Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1592/16.8T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: FIXAÇÃO JUDICIAL DE PRAZO
DOCUMENTO PARTICULAR
Nº do Documento: RP202007021592/16.8T8VNG.P1
Data do Acordão: 07/02/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No processo especial de fixação judicial de prazo não cabe a discussão sobre a natureza, existência e/ou validade do direito mas só a discussão sobre o prazo que se considera razoável para o exercício do direito.
II - Na acção de fixação judicial de prazo – acção de jurisdição voluntária – o objecto da decisão limita-se à afirmação da necessidade de fixação de prazo, em função do tipo de estipulação estabelecida pelas partes, e à respectiva obrigação imposta judicialmente.
III - O requerente da fixação judicial de prazo tem de justificar na relação jurídica em que funda o seu direito à prestação a necessidade da fixação do prazo, mas não tem de fazer a prova do direito invocado.
IV - O pedido de fixação judicial de prazo só deve pois improceder quando face os factos alegados pelo requerente for manifesto que a obrigação para cujo cumprimento vem requerida a fixação de prazo não consente a fixação de prazo ou esta não é necessária.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 1592/16.8T8VNG.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia
Relator: Carlos Portela (1022)
Adjuntos: Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos
Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório:
B… e mulher C…, residentes na Travessa …, n.º …, …, Santa Maria da Feira, propuseram acção especial de fixação judicial de prazo contra D… e mulher E…, residentes no Lugar do …, n.º …, …, Santa Maria da Feira, alegando, em síntese o seguinte:
No ano de 1998, os réus comprometeram-se a pagar-lhes 50% do valor total da venda do terreno urbano destinado à construção sito no Lugar de …, União de Freguesias de …, Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 8810 da referida união de freguesias, bem como do terreno urbano destinado à construção sito no Lugar de …, União de Freguesias de …, Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 8821 da referida união de freguesias, vendas que até hoje não promoveram e para cuja realização não foi então definido qualquer prazo.
Atento o lapso de tempo já decorrido, consideram que urge fixar prazo para o cumprimento da obrigação – de venda e pagamento dos referidos 50% do valor total da venda e pedem que se fixe o mesmo em 60 dias, que reputam de razoável e adequado.
Tendo, no âmbito das diligências realizadas com vista à citação do 1.º réu, resultado certificado o falecimento deste (cf. fls. 32), procedeu-se à habilitação dos seus sucessores –E… (2.ª ré), F…, D… e G… - para, com eles, prosseguir a acção.
Regularmente citados, vieram estes apresentar contestação, defendendo-se por excepção e por impugnação.
Assim na primeira invocam a excepção do caso julgado e na segunda, em suma, negam a existência da obrigação de pagamento invocada pelos autores, concluindo, por isso, pela absolvição do pedido.
Realizou-se conferência de partes, no decurso da qual o Tribunal transmitiu às partes a sua perspectiva, segundo a qual os autos se encontrarem em condições de ser proferida decisão.
Isto por se entender que, mostrando-se controvertida pelos réus a existência da obrigação invocada pelos autores, não se justifica a fixação judicial de prazo requerida, ou seja, sendo pressuposto essencial da presente acção a certeza da obrigação invocada pelos Autores, faltando este pressuposto, considerou-se que não se mostram verificados os pressupostos legais para a fixação judicial de prazo.
Nesse seguimento, foi designada data para a prolação de alegações orais, nas quais os autores defenderam, em síntese, a verificação do pressuposto da “certeza da obrigação” por si invocada nos autos, emergente da declaração/confissão de dívida junta com a petição inicial, enquanto que os réu defenderam que tal pressuposto não se verifica, porquanto muito embora não neguem a assinatura do referido documento, a verdade é que impugnaram totalmente a origem/o contexto/as circunstâncias em que o fizeram.
Defenderam ainda que quanto a estas se verifica a excepção do caso julgado, e, nessa sequência, negam a existência da obrigação das vendas e do pagamento que os autores reclamam.
Foi então proferida decisão na qual se começou por sanear o processo, considerando não existirem quaisquer excepções de que cumpra conhecer e concluindo pela verificação de todas as condições para o conhecimento imediato do mérito da causa.
Assim e nessa conformidade, julgou-se a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveram-se os réus do pedido.
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Os autores vieram interpor recurso desta decisão, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos, as suas alegações.
Não foram apresentadas contra alegações.
Foi proferido despacho onde se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº 41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelos autores/apelantes nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor das mesmas conclusões:
1 – A sentença de fls. não faz justiça de facto e de direito e é entendimento dos recorrentes que é preciso outra luz, outro caminho, outra reflexão.
2 – É incontornável atenta a natureza e processamento do processo em causa – de jurisdição voluntária - excede ou exorbita o seu âmbito ou objecto próprio qualquer discussão sobre a existência, validade ou eficácia do direito correspondente, ou seja, quaisquer questões de carácter contencioso, estando, apenas em causa apreciar e decidir da questão do razoabilidade prazo.
Do documento:
Declaração
B… e E…, Contribuintes nº.: ……... e ……….., respectivamente, declaram para os devidos e legais efeitos que ao efectuarem a venda dos Terrenos sitos no Lugar de …, terão que indemnizar B… e mulher em 50% no valor total da venda dos ditos terrenos.
E por estarem de acordo, os declarantes supra mencionados irão assinar.
Vila Nova de Gaia. 23 de Outubro de 1998
D…
E…”
3 - A questão que se coloca no presente recurso é saber:
Contestaram os RR. a inexistência da obrigação no seu articulado de fls.?
Ou limitaram-se os RR. a contestar, por excepção e impugnação, a existência, validade ou eficácia do direito correspondente, questões de carácter contencioso.
Os RR. apresentaram defesa por excepção dilatória de caso julgado mas o informador da razão diz-nos que não coexiste a tríade de identidades basta para tal ver as fontes.
4 - Os recorridos não alegaram nenhuma causa extintiva da obrigação em resultado da declaração confessória que são: o cumprimento (que é a forma normal de extinção da obrigação realizando esta o fim a que se destinava e que era a satisfação do interesse do credor), o pagamento, a compensação, a dação em pagamento, etc..
5 - Esta questão não se mostra devidamente analisada/interpretada pelo tribunal “a quo” na sentença recorrida.
6 - O processo especial de fixação de prazo está regulado no artigo 1026º e seguintes do Código de Processo Civil, recorrendo-se ao mesmo quando incumba ao tribunal a fixação do prazo para o exercício de um direito ou o cumprimento de um dever, que foi o que os recorrentes fizeram no presente caso.
7 - É entendimento dominante na jurisprudência que esta acção não se destina à discussão de questões de fundo, que serão relegadas para a acção principal, mas apenas à fixação de um prazo para o cumprimento da obrigação.
8 - Nem sequer é necessário aos recorrentes fazerem prova dos fundamentos da acção que intentaram, mas apenas justificar o pedido de fixação judicial do prazo, pelo que nunca se poderia entender que a contestação dos recorridos em relação à obrigação, nos termos em que a fizeram, torna inviável a fixação do prazo.
9 - A utilidade da acção, conforme refere a jurisprudência, não depende do consenso das partes acerca da existência da obrigação, sendo o seu objectivo apenas a fixação de um prazo para o cumprimento de uma obrigação, cuja existência será, caso necessário, discutida a posteriori.
10 - Caso se entendesse que não era possível aos recorrentes recorrer a esta forma de processo, eles não teriam qualquer forma de definir um prazo para o cumprimento da obrigação por parte dos recorridos e estes nunca chegariam a entrar em mora. Daí a utilidade da acção para fixação de prazo.
11 - Daí a aptidão, que esta acção tem, para satisfazer uma necessidade humana que ocorre no quadro das relações interindividuais.
12 - Quando uma obrigação não tem prazo, isto é, pura, o seu vencimento depende da fixação judicial do prazo.
13 - Fixado o prazo, o devedor constituído em mora fica obrigado a reparar os danos causados por esse facto aos recorrentes.
14 - Mesmo que se considerasse ter havido erro na forma do processo ou erro na qualificação do meio processual, nos termos do art. 193º CPC, o que não se concede nunca poderia resultar do mesmo a absolvição dos recorridos do pedido.
15 - Em qualquer desses casos, deveria o douto Tribunal “a quo” ter aproveitado os actos praticados e feito seguir os termos processuais adequados, ouvindo as testemunhas e fixando um prazo razoável.
16 - Os ora recorridos, em documento escrito assinado pelo seu próprio punho declararam que, aquando das efectuadas vendas dos terrenos sitos no lugar de …, indemnizavam os recorrentes em 50% do valor total da venda dos ditos terrenos. Doc. Fls. 17 dos autos.
17 – Consta dos autos da contestação e da sentença de fls. os recorridos não negam a assinatura do referido documento objecto da acção de fixação judicial de prazo.
18 - A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado…. art. 374º do C.C.
19 - Tal documento particular não impugnado configura força probatória plena pelo que os factos nele constantes consideram-se provados na medida em que são contrários aos interesses dos declarantes (art. 376º do C.C.)
20 - Na verdade, da conjugação dos normativos dos artigos 374º nº 1 e art. 376º nº 1 e 2 resulta que as declarações contrárias aos interesses dos declarantes se podem considerar plenamente provadas ou, por outras palavras, que só os factos compreendidos nas subscritas declarações e na medida em que são contrários aos interesses dos declarantes se podem considerar plenamente provados.
21 – Como acertadamente observa Vaz Serra: “ nessa medida o documento pode ser invocado, como prova plena, pelo declaratário, contra o declarante.
22 - Este é o caminho, salvo o devido respeito, a luz da verdade.
Na realidade,
23 - A obrigação existe, encontra-se corporizada naquele documento/confissão e não foi, nos termos da Lei, impugnada pelos recorridos.
24 - Daí a certeza da obrigação invocada pelos recorrentes. Daí a necessidade de fixação de prazo.
25 - Apodítico que o argumentário apresentado pelos recorridos falece, existindo uma obrigação certa sem prazo para cumprimento e, em consequência, a Meritíssima Juiz “a quo” devia ter fixado um prazo para cumprimento da referida obrigação.
26 - Por outro lado, os recorridos não alegaram que a obrigação se extinguiu pelo cumprimento ou através de qualquer outra causa de extinção das obrigações.
27 - Os recorrentes pediram que fosse fixado prazo para que os recorridos cumpram a obrigação assumida em documento particular por si assinados.
28 - A questão de fundo que se coloca consiste em saber se é ou não de fixar um prazo aos recorridos para cumprimento da obrigação, que os recorrentes afirmam existir.
29 - O credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação (art. 777º nº1 do C.C.)
30 - Se, porém, se tornar necessário o estabelecimento de um prazo, quer pela própria natureza da prestação, quer por virtude das circunstâncias que a determinaram, quer por força dos usos, e as partes não acordaram na sua determinação, a fixação dele é deferida pelo Tribunal (nº 2 do mesmo artigo).
31 - Os artigos 1026º e 1027º do CPC vieram regular unicamente a referida fixação de prazo, partindo a lei do princípio de que é certa a obrigação, sendo incerto tão-somente o prazo do cumprimento.
32 - Os recorrentes têm apenas de justificar o pedido de fixação e indicar o prazo que reputem adequado para tal.
33 - Na falta de resposta da parte contrária é fixado o prazo proposto pelos recorrentes; havendo resposta, o juiz decidirá, depois efectuadas as diligências probatórias necessárias (art. 1026º e 1027º do CPC), ouvidas as testemunhas e fixado um prazo adequado.
34 - A questão a decidir é tão-somente a fixação do prazo, não cabendo da linearidade do processo de discutir a existência ou inexistência da obrigação, nulidade ou extinção da mesma, validade ou ineficácia.
35 - Não cabe no âmbito de tal processo de jurisdição voluntária qualquer tipo de indagação, para além daquele que respeite à fixação do prazo e adequação do mesmo.
36 - Ora, não é neste tipo de processo que caberá das teses em confronto, mas é neste tipo de processo que deve ser fixado prazo.
37 - Não há, pois, qualquer motivo para absolver os recorridos do pedido, pois é lícito aos recorrentes requerer a fixação judicial do prazo, para o cumprimento da obrigação constante da declaração/confessória não impugnada, que faz prova plena, pelo que a douta sentença recorrida deverá ser revogada e determinar-se a fixação judicial do prazo.
38 - A sentença recorrida, violou entre outras disposições legais, o art. 1026º e o nº 2 do art. 1027º ambos do C.P.C. e os artigos 374º e 376º do C.C..
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se por uma outra que fixe o prazo para cumprimento da obrigação corporizada no documento/confissão.
Assim, se fará JUSTIÇA
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Perante o exposto, resulta claro que é a seguinte a questão a decidir neste recurso:
A de saber se no caso, se mostram verificados os pressupostos que permitam que a acção possa prosseguir nos termos previstos no nº2 parte final do art.º 1027º do CPC.
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Como é por todos sabido, a acção especial de fixação judicial de prazo encontra-se presentemente regulada nos artigos 1026.º e 1027.º do Código de Processo Civil.
Segundo o primeiro destes dois artigos “Quando incumba ao tribunal a fixação do prazo para o exercício de um direito ou o cumprimento de um dever, o requerente, depois de justificar o pedido de fixação, indica o prazo que repute adequado”.
Já nos termos do segundo: “1- A parte contrária é citada para responder. 2 - Na falta de resposta, é fixado o prazo proposto pelo requerente ou aquele que o juiz considere razoável; havendo resposta, o juiz decide, depois de efectuadas as diligências probatórias necessárias.”
Estamos, pois, perante um processo especial, o qual e como outros, são qualificados no Código de Processo Civil como processos de jurisdição voluntária.
Ora nos termos do artigo 987.º do Código de Processo Civil, “nas providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna.”
Por outro lado e agora segundo o artigo 988.º do mesmo diploma legal: “1- Nos processos de jurisdição voluntária, as resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração; dizem-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso. 2- Das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.”
Sendo esta, como é, a natureza do processo especial de fixação judicial de prazo, fácil é concluir que no mesmo não cabe a discussão sobre a natureza, existência e/ou validade do direito para cujo exercício se pretende fixar prazo ao devedor, cabendo somente a discussão sobre o prazo que se considera razoável para a prática do acto que o autor reclama ser necessário para poder exercer o seu direito.
Por ser assim, “se aquela discussão coubesse no objecto do processo especial de fixação de prazo não apenas este não podia ter a configuração processual singela que apresenta e que nesse caso dificilmente se ajustaria ao necessário para o cabal exercício dos direitos das partes, como a decisão a proferir teria de ser proferida com aplicação dos critérios de legalidade estrita próprios do regime legal da relação jurídica para a qual a fixação do prazo é pedida” (cf. o Acórdão desta Relação do Porto de 11.04.2019, Aristides Rodrigues de Almeida, processo 9043/18.7.T8VNG.P1, www.dgsi.pt).
No mesmo sentido vai o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.11.2006, Nuno Cameira, processo 06B3435, www.dgsi.pt, onde se afirma que “ [...] o processo de fixação judicial de prazo não comporta a discussão de questões de natureza contenciosa - inexistência ou nulidade da obrigação, incumprimento definitivo, resolução, etc - pois tudo isso são problemas a resolver no quadro de uma acção comum, insusceptível de confusão com o presente processo especial, de cariz menos formal e mais expedito. Assim, por exemplo, no acórdão de 6.5.03 (Revista nº 03A230) disse-se, textualmente, que não cabe na linearidade desta acção discutir a existência ou inexistência da obrigação, a sua nulidade ou extinção, validade ou ineficácia, e que nenhum tipo de indagação se justifica, para além daquele que respeite à fixação do prazo e adequação do mesmo”.
Também no Acórdão do STJ de 14.12.2006, Oliveira Barros, processo 06B3880, www.dgsi.pt, onde se afirmou que a causa de pedir, na processo de fixação judicial de prazo é “a falta de acordo das partes quanto ao prazo de cumprimento de obrigação de que não é disputada a existência, validade e eficácia», sendo «finalidade própria - e exclusiva - desse processo especial, a fixação de prazo para esse efeito, a questão a dirimir no processo especial de jurisdição voluntária regulado nos arts.1456º e 1457º CPC é apenas a da fixação do prazo», não sendo «consentida indagação aprofundada sobre a existência da obrigação em causa, na acção com processo especial de marcação de prazo regulada nos arts.1456º e 1457º CPC não é exigível a prova do direito invocado; mas nem por isso a lei dispensa a justificação desse direito, de entender, pelo menos, em termos da aparência de direito (fumus boni juris) exigida nos procedimentos cautelares”.
Igualmente no Acórdão do STJ de 20.10.2009, Fonseca Ramos, processo 1307/06.9TBPRD.S1, onde se defendeu a ideia de que na “acção de fixação judicial de prazo – acção de jurisdição voluntária – o objecto da decisão limita-se à afirmação da necessidade de fixação de prazo em função do tipo de estipulação estabelecida pelas partes e à respectiva obrigação imposta judicialmente”.
No mesmo sentido vão entre outros, vários Acórdãos das Relações, como são exemplo o desta Relação do Porto de 15.10.2007, Cândido Lemos, processo 0723520, da Relação de Coimbra de 01.03.2016, Carlos Moreira, processo 1056/14.4TJCBR.C1, da Relação de Lisboa de 24.10.2017, Cristina Coelho, processo 21382/16.7T8SNT.L1-7 e da Relação de Évora de 25.01.2018, Tomé Ramião, processo 238/16.9T8ELV.E1, todos em www.dgsi.pt.
No entanto e continuando a seguir de muito perto o supra citado Acórdão desta Relação de 11.04.2019, importa salientar a referência ao Acórdão da Relação de Lisboa de 29.1.2004, Francisco Magueijo, Colectânea de Jurisprudência, 2004, tomo I, pág. 91, onde se defendeu o seguinte: “ (…) Em processo de fixação judicial de prazo, a determinação deste não tem que passar por prévia demonstração da exigibilidade da obrigação. Esta forma processual não é o lugar certo para discutir a questão de fundo que é sempre a obrigação para cujo cumprimento não se fixou prazo ou se não logrou obter consenso quanto a ele. Está pois fora do objecto deste tipo de processo a averiguação sobre a validade do contrato, a existência da obrigação ou a sua extinção. A fixação de prazo não está sujeita à condição de ambas as partes estarem de acordo quanto à existência da obrigação.”
Perante tais referências jurisprudenciais, devemos também nós concluir que o requerente da fixação judicial de prazo tem de justificar na relação jurídica em que funda o seu direito à prestação a necessidade da fixação do prazo, mas não tem de fazer a prova do direito invocado.
A ser assim, o pedido de fixação judicial de prazo só deve pois improceder quando face os factos alegados pelo requerente for manifesto que a obrigação para cujo cumprimento vem requerida a fixação de prazo não consente a fixação de prazo ou esta não é necessária.
Regressando ao caso dos autos o que importa reter é o seguinte:
Como já vimos, os autores defendem que a “certeza da obrigação” de venda dos prédios identificados nos autos e de pagamento de 50% do valor obtido com a mesma emerge da declaração/confissão de dívida constante de fls.17 dos autos.
Já os réus contestaram a existência de tais obrigações, alegando, para além do mais, que outorgaram/assinaram tal documento e, assim, as assumiram no pressuposto e como contrapartida da realização de um negócio que o autor marido lhes “arranjou” – a venda dos mesmos por 36.000,000$00 -, conforme contrato de promessa cuja cópia se mostra junta a fls. 97 verso/98 dos autos, celebrado entre si (os réus) e o interessado na compra, venda esta que não veio a concretizar-se, tendo este contrato promessa vindo a ser revogado, por acordo entre as partes.
É verdade que em sede de resposta, e quanto a esta matéria, os autores se limitaram a manter o alegado na petição inicial, acrescentando que neste tipo de acção “ (…) não há lugar à indagação sobre questões de carácter contencioso que envolvam a obrigação em causa, ou seja, a única controvérsia admissível não pode ir além da própria questão suscitada pela fixação de prazo.”.
No entanto em tal sede e face ao que já antes aqui ficou referido, nada mais lhes era imposto.
Vejamos:
Os réus recorridos, em documento escrito assinado pelo seu próprio punho declararam que, aquando das efectuadas vendas dos terrenos sitos no lugar de …, indemnizavam os recorrentes em 50% do valor total da venda dos ditos terrenos (cf. documento a fls.17 dos autos).
Como já vimos, os réus não negam a assinatura do referido documento objecto da acção de fixação judicial de prazo.
Segundo o disposto no art.º 374º, nº1 do CPC, “a letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado…”.
Assim, o referido documento particular não impugnado configura força probatória plena pelo que os factos nele constantes devem considerar-se provados na medida em que são contrários aos interesses dos declarantes (cf. art.º 376º nºs 1 e 2 do C.C.).
Nas palavras de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 523/524, “relativamente aos documentos particulares, seja qual for a modalidade que revistam (autenticados, legalizados ou despidos de qualquer intervenção notarial), uma vez provada a autoria da letra e assinatura, ou só da assinatura, tem-se por plenamente provado que o signatário emitiu todas as declarações constantes do documento, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade deste (art. 376º, 1).
Mas nem todos os factos referidos nessas declarações se têm por provados.
Como provadosplenamente provados – apenas se consideram os factos que forem desfavoráveis ao declarante; quanto aos restantes, o documento é livremente apreciado pelo julgador (art. 372º, 2 do Código Civil).”
E a ser deste modo, o documento em apreço nos autos podia ser invocado, como prova plena, pelos autores contra os réus.
São pois válidos os seguintes argumentos aqui trazidos pelos réus/apelantes nas suas alegações de recurso:
A obrigação que se discute existe e está corporizada no referido documento de fls.17.
Na sua defesa os réus/apelados não alegaram que a mesma obrigação se extinguiu pelo cumprimento ou através de qualquer outra causa de extinção.
Segundo o disposto no nº1 do art.º 777º do Código Civil, “na falta de estipulação ou disposição especial da lei, o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação, assim como o devedor pode a todo o tempo exonerar-se dela.”
Por outro lado, prescreve do seguinte modo o seu nº2: “Se, porém, se tornar necessário o estabelecimento de um prazo, quer pela própria natureza da prestação, quer por virtude das circunstâncias que a determinaram, quer por força dois usos, e as partes não acordarem na sua determinação, a fixação dele é deferida ao tribunal.”
Concluindo, nos casos em que é certa a obrigação e só é incerto o prazo do seu cumprimento, funciona o disposto nos artigos 1026º e 1027º do CPC, os quais e como já vimos, têm por fim regular unicamente a referida fixação de prazo.
No caso dos autos, os autores têm apenas de justificar o pedido de fixação e indicar o prazo que reputem adequado para tal.
Tendo havido resposta por parte dos réus, impunha-se à Sr.ª Juiz “ a quo”, que cumprindo o disposto na parte final do nº2 do artigo 1027ºdo CPC, efectuasse as diligências probatórias necessárias e, posteriormente decidisse o pedido formulado pelos autores.
Em suma, merece pois provimento o recurso aqui interposto.
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Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC).
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se procedente o presente recurso de apelação e revoga-se a decisão recorrida, determinando-se que a mesma seja substituída por despacho que faca prosseguir os autos nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 1027º, nº2, parte final do CPC.
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Custas pela parte vencida a final.
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Notifique.
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Porto, 2 de Julho de 2020
Carlos Portela
Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos