à vendedora provar que os vícios não lhe são imputáveis.
Ainda a propósito da repartição do onus probandi, ensina Manuel de Andrade[14]:
a) Cabe ao autor a prova dos factos constitutivos do seu direito: dos momentos constitutivos do facto jurídico (simples ou complexo) que representa o título ou causa desse direito;
b) O réu não carece de provar que tais factos não são verdadeiros: «reo siifficit vincere per non ius actoris; actore non protante reus absolvitur». O que lhe compete é a prova dos factos impeditivos ou extintivos do direito do autor; dos momentos constitutivos dos correspondentes títulos ou causas impeditivas ou extintivas;
c) Operando com a noção de título ou causa, a repartição do ónus da prova continuará por aí adiante entre o autor e o réu”.
Tendo ainda em mira o acórdão da Relação do Porto acima citado e a doutrina nele defendida, deve entender-se que compete ao comprador provar o tardio surgimento do defeito ou o vício ou a impossibilidade de o detetar anteriormente; não cumprindo esse ónus, o prazo conta-se da data da entrega da material quando as coisas transacionadas não tenham sido examinadas no ato de entrega.
A R. não provou que os defeitos detetados em Espanha eram preexistentes à sua receção (pela R.), não os pôde detetar antes da expedição e só se revelaram depois da realização das entregas de mirtilos nas datas de junho e julho referidas no ponto 17 dos factos provados. Não tendo cumprido esse ónus, disporia do prazo de 8 dias a contar da receção de cada fornecimento para deduzir a respetiva reclamação, caso não tivesse efetuado o seu exame no ato de entrega.
Acontece que a R. examinou e aceitou os produtos fornecidos no ato de cada entrega e, não tendo demonstrado que não era possível em cada um desses atos detetar vícios ou defeitos ocultos que só mais tarde seriam descobertos sendo eles os que efetivamente se verificaram, ou seja uma relação causal entre os defeitos que posteriormente foram detetados nos mirtilos e um estado viciado preexistente à entrega, mas não verificável naquele ato, qualquer reclamação posterior ao ato de entrega é extemporânea, estando caducado o direito de denunciar os defeitos da fruta.
Atente-se no sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.11.2006[15]:
«I- Na compra e venda mercantil, o comprador deve reclamar os defeitos da coisa vendida no acto de entrega ou, caso não efectue nesse acto, no prazo máximo de oito dias (art. 471 ° do C. Com.), iniciando-se tal prazo a partir do momento em que o comprador teve ou podia ter tido conhecimento dos defeitos, se agisse com a diligência exigível ao tráfego comercial.
II- Incumbe ao comprador o ónus da prova da factualidade demonstrativa da eventual impossibilidade de exame do material no momento da entrega, do momento em que terá cessado essa impossibilidade e o defeito passou a ser detectável, da data em que detectou os defeitos e da data da denúncia; não cumprindo esse ónus, o prazo para a denúncia conta-se a partir da data da entrega do material.
III- A falta de tempestividade da reclamação pelos vícios da coisa determina a caducidade dos direitos do comprador, resultantes do inadimplemento pelo vendedor.»[16]
Esta doutrina prende-se até com a doutrina do cumprimento, no sentido de que o incumprimento ou o cumprimento defeituoso da prestação constitui, como vimos, um ónus do comprador, sendo do vendedor o ónus de provar que agiu sem culpa (art.º 799º, nº 2, do Código Civil).
Ao não provar que a fruta foi fornecida já defeituosa, ainda que se tratasse de um defeito oculto, só mais tarde demonstrável, a R. não está a demonstrar, como lhe compete, que a A. não cumpriu a sua obrigação. Só mediante esta demonstração, estaria a A. adstrita ao dever de ilidir a presunção de culpa.
Excessivo seria exigir à A. vendedora que demonstrasse que a sua fruta foi entregue em bom estado, sem qualquer mazela ou vício, designadamente que não estivesse tocada pela mosca, quando a própria R. a recebeu com obrigação de a examinar, e tendo-a examinado como entendeu, não colocou qualquer reserva; mais, podendo provar a anterioridade do vício, não a demonstrou.
Com a entrega dos mirtilos, a A. transferiu a sua propriedade para a R., perdeu o seu domínio e a sua posse, assim perdendo também a possibilidade de controlar o modo como passaram a ser prestados cuidados de conservação e o seu destino. Logo, também não lhe é exigível que demonstre que os defeitos surgiram depois da entrega e receção da fruta como forma de afastar o seu incumprimento. É a R. que tem de provar o incumprimento da A.
Com efeito, não só caducou o direito de denúncia dos defeitos no ato da entrega da fruta, tornando-se assim o negócio perfeito, como não está sequer provado o cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda por parte da A., ou seja que a fruta foi vendida com defeitos (aparentes ou ocultos). Daqui decorre que a questão deve ser decidida contra a R., impondo-se o pagamento do preço dos fornecimentos de mirtilo efetuados pela A., como se decidiu na sentença.
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3. A caducidade do contrato e a indemnização pelo interesse contratual positivo da reconvinte
Citando um acórdão da Relação de Guimarães[179, a recorrente passou a defender que à indemnização pelo interesse contratual positivo não se aplica o prazo de caducidade de 8 dias previsto no art.º 471º do Código Comercial, mas sim o prazo de prescrição ordinário de 20 anos. Como tal, as notas de crédito emitidas pela recorrente ao seu cliente D… não podem deixar de se considerar como prejuízo direto que adveio para a recorrente dos mirtilos perecidos que adquiriu à recorrida.
Almeida Costa[18] ensina: “A indemnização pelo dano positivo destina-se a colocar o lesado na situação em que se encontraria se o contrato fosse exactamente cumprido. Reconduz-se, assim, aos prejuízos que decorrem do não cumprimento definitivo do contrato ou do seu cumprimento tardio ou defeituoso. Ao passo que a indemnização do dano negativo tende a repor o lesado na situação em que estaria se não houvesse celebrado o contrato, ou mesmo iniciado as negociações com vista à respectiva conclusão”.
No interesse contratual positivo ou interesse no cumprimento, a sua reparação consiste em repor as coisas na situação correspondente ao cumprimento de um contrato válido.[19]
As notas de crédito foram emitidas pela D…, enquanto cliente da R. Dizem respeito a uma relação comercial de compra e venda entre duas empresas comerciais no âmbito de um contrato que não se confunde com a compra e venda havida entre a A. e a R. São duas relações comerciais diferentes, entre partes diferentes, embora de natureza semelhante. Para que aquelas notas de crédito pudessem ter impacto relevante na compra e venda que aqui se discute, seria necessário que houvesse incumprimento contratual da A. e que a R. não estivesse obrigada a pagar os produtos que a A. lhe faturou na medida em que os mirtilos se revelaram viciados.
Não se compreende muito bem como poderá defender-se que caberia à A. emitir notas de crédito a favor da R. pelo valor que tinha faturado à R. nos lotes de foram “devolvidos” de Espanha. A emissão de notas de crédito pela A. a favor da R. pressupunha, necessariamente, que aquela fosse responsável pelos produtos defeituosos que vendeu à R., de tal modo que esta não estivesse obrigada ao seu pagamento.
Como observámos, a R. está obrigada ao pagamento das faturas, ao cumprimento do contrato que celebrou com a A. não havendo qualquer fundamento, face aos factos provados e às considerações jurídicas antecedentes, para a A. emitir qualquer nota de crédito, ou seja, para ser obrigada a “deixar sair pela janela aquilo a que tem o direito de receber pela porta”.
Não há qualquer interesse contratual positivo da R. a indemnizar.
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A sentença merece confirmação.
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
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V.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas da apelação pela R. recorrente.
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Porto, 22 de outubro de 2020
Filipe Caroço
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
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[1] Aqui por transcrição.
[2] Por transcrição.
[3] Na conclusão H) das alegações, a recorrente indicam também a al. d) da matéria dada como não provada, como devendo agora ser dada como provadas; porém, não só não indica ali meios de prova nesse sentido, como acaba por a retirar, na conclusão RR.) do elenco da matéria de facto impugnada.
[4] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pág. 224 e 225.
[5] Provas – Direito Probatório Material, BMJ 110/82 e 171.
[6] Paginação a que se referem todos os documentos que daqui em diante forem citados sem outra referenciação.
[7] Tentou ocultar a relação especial que tinha e ainda tem com a R. e que resulta bem dos e.mails trocados entre ela e a A. Era ela que superentendia, com assinalável liberdade, na comercialização da R. (compras e vendas dos produtos), sendo remunerada à comissão, como acabou por explicar.
[8] Baptista Lopes, Do Contrato de Compra e Venda, Livraria Almedina, 1971, pág. 90.
[9] Pedro pais de Vasconcelos, Direito Comercial, Almedina, 2011, Vol. I, pág.s 263 e 268.
[10] Cf., entre outros, Pedro Romano Martinez, Cumprimento defeituoso, em especial na compra e venda e empreitada, Almedina, teses, 2001, pág. 376, acórdão Supremo Tribunal de Justiça de 14.10.2008, proc. 08A2645, acórdão da Relação de Coimbra de 11.1.2011, proc. 1977/08.3TBAVR.C1 e acórdão da Relação do Porto de 26.2.2015, proc. 2036/13.2TBVFR.P1, todos in www.dgsi.pt.
[11] Provas, Direito Probatório Material, BMJ 110/121.
[12] Antunes Varela, Manual de Processo Civil, pág. 448.
[13] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil; pág. 184. No mesmo sentido, Vaz Serra, ob. cit. pág. 113, segundo o qual, “o juiz deve decidir, caso os factos sejam incertos, contra a parte a quem incumbia esse ónus. É este o chamado ónus objectivo ou material” (pág. 116).
[14] Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 201.
[15] Colectânea de Jurisprudência, 2006, T. III, pág. 132.
[16] No mesmo sentido, acórdão da Relação do Porto de 14.6.2016, proc. 715/14.6T8PDL.P1, in www.dgsi.pt e ainda acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25.1.1999, BMJ 483/235 e de 23.1.2006, proc. 06B615, in www.dgsi.pt.
[17] De 2.10.2008, proc. 1506/08-2, in www.dgsi.pt.
[18] Direito das Obrigações, 9ª edição, pg. 548.
[19] Mota Pinto, Teoria Geraldo Direito Civil, 4.” Reimpressão, 1980, p. 354, nota 1.