Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
135/17.0T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA DIAS DA SILVA
Descritores: ARRENDAMENTO URBANO
FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
CAUSA DE PEDIR
Nº do Documento: RP20220713135/17.0T8VNG.P1
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O direito de resolução do contrato de arrendamento urbano para habitação é um direito potestativo do senhorio, extintivo e dependente de um fundamento, razão porque precisa de se verificar um facto que crie este direito.
II - “In casu” o fundamento invocado pela autora/apelante para o surgimento desse seu invocado direito foi a falta de pagamento das rendas por parte dos arrendatário.
III – Mas tendo a mesma apenas alegado que os réus/arrendatários apenas não haviam pago a renda, com a actualização que entendia devida, num único mês e apenas dias depois intentou a presente acção, é evidente que mesma não tinha legitimidade substantiva para intentar a presente acção, por carecer do direito em que a estribava, donde a manifesta improcedência da acção.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação
Processo n.º 135/17.0T8VNG.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia – Juiz 5

Recorrente – AA
Recorridos – BB CC e DD

Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntos – Desemb. Ana Lucinda Cabral
Desemb. Rodrigues Pires



Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – AA em 5.01.2017 intentou no Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia a presenta acção declarativa de condenação contra
- EE,
- CC e mulher, e
- FF, pedindo que fossem:
a) declarados resolvidos os contratos de arrendamento relativos ao imóvel acima identificado;
b) os réus condenados a deixar imediatamente livre e desocupado de pessoas e coisas os respectivos locados; subsidiariamente:
c) a pagar as rendas vencidas, de 202,17 €/mês o primeiro demandado;
d) 220,05 €/mês os segundos demandados;
e) 125,17 €/mês o terceiro demandado, desde 01.01.2017.
Para tanto, alegou, em síntese, que o prédio sito na …Praia ..., gaveto da Rua ... e Trav...., inscrito na matriz predial urbana da ... sob o artigo ...98.º e descrito na Conservatória sob o n.º ...30, adveio à sua posse por herança de sua tia GG, de cuja herança é cabeça de casal. Aquando da aquisição por parte da autora o imóvel encontrava-se arrendado aos aqui demandados. Mas por carta de 24 de Junho de 2013, a autora tomou a iniciativa de actualização da renda autorizada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto e por essa carta foi comunicado a todos os locatários que o contrato transitava para o NRAU com o prazo de 5 anos, bem como era proposta actualização da renda.
Porém, nenhum dos locatários aceitou a renda proposta; o senhorio requereu no Competente Serviço de Finanças a avaliação do imóvel. Em resultado da avaliação efectuada, a renda foi fixada nos termos do art.º 35.º n.º 1 al. a) e comunicada por carta de 22.11.2016, sendo que a renda do 1.º demandado é de 202,17€/mês, a do segundo de 220,05€ e a do terceiro de 125,17€, vencendo-se no dia 1 de Janeiro de 2017. Sucede que nenhum dos demandados aceitou pagar a renda fixada em função do valor patrimonial do imóvel, tendo invocado a irregularidade da comunicação e a ilegitimidade da autora para proceder à actualização das rendas.
Em face da recusa no pagamento da renda é patente o incumprimento do contrato nos termos do art.º 1083.º n.º 1 do C.Civil, o que confere à autora o direito a resolver os contratos em causa.
*
Regular e pessoalmente citados, os réus vieram contestar pedindo a improcedência da acção.
Para tanto, invocaram a ineptidão da p. inicial, a ilegitimidade da autora, a ineficácia da comunicação datada de 27.07.2013 e terminaram impugnando todos os factos alegados pela autora na sua p. inicial.
*
O réu CC requereu a intervenção principal provocada de DD, sua mulher, alegando, em síntese, que estando em causa uma acção que visa o despejo da casa que constitui a sua morada de família, deve aquela intervir como ré.
Intervenção, essa, que foi admitida por despacho de 18.10.2021, tendo a mesma sido citada, vindo depois aos autos declarar fazer seus os articulados do marido.
*
Tendo-se verificado o óbito do réu FF antes de o mesmo ser citado para os termos da acção, a autora declarou desistir da instância relativamente ao mesmo, desistência, essa, que foi oportunamente homologada.
*
Entretanto, também o réu EE faleceu a .../.../2018, tendo-lhe alegadamente sucedido no direito ao arrendamento do imóvel, a sua filha BB, nos termos da al. e), do n.º 1 do artigo 57.º do NRAU, pessoal sujeita a medidas de acompanhamento de pessoa maior desde 3.06.1975, para se assegurar o seu bem-estar e o pleno exercício de todos os seus direitos desde da data em que atingiu a maioridade.
*
Por requerimento de 18.11.2021, a autora veio interpor incidente de despejo imediato, invocando que a ré BB não estava a proceder ao pagamento da renda actualizada, depositando apenas €60,00/mês.
*
Em 23.11.2021 foi proferido o seguinte despacho: “Notifique os réus para, em dez dias, comprovarem o pagamento ou depósito das rendas vencidas e da importância da indemnização devida após a apresentação da contestação, sob pena de ser decretado o despejo imediato”.
*
A ré BB contestou o referido incidente de despejo imediato, alegando o cumprimento do pagamento das rendas devidas, no valor mensal de €60,00, mais alegando ser inexigível quantia superior por ineficácia das comunicações datadas de 27.07.2013 e de 16.11.2016; acrescentando ainda que a questão que se encontra em discussão na acção principal é o quantum da renda, nomeadamente se é devida quantia superior por força da comunicação datada de 16.11.2016, concluindo pela inconstitucionalidade dos n.ºs 4 e 5 do art.º 14.º do NRAU e, comprovou documentalmente o pagamento das rendas vencidas na pendência da acção, cujos comprovativos não estavam juntos aos autos, ou seja, entre Agosto de 2020 até Novembro de 2021.
*
Designou-se e realizou-se audiência prévia e no âmbito da mesma conheceu-se do mérito da causa, tendo sido proferida sentença de onde consta: “Decisão.
Pelo exposto, julgo a acção manifestamente improcedente, sendo os réus absolvidos do pedido.
As custas correm pela autora por ter ficado vencida (artigo 527.º, 1, do CPC).
Notifique e registe”.
*
*
Inconformada com a tal decisão, dela veio a autora recorrer de apelação pedindo a sua revogação e substituída por outra que decrete a nulidade da sentença por violação de caso julgado e a nulidade da sentença por o Tribunal não ter atendido aos factos constitutivos do direito da autora na pendência da causa (direito a pedir a resolução do contrato por falta da pagamento de rendas).
A apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões:
1. Tendo sido proferido despacho a mandar notificar o locatário para, no prazo de dez dias, proceder ao depósito das rendas vencidas na pendência da causa, sob pena de despejo imediato, o qual transitou em julgado, não pode de seguida, proferir sentença a decidir do mérito da causa.
2. Ao proferir o despacho a ordenar a notificação do réu, no âmbito de incidente processual, o senhor Juiz sanou implicitamente, quaisquer irregularidades processuais (o chamado caso julgado implícito).
3. Se se considerar que a acção havia sido interposta sem a verificação de falta de pagamento de três meses de renda, ou seja, quando a obrigação do réu só se vencer depois de proposta a acção, responde o autor pelas custas (artigo 535.º n.º 2 al. b) do CPC.
4. No caso de inexigibilidade da obrigação no momento em que a acção foi proposta, não impede que se conheça da existência da obrigação, desde que o réu a conteste, nem que este seja condenado a satisfazer a prestação no momento próprio.
5. O que não é o caso dos autos, uma vez que a obrigação (pagamento da renda) se venceu na pendência da causa.
6. Ainda nos termos do art.º 611.º “… deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à propositura da acção”.
7. No caso presente impunha que o Tribunal apreciasse a verificação de factos relativos aos valores de rendas vencidas e não pagas.


A ré, BB/apelada juntou aos autos as suas contra-alegações onde pugna pela confirmação da decisão recorrida.


II – Os factos relevantes para a decisão do presente recurso são os que estão enunciados no supra elaborado relatório, pelo que, por razões de economia processual, nos dispensamos de os reproduzir aqui.
III – Como é sabido o objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
*
Ora, visto o teor das alegações da autora/apelante são questões a apreciar no presente recurso:
1.ª – A natureza, valor e eficácia do despacho de 23.11.2021.
2.ª- Da alegada nulidade da sentença.
3.ª- O direito potestativo da resolução do contrato de arrendamento urbano para habitação.
*
*
Em síntese, conforme decorre dos autos, a autora demandou três réus – locatários, peticionando a resolução dos respectivos contratos de arrendamento urbanos para habitação, com fundamento na falta de pagamento de rendas. Rendas, essas, que a mesma havia decidido actualizar à luz da Lei n.º 31/2012, de 14.08, com efeitos a 1.01.2017 e que, segundo a mesma, havia cumprido todas as estipulações legais, mormente, efectuado as necessárias comunicações aos locatários, e não obstante os mesmos não procederam ao pagamento dessa renda actualizada, daí que, logo no dia 5.01.2017 deu entrada da presente acção contra os mesmos.
Depois das várias vicissitudes ocorridas nos autos e espelhadas no relatório supra elaborado, ou seja, e em síntese, relativamente ao réu FF, falecido antes de ter sido citada para a acção, verificou-se que o respectivo locado foi entregue à autora pela filha do falecido, tendo-se assim posto fim ao respectivo litígio.
No que concerne aos réus CC e mulher, DD, estes, entretanto passaram a pagar à autora a renda actualizada como era pretendido, contudo não obstante a autora ter vindo requerer a extinção da respectiva instância por inutilidade superveniente da lide, a que os réus se opuseram, por despacho de 20.10.2017, foi decidido não se verificar inutilidade da lide.
Pelo que, na sua essência, o litígio mantêm-se relativamente aos supra referidos réus e ao réu EE, falecido na pendência da acção em .../.../2018, tendo-lhe alegadamente sucedido no direito ao arrendamento, a sua filha BB, pessoa sujeita a medidas de acompanhamento de pessoa maior desde 3.06.1975.
*
A 1.ª instância veio a julgar a acção totalmente improcedente, absolvendo os réus do pedido, para o que considerou, além do mais, que: ”(…) A presente acção pode ser decidida de imediato por se entender que a autora, com base nos factos que faz constar da petição inicial, sendo estes que fixam o objecto do processo e constituem a causa de pedir, e relativamente à qual não houve alteração, não tem o direito que se arroga de lograr a resolução dos contratos de arrendamento.
(…)
Aprofundando a relação estabelecida entre as partes e tendo em consideração designadamente o objecto negocial, podemos concluir que entre as partes, aqui já não cuidando do terceiro réu por ter havido desistência da instância quanto a si, foram celebrados dois contratos de arrendamento, que se julga serem para habitação.
Uma nota para referir que nenhuma das partes trouxe ao processo os próprios contratos de arrendamento (não se sabendo sequer se constam de documento escrito) ou sequer os descreveu na sua essencialidade, o que em rigor faz com que não se conheçam os seus elementos, sequer com precisão o locado sobre que visam uma vez que a autora alude apenas a um bem imóvel e (inicialmente) a três arrendatários, salvo a renda que cada um deve pagar porque essa a autora invoca.
Não obstante, estando em causa uma relação arrendatícia, importa ter presente que a locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa mediante retribuição, aludindo-se a arrendamento quando a locação incida sobre coisa imóvel (artigos 1022.º e 1023.º, 1.ª parte, ambos do Código Civil).
(…)
Veio a autora pedir a resolução judicial dos contratos de arrendamento celebrados com os réus com fundamento na falta de pagamento das rendas.
Na verdade, a retribuição do contrato de arrendamento urbano denomina-se renda, ou seja, a contrapartida da concessão do gozo temporário do prédio (artigo 1075.º, 1 do Código Civil), sendo o seu pagamento uma das obrigações do arrendatário (artigo 1038.º, a), do Código Civil).
(…)
Com efeito, o instituto jurídico da resolução encontra-se regulado: de forma geral para todos os contratos nos artigos 432.º a 436.º do Código Civil; de forma específica para o contrato de locação nos artigos 1047.º a 1050.º do Código Civil; (iii) e, ainda, no que respeita ao contrato de arrendamento urbano, nos artigos 1083.º a 1807.º do mesmo diploma legal.
No que releva para o presente caso, resulta do n.º 3 do artigo 1083.º do Código Civil que é inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário ou de oposição por este à realização de obra ordenada por autoridade pública, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3 a 5 do artigo seguinte.
Aqui chegados logo se vê que a autora não tem fundamento para peticionar a resolução dos contratos de arrendamento porque a lei faz depender tal pedido de mora do arrendatário igual ou superior a três meses no pagamento da renda, certo que a autora intentou a acção no mesmo mês em que era devida a primeira renda actualizada.
E ainda que a autora tenha vindo posteriormente alegar que após ter intentado a acção, o réu EE, entretanto falecido, não pagou as três rendas seguintes, não se deve perder de vista que que a falta de pagamento destas rendas deveria ser o fundamento que suportaria a pretensão inicial da autora, pelo que a sua invocação como não tendo sido pagas na pendência da acção não permite transformar tal facto no pressuposto que à data da entrada em juízo da petição inicial deveria estar verificado para que a autora pudesse intentar esta acção de resolução dos contratos de arrendamento.
Não obstante, sempre se acrescenta que essa alegação não parece sequer verdadeira, na medida em que resulta dos documentos de fls. 119 e seguintes, concretamente a fls. 135/136 que alguns pagamentos foram efectuados, pelo que não estaria em falta o valor relativo a três rendas (…)”
*
*
1.ª questão - A natureza, valor e eficácia do despacho de 23.11.2021.
Como resulta do supra elaborado relatório, na pendência da presente acção, em 18.11.2021 veio a autora/apelante deduzir incidente de despejo imediato contra BB. Alegando, em síntese, que a referida filha de EE desde a data da p. inicial e até ao presente apenas tinha depositado mensalmente na Banco 1..., a título de renda do locado, a quantia de €60,00/mês, quando a renda, não obstante e “conforme resulta da determinação do valor patrimonial e invocado no artigo 9º da petição, o valor da renda mensal é de 202,17€”, pelo que se “verifica a falta de pagamento de um valor mensal de 142,17€”. Pelo que requereu que “se digne notificar a arrendatária, na pessoa do seu representante legal, ora nomeado, para que proceda ao depósito dos valores em falta, acrescidos da indemnização devida”.
Pelo que, em 23.11.2021 foi proferido despacho com o seguinte teor: “Notifique os réus para, em dez dias, comprovarem o pagamento ou depósito das rendas vencidas e da importância da indemnização devida após a apresentação da contestação, sob pena de ser decretado o despejo imediato”.
Em 2.12.2021, a ré BB veio contestar tal incidente pedindo a improcedência do mesmo, ou seja, que “se dê por provado o pagamento de todas as rendas durante a pendência da acção, no valor mensal de 60,00€ (sessenta euros) e considere inexigível o valor peticionado de €202,17 (duzentos e dois euros e dezassete cêntimos), uma vez que tal valor está a ser discutido na pendência da acção principal de despejo”.
Entretanto foi proferido despacho saneador sentença, ficando prejudicada decisão do referido incidente.
Mas vejamos.
Preceituam os n.ºs 3, 4 e 5, do art.º14.º, da Lei n.º 6/2006, de 27.02 (NRAU) (na redacção introduzida pela Lei n.º 31/2012, de 14.08 que:
3 - Na pendência da acção de despejo, as rendas que se forem vencendo devem ser pagas ou depositadas, nos termos gerais.
4 - Se as rendas, encargos ou despesas, vencidos por um período igual ou superior a dois meses, não forem pagos ou depositados, o arrendatário é notificado para, em 10 dias, proceder ao seu pagamento ou depósito e ainda da importância da indemnização devida, juntando prova aos autos, sendo, no entanto, condenado nas custas do incidente e nas despesas de levantamento do depósito, que são contadas a final.
5 - Em caso de incumprimento pelo arrendatário do disposto no número anterior, o senhorio pode requerer o despejo imediato, aplicando-se, em caso de deferimento do requerimento, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 7 do artigo 15.º e nos artigos 15.º-J, 15.º-L e 15.º-M a 15.º-O».
Como já referia o Prof. Alberto dos Reis, in RLJ, ano 78.º, págs. 52 e 64, citado por Pais de Sousa, in Extinção do Arrendamento Urbano, pág. 297 “a admissibilidade do despejo imediato na pendência da acção por objectivo tutelar os interesses dos senhorios susceptíveis de serem afectados pela morosidade na apreciação da questão principal, tendo em conta a natural ou a anormal morosidade da resposta judiciária”. Pois na verdade este incidente não é uma novidade na actual legislação arrendatícia, porque a previsão do mesmo remonta ao Decreto n.º 22.661, de 13.06.1933, passou depois para o art.º 979.º do C.P.Civil de 1939, mais tarde, para art.º 58.º do RAU até à actualidade para o art.º 14.º do NRAU.
O incidente de despejo imediato contudo teve sempre idêntico objectivo, ou seja, forma de pôr termo a eventuais situações abusivas dos arrendatários, evitando a disseminação de tais comportamentos, principalmente decorrentes da morosidade da decisão da acção principal, permitindo aos senhorios obter o despejo com fundamento na falta de pagamento das rendas vencidas durante a acção, caso estas não sejam pagas ou depositadas. Ou seja, quer a doutrina, quer a jurisprudência, têm entendido que este incidente tem uma dupla natureza, preventiva e coactiva. Refere a este propósito Aragão Seia, in “Arrendamento Urbano”, pág. 366 “…como medida preventiva, protege o arrendatário, evitando que a sua imprudência ou negligência fizessem avolumar de tal modo o montante das rendas não pagas que o viessem a impossibilitar de efectuar os pagamentos liberatórios. Isto geraria, como consequência, o despejo irremediável em acção posterior. Como medida coactiva, ao mesmo tempo que protege o senhorio, compele o arrendatário a pagar as rendas que se vão vencendo, não deixando que se aproveite da demora do processo, sob pena de pesados depósitos liberatórios e de, caso os não efectue, ser imediatamente despejado…”.
Tal incidente enxertado na acção de despejo não sofreu alterações significativas nos sucessivos normativos legais que o preceituaram. Todavia, deram lugar a larga discussão doutrinal e jurisprudencial, mormente a nível do T. Constitucional, (Ac. n.º 673/2005, de 6.12.2005 e Decisão sumária n.º 101/2010, de 17.10.2010 e Ac. 327/2018, de 27.03.2018) relativamente à amplitude dos meios de defesa permitidos ao réu/arrendatário.
Quanto a esta questão apenas diremos, com aplicabilidade ao caso em apreço nos autos, que seguimos o entendimento expresso no Ac. da Rel. de Lisboa de 17.05.2007, in www.dgsi.pt, ou seja que: “Não pode decretar-se o despejo imediato, por falta de pagamento de rendas vencidas na pendência da acção de despejo, quando nesta está ainda em discussão saber se o locatário tinha ou não a obrigação de pagar as rendas indicadas pelo autor ao fundamentar a causa” e “O exposto (…) continua a ser válido à luz do NRAU (cfr. n.ºs 3 e 4 do artigo 14.º do NRAU)”. Ou seja, é manifestamente desadequado quer do ponto de vista processual, quer do ponto de vista substantivo, que quando na acção principal esteja controvertida a própria obrigação de pagamento de renda, quer quanto à sua existência ou montante, se possa validamente lançar mão do incidente de despejo imediato, já que nesse caso, não é possível falar em rendas vencidas a que se reporta o n.º 4 do art.º 14.º do NRAU, pois é admissível que em sede de decisão da acção principal se venha a concluir pela inexistência da obrigação, ou que é outro o montante de renda devida. Destarte, nesses casos, tendo sido deduzido incidente de despejo imediato, o mesmo deverá ser ou indeferido, ou pelo menos, ser suspenso até decisão final da acção, por pendência de questão prejudicial.
Em suma trata-se de um incidente enxertado numa acção declarativa, com uma causa de pedir e um pedido próprios e embora relacionado com o objecto da acção principal é dela autónomo, quer a nível substantivo quer a nível processual, podendo, evidentemente ter efeitos na decisão final dela.
Ora, quanto à questão da definição de incidente, temos para Salvador da Costa, in “Incidentes da Instância”, pág. 7, “...trata-se de uma questão surgida no decurso do processo distinta da questão principal que dele é objecto mas com ela relacionado. ... A ideia que está na base do incidente processual é a de que, no processo que é próprio de uma determinada acção ou de um recurso, se incrusta uma questão acessória e secundária que implica a prática de actos processuais que extravasam do núcleo processual da espécie em que se insere”. Ou como o definiu Alberto dos Reis, in Comentário ao CPC, 3.º vol., pág. 563, “...pressupõe, em regra, a existência de uma questão a resolver que se configure como acessória e secundária face ao objecto da acção ou do recurso e como ocorrência anormal e com autonomia processual em relação ao processo principal.”
Em suma, embora não exista uma definição legal específica do que deva considerar-se como incidente, poderemos talvez encontrar a possibilidade de formulação de uma definição que assente em toda a ocorrência suscitada no processo, em princípio prevista na lei, que pressuponha a existência de uma questão acessória ou secundária a resolver, suscitada normalmente através da apresentação de um requerimento, pedido ou promoção, e que implique uma decisão ou uma dada actividade processual.
Para Aragão Seia, in obra supra citada, pág. 367, refere ainda a propósito do incidente de despejo imediato que, embora tendo a estrutura de uma nova acção declarativa, pressupõe a pendência de uma acção de despejo e que “… só se pode falar em rendas vencidas na pendência da acção se esta tiver subjacente um arrendamento válido, que não é posto de qualquer modo em questão pelo réu ou se este não põe em causa a qualidade de senhorio que o autor se arroga para receber as rendas…”.
Vejamos agora qual a natureza do despacho proferido a 23.11.2021.
Ora, atenta a definição dada pela lei de despacho de mero expediente, como “aquele que se destina a prover ao andamento regular do processo sem interferir no conflito de interesses entre as partes”, cfr. n.º 4 do art.º 152.º do C.P.Civil - ou, como é entendimento jurisprudencial, aquele que, proferido pelo juiz, não decide qualquer questão de forma ou de fundo, e se destina principalmente a regular o andamento do processo.
Na realidade tal despacho nada mais é do que o passo processual e judicial imediato à interposição pelo senhorio de um incidente de despejo imediato, fundamentado apenas na dedução de tal incidente e respectivo pedido, e na alegação do senhorio de que se verificam as circunstâncias a que se reportam os n.ºs 3, 4 e 5, do art.º14.º, da Lei n.º 6/2006, de 27.02 (NRAU). Ou seja, dúvidas não restam de que o mesmo apenas se destina a prover ao andamento regular do incidente sem a mínima interferência, decisiva ou outra, quer a nível substantivo, quer a nível processual, no conflito existente entre as partes e expresso no objecto da acção onde tal incidente foi enxertado.
Logo, desse despacho não decorre nem pode decorrer, como pretende a autora/apelante dentro da sua fértil imaginação argumentativa, que o Tribunal ao proferi-lo “…implicitamente, considera sanadas as irregularidades existentes ou a falta de pressupostos processuais, pois que assim se deve interpretar a decisão de mandar notificar os locatários para procederem ao depósito das rendas vencidas na pendência da acção”. Na verdade, o incidente de que se cura tem uma causa de pedir própria e prevista na lei, n.ºs 3, 4 e 5, do art.º14.º, do NRAU, e um pedido próprio nela fundado, mas não obstante ser enxertado na acção de despejo, processualmente nenhuma influência tem, “in casu”, mormente a nível substantivo relativamente ao objecto do processo.
Mais se dirá ainda que, como abaixo se verá, na acção de despejo o vício que a inquinava não era meramente processual (qualquer as irregularidades existentes ou a falta de pressupostos processuais) mas sim um vício substantivo, inexistência do direito substantivo à resolução do contrato a que se arrogava a autora/apelante.
Destarte e sem necessidade de outros considerandos, improcedem as respectivas conclusões da apelante.
*
2.ª questão - Da alegada nulidade da sentença.
Sem qualquer razoabilidade vem a apelante defender que a decisão proferida em 1.ª instância está inquinada de nulidade de sentença nos termos da al. d) do n.º1 do art.º 615.º do C.P.Civil.
Vejamos.
Diz em concreto a apelante que “…o senhor juiz não podia revogar anterior despacho transitado em julgado, no sentido de prosseguimento do incidente para, em contradição com esse despacho, reapreciar pressuposto processual já sanado no decurso da lide…”
*
Como é sabido, segundo o disposto no art.º 615.º n.º1 al. d) do C.P.Civil, a sentença é nula se deixa de conhecer na sentença de questões de que devia tomar conhecimento ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Este vício traduz-se no incumprimento ou desrespeito por parte do julgador, do dever prescrito no art.º 608.º n.º2 do C.P.Civil, cfr. Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, pág. 690 e Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código de Processo Civil”, Vol. III, pág. 247, segundo o qual deve o juiz resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
A nulidade da al. d) do n.º1 do art.º 615.º do C.P.Civil, é assim a sanção pela violação do disposto no art.º 608.º n.º 2 do C.P.Civil, o qual impõe ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação mas, por outro lado, de só poder ocupar-se das questões suscitadas pelas partes, salvo tratando-se de questões do conhecimento oficioso do Tribunal (omissão ou excesso de pronúncia).
Importa, porém, ter em atenção que uma coisa são os argumentos ou as razões de facto e/ou de direito e outra, essencialmente diversa, as questões de facto ou de direito.
Ora, as questões que o Tribunal está obrigado a conhecer são os pontos de facto e ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções invocadas nos autos. Ou, seja como já se decidiu “essas questões centram-se nos pontos fáctico-jurídicos que estruturam as posições das partes na causa, designadamente os que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as excepções”.
Perante tais considerações é manifesto que não assiste qualquer razão à apelante. Na verdade e atento o que já se deixou consignado inexistiu qualquer revogação de despacho proferido nos autos, inexistiu qualquer sanação de irregularidades ou pressupostos processuais e inexiste qualquer contradição entre o referido despacho proferido no incidente de despejo imediato e a decisão proferida na acção de despejo, ora recorrida. Nesta, é manifesto que a 1.ª instância conheceu e decidiu de todas as questões que as partes tinham submetido à sua apreciação e de que lhe era lícito conhecer no momento.
Pelo que, sem necessidade de outros considerandos, inexiste a apontada nulidade da decisão recorrida.
Improcedem as respectivas conclusões da apelante.
*
3.ª questão- O direito potestativo da resolução do contrato de arrendamento urbano para habitação.
Como é sabido, as figuras de resolução, revogação, caducidade e denúncia surgem-nos na nossa legislação como modos de extinção da relação contratual, em virtude de gerarem a cessão do vínculo contratual, constituem desvios ao princípio “pacta sunt servanda”, ligado à estabilidade contratual, na sua vertente da irrevogabilidade.
O Prof. Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, pág. 281 define resolução como sendo “o acto de um dos contraentes dirigido à dissolução do vínculo contratual em plena vigência deste, e que tende a colocar as partes na situação que teriam, se o contrato não houvesse celebrado.”.
Ora o exercício do direito de resolução pressupõe a atribuição de uma legitimidade activa à parte que sofreu o incumprimento ou também à parte que se sentiu lesada através de factos concretos e objectivos. Ou dito de outra forma, o direito de resolução é um direito potestativo extintivo dependente de um fundamento, razão porque precisa de se verificar um facto que crie este direito, isto é, um facto ou situação a que a lei liga, como consequência, a constituição, ou surgimento, desse direito potestativo.
E assim quando falamos na resolução, ocorre-nos falar numa situação de impedimento, que resulta da falta, recusa ou impossibilidade definitiva, seja esta parcial ou definitiva, no cumprimento de deveres de prestação ou outros deveres, que surgem como objecto da prossecução do contrato.
No que concerne à resolução do contrato de arrendamento urbano, temos de ter presente que em 1990, com a entrada em vigor do Regime de Arrendamento Urbano (RAU), que viabilizou a regra da não denunciabilidade “ad nutum” destes contratos. Segundo o RAU, nos contratos de arrendamento urbano para habitação, os contraentes poderiam estipular um determinado prazo (não inferior a cinco anos) para a duração do mesmo, tendo a denúncia do senhorio ser obrigatoriamente realizada por notificação judicial avulsa e requerida com o prazo de um ano antecedente ao fim do prazo estipulado no contrato ou sua renovação, cfr. art.º 98.º, n.º 1 e 99.º, n.ºs 1 e 2.
Posteriormente, e depois de alterações surgidas no RAU em 1995, em 2006, ocorreu uma nova reforma quanto ao arrendamento urbano, realizada pela Lei n.º 6/2006, de 27.02, continuando a afastar a faculdade dos senhorios de denunciar “ad nutum” o contrato.
Ora, a resolução do contrato de arrendamento urbano vem prevista nos art.ºs 1083.º a 1087.º do C.Civil, distingue-se um pouco dos traços gerais do regime da resolução dos artigos 432.º a 436.º do mesmo Código. A resolução, nos termos gerais, tem uma natureza extrajudicial, cfr. art.º 436.º n.º 1 do C.Civil, podendo ser afastada pelo senhorio, nos termos do art.º 1084.º n.º 2, do C.Civil tendo neste caso, o locador de não usar ou não acção de despejo, cfr. art.º 14.º da Lei n.º 6/2006. Porem, existe uma excepção nesta matéria, nas situações em que a resolução se basear nos fundamentos previstos na norma legal do art.º 1083.º, n.º 3 do C.Civil, em que basta o senhorio comunicar ao arrendatário, através de uma notificação avulsa ou contacto pessoal do advogado, solicitador ou solicitador de execução, comunicação, essa, que deve conter a fundamentação da obrigação não cumprida pelo locatário.
O n.º 2 do art.º 1083.º prevê que para haver fundamento para ocorrer o direito de resolução, é necessário “gravidade ou consequências que torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento”. Depois a lei prevê um elenco exemplificativo de incumprimentos de obrigações em que o arrendatário está vinculado, por vínculo da lei ou do contrato, preenchendo assim a justa causa, pelo que é motivo de fundamento de resolução do contrato de arrendamento, cfr. art.º 1083.º n.º 2 do C.Civil.
Como é óbvio, o pagamento da renda por parte do arrendatário é a obrigação mais importante, pelo que o seu incumprimento é extremamente gravoso para a esfera contratual, sendo motivo de inexigibilidade do contrato, nos termos do art.º 1083.º n.º 3 do C.Civil.
O art.º 1039.º n.º 1 do C.Civil determina onde é o lugar do pagamento, ou seja, considera que o local onde deve ser prestado o cumprimento desta obrigação é no domicílio do arrendatário à data do vencimento da obrigação. Trata-se de uma norma de natureza supletiva.
Ora, se a renda não for paga até à data do vencimento da obrigação, o arrendatário constitui-se em mora, podendo o senhorio exigir as rendas em atraso e uma indemnização equivalente a 50% do valor, cfr. art.º 1041.º n.º 1do C.Civil. Dando a lei ao senhorio, uma alternativa: ou pedir o direito de indemnização ou resolver o contrato. Se optar pela resolução do contrato, o senhorio só tem direito a exigir as rendas em dívida, não tendo qualquer direito a indemnização pela mora do arrendatário.
Para fazer cessar a mora, basta o arrendatário efectuar o pagamento da renda, no prazo de oito dias a contar desde o início da mora, cfr. art.º 1041.º n.º 2 do C.Civil. O arrendatário pode ainda fazer caducar o direito de resolução, se até ao prazo de oposição à execução, pagar, depositar ou consignar em depósito as rendas devidas e a indemnização, nos termos do art.º 1048.º n.º 1 do C.Civil.
*
Como acima se deixou expresso, o direito de resolução “in casu” do contrato de arrendamento urbano para habitação é um direito potestativo do senhorio, extintivo e dependente de um fundamento, razão porque precisa de se verificar um facto que crie este direito, isto é, um facto ou situação a que a lei liga, como consequência, a constituição, ou surgimento, desse direito potestativo.
In casu” o fundamento invocado pela autora/apelante para o surgimento desse seu invocado direito foi a falta de pagamento das rendas por parte dos arrendatário.
Preceitua o n.º 3 do art.º 1083.º do C.Civil que: “É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas, ou de oposição pelo arrendatário à realização de obra ordenada por autoridade pública, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo seguinte”, ou seja, apenas se invocando este fundamento legal nasce para o senhorio o direito potestativo de resolução do contrato de arrendamento.
Como é manifesto, foi grande a precipitação da autora/apelante ao intentar a presente acção invocando como fundamento a falta de pagamento das rendas que entendia serem as devidas (depois de actualizadas) por parte dos réus/arrendatários, uma vez que, como a mesma expressamente alegou tal actualização começou/çaria a produzir efeitos a 1.01.2017, e tendo verificado apenas que os arrendatários não pagaram as rendas com a dita actualização no mês de Janeiro de 2017, ou seja, as respeitantes a esse mês, isto é, ao 1.º que, segundo ela, seria devido com a referida actualização, logo no dia 5 de Janeiro de 2017 intentou contra eles a presente acção.
Perante esta simplicidade factual, manifesto é de concluir que a autora/apelante não tinha legitimidade substantiva para intentar a presente acção, por carecer do direito em que a estribava.
*
Processualmente, e como é sabido e ficou bem expresso na decisão recorrida (“A presente acção pode ser decidida de imediato por se entender que a autora, com base nos factos que faz constar da petição inicial, sendo estes que fixam o objecto do processo e constituem a causa de pedir, e relativamente à qual não houve alteração, não tem o direito que se arroga de lograr a resolução dos contratos de arrendamento, ou seja, o processo civil, em qualquer das suas fases, implica limites à dedução de pretensões ou de meios de defesa, não apenas por razões de disciplina processual, como ainda perante a necessidade de cada questão ser debatida na fase processualmente adequada. É por isso que os art.ºs 264.º e 265.º do C.P.Civil prescrevem uma forte limitação à alteração do pedido ou da causa de pedir (salvo quando se verificar acordo das partes, a causa de pedir apenas pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor). E, quanto ao pedido, podendo ser reduzido em qualquer altura, na falta desse acordo, apenas pode ser ampliado, mas não alterado, até ao encerramento da discussão em 1ª instância. Em qualquer dos casos com uma limitação: a de que tal não implique a convolação para relação jurídica diversa da controvertida.
O objecto do processo deve ser considerado bilateralmente, nele participando o pedido e a causa de pedir, esta não só para delimitar a matéria de facto a considerar pelo juiz, mas também para possibilitar a correspondência da individualização do objecto do processo com a fundamentação do objecto da sentença. E como se sabe, a causa de pedir consiste no facto jurídico concreto ou no complexo de factos jurídicos concretos, realmente ocorridos, fundamentadores da relação material controvertida invocada pelo autor na petição inicial, dos quais procede o efeito jurídico pretendido, a pretensão por si deduzida em juízo. Ou dito de outra forma, a causa de pedir, como facto jurídico de que procede a pretensão deduzida, consubstancia-se na factualidade alegada pelo autor como fundamento do efeito prático-jurídico visado, com a significação resultante do quadro normativo a que o tribunal deva atender ao abrigo do art.º 5.º n.º 3, e nos limites do art.º 609.º n.º 1, ambos do C.P.Civil. Assim decorre da relação de causa e efeito entre pedido processual e facto jurídico que o fundamenta que a “causa petendi” é a causa da procedência do pedido, ou seja, encontrando-se a configuração do pedido na exclusiva disponibilidade do autor, é imperativamente a partir deste que aquela causa tem de ser delineada.
Revertendo para o caso dos autos, manifesto é de concluir que inexistiu qualquer alteração da causa de pedir ou do pedido formulado pela autora/apelante, logo vendo o objecto do processo tal como foi estribado por esta na sua p. inicial, só nos resta concluir que a mesma não tinha o direito de resolução dos contratos de arrendamento urbano para habitação a que se arrogava por via da interposição da presente acção, pelo inexoravelmente a mesma tinha, como foi, de ser julgada totalmente improcedente, cfr. art.ºs 264.º, 265.º, 552.º, todos do C.P.Civil e n.º 3 do art.º 1083.º do C.Civil. Sendo ainda totalmente despropositada, atento o que acima se deixou consignado, a invocação pela autora/apelante do preceituado nos art.ºs 535.º n.º2 al. b) e 611.º, ambos do C.P.Civil com a interpretação que deles pretende retirar.
Improcedem as derradeiras conclusões da apelante.

Sumário:
………………………………
………………………………
………………………………


IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente e consequentemente confirma-se a decisão recorrida.

Custas pela autora/apelante.

Porto, 2022.07.13
Anabela Dias da Silva
Ana Lucinda Cabral
Rodrigues Pires